Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0388/13
Data do Acordão:10/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL
ANULAÇÃO DE JULGAMENTO
OMISSÃO DE DILIGÊNCIA INSTRUTÓRIA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:I - Não impondo a lei ao juiz que proceda sempre à produção dos meios de prova oferecida pelas partes, antes estabelecendo que este pode e deve dispensá-la se considerar que pode conhecer imediatamente do pedido (cfr. o artigo 113.º do CPPT), a dispensa de produção de prova não consubstancia a preterição de uma formalidade legal, geradora de nulidade processual quando possa influir no exame ou na decisão da causa (artigo 195.º n.º 1 do CPC).
II - Não obstante, atento o princípio do inquisitório, a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório.
Nº Convencional:JSTA00068422
Nº do Documento:SA2201310230388
Data de Entrada:03/08/2013
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
DIR FISC - IVA
Legislação Nacional:LGT98 ART99 N1
CPPTRIB99 ART13 N1 ART116 N4 ART113
CPC96 ART577 N1 ART712
Jurisprudência Internacional:AC STA PROC0471/11 DE 2012/04/19
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A……., Lda, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 17 de Dezembro de 2012, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, no montante global de €276.049,96, apresentando para tal as seguintes conclusões:

A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a alegada dívida de IVA oficiosamente liquidada à A……. com referência ao exercício de 2002.

B. O processo tributário é enformado pelos princípios de justiça, da procura da verdade material e do inquisitório, que impõem que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade (cf. artigos 99.º, n.º 1, da LGT e 13.º, n.º 1, do CPPT), não estando o julgador sequer limitado às provas que as partes apresentarem ou requererem.

C. A A…….. apontou, na petição que dá causa aos presentes autos, um conjunto de factos susceptíveis de afastar a pretensão tributária subjacente às liquidações impugnadas.

D. Perante os factos trazidos aos autos pela A…….., ao Tribunal incumbia a promoção processual de todas as diligências com vista ao esclarecimento material ou substancial desses factos fundamentais sujeitos a julgamento, nos termos do disposto nos artigos 13.º, n.º 1, do CPPT e 99.º, n.º 1 da LGT.

E. A A……, na sua petição inicial, desde logo se disponibilizou a produzir a sua contabilidade perante o Tribunal, requerendo, em acréscimo, a inquirição dos funcionários que procederam ao registo, expedição e entrega das mercadorias em questão e, bem assim, a realização de perícia colegial.

F. O próprio Tribunal vem, a final, na sentença aqui posta em crise, a reputar tal produção de prova por necessária e essencial para a procedência da pretensão da A……… (apontando que a A……… «Facilmente poderia afastar a sua responsabilidade demonstrando, com suporte contabilístico, os fluxos financeiros decorrentes do pagamento pelas entidades receptoras espanholas das mercadorias mencionadas nos DAAs» - cf. página 9 da sentença aqui posta em crise).

G. O Tribunal a quo fez tábua rasa dos princípios do inquisitório e da busca da verdade material nos presentes autos, verificando-se um manifesto défice instrutório, que influi na decisão da causa, na medida em que a prova dos factos alegados nos autos que frontalmente afastam a pretensão da Administração Fiscal é indiscutivelmente relevante para a justa composição da lide.

H. No caso concreto, a prova desses factos tanto influi na decisão da causa que o Tribunal “a quo” acaba por considerar que a A……… poderia ter afastado a sua responsabilidade (e, como tal, obter vencimento da sua pretensão impugnatória das liquidações adicionais em causa nos autos), demonstrando, por exemplo, os fluxos financeiros dos pagamentos recebidos dos adquirentes das mercadorias.

I. Por via da omissão das diligências que o Tribunal considerava úteis ao apuramento da verdade em face dos factos alegados, foi cometida uma irregularidade no processo que influi na decisão da causa, redundando, assim, tal irregularidade processual numa nulidade, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, nulidade que aqui expressamente se vem arguir, com as devidas e legais consequências.

J. Ainda que não se entenda que o vício que se vem de apontar deverá proceder – no que não se concede e apenas se admite como mera hipótese de raciocínio - , sempre a sentença aqui posta em crise viola frontalmente o disposto nos artigos 13.º, n.º 1, do CPPT e 99.º, n.º 1 da LGT.

