Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:058/11
Data do Acordão:06/01/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Sumário:Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração activa dos impostos, o tribunal não pode decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária.
Nº Convencional:JSTA00067002
Nº do Documento:SA220110601058
Data de Entrada:01/25/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS. / DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CONST97 ART111 ART266 ART268.
ETAF02 ART6.
LGT98 ART43.
CPPTRIB99 ART65.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CPPT ANOTADO E COMENTADO 5ED VI PAG896 ANOTAÇÃO20 AO ART124 PAG898.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – A… (cabeça de casal), melhor identificado nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, relativa à autora da herança, no montante global de 38.391.545$00, referente ao ano de 1996, formulando as seguintes conclusões:
a) O sistema de administração executiva, constitucionalmente consagrado, confere à administração o poder de, para prosseguir a satisfação do interesse público, praticar actos jurídicos (artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa) que afectam ou lesam os interesses dos cidadãos em cuja categoria se inscreve o acto de liquidação.
b) Não sendo o tribunal fiscal um órgão de administração activa dos impostos, mas antes um órgão para dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas fiscais (art.º 212.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), não lhe cabe praticar o acto tributário que, como título formal e abstracto, declara constituídos na Ordem Jurídica os efeitos jurídicos próprios de uma obrigação pecuniária.
c) A tanto se opõe o princípio da separação de poderes entre os tribunais e o executivo ou a administração, consagrado como princípio estruturante do sistema de poderes no artigo 111º da Constituição.
d) No contencioso de anulação em que o contencioso tributário se enquadra, ao contrário do que sucede nos sistemas do common law, não está em causa a licitude, à luz de todo o ordenamento jurídico, do resultado da actividade da administração tributária, mas apenas a legalidade de um concreto acto de liquidação, em função dos concretos fundamentos de direito e de facto alegados para a sua prática.
e) Tendo o acto de liquidação sido praticado “porque os prédios objecto da transmissão à data da sua aquisição (1966 e 1969), se encontravam abrangidos pelo Plano de Urbanização e á data da venda pelo Plano de Urbanização e pelo Plano Director Municipal como zona destinada a construção urbana e porque os citados imóveis foram destinados a loteamento e consequentemente a construção urbana, os ganhos provenientes de […], de acordo com o preceituado no artigo 5º do Dec. -Lei n.º 442-C/88, de 30/11, que aprovou o CIRS que entrou em vigor em 01/01/1989 e artigos 1º e 10º do CIRS, estão sujeitos a IRS-Categoría G” e dando a sentença recorrida por provado que, à data de aquisição dos prédios cuja transmissão gerou os ganhos tributados, os mesmos não eram ainda terreno para construção urbana por não estarem abrangidos por Plano de Urbanização aprovado, a única solução a tirar é a da anulação do acto tributário, por erro nos pressupostos de facto,
f) sem embargo de a natureza dos prédios como terreno para construção urbana, em causa nessas datas de aquisição, não relevar, bastando que a tenham adquirido até ao momento de entrada em vigor do CIRS, à luz do entendimento da norma de tributação, feito pela decisão
g) e de poder vir a ser renovada a prática do acto, se o direito de liquidação não tiver caducado.
Termos em que se requer que seja dado provimento ao recurso jurisdicional, revogada a sentença recorrida e julgando-se procedente a impugnação seja o acto de liquidação impugnado anulado.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
“1. Na vigência do Código do Imposto de Mais-Valias (CIMV) os ganhos resultantes da transmissão onerosa de terrenos para construção (considerados como os situados em zonas urbanizadas ou compreendidas em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo) estavam sujeito a tributação (art.1° n°1 e §2 CIMV)
Os ganhos resultantes da transmissão onerosa de prédios rústicos não estavam sujeitos a tributação.
