Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:077/15
Data do Acordão:02/25/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
EFEITO SUSPENSIVO
Sumário:I - A determinação do prazo prescricional aplicável à obrigação tributária nascida na vigência do CPT, a que se sucedeu prazo inferior, fixado pela LGT, faz-se, por força do disposto no art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou esta Lei, de acordo com a regra do art. 297.º, n.º 1 do CC, nos termos do qual «a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».
II - A entrada em vigor da LGT não faz cessar o efeito suspensivo do prazo prescricional decorrente, nos termos do n.º 5 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, do deferimento em data anterior de pedido de pagamento em prestações ao abrigo do regime previsto nesse diploma legal, efeito que apenas cessa com a decisão de exclusão do devedor desse regime.
III - A autorização para pagamento em prestações ao abrigo do regime do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, suspendia a cobrança da dívida sem necessidade da prestação de garantia, como expressamente consagrado, respectivamente, no n.º 10 do art. 14.º e no n.º 1 do art. 6.º, ambos do mesmo diploma legal.
Nº Convencional:JSTA000P18631
Nº do Documento:SA220150225077
Data de Entrada:01/22/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 234/14.0BEPNF

1. RELATÓRIO

1.1 A…………. (adiante Executado por reversão, Reclamante ou Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na parte em que, julgando parcialmente improcedente a reclamação judicial por ele interposta, ao abrigo do disposto nos arts. 276.º a 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da decisão do Serviço de Finanças de Valongo 2, não declarou prescritas as dívidas exequendas provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) dos anos de 1994 e 1995 e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 1995 e 1996.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, o Recorrente apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. Está em causa a eventual prescrição de dívida de IRC de 1994 e de 1995 e de IRS de 1995 e de 1996.

2. Os processos estiveram suspensos, em virtude do artigo 5.º, n.º 5 do DL 124/96 de 10 de Agosto, de 31.01.1997 até 1.10.2001.

3. A instauração do processo relativo ao IRC de 1994 ocorreu em 05-08-1996 e as restantes instaurações já na pendência do referido período suspensivo.

4. A citação do revertido ocorreu em 06-01-2009, não tendo ocorrido a citação do primitivo devedor.

5. O tribunal a quo entendeu aplicável para a determinação do prazo prescricional o CPT.

6. Ente entendimento faz errada interpretação e aplicação do artigo 297.º do Código Civil, pelo que incorreu em erro de julgamento.

7. Se ocorrer uma causa de interrupção da prescrição prevista no CPT (instauração da execução) e o processo não estiver, até à data da entrada em vigor da LGT, parado por mais de um ano, em virtude da adesão ao Plano Mateus, todo o período decorrido até ao facto interruptivo terá sido eliminado e não terá decorrido qualquer prazo até à entrada em vigor da nova lei.

8. Sendo o prazo da LGT inferior ao CPT será aplicável a LGT por, face ao CPT, faltar menos tempo para o prazo se completar.

9. A LGT prevê causas suspensivas da prescrição, ao contrário do CPT, sendo que o prazo prescricional suspende-se em virtude do pagamento de prestações legalmente autorizadas, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida, o que ocorre quando é prestada garantia ou quando é proferido despacho a isentara a mesma (artigos 49.º, n.º 4 da LGT e 169.º e 170.º do CPPT).

10. Na vigência da LGT não ocorreu qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição, pelo que devem ser reconhecidas e declaradas prescritas as dívidas de IRC de 1994 e de 1995, bem como as de IRS de 1995 e de 1996.