K. O Tribunal “a quo”, ao considerar na sentença recorrida que a verdade quanto aos factos alegados seria «facilmente» apurada através da análise da contabilidade da A…….. e dos fluxos financeiros associados a estas transacções (cf. página 9 da sentença aqui posta em crise) e, ao não ter ordenado as correspectivas diligências tendentes ao apuramento desses fluxos financeiros, como lhe era legalmente exigível (nomeadamente, ordenando a perícia colegial requerida na petição inicial ou a produção da contabilidade da A……… perante o Tribunal, que veio igualmente requerida na petição inicial), violou os princípios do inquisitório e do apuramento da verdade material.

Termos em que, deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Meritíssimo juiz “a quo” proferiu despacho de sustentação nos termos seguintes:
«Imputa a Recorrente à decisão recorrida a nulidade por se ter verificado a omissão de diligências que o Tribunal considerou úteis ao apuramento da verdade, nomeadamente ordenando a perícia colegial ou a produção da contabilidade.

Sobre tais provas é eloquente a forma como a elas a Impugnante alude na parte final da petição inicial. Entendemos que a forma efectivamente usada pela Impugnante é processualmente inócua e o reflexo está no despacho proferido em 2007-02-19, fls. 49 do processo físico, despacho a que a Recorrente não reagiu.

Dito de outra forma a postura das Partes face aos ónus que lhe incumbem exige que haja uma concretização que não deve bastar-se com uma conduta como a adoptada pela Recorrente. “A impugnante disponibiliza-se para produzir perante o tribunal a sua contabilidade…”

A propósito da perícia veja-se o artigo 577º, nº 1 do Código de Processo Civil: ”Ao requerer a perícia, a parte indicará logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência”.

Concluindo entendemos como não verificada a alegada nulidade.

No demais, a nosso ver, a decisão sob recurso não violou qualquer norma de direito, nem fez agravo à Recorrente, encontrando-se suficientemente fundamentada.

V. Exas, contudo, melhor decidirão.»

4 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:

Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial deduzida contra liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 276 049,96


FUNDAMENTAÇÃO

1. As nulidades processuais invocadas como fundamento do recurso não devem ser apreciadas porque arguidas intempestivamente, após o decurso do prazo de 10 dias iniciado com a notificação do despacho interlocutório proferido em 19.02.2007 (arts. 153º nº 1 e 205º nº 1 CPC)

2. Sem prescindir

Não se verificam as arguidas nulidades processuais, por omissão de diligências probatórias úteis ao apuramento da verdade dos factos alegados.

Esta conclusão resulta das seguintes premissas:

- a recorrente não impugnou a decisão interlocutória proferida em 19.02.2007 (fls. 49) que justificou o conhecimento imediato do pedido, com o pressuposto explícito de pronúncia das partes sobre a matéria de facto relevante para a decisão da causa, no exercício do princípio do contraditório;

- o princípio do inquisitório, aplicável no âmbito dos poderes de cognição do tribunal sobre os factos alegados pelas partes, não dispensa estas da iniciativa de produção de prova documental concreta que não se cumpre com um vaga indicação da disponibilidade do sujeito passivo para a apresentação da contabilidade (art. 99º nº 1 LGT; art. 13º nº 1 CPPT);

- a recorrente não requereu a prova pericial com observância dos imperativos requisitos legais (art. 577º nº 1 CPC/art. 116º nº 4 CPPT)


CONCLUSÃO

O recurso não merece provimento.

A sentença impugnada deve ser confirmada.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -

5 – Questões a decidir

É a de saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade processual ou em erro de julgamento, por violação dos princípios da verdade material, da justiça e do inquisitório, em razão da omissão de diligências necessárias ao apuramento da verdade.

6 – Matéria de facto

Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos:

II I Factos provados

A) Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu realizaram acção de inspecção à sociedade impugnante, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI20055000073 com código PNAIT: 214.07 emitida pela Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária I em 21/01/2005, a qual foi desencadeada por proposta de análise interna, resultante de elementos recebidos da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo – Divisão Operacional do Norte, relativamente ao IVA dos períodos de 08/2002 e 11/2002, cujo procedimento teve início em 21/01/2005 e terminou em 27/01/2005, cfr. Relatório de Inspecção, fls. 6 do PA, aqui dadas por reproduzidas o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos; estes factos não foram questionados pela Impugnante;

B) Na sequência da mencionada acção de inspecção foram efectuadas correcções de natureza meramente aritmética relativas ao IVA – períodos de 08/2002 e 11/2002 nos montantes de €162.504,67 e €87.386,84, respectivamente, correspondentes ao imposto em falta, por se ter apurado que saíram de entrepostos fiscais da impugnante, mercadorias que não chegaram ao seu destino no mercado comunitário, idem anterior e fls. 8 e 9 do PA;

C) Do relatório de inspecção tributária elaborado extracta-se:

“III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1 – APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO

Em Julho de 2004 foram recebidos, nesta Direcção de Finanças, elementos remetidos pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo. Na sequência daqueles elementos foram solicitados esclarecimentos adicionais.

