Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:048/14
Data do Acordão:04/09/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO DE SELO
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
PRÉDIO URBANO
Sumário:Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Nº Convencional:JSTA00068650
Nº do Documento:SA220140409048
Data de Entrada:01/16/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL - SELO
Legislação Nacional:L 55-A/12 DE 2012/10/29 ART6.
L 83-C/13 DE 2013/12/31.
CIMI03 ART6.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé de 27 de Outubro de 2013, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, S.A., com os sinais dos autos, contra liquidação de Imposto no Selo efectuada nos termos das alíneas f) e i) do n.º 1 do art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, no valor de € 127.174,67, anulando-a e condenando a Administração tributária na restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios, apresentando para tal as seguintes conclusões:
Deve ser dado provimento ao presente recurso, porquanto:
1 – A, aliás, douta sentença recorrida julgou mal por errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS.
2 – Desde que, como temos por certo, aquela disposição comporta a hipótese dos terrenos para construção que tenham como destino definido a construção dum edifício habitacional.
3 - Sentido e alcance que dão apoio sólido e decisivo a letra da lei, o seu espírito, e, a alteração da redacção proposta na LOE para 2014.
4 – A letra sustenta realmente a solução que defendemos, pois “afectar” no sentido rigoroso do verbo significa o mesmo que aplicar, destinar; quer dizer, exige que o destino do bem já esteja decidido, mas não a sua materialidade, a efectiva e concreta utilização, no presente.
5 – O espírito da lei conduz ao mesmo resultado, pois não colide antes corresponde ao ambiente de crise económica e financeira, assegura as novas necessidades, e, as tendências da tributação, manifestadas aquando da sua elaboração.
6 – A alteração do preceito presente na proposta de LOE é uma mera modificação de forma, que nem por isso passou a ter alcance e significação diversos do que tinha.
7 – Na verdade, a nova redacção confirma, sem sombra de dúvida, a interpretação que defendemos.
Assim, pelo exposto, e, principalmente, pelo que será suprido pelo Douto Tribunal, deve ser revogada a sentença sub judice, como é de JUSTIÇA

2 - Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos:
A. O próprio diploma que introduziu as alterações ao Código do Imposto do Selo (“CIS”) a fim de nele consagrar a tributação em sede daquele imposto da propriedade de prédios urbanos, através da verba n.º 28 – Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, padece de invalidade insanável porquanto está em clamorosa oposição com os princípios constitucionais da igualdade, que se manifesta nomeadamente através do princípio da capacidade contributiva, e da protecção da confiança.
B. A criação de um novo imposto incidente sobre os proprietários de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros, aplicável aos proprietários em 31 de outubro de 2012, quando a lei é publicada no dia 29 de Outubro (dois dias antes) e entra em vigor no dia 30 (um dia antes), viola de forma assaz evidente o princípio da confiança constitucionalmente protegido.
C. Porque as medidas não têm carácter temporário, mas antes permanente, não colhe o argumento, tantas vezes utilizado em outras ocasiões, de que o novo imposto visou assegurar necessidades extraordinárias de receita, com o que violou o legislador o princípio constitucional da proporcionalidade, sendo este o critério último para aferir da tutela jurídico-constitucional da confiança.
D. Sendo o imóvel objecto da liquidação impugnada um terreno para construção, sempre estaria excluído da norma constante da alínea f) do número 1 do art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
E. Um terreno para construção é um prédio urbano, porquanto, reúne os requisitos integrantes do conceito de prédio – realidade física, patrimonialidade e valor económico – e, qualquer que seja a afectação ou uso que esteja a ter, no caso de terrenos expectantes, é expressamente excluído do conceito de prédio rústico.
F. Independentemente de estarem situados dentro ou fora de um aglomerado urbano são considerados terrenos para construção todos aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de loteamento ou de construção ou, ainda, quando relativamente a essas operações tenha sido admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável.
G. A verificação de quaisquer dos elementos contidos no conceito de terreno para construção, determina, de imediato, uma alteração da sua anterior classificação – geralmente prédio rústico – determinando a consequente alteração da inscrição matricial (arts. 13.º, n.º 1, al. b), e 37.º do CIMI).
H. Um prédio é classificado como terreno para construção sempre que se verifiquem um conjunto de circunstâncias, em regra correspondentes à aplicação de normas pertinentes do regime jurídico que regula as edificações urbanas ou o fracionamento de prédios rústicas, que, em qualquer caso, indiciem a intenção de nele se construir, salvo se, por força de legislação aplicável, tal intenção não seja passível de efectiva concretização.
I. Na definição do âmbito da tributação do património a que se refere a verba 28 da TGIS, o legislador considera, como elemento relevante de capacidade contributiva, os prédios de elevado valor que, no segmento relativo a sujeitos passivos residentes em território português, sejam detidos para efeitos habitacionais.
J. Um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal.
K. Referindo-se, pois, a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
L. A expressão “com afectação habitacional” inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente.
M. A circunstância de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado à habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado.
N. Resultando do art. 6.º, do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como “prédios com afectação habitacional”.
Termos em que o presente recurso não deve merecer provimento. Assim se fará inteira JUSTIÇA!

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
(…)
3. A Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, aditou à Tabela Geral do Imposto do Selo a “Verba n.º 28”, sujeitando a imposto de selo, à taxa de 1%, os prédios urbanos “com afetação habitacional”, valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000,00 (um milhão de euros). Sendo que relativamente ao ano de 2012, é aplicável o regime transitório previsto no art. 6.º da mesma Lei, do qual resulta que o facto tributário considera-se verificado no dia 31 de Outubro de 2012, o valor patrimonial a considerar na liquidação corresponde ao que resulta das regras previstas no CIMI, por referência ao ano de 2011, e a taxa aplicável é de 0,5%, 0,8% ou 7,5%, consoante se trate, respectivamente, de prédios urbanos com afectação habitacional avaliados nos termos do CIMI, de prédios urbanos com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do referido Código ou de prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
Por sua vez o n.º 2 do artigo 67.º do CIS, aditado pela mesma Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, manda aplicar, subsidiariamente, às matérias não reguladas no Código e respeitantes à verba n.º 28 da tabela Geral o disposto no CIMI.
No preâmbulo do projecto de lei foram apresentados os seguintes motivos:
«A prossecução do interesse público, em face da situação económica-financeira do País, exige um reforço da consolidação orçamental que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.
Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa.
Nestes termos, será agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, passando as respectivas taxas de 25% para 26,5% em sede de IRS. As taxas de tributação aplicáveis aos rendimentos obtidos de, ou transferidos para, os paraísos fiscais são também agravadas para 35%.
Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros».
Resulta desta motivação do legislador que a tributação em causa visa “uma efectiva repartição dos sacrifícios”, fazendo incidir essa tributação sobre a propriedade (por contraposição aos rendimentos do trabalho, já atingidos por outras medidas). Por ser demasiado ampla, esta enunciação de motivos poucos contributos trazem para a interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”.
Importa, assim, perceber se no seio do CIMI, para o qual remete o n.º 2 do artigo 67.º do CIS, existem contributos que permitam esclarecer o sentido daquela norma de incidência.
Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI que a classificação dos prédios urbanos em quatro espécies: “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros”. E nos termos do n.º 2 os prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um daqueles fins.
Por sua vez o n.º 3 do mesmo preceito considera terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida a comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo.
E no âmbito das disposições relativas à avaliação dos prédios, o n.º 1 do artigo 40.º-A do CIMI, para efeitos de coeficientes de ajustamento de áreas, distingue entre “prédios cuja afectação seja a habitação”, prédios cujas afectações sejam o comércio ou os serviços”, “prédios cuja afectação seja a indústria” e “prédios cuja afectação seja a de estacionamento coberto”. Por sua vez o n.º 5 do mesmo normativo, para o mesmo efeito (ajustamento de áreas) e ao referir-se aos terrenos para construção já nos fala em “edificações autorizadas ou previstas” com qualquer daquelas afectações ou com mais do que uma afectação.
Por seu lado o artigo 41.º ao dispor sobre o coeficiente de afectação diz-nos que o mesmo “depende do tipo de utilização dos prédios edificados”.
Ou seja, o que resulta dos referidos normativos é que no âmbito do CIMI um prédio com determinada afectação (habitacional, comercial e industrial) pressupõe a existência de uma edificação apta para ser utilizada com determinado fim, o que não ocorre nos terrenos para construção, em que estamos perante apenas “edificações autorizadas ou previstas” com possível afectação à habitação ou outra.
É certo que a nova redacção da verba 28.1 da Tabela Geral do Selo introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, vem fazer incidir a tributação sobre “prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, mas tal norma não tem carácter interpretativo, antes é inovatória.
Afigura-se-nos, pois, que a Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, ao aditar à Tabela Geral do Imposto do Selo a “Verba n.º 28”, sujeitando a imposto de selo, à taxa de 1%, os prédios urbanos “com afetação habitacional”, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1 000 000,00 (um milhão), não engloba os lotes de terreno para construção, uma vez que aquela expressão pressupõe a existência de uma edificação apta para ser utilizada para habitação, requisitos que os lotes de terreno não possuem.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, a qual deve ser confirmada e o recurso ser julgado improcedente.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -

4 – Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao anular a liquidação sindicada na impugnação, no entendimento de que os terrenos para construção não se subsumem no conceito de prédios com “afetação habitacional” para efeitos de incidência do Imposto do Selo a que se refere a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, na sua redacção originária (entretanto alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro).
5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A) A impugnante é proprietária do lote de tereno para construção, denominado lote AL-1, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ……… sob o n.º 11475, com o valor patrimonial tributário de €25.434.934,48 - cfr. doc. 2 junto com a p.i.