A norma constante do art.5° n°1 DL nº 442-A/88, 30 Novembro estabelece uma delimitação negativa do âmbito de incidência objectiva do art. 10° n° 1 CIRS, evitando a tributação em sede deste imposto de ganhos resultantes de alienações onerosas que não eram tributadas em sede de CIMV, por forma a não violar fundadas expectativas dos agentes económicos senão mesmo o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (art.2° CRP)
A solução encontrada consistiu em submeter a tributação em IRS os ganhos anteriormente excluídos de tributação em IMV apenas quando tanto a aquisição como a transmissão dos bens que os geraram tiver ocorrido na vigência do CIRS (iniciada em 1.01.1989)
O STA tem destilado jurisprudência consolidada interpretando a norma constante do art.5° n°1 DL nº 442-A/88, 30 Novembro com o sentido de que não são tributados em IRS os ganhos obtidos com a transmissão de terrenos agrícolas (prédios rústicos) que foram adquiridos antes da vigência do CIRS e que mantinham essa natureza na data do início da sua vigência (acórdãos STA 29.03.2006 processo nº 1213/05;6.06.2007 processo nº 179/07; 13.02.2008 processo nº 763/07; 29.10.2008 processo nº 539/08; 4.02.2009 processo nº 872/08; 2.06.2010 processo n°998/09); esta jurisprudência deve ser seguida, por observância do princípio da aplicação e interpretação uniformes do direito (art.8° n°3 CCivil)
2. Aplicando estas considerações ao caso em análise:
a) o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1948° foi adquirido, por sucessão, como terreno agrícola (probatório nºs 1, 6 e 7)
b) este prédio já era considerado terreno para construção na data do início da vigência do CIRS, porque integrado em zona urbanizada ou compreendida em plano de urbanização (a zona do … foi abrangida pelo Plano Geral de Urbanização em 1974; probatório n°18), estando os ganhos resultantes da sua transmissão onerosa sujeitos à incidência de IMV
c) os ganhos resultantes da alienação onerosa do citado terreno para construção constituem mais-valias, como espécie de incrementos patrimoniais inscritos nos rendimentos da categoria G, sujeitos à incidência de IRS (arts.9° n°1 a la) e 10º n°1 al.) a) CIRS)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento. A sentença deve ser confirmada.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4-A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1 - Em 26/04/1996, por escritura pública de compra e venda, outorgada no 3º Cartório Notarial de Coimbra, lavrada de fls. 19 a fls. 20 verso do livro 364- C, B…, casada no regime de comunhão de adquiridos com C…, que lhe concedeu a respectiva autorização para o fazer, vendeu o prédio composto por terra de cultura, sita na …, freguesia de … com a área de 9950 m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 1948.° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º 3895 da freg. de … à sociedade D… Ldª, pelo preço global de Esc. 207.000.000$00 (escritura de compra e venda de fls. 121 a fls. 125 dos autos e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais).
2 - Em 14/05/1996, a sociedade D… Lda. entregou na competente Repartição de Finanças declaração mod. 129 para inscrição de um terreno destinado a construção urbana, com a área de 49.929 m2, que proveio de vários artigos rústicos, entre os quais o artigo 1948.°, adquirido pela compra referida no parágrafo antecedente (Declaração Modelo 129 de fls. 97 e 98 dos autos e que aqui se dá por reproduzida).
3 - Em 27/03/1996, por escritura pública de compra e venda, outorgada no 3.° Cartório Notarial de Coimbra, lavrada de fls. 76 a fls. 78 do livro 109-E, B… e seu marido C… (casados no regime de comunhão de adquiridos) e restantes comproprietários, ids. na escritura de fls. 92 e segs. dos autos, venderam o prédio (qualificado na escritura como misto), composto de edifício de rés-de-chão amplo, destinado a fábrica com a área de 734 m2, composto de casa de habitação de rés-de-chão e dois andares com a superfície coberta de 244,5 m2 e composto de terra de cultura com a área de 3.990 m2, inscrito nas respectivas matrizes urbana sob os artigos nºs 532.° e 533.° e rústica sob o artigo 1946.° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º 3857 da freg. de …, à sociedade D…Ld.a, pelo preço global de Esc. 45.000.000$00 (escritura de compra e venda de fls. 91 a fls. 96 dos autos e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais)
4 - Em 26/04/1996, a sociedade D… Ldª entregou na competente Repartição de Finanças declaração mod. 129 para inscrição de um terreno destinado a construção urbana, com a área de 39.979 m2, que proveio de vários artigos rústicos e urbanos entre os quais o artigo rústico n.º 1946.° e os artigos urbanos nºs 532 e 533.° adquiridos pela compra, referida no parágrafo antecedente (Declaração Modelo 129 de fls. 89 e 90 dos autos e que aqui se dá por reproduzida).