Atendendo aos elementos recebidos, constata-se que, em resultado da acção de inspecção, no âmbito do imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, relativa ao período compreendido entre 01/01/2001 e 03/06/2003, a D.G. das Alfândegas apurou o seguinte facto relativamente ao exercício de 2002, de que resultou a subsequente proposta de liquidação de IABA (Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas) por aquela entidade.

No decurso da referida inspecção, a D.G.A. efectuou um pedido de verificação de movimentos, referentes ao exercício de 2002, às autoridades aduaneiras de Espanha. Com aquele pedido procuraram comprovar a veracidade das recepções atestadas, nos exemplares 3 dos Documentos Administrativos de Acompanhamento (DAA) pelos destinatários e autoridades aduaneiras espanholas.

Na sequência de tal pedido, a D.G.A. informou-nos que as autoridades aduaneiras de Espanha esclareceram que a mercadoria, acompanhada por vários DAA’s (indicados no quadro I – anexo 1), destinados à empresa “Docks Comerciales de Valencia» não tinha sido recepcionada no entreposto fiscal terminal, nem os respectivos DAAs foram visados pela autoridade aduaneira de destino (Valência).

Informaram ainda da existência de outros dois DAA’s de acompanhamento de mercadoria para a empresa “B………, SL” (indicados também no quadro I – anexo 1), não visados pela autoridade aduaneira de destino, nem a mercadoria foi recepcionada no entreposto fiscal daquela empresa.

Deste modo, conclui-se que a recepção da mercadoria por aqueles clientes, atestada no verso dos exemplares 3 dos respectivos DAA’s não foi confirmada. Ou seja, saíram de entrepostos da sociedade “A………” mercadorias que não chegaram ao destino indicado, pelo que a operação de circulação em suspensão é considerada irregular.

Consequentemente, atendendo aos montantes envolvidos, a D.G.A. procedeu à liquidação de 1.159.602,02€ de IABA.

III.2 – ENQUADRAMENTO DA SITUAÇÃO DESCRITA

Em sede de IVA e nos termos do artigo 15.º do Código, estão isentas de imposto as importações e transmissões de bens colocadas em regime de entreposto não aduaneiro. Estas isenções constituem regimes de suspensão de imposto. Deste modo o facto gerador e a exigibilidade do imposto, relativamente a bens colocados naquele regime de suspensa, só se verificam quando os mesmos forem introduzidos no consumo – art.º 7º, nº 8 em conjugação com os artigos 15º, nº 1 e 5º, nº 2, todos do CIVA.

Concomitantemente e de acordo com a alínea a) do nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei 566/94, considera-se “introdução ao consumo” a saída de produtos de um regime de suspensão.

Relativamente à situação descrita no ponto anterior, apurou-se que saíram de entrepostos fiscais da sociedade “A………., SA” mercadorias que não chegaram ao seu destino, no mercado comunitário.

Deste modo, saíram do regime de suspensão de imposto o total de 185.285 litros de aguardentes sem que se tenha verificado o respectivo pagamento do imposto.

III.3 – CONCLUSÕES E PROPOSTAS

Em consequência dos factos apurados pela D.G.A, descritos nos pontos anteriores, propõe-se a liquidação do respectivo IVA, nos correspondentes períodos, à sociedade em causa. (…)

Com base na quantidade de litros, o prelo de venda, o imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, foi apurado o valor tributável, nos termos do artigo 16º do CIVA e o correspondente IVA em falta, para cada um dos períodos de expedição das aguardentes, ( …)

Período de 02/08:
Valor Tributável/IVA em falta
855.287,75€/162.504,67€
Período de 11/08:
Valor Tributável/IVA em falta
459.934,72€/87.386,84€, vide fls. 7 a 9 do PA;

D) Por ofício n.º 2244 de 03/02/2005 da Direcção de Finanças de Viseu, foi a impugnante notificada do projecto de conclusões do relatório, tendo a mesma exercido o seu direito de audição defendendo que a aguardente foi expedida, desconhecendo tudo o mais, terminando com a alegação de que não foi introduzida no consumo, pelo que a proposta de liquidação de imposto não é devida, cfr. fls. 10 e 11 do PA;