Termos em que nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., por todas as razões enumeradas nas antecedentes conclusões, impõe-se que seja revogada a sentença o ora recorrida, e consequentemente seja proferida outra que determine a prescrição das dívidas de IRC dos anos de 1994 e de 1995, bem como as do IRS de 1995 e de 1996, como é de JUSTIÇA».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação:

«[…] Como é jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal as causas de interrupção atendíveis para o cômputo do prazo da prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2, do art. 12.º do C. Civil.
Como acima se referiu as dívidas em causa são referentes a IRC de 1994 e 1995 e IRS dos anos de 1995 e 1996.
Tratando-se de dívidas nascidas em data posterior a 1.1.99, regia o disposto no art. 34.º do CPT que fixava, para tais imposto, um prazo de prescrição de 10 anos contados, a contar desde o inicio do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário.
A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e instauração da execução constituíam, no domínio desse compêndio normativo, factos interruptivos da prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo parasse por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
Há ainda a considerar, no caso, a suspensão do prazo prescricional decorrente da adesão ao apelidado “Plano Mateus” (DL 124/96, de 10 de Agosto).
Assim, relativamente ao IRC de 1994, iniciando-se a contagem do prazo prescricional em 01.01.1995, a mesma interrompeu-se em 5.08.1996 com a instauração da execução. Pelo mesmo motivo interrompeu-se o prazo da prescrição da dívida de IRC de 1995 em 12.02.1997, cuja contagem se havia iniciado em 01.01.96 e, no caso das dívidas de IRS dos anos de 1995 e 1996, essa interrupção verificou-se em 20.04.1998, tendo a contagem tido o seu início em 01.01.96 e 01.01.97, respectivamente.
Mas, para além do facto interruptivo decorrente da instauração da execução, há ainda a considerar o apontado efeito suspensivo decorrente da adesão ao apelidado “Plano Mateus” que, no caso do IRC de 1994 e do IRS de 1995 e 1996, se iniciou em 31.01.1997 e, no caso do IRC de 1995, em 12.02.1997, cessando em 18.10.2001, com a exclusão do executado desse regime de regularização de dívidas (cfr., a propósito, entre outros, os doutos Acs. deste Supremo Tribunal de 25-06-2008 - Procs. 0386/08 e 0446/08).
Assim, tendo em conta os factos interruptivos da prescrição atrás mencionados e o período de suspensão decorrente da adesão ao “Plano” do DL 124/96, de 10 de Agosto, facilmente se concluirá, por simples operação aritmética, que na data em que entrou em vigor a LGT (1/1/1999) faltavam mais de 8 anos para se completar prazo de prescrição de 10 anos previsto no CPT, sendo portanto aplicável o prazo de 8 anos previsto no art. 48.º, n.º 1 da LGT, nos termos do o art. 297.º do C. Civil, como aliás reconhece o Reclamante, ora Recorrente.
Sendo a LGT a lei aplicável, será ela que regulará os efeitos dos factos interruptivos e suspensivos da prescrição, nos termos do disposto no art. 12.º, n.º 2 do C. Civil.
Sucede que de acordo com o probatório da sentença não ocorreram, até à data da citação do ora Recorrente, quaisquer factos a que a LGT atribua efeito interruptivo ou suspensivo do prazo prescricional e o ora Recorrente também os não invoca.
Porém, aquando da entrada em vigor da LGT, o prazo da prescrição das dívidas em causa encontrava-se suspenso por efeito da adesão ao aludido “Plano Mateus”, suspensão essa que, como acima se referiu, tendo tido início em 31.01.1997, apenas cessou com a exclusão do executado desse regime de regularização de dívidas em 18.10.2001, sendo este o momento relevante para a determinação do termo inicial da contagem do prazo da prescrição previsto no art. 48.º, n.º 1 da LGT.
Com efeito, cessando a suspensão da prescrição em 18.01.2001 é a partir desse momento, e não a partir da entrada em vigor da LGT, que se inicia a contagem do prazo prescricional (cfr., neste sentido, os recentes doutos Acs. deste Supremo Tribunal de 08-01-2014 e de 28-05-2014 in Recs. n.ºs 01843/13 e 0907/13 [(Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso na indicação do número do processo do segundo acórdão mencionado: escreveu-se novamente 01843/13 onde se queria escrever 0907/13.)], respectivamente).
Assim, inexistindo desde 18.10.2001 operante causa interruptiva ou suspensiva da prescrição forçosamente se concluirá que nada data em que o ora Recorrente foi citado para a execução, o que ocorreu em 06.01.2009 (ponto 1 dos factos provados) ainda não se havia esgotado o prazo da prescrição das questionadas dívidas exequendas».

1.6 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.7 A questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que as obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas por IRC dos anos de 1994 e 1995 e por IRS dos anos de 1995 e 1996 não estavam prescritas.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A. Contra a sociedade B…………….., Lda., foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3565 1996 01012029 (por dívidas de IRC de 1994) e os seguintes apensos: 3565 1997 01012991 (por dívidas de IRC de 1995), 3565 1998 01008170 (por dívidas de IRC de 1996), 3565 1998 01009516 (por dívidas de IRS de 1995 e 1996), 3565 1999 01015290 (por dívidas de IRC de 1997), 3565 2005 01007122 (por dívidas de IRC de 2000), 3565 2005 01044249 (por dívidas de IRC de 2001) e 3565 2005 01063286 (por dívidas de IRC de 2002) – cfr. fls. 61 e ss. do processo físico.

B. Em 05.08.1996, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3565 1996 01012029 (por dívidas de IRC de 1994) – cfr. fls. 63 do processo físico.

C. Em 31.01.1997, no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs 3565 1996 01012029 (por dívidas de IRC de 1994) e 3565 1998 01009516 (por dívidas de IRS de 1995 e 1996), a devedora originária aderiu ao Plano Mateus, previsto no Decreto-Lei n.º 124/06, de 10 de Agosto, para pagamento das dívidas – cfr. fls. 63 e 65 do processo físico.

D. Em 12.02.1997, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3565 1997 01012991 (por dívidas de IRC de 1995) – cfr. fls. 64 do processo físico.

E. Em 12.02.1997, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3565 1997 01012991 (por dívidas de IRC de 1995), a devedora originária aderiu ao Plano Mateus, previsto no Decreto-Lei n.º 124/06, de 10 de Agosto, para pagamento das dívidas – cfr. fls. 64 do processo físico.

F. Em 20.04.1998, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3565 1998 01009516 (por dívidas de IRS de 1995 e 1996) – cfr. fls. 65 do processo físico.

G. Em 18.10.2001, no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs 3565 1996 01012029 (por dívidas de IRC de 1994), 3565 1998 01009516 (por dívidas de IRS de 1995 e 1996) e 3565 1997 01012991 (por dívidas de IRC de 1995), a devedora originária foi excluída daquele plano – cfr. fls. 63 a 65 do processo físico.

H. Em 22.01.2007, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Valongo 2 foi proferido despacho de reversão do processo de execução fiscal n.º 3565 1996 01012029 (por dívidas de IRC de 1994) e apensos, determinando a citação do reclamante e de C…………… para o pagamento da totalidade da dívida exequenda, enquanto responsáveis subsidiários – cfr. fls. 20 do processo físico.

I. Em 06.01.2009, pelo reclamante foi assinada certidão de citação relativa à reversão referida – cfr. fls. 30 e 31 do processo físico».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O ora Recorrente, na qualidade de executado por reversão, pediu ao Chefe do Serviço de Finanças de Valongo 2 que declarasse a prescrição das obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas.
Esse pedido foi indeferido e o Executado revertido reclamou judicialmente, ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT, dessa decisão para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, cuja Juíza indeferiu a reclamação na parte respeitante às dívidas por IRC dos anos de 1994 e 1995 e por IRS dos anos de 1995 e 1996 por considerar que não estavam prescritas as respectivas obrigações tributárias. Isto, em síntese e se bem interpretamos a sentença recorrida, porque, depois de tecer diversos considerandos em torno do instituto da prescrição, aplicação no tempo dos diversos regimes que se foram sucedendo e de elencar as causas de interrupção e de suspensão, tomando a dívida mais antiga – de IRS do ano de 2004 – e salientando que para as demais o raciocínio a efectuar era o mesmo (mutatis mutandis), considerou o seguinte