B) Ato Impugnado: Relativamente ao exercício de 2012 foi efetuada, em 07.11.2012, a liquidação de Imposto do Selo n.º 2012 001896974, que apurou imposto no valor de €127.174,67, com data limite de pagamento de 20.12.2012, com a referência de que «a liquidação efetuada observa o disposto nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro» – cfr. doc. 1 junto com a p.i.
C) Em 20.12.2012 a Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação que antecede – cfr. doc. 3 junto com a p.i.
D) Em 20.03.2013 a Impugnante apresentou a presente impugnação judicial, remetida por via postal sob registo a este Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé – cfr. fls. 3 dos autos.


6 – Apreciando.
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida.
A sentença recorrida, a fls. 63 a 74 dos autos, julgou procedente a impugnação deduzida pela ora recorrida contra o aí sindicado acto de liquidação de Imposto do Selo relativo a 2012, anulando-o e determinando a restituição à impugnante do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios, no entendimento de que mostrando-se provado que o prédio objecto de tributação é um terreno para construção, a liquidação sob escrutínio enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (cfr. sentença recorrida, a fls. 72/73 dos autos).
Para assim decidir considerou a sentença recorrida, depois reproduzir as disposições legais cuja aplicação era directamente convocada no caso dos autos (verbas 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditadas pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e artigo 6.º dessa mesma Lei), que tendo sido utilizado naquelas normas de incidência um conceito que, na plenitude da sua expressão escrita, não é utilizado em qualquer outra norma de natureza tributária nesses precisos termos, qual seja, a de “prédio com afetação habitacional” (…) o ponto de partida para a correta interpretação daquela expressão (prédio com afetação habitacional) há-de buscar-se, não só na letra da lei, presumindo-se que o legislador se exprimiu convenientemente, mas também na sua integração sistemática com as normas constantes do CIMI, sem descurar a intenção ou espírito do legislador (…), tendo sido esse o raciocínio desenvolvido na decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa, em 02.10.2013, no processo n.º 53/2013-T, disponível em www.caad.org.pt - que confessadamente acompanha de perto, porquanto nela se revê inteiramente (cfr. sentença recorrida, a fls. 69 dos autos) -, na qual se consignou que sendo o conceito legal, para efeitos tributários, mais próximo do teor literal da expressão utilizada na verba 28 da TGIS (…), o de “prédios habitacionais”, definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais (…) a entender-se que a expressão «prédio com afetação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que a liquidação enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois o prédio relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 é um terreno para construção (…); não descurando, porém, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, a qual pode apontar no sentido de que poderá, eventualmente, não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito, admite-se que o legislador poderá ter tido em vista incluir no âmbito de incidência da nova verba do Imposto do Selo não todos os prédios classificados como habitacionais, mas apenas os prédios urbanos habitacionais que tenham já efectiva afetação a esse fim (e não apenas os que para tal fim estejam licenciados ou destinados) – porquanto, como se confirma pelo artigo 3.º do CIMI, a expressão “afetação” é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante (cfr. sentença recorrida, a fls. 66 a 72 dos autos). Considerou ainda a sentença recorrida que a alteração à verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo constante da proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2014 se não demonstra, em toda a sua dimensão, a hermenêutica aqui proposta, não é menos verdade que, no que à conclusão essencial a que se chegou, de que, nos termos em que se encontra redigida não abrange na sua incidência objectiva os terrenos para construção, a mesma não resultada abalada, mas antes (…) confirmada.
Discorda do decidido a Fazenda Pública, imputando à sentença recorrida erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, no entendimento segundo o qual naquela norma de incidência estão abrangidos os terrenos para construção que tenham como destino definido a construção dum edifício habitacional, como alegadamente resulta da letra da lei, do seu espírito e é confirmado pela alteração do preceito entretanto verificada com a Lei do OE para 2014 que alegadamente confirma, sem sombra de dúvida, a interpretação defendida pela recorrente.
A recorrida defende a manutenção do julgado recorrido, o mesmo defendendo o Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste STA, no seu bem fundamentado parecer junto aos autos e supra transcrito.
Vejamos.
A questão a dirimir no presente recurso é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (no regime transitório que lhe foi definido para o ano de 2012 pelo artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), ao julgar que os terrenos para construção não são subsumíveis no conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, conceito este que é utilizado no corpo e n.º 1 da nova verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo para definir a incidência objectiva do (novo) imposto sobre a propriedade criado pela Lei n.º 55-A/2012.
O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se interpretação da recorrente, porquanto, ao contrário do alegado, não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (parcialmente transcrito no parecer do Ministério Público supra reproduzido) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de lei que deu origem à Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª), nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédio (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
Acresce que, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos e supra reproduzido, a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).
Assim, como bem alegado pela recorrida, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, com a recorrida e em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, (…) como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida, que bem julgou.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 9 de Abril de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Ascensão Lopes.