E) Na sequência do mencionado relatório de inspecção tributária, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA n.ºs 05171506 do período de 08/2002 e 05171508 do período de 11/2002, e das liquidações referentes aos respectivos juros compensatórios n.ºs 05171507 do período de 08/2002 e 05171509 do período de 11/2002, no montante global de €276.049,96, delas constando como data limite de pagamento, o dia 31-08-2005, vide fls. 34 a 37 dos autos que aqui se dão por reproduzidas;

F) A presente impugnação foi deduzida no dia 10 de Novembro de 2005, cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos.

II II Factos não provados

Não se provaram, com relevância para a decisão da causa outros factos que estejam em contradição com os supra referidos.

7 – Apreciando

7.1 Do alegado défice instrutório da sentença recorrida

A sentença recorrida, a fls. 85 a 94 dos autos, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, justificando o decidido quanto à inexistência do alegado vício de violação de lei das liquidações sindicadas – sobre o qual versa exclusivamente o recurso (cfr. as respectivas conclusões, supra transcritas) – nos seguintes termos (fls. 92 e 93 dos autos):

«(…) Resulta da alegação aduzida na petição inicial, que a Impugnante discorda das liquidações cuja anulação pediu nestes autos com fundamento na falta dos requisitos legais que autorizariam o recurso aos métodos indirectos para a determinação da matéria tributável utilizado pela AT.

Ora, esta invalidade integra vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto (se for posta em causa a correspondência à realidade dos factos invocados pela Administração como suporte fáctico da sua actuação) e de direito (se for posta em causa a subsunção jurídica que a Administração fez desses factos).

Lendo atentamente a petição inicial não conseguimos descortinar donde retira a impugnante fundamentos para defender que no presente caso a Administração Fiscal procedeu à avaliação indirecta pois que relativamente à informação alicerçadora das correcções aritméticas “informação prestada pelas Autoridades aduaneiras espanholas donde resulta que a mercadoria não foi recepcionada nos termos descritos nos DAAs respectivos” a Impugnante apenas defendeu a falsidade de tal informação dizendo que “expediu os produtos em causa desconhecendo tudo o demais alegado pela impugnada; trata-se de clientes com quem a exponente já havia efectuado anteriormente transacções; clientes com que a exponente nunca teve qualquer tipo de problema; os transportadores da exponente têm ordens expressas para não procederem ao descarregamento das mercadorias sem previamente receberem o respectivo valor em euros e o certificado da estância aduaneira competente devidamente carimbado.”

Face ao que se veio de referir algo não bate certo: há uma informação prestada pelas autoridades aduaneiras espanholas que é desconforme com o que consta documentado pelas DAAs. A Impugnante limitou-se a invocar a falsidade de uma informação oficial e a defender que foram aplicados métodos indirectos sem explicar ou justificar tal defesa. Facilmente poderia afastar a sua responsabilidade demonstrando, com suporte contabilístico, os fluxos financeiros decorrentes do pagamento pelas entidades receptoras Espanholas, das mercadorias mencionadas nas DAAs para assim potenciar a responsabilização dos seus clientes. Na verdade o regime de suspensão é um regime em “circuito fechado” e compreende-se que assim seja – é a deslocação de mercadorias de um entreposto para outro entreposto. Havendo “recepções atestadas” não confirmadas pelas Autoridades aduaneiras espanholas a “falha” teve de ocorrer no circuito fechado, por uma das duas Entidades intervenientes ou com o conhecimento/conivência de uma delas. A outra para se eximir de responsabilidades pode e deve comprovar o integral cumprimento das suas responsabilidades. Havendo uma falsidade a melhor maneira de a Impugnante se desresponsabilizar seria a de comprovar, pela sua parte, o efectivo recebimento do preço. Assim sendo, se tal ocorresse já haveria elementos para, ao nível da cooperação internacional, se poder diligenciar e responsabilizar os clientes espanhóis em causa pelo facto de emitirem “recepções atestadas” quando, efectivamente, se verificou que a mercadoria não foi recepcionada nos termos descritos nos DAAs respectivos» (fim de citação).

Alega a recorrente, atento os princípios de justiça, da procura da verdade material e do inquisitório, que impõem que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade (cf. artigos 99.º, n.º 1, da LGT e 13.º, n.º 1, do CPPT), verificar-se nulidade processual por omissão de diligências probatórias ou défice instrutório, porquanto apontou, na petição que dá causa aos presentes autos, um conjunto de factos susceptíveis de afastar a pretensão tributária subjacente às liquidações impugnadas, desde logo se disponibilizou a produzir a sua contabilidade perante o Tribunal, requerendo, em acréscimo, a inquirição dos funcionários que procederam ao registo, expedição e entrega das mercadorias em questão e, bem assim, a realização de perícia colegial, incumbindo ao Tribunal (…) a promoção processual de todas as diligências com vista ao esclarecimento material ou substancial desses factos fundamentais sujeitos a julgamento, o que não foi feito, vindo, o tribunal, a final, a reputar tal produção de prova por necessária e essencial para a procedência da pretensão da A…… (apontando que a A……. «Facilmente poderia afastar a sua responsabilidade demonstrando, com suporte contabilístico, os fluxos financeiros decorrentes do pagamento pelas entidades receptoras espanholas das mercadorias mencionadas nos DAAs» - cf. página 9 da sentença aqui. Mais alega que, caso assim não se entenda, sempre a sentença aqui posta em crise viola frontalmente o disposto nos artigos 13.º, n.º 1, do CPPT e 99.º, n.º 1 da LGT, porquanto o Tribunal “a quo”, ao considerar na sentença recorrida que a verdade quanto aos factos alegados seria «facilmente» apurada através da análise da contabilidade da A…….. e dos fluxos financeiros associados a estas transacções (cf. página 9 da sentença aqui posta em crise) e, ao não ter ordenado as correspectivas diligências tendentes ao apuramento desses fluxos financeiros, como lhe era legalmente exigível (nomeadamente, ordenando a perícia colegial requerida na petição inicial ou a produção da contabilidade da A…….. perante o Tribunal, que veio igualmente requerida na petição inicial), violou os princípios do inquisitório e do apuramento da verdade material.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal é de parecer que o recurso não merece provimento, atenta a extemporaneidade da arguição de nulidade e, caso assim não se entenda, por não se verificarem as arguidas nulidades processuais, atento a que a recorrente não impugnou a decisão interlocutória proferida em 19.02.2007 que justificou o conhecimento imediato do pedido, com o pressuposto explícito de pronúncia das partes sobre a matéria de facto relevante para a decisão da causa, no exercício do princípio do contraditório; o princípio do inquisitório, aplicável no âmbito dos poderes de cognição do tribunal sobre os factos alegados pelas partes, não dispensa estas da iniciativa de produção de prova documental concreta que não se cumpre com um vaga indicação da disponibilidade do sujeito passivo para a apresentação da contabilidade (art. 99º nº 1 LGT; art. 13º nº 1 CPPT) e porque a recorrente não requereu a prova pericial com observância dos imperativos requisitos legais (art. 577º nº 1 CPC/art. 116º nº 4 CPPT).

No despacho de sustentação do agravo o juiz “a quo” sustenta a inexistência de nulidade atento a que a forma efectivamente usada pela Impugnante é processualmente inócua e o reflexo está no despacho proferido em 2007-02-19, fls. 49 do processo físico, despacho a que a Recorrente não reagiu.

Vejamos.

Na sua petição inicial de impugnação, a fls. 2 a 12 dos autos, a impugnante invocou, a propósito do vício de violação de lei (n.ºs 20) a 42) – fls. 7 a 11 dos autos), que nada deve, que as decisões impugnadas encontram fundamento em meros métodos indirectos, a partir de putativas erróneas constatações da Direcção Geral das Alfândegas quando pende judicialmente o apuramento da verdade dos factos e da legalidade das liquidações, que é falso que a mercadoria não tenha sido expedida e que não tenha vindo recepcionada nos termos melhor descritos nos DAAs respectivos, que os transportadores da exponente que efectuaram os transportes dos produtos referidos, nas respectivas datas, a partir dos e para os entrepostos fiscais identificados, fizeram-no efectivamente, tendo recebido o preço e os documentos devidamente certificados com o carimbo das autoridades espanholas, que não sabe nem tinha que saber (por tal facto não lhe ser próprio ou de que tivesse obrigação de ter conhecimento), por qual razão as autoridades aduaneiras espanholas terão veiculado informação, falsa, de que a mercadoria não foi recepcionada no entreposto fiscal de destino ou por qual razão as ditas empresas não o puderam ou quiseram reconhecer e que a aguardente referida não foi introduzida no consumo, pelo que o imposto não é devido pela exponente.