5 - Os imóveis, ids. em 4.2.1. e 4.2.3. e outros, pertencentes à sociedade compradora D… Ld.ª foram por esta objecto de loteamento urbano, cujo alvará foi emitido em 16/06/1997 pela Câmara Municipal de Coimbra (alvará de loteamento n.º 400, junto aos autos de fls. 158 a fls. 177 e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
6 - Os imóveis, ids. em 4.2.1. e 4.2.3., vendidos por B…, na qualidade de proprietária ou titular de uma quota indivisa, foram por esta adquiridos, por sucessão, ocorrida por morte de seus pais, sendo que seu pai E… faleceu em 30/06/1957 e sua mãe F… faleceu em 23/05/1966 (processo de liquidação do imposto sobre as Sucessões e Doações junto aos presentes autos como apenso e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
7 - Por escritura de partilhas, outorgada no 1.º Cartório Notarial de Coimbra, em 01/10/1969 foi adjudicado a B… o seguinte quinhão hereditário:
- a totalidade do prédio composto de terra de cultura, sito na … e inscrito na matriz rústica da freguesia de … sob o artigo 1948.°;
- 1/3 do prédio misto, composto de terra de cultura, com dois prédios urbanos, sito na …, ao …, da freguesia de …, inscrito na matriz predial urbana dessa freguesia sob os artigos 532.°, e 533.° e na rústica dessa mesma freguesia sob o artigo n.º 1948.° (escritura de partilha de fls. 178 a fls. 199 dos autos e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais).
8 - A B… pagou às outras duas herdeiras, por conta do preenchimento das legítimas destas, a quantia global de Esc. 163.660$00, que a mais recebeu em bens imóveis, não se tendo imputado, na escritura de partilhas, esse valor a um bem imóvel específico (citada escritura de partilha de fls. 178 a fls. 199 dos autos).
9 - Em 06/12/1998 faleceu B…, no estado de viúva, sendo que seu marido C… já havia falecido em 28/11/1996 (relatório de inspecção de fls. 141 e seguintes dos autos e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e facto não controvertido).
10 - São herdeiros da herança de B… e C… 6 filhos, sendo cabeça de casal da herança indivisa o seu filho A…, ora impugnante, que litiga naquela qualidade (citado relatório de inspecção e facto não controvertido).
11 - Em 10/11/2000 a AT procedeu à liquidação adicional de IRS, que incidiu sobre rendimentos da categoria G referentes ao ano de 1996, auferidos por B… e C…, pelo valor global de Esc. 38.391.545$00 no qual se incluíam já os juros compensatórios, no montante de Esc. 9.034.062$00 (liquidação de fls. 35 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida)
12 - Essa liquidação adicional foi motivada pela venda dos prédios ids. em 4.2.1. e 4.2.3., na sequência de exame à escrita da sociedade D… Lda (citado relatório de inspecção de fls. 141 e segs. dos autos).
13 - Na referida liquidação adicional, relativamente ao artigo rústico n.º 1948.°, sujeitou-se a imposto metade do valor do imóvel e considerou-se sujeito a IRS o excesso, que a B… levou a mais na outra metade, por escritura de partilhas, realizada a 01/10/1969, sendo o valor desse excesso correspondente a Esc. 11.906$00 na aquisição e a Esc. 44.647.500$00 na realização (citado relatório de inspecção).
14 - Do relatório de inspecção, que fundamenta a liquidação em causa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, consta além do mais o seguinte:
“Os imóveis (...) vendidos por B… vieram à sua posse por morte do seu pai E…, que ocorreu em 30/06/1957 e por morte da sua mãe F… (...) que ocorreu em 23/06/1996 e por escritura de partilhas celebrada no 1º Cartório Notarial de Coimbra, em 01/10/1969, na qual lhe foram adjudicados, entre outros, todo o artigo 1948º e 1/3 dos artigos 532º, 533.° e 1946. tendo pago tornas aos restantes herdeiros, suas irmãs (...)
O Código do Imposto de Mais Valias foi aprovado em 09/06/1965 pelo Dec-Lei 46.373. Assim, porque os prédios objecto de transmissão à data da aquisição (1966 e 1969), se encontravam abrangidos pelo Plano de Urbanização e à data da venda pelo Plano de Urbanização e pelo Plano Director Municipal como zona destinada à construção urbana e porque os citados imóveis foram destinados a Loteamento e consequentemente a construção urbana, os ganhos provenientes de metade do artigo 1948º mais o excesso que levou a mais na outra metade, por escritura de partilhas e os provenientes do 1/6 do artigo 1946, de acordo com o preceituado no artigo 5º do Dec-Lei n.º 442-A/88 de 30/11, que aprovou o CIRS que entrou em vigor em 01/01/1989 e artigos 1º e 10º do CIRS, estão sujeitos a IRS
- Categoria G, pelo que juntamente com a declaração modelo 2, apresentada com referência ao exercício de 1996, deveria também ter apresentado o anexo G, o que não foi cumprido.”