· nos termos do art. 34.º do Código de Processo Tributário (CPT), a contagem do prazo, que era de 10 anos (n.º 1), iniciou-se em 1 de Janeiro de 1995 (n.º 2), interrompeu-se em 5 de Agosto de 1996, com a instauração da execução fiscal (n.º 3), e suspendeu-se em 30 de Janeiro de 1997, com o deferimento do pedido de pagamento em prestações ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, e nos termos do art. 5.º, n.º 5, deste diploma, mantendo-se suspenso até 18 de Outubro de 2001;

· assim, o prazo de prescrição aplicável é o de 8 anos, previsto no art. 48.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), atento o disposto no art. 297.º, n.º 1, do Código Civil (CC), aplicável ex vi do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, que aprovou a LGT, uma vez que à data da entrada em vigor desta Lei – 1 de Janeiro de 1999 – à luz do CPT faltava mais de oito anos para se completar a prescrição;

· assim, porque o facto suspensivo apenas cessou os seus efeitos em 18 de Outubro de 2001, data em que a sociedade executada foi excluída do plano de pagamento em prestações ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, só nessa data se iniciou a contagem do prazo prescricional, que veio a ser interrompido com a citação do Executado por reversão (art. 49.º, n.º 1, da LGT), em 6 de Janeiro de 2009, ou seja, antes de se perfazerem os oito anos.

O Executado por reversão interpôs recurso da sentença, sustentado que as obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas por IRC de 1994 e 1995 e por IRS e 1995 e 1996 se encontram prescritas e que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, entende o Recorrente, em síntese, que

· «O tribunal a quo entendeu aplicável para a determinação do prazo prescricional o CPT», mas mal, porque será aplicável o prazo da LGT (cfr. conclusões 5 a 8);

· até 31 de Dezembro de 2007 (data em que se completaram 8 anos sobre a entrada em vigor da LGT) não se verificou causa interruptiva ou suspensiva do prazo de prescrição, sendo que, para que operasse a suspensão, seria imprescindível que fosse prestada garantia, ou dispensada a prestação da mesma, o que não se verificou nos processos de execução fiscal em causa.

Desde logo, a alegação do Recorrente, na parte em que sustenta que «[o] tribunal a quo entendeu aplicável para a determinação do prazo prescricional o CPT» só pode resultar de lapso ou, salvo o devido respeito, de uma menos atenta leitura da sentença. Na verdade, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi bem clara na exposição quanto à aplicação da lei no tempo, tendo concluído, de modo inequívoco: quanto à dívida de IRC de 1994, que «não há dúvidas de que em 01.01.1999 faltava mais tempo para se completar o prazo de prescrição de 10 anos previsto na lei antiga [CPT] do que o de 8 anos previsto na lei nova, pelo que é aplicável o prazo de 8 anos previsto na LGT» e, quanto às dívidas de IRC de 1995 e de IRS de 1995 e 1996, que «tendo em conta a identidade dos factos suspensivo e interruptivo, o raciocínio a fazer é o mesmo, pelo que […] é também aplicável o prazo novo da LGT».
Assim, é manifesto que a Juíza do Tribunal a quo considerou que a lei aplicável à contagem do prazo prescricional das dívidas em causa era a LGT.
Mal se compreende, pois, que o Recorrente venha reagir contra a sentença com fundamento em erro de julgamento por, alegadamente, nesta não se ter considerado como lei aplicável a LGT (conclusões 5 a 8).
Consequentemente, sempre salvo o devido respeito, a questão suscitada naquelas conclusões é uma questão putativa, na medida em que assenta num pressuposto – o de que a sentença teria considerado que a lei aplicável é o CPT – que não está verificado.
Assim, a única verdadeira questão suscitada pelo Recorrente é aquela que formulou sob as conclusões 9 e 10, ou seja, a de saber se, na vigência da LGT e por força do disposto no n.º 4 do seu art. 49.º, o prazo prescricional só pode suspender-se em virtude do pagamento de prestações legalmente autorizadas desde que haja suspensão da cobrança e para que esta suspensão da cobrança opere é imprescindível que seja prestada garantia ou dispensada a prestação da mesma, nos termos do disposto nos arts. 196.º e 170.º do CPPT, condição que não se verificou no caso sub judice.
Apesar de termos presente que a prescrição constitui matéria do conhecimento oficioso (art. 175.º do CPPT) – o que liberta o tribunal ad quem das amarras constituídas pelas conclusões das alegações, que delimitam o âmbito do recurso (cfr. art. 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), permitindo-lhe uma ampla reapreciação de toda a matéria pertinente para decidir a questão –, não encontrando nós motivo que nos leve a dissentir do decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, limitar-nos-emos a apreciar a argumentação do Recorrente no sentido de que a sentença recorrida não fez correcto julgamento quando considerou que as obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas não estavam prescritas.