Na parte final da petição inicial (fls. 12 e 13 dos autos), relativamente à prova, fez constar que: a impugnante disponibiliza-se para produzir perante o Tribunal a sua contabilidade e demais documentos legalmente exigidos para o exercício da respectiva actividade em entrepostos fiscais com interesse para a matéria dos autos, remetendo para o momento de fixação da matéria de facto a junção de pareceres periciais sobre o assunto, atenta a impossibilidade prática de o fazer de momento; arrola como testemunhas os funcionários da Administração que actuaram nos autos de procedimento, a notificar, e os seus próprios funcionários que procederam aos registos, expedição e entrega das mercadorias, a apresentar. Oferece 6 documentos (ut supra). Requer a V. Exa. se digne ordenar se oficiem os serviços competentes para que juntem os documentos em seu poder, designadamente os processos administrativos, e que, ulteriormente, venha efectuada perícia colegial sobre a pertinente matéria de facto.

Em 19 de Fevereiro de 2007, foi proferido pelo Tribunal “a quo” o seguinte despacho, do qual a recorrente não interpôs recurso.

«A Impugnante não indicou prova testemunhal alinhando os seus argumentos com referência a documentos.

As partes pronunciaram-se sobre a versão que cada uma apresentou. Assim, nos termos dos artigos 113.º e 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, entendo não se justificar a notificação das partes para alegações.

Notifique as partes do antecedente despacho e, oportunamente, abra vista ao Exmo. Magistrado do Ministério Público».

Entende o tribunal “a quo” para sustentar a inexistência de nulidade processual que a forma como foram indicadas as provas na petição inicial de impugnação é processualmente inócua e o reflexo está no despacho proferido em 2007-02-19, fls. 49 do processo físico, despacho a que a Recorrente não reagiu.

Sucede, contudo, que atenta a fundamentação do decidido quanto à inexistência do vício de violação de lei, não se vê como negar razão à recorrente no que concerne à alegada violação do princípio do inquisitório, que não em razão de nulidade processual.

É que a não produção de prova, por o juiz ter julgado que ela não havia sido requerida ou que, tendo-o sido, ela não era necessária ou pertinente para a decisão da causa, não constitui uma nulidade processual, nem vício que possa afectar a validade formal da sentença, apenas pode afectar o julgamento da matéria de facto se se vier a considerar que, ao contrário do que o juiz julgou, essa prova era indispensável para a boa decisão da causa.

De facto, a lei não impõe que o juiz proceda sempre à produção dos meios de prova oferecida pelas partes para prova da matéria vertida nos articulados, antes pode e deve dispensá-la se considerar que pode conhecer imediatamente do pedido (cfr. o artigo 113.º do CPPT).

Ora, não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova, não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal, eventualmente geradora de nulidade processual.

Não obstante, a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório, com vista a um correcto e definitivo apuramento dos factos.

É o que se passa, assim o julgamos, no caso dos autos, porquanto, não pode afirmar-se que à impugnante bastaria fazer prova do efectivo recebimento do valor das mercadorias para afastar a sua responsabilidade, quando nada se diligenciou no sentido de lhe permitir oferecer tal prova, sendo certo que, como bem alega a recorrente, o princípio do inquisitório, que enforma o processo tributário, impõe que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade (cf. artigos 99.º, n.º 1, da LGT e 13.º, n.º 1, do CPPT), não estando sequer limitado às provas que as partes apresentarem ou requererem.

Ora, não constando da sentença, nem dos autos, elementos que permitam ao tribunal “ad quem” reapreciar do alegado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, das liquidações sindicadas, terá de concluir-se que os autos padecem de défice instrutório, determinante da anulação da sentença recorrida (artigo 712.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT) e da remessa dos autos ao tribunal “a quo” com vista à cabal averiguação dos factos alegados pela impugnante a esse respeito, indispensável à boa decisão da causa e posterior decisão em conformidade (cfr. o acórdão do STA, 1.ª Secção, de 19 de Abril de 2012, rec. n.º 0471/11).

O recurso merece provimento.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida, baixando os autos ao tribunal “a quo” para ampliação da matéria de facto, após as diligências instrutórias tidas por necessárias, e posterior decisão em conformidade.

Sem custas.

Lisboa, 23 de Outubro de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Valente Torrão - Dulce Neto.