Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02357/16.2BEPRT
Data do Acordão:05/16/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRETERIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário:Justifica-se admitir recurso de revista relativamente à questão de saber em que medida o Dec. Lei 29/2006, de 15/2 é incompatível e por esse motivo modificou os contratos de concessão (celebrados entre os Municípios e a EDP) vigentes na data da sua entrada em vigor, no que concerne à sujeição dos litígios deles emergentes a um tribunal arbitral.
Nº Convencional:JSTA000P24562
Nº do Documento:SA12019051602357/16
Data de Entrada:04/04/2019
Recorrente:EDP - DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA, SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE MATOSINHOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar — art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. EDP — DISTRIBUIÇÃO — ENERGIA S.A. recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, do acórdão do TCA Norte, proferido em 23 de Novembro de 2018, que revogou parcialmente a sentença proferida pelo TAF do Porto e na ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM contra si instaurada pelo MUNICÍPIO DE MATOSINHOS, julgou não verificada a excepção dilatória da preterição do tribunal arbitral, ordenando o prosseguimento dos autos.

1.2. Fundamenta a admissão da revista pela importância fundamental da questão, a qual se colocará relativamente a todas as concessões municipais, celebradas antes do Dec. Lei 29/2006, em que as partes não tenham eliminado a cláusula compromissória, delas constantes.

1.3. O Município de Matosinhos pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A primeira instância julgou — para o que agora está em discussão — verificada a excepção dilatória da preterição do tribunal arbitral, com fundamento na cláusula 36ª, do contrato de concessão, a qual estabelecia o seguinte: “Os litígios que se levantarem entre a Câmara e a EDP Distribuição sobre a execução ou interpretação das cláusulas do presente contrato serão julgados por uma comissão constituída por três peritos, sendo um nomeado pela Câmara, outro pela EDP Distribuição e o terceiro por acordo dos outros dois”.

3.3. O TCA Norte entendeu o contrário. Para tanto tomou em consideração a entrada em vigor do Dec. Lei 29/2006, de 15/2, nomeadamente os seus artigos 71º, n.º 3 e 74º,n.º 1. Este último diz-nos que “os conflitos entre o Estado ou os municípios e as respectivas concessionárias, emergentes dos respectivos contratos, podem ser resolvidos por recurso à arbitragem”. O art. 71º, n.º 3, por seu turno, diz o seguinte: “Os actuais contratos de concessão, celebrados entre os municípios e as entidades concessionárias, são modificados por força das alterações decorrentes do presente decreto-lei e da legislação complementar, observando-se o prazo do contrato actualmente em vigor, contado a partir da data da sua celebração ou da sua renovação, nos termos do diploma referido no n.º 1”.

O TCA Norte entendeu que, com a referida alteração da lei, a sujeição dos litígios a um tribunal arbitral deixou de ser obrigatória. Portanto, concluiu, “... desde a entrada em vigor do DL 29/2006, de 15/02, todos os contratos (“os actuais contratos”) “são modificados”, em prol da nova disciplina”. Desde modo, e não havendo notícia de que tenha havido novo compromisso arbitral, concedeu provimento ao recurso e ordenou o prosseguimento dos autos.

3.4. Decorre do exposto que a questão essencial radica em saber se os contratos de concessão existentes na data da entrada em vigor do novo regime jurídico, que em termos de sujeição dos litígios a um tribunal arbitral veio dispor de modo diferente, foram ou não afectados pela Lei Nova. Com efeito os contratos de concessão celebrados obedeceram a um modelo aprovado pela Portaria 454/2001, de 5 de Maio, o qual continha uma cláusula compromissória idêntica à que consta da Cláusula 36ª do contrato de concessão ora em causa. Alega a recorrente que cláusulas idênticas existem nos demais contratos, ou seja, em 278 concessões municipais.

A nosso ver justifica-se admitir a revista. Por um lado, porque a questão de saber em que medida a Lei Nova se projecta sobre os contratos de concessão já celebrados mereceu respostas divergentes das instâncias. Por outro lado, porque a questão é susceptível de vir a colocar-se no futuro, pois todos os contratos de concessão celebrados com os municípios contêm uma cláusula idêntica. Estamos assim perante uma questão que, pela possibilidade de replicação, justifica a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação uniforme do direito.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Lisboa, 16 de Maio de 2019 – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.