“(…) A impugnante alega que o imóvel não está sujeito a imposto, por à data da aquisição não ser considerado terreno para construção urbana, mas sim terreno rústico inscrito na respectiva matriz até à data da venda. O facto de ter mantido a inscrição na matriz predial rústica da freguesia de … não é relevante, o que sujeita a impostos a transmissão onerosa de terrenos para construção urbana, não é a sua natureza à data da aquisição, mas sim a sua natureza e destino à data da alienação, pois o conceito de terreno para construção reporta-se ao momento em que o ganho é obtido. O imóvel em questão não só adquiriu a natureza de terreno para construção à data da alienação, por se destinar a loteamento urbano, como já a tinha antes, já que estava abrangido pelo Plano Director Municipal, aprovado pela Câmara Municipal e por Resolução do Conselho de Ministros, publicado em 22/04/1994 (…) o que possibilitou a aprovação do loteamento. É de referir que, à data da aquisição, 23/06/1966, já tinha a natureza de terreno para construção urbana, por estar abrangido pelo Plano de Urbanização, tanto que, por morte da autora da herança ocorrida na data referida, pela qual foi instaurado na 1.” Repartição de Finanças do concelho de Coimbra o processo n.º 26 944 foi avaliado nos termos do artigo 109º do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doacções (...)“.
15 - Em 30/03/2001 deu entrada na Secretaria deste Tribunal a presente impugnação (carimbo de entrada de fls. 2 dos autos).
Mais se apurou que:
16 - Por Despacho Ministerial, proferido em 02/07/1959, foi aprovado para a zona do … (Coimbra), o Anteplano de Urbanização da Unidade Residencial do … (cujos documentos não constam dos arquivos da C.M.C.)
- oficio subscrito por Vereador da Câmara Municipal de Coimbra em 24/09/2003 e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
17 - No decurso do ano de 1962 foi proposto, por vários proprietários de imóveis, sitos naquela área de Coimbra, entre os quais a autora da sucessão, um aditamento ao Anteplano de Urbanização da Unidade Residencial do …, que foi aprovado pela Câmara Municipal de Coimbra, na reunião de 29/11/1962 e aprovado por Despacho Ministerial de 06/08/1963 - citado oficio da Câmara Municipal de Coimbra.
18 - A zona do … foi abrangida pelo Plano Geral da Urbanização/74 - na malha 1, sector 8 -, cujo parecer de revisão, aprovado por despacho do Senhor Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo de 28/12/1981 propunha a utilização para o local dos índices de construção, constantes desse parecer.
19- Em 03/01/2001 foi paga a quantia de Esc. 31.164.295$00, referente à liquidação que ora se impugna, ao abrigo do disposto no DL 248-A/2002 de 14/11 (guia de pagamento junta ao PA cujas folhas se não encontram numeradas).
5- A sentença sob recurso, no segmento impugnado, concluiu que é devido imposto de IRS, categoria G pelos ganhos obtidos com a transmissão do prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo 1948.º, embora devendo reduzir-se para metade os valores respectivos de aquisição e realização.
Para tanto, ponderou-se na decisão nos seguintes termos: “Voltando de novo ao caso em apreço, o terreno em causa foi adquirido como terreno agrícola, mas já não era terreno agrícola à data da entrada em vigor do CIRS, (01/01/1989), pois que, conforme consta do probatório, logrou a Fazenda Pública demonstrar que, em 1974, o prédio em causa se encontrava integrado em zona urbanizada ou compreendida em plano de urbanização, tendo-se apurado que, a zona do … foi abrangida por Plano Geral de Urbanização em 1974 (malha 1, sector 8 do referido Plano).
E, assim sendo, embora tal prédio não pudesse ser considerado, à data da sua aquisição, como terreno para construção, à data da entrada em vigor do CIRS (01/01/1989) e, de acordo com as disposições conjugadas do artigo 1.0, n.°1 e parágrafo 2 do CIMV, já teria que ser considerado terreno para construção.
Pelo que, é forçoso concluir que, em face do disposto no artígo 5º do Decreto-Lei n.° 442-A/88, os ganhos obtidos com a sua transmissão se inserem no âmbito de incidência do CIRS, uma vez que estes ganhos se encontravam no âmbito da incidência do Código de Imposto de Mais Valias.”
A fundamentação aduzida na sentença, partindo do entendimento que um Anteplano de Urbanização não é um plano de urbanização aprovado, concluiu assim que à data da sua aquisição o prédio rústico sob o artigo 148.º (1966) não podia ser considerado terreno para construção, ao invés do que se afirma no relatório de inspecção que fundamenta a liquidação impugnada, mas o certo é que a legalidade desta antes se ancoraria no facto de já não ser terreno agrícola à data da entrada em vigor do CIRS (01/01/89), uma vez que constava do probatório que o prédio em causa fora abrangido por Plano Geral de Urbanização em 1974.