2.2.2 DA PRESCRIÇÃO

Estabelecido que ficou que o prazo aplicável é o prazo prescricional de 8 anos previsto na LGT, cumpre, agora, verificar se tal prazo se consumou ou não, à luz da argumentação aduzida pelo Recorrente.
Como deixámos já dito, o Recorrente sustenta, por um lado, que desde a entrada em vigor da LGT até que se completou o prazo de 8 anos previsto no seu art. 48.º - em 31 de Dezembro de 2007 – não ocorreu nenhum facto interruptivo ou suspensivo da prescrição e, por outro, que sendo certo que a LGT prevê como causa de suspensão do prazo prescricional o pagamento em prestações legalmente autorizadas, quando determinem a suspensão da cobrança, esta suspensão depende da prestação de garantia ou da dispensa da sua prestação, o que não ocorreu nos processo de execução fiscal em questão. Vejamos:
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não invocou a ocorrência de facto interruptivo ou suspensivo no período da vigência da LGT senão a citação do Recorrente, já em 6 de Janeiro de 2009, o que prima facie poderia levar a considerar que este facto ocorreu já depois do termo do prazo de prescrição, como sustenta o Recorrente.
No entanto, não situou o dies a quo do prazo de prescrição – prazo de 8 anos, mediante a aplicação da LGT – na data da entrada em vigor da LGT, ao contrário do que o Recorrente pretende; e explicou porque o não fazia: porque o facto suspensivo decorrente do deferimento do pedido de pagamento da dívida ao abrigo das facilidades concedidas pelo Decreto-Lei n.º 124/96 só cessou o seu efeito em 18 de Outubro de 2001, com a declaração de exclusão da sociedade devedora originária do plano de pagamentos devido a incumprimento.
Ou seja, o prazo de prescrição que a sentença considerou foi o de oito anos previsto na LGT, mas não iniciou a sua contagem em 1 de Janeiro de 1999, data da entrada em vigor daquela Lei, porque nessa data o prazo encontrava-se suspenso por força do disposto no n.º 5 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, que dispunha: «O prazo de prescrição das dívidas suspende-se durante o período de pagamento em prestações».
Parece o Recorrente sustentar que esse efeito suspensivo não poderia prolongar-se após a entrada em vigor da LGT (apesar de admitir expressamente na 2.ª conclusão que os processos de execução fiscal estiveram suspensos até essa data) ou, pelo menos, que esse prolongamento sempre ficaria dependente da prestação de garantia ou da dispensa da sua prestação, atento o disposto no n.º 4 do art. 49.º da LGT.
Salvo o devido respeito, não tem razão. A entrada em vigor da LGT em nada contende com os efeitos de uma causa de suspensão ocorrida anteriormente, mantendo-se o prazo prescricional suspenso ao longo do período de pagamento em prestações nos termos do referido n.º 5 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 124/96, sendo que essa suspensão, como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo apenas cessa com a declaração de exclusão do regime de regularização de dívidas previsto naquele diploma legal. Ou seja, só com o despacho de exclusão se dá a cessação do efeito suspensivo do prazo de prescrição (É numerosa a jurisprudência da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que só com o despacho de exclusão do regime do pagamento em prestações cessa a suspensão da prescrição. Por mais recente e por ser do Pleno, o seguinte acórdão:
- de 7 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1576/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32420.pdf), págs. 248 a 253, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fe2c6923ea01ef7480257cd60052a1d2?OpenDocument.).
Nem faria sentido que fosse de outro modo, uma vez que a própria execução fiscal se encontra suspensa nos termos do art. 14.º, n.º 10.º («O deferimento do requerimento determina, enquanto o devedor reunir as condições referidas no artigo 3.º e, sendo caso disso, no artigo 11.º do presente diploma, a suspensão dos processos de execução fiscal em curso, bem como após a instauração, de novos processos, quando não se tornem necessários para garantir o valor da dívida, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 6.º».), do referido Decreto-Lei n.º 124/96, estando a Fazenda Pública, enquanto credora, impedida de cobrar a dívida enquanto se mantiver essa suspensão. A suspensão do processo de execução só cessa com o despacho de exclusão do regime de regularização de dívidas.
Resta averiguar da procedência do argumento esgrimido pelo Recorrente, de que, por força do disposto no n.º 4 do art. 49.º da LGT («O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida».), a suspensão da prescrição por força do pagamento em prestações só poderia ocorrer desde que tivesse sido prestada garantia ou tivesse sido dispensada a prestação da mesma, pois só nalguma dessas circunstâncias, que não se verificam no caso sub judice, poderia verificar-se a suspensão da cobrança da dívida.
Desde logo, cumpre ter presente que o invocado n.º 4 do art. 49.º da LGT – que foi introduzido pelo art. 89.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007) e que, nos termos do disposto no respectivo art. 163.º, só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007 – não refere a exigência de prestação de garantia ou de dispensa da prestação de garantia como condição para que o pagamento em prestações (ou qualquer outra das situações nele previstas) determine a suspensão da cobrança da dívida. Essa condição está prevista, sim, mas, relativamente ao pagamento em prestações previsto no art. 196.º do CPPT, pelo art. 199.º do mesmo Código.
Mas o Recorrente não leva em conta que, como deixámos já dito, o pagamento em prestações autorizado na execução fiscal não o foi ao abrigo do disposto no art. 196.º do CPPT (nem do art. 279.º do CPT, que o antecedeu), mas do regime do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, e que, como também já ficou dito, ao longo do período de pagamento em prestações assim autorizado, a cobrança da dívida ficou suspensa, nos termos do já referido n.º 10 do art. 14.º daquele diploma legal, e, consequentemente, também houve suspensão do prazo prescricional pelo mesmo período, como taxativamente afirmado no n.º 5 do art. 5.º do mesmo diploma.
Por outro lado, no art. 6.º, n.º 1, ainda do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto («O deferimento dos pedidos de aplicação das medidas previstas nos artigos 4.º e 5.º não carece de prestação da garantia a que se refere o artigo 282.º do Código de Processo Tributário».), exclui-se a necessidade de prestação de garantia – à data prevista no art. 282.º do CPT – como condição para, designadamente, a autorização do pagamento em prestações.
O recurso não pode, pois, ser provido, devendo manter-se a sentença recorrida, que bem decidiu a questão.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A determinação do prazo prescricional aplicável à obrigação tributária nascida na vigência do CPT, a que se sucedeu prazo inferior, fixado pela LGT, faz-se, por força do disposto no art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou esta Lei, de acordo com a regra do art. 297.º, n.º 1 do CC, nos termos do qual «a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».
II - A entrada em vigor da LGT não faz cessar o efeito suspensivo do prazo prescricional decorrente, nos termos do n.º 5 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, do deferimento em data anterior de pedido de pagamento em prestações ao abrigo do regime previsto nesse diploma legal, efeito que apenas cessa com a decisão de exclusão do devedor desse regime.
III - A autorização para pagamento em prestações ao abrigo do regime do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, suspendia a cobrança da dívida sem necessidade da prestação de garantia, como expressamente consagrado, respectivamente, no n.º 10 do art. 14.º e no n.º 1 do art. 6.º, ambos do mesmo diploma legal.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


*
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2015. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.