Significa isto que, não obstante a sentença ter julgado ocorrer um erro sobre os pressupostos de facto alegado pelo ora recorrente na impugnação judicial que deduzira, não conferiu efeitos anulatórios ao vício de violação de lei daí decorrente, já que uma outra realidade fáctica revelada pelo probatório, mas não invocada pela administração tributária na fundamentação da liquidação adicional, conferia legalidade à tributação dos ganhos obtidos com a posterior transmissão onerosa do prédio em causa.
Ora, é precisamente contra esta possibilidade de no contencioso tributário se aferir da legalidade do acto tributário impugnado para além dos fundamentos de direito e de facto alegados para a sua prática que se insurge o ora recorrente.
A esse propósito o recorrente vem defender que o contencioso tributário se define como um processo de mera anulação, não podendo o tribunal fiscal assumir-se como um órgão da administração activa dos impostos, antes se restringindo a sua sindicância à questão da legalidade concreta do acto impugnado e não da licitude da actividade administrativa.
Vejamos.
Muito embora a impugnação judicial se não defina, em sentido estrito, como de mera anulação, uma vez que nela pode ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, ainda assim é incontroverso que não se trata de um processo judicial com o atributo de jurisdição plena.
Como assim, assentando a liquidação impugnada em pressupostos fácticos errados se imponha a respectiva anulação, cabendo à administração tributária a prática de um novo acto e não ao tribunal, não podendo, como afirma Jorge Lopes de Sousa in CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, fls. 896, anotação 20 ao artigo 124.º, -“ser o interessado privado de discutir a legalidade do novo acto que, eventualmente venha a ser praticado, utilizando todos os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei lhe proporciona.”
Por outra parte, como afirma o mesmo autor, ob. citada a fls.897, no domínio do contencioso tributário o princípio do aproveitamento de actos administrativos praticados no exercício de poderes vinculados terá de ceder “em face de regras com consagração legislativa e constitucional, como a do direito a ver anulados os actos administrativos ilegais, ínsito no direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, reconhecido no n.º 4 do artigo 268.º da CRP.”
Certo é ainda que a possibilidade do tribunal alterar a fundamentação do acto de liquidação adicional impugnado enfrenta sério obstáculo a nível do princípio da separação de poderes, enunciado no artigo 111.º da CRP.
Na verdade, decorre do artigo 266.º da CRP que compete à administração como entidade constitucionalmente encarregada da prossecução do interesse público, decidir da prática ou não dos actos administrativos que tal prossecução exige e essa prática não lhe pode ser imposta, fora dos casos em que tal esteja especialmente previsto, o que é reforçado pelo disposto no artigo 6.º do ETAF ao definir que os recursos contenciosos são de mera legalidade e têm por objecto a declaração da invalidade ou anulação dos actos recorridos.
E assim que, como também defende o autor já acima citado, na mesma obra a fls. 898, -“Corolário desta afirmação é os tribunais não poderem também decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados, com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária, o que se traduziria, a nível do resultado alcançado, em ser o tribunal a substituir-se à Administração, praticando o acto com a fundamentação adequada.
Ora, uma vez anulado o acto ilegal lesivo para os particulares, é à Administração e apenas a ela que cabe decidir praticar ou não novo acto com a fundamentação que ao tribunal parece ser a correcta, com as consequentes possibilidades de impugnação que a lei confere, que são substancialmente distintas e mais favoráveis do que as conferidas por lei para impugnação de decisões judiciais.”
Não pode, assim, manter-se a sentença sob recurso e em face da procedência do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto em que assentou, com tradução no facto de na data da sua aquisição o prédio sob o artigo 148.º da matriz rústica não poder ser considerado como terreno para construção, ao contrário do que consta da respectiva fundamentação, anula-se a liquidação impugnada no seu todo.
Termos em que se acorda:
A)Conceder provimento ao recurso jurisdicional;
B)Revogar a sentença no segmento impugnado;
C) Julgar totalmente procedente a impugnação judicial;
D)Reconhecer o direito ao impugnante a juros indemnizatórios, de harmonia com o preceituado nos artigos 43.º da LGT e 65.º do CPPT, os quais deverão ser contados desde o dia de pagamento do imposto devido até à data da respectiva nota de crédito.
Sem custas neste STA, bem como na 1.ª instância.
Lisboa, 1 de Junho de 2011. – Miranda de Pacheco (relator) – Dulce Neto – António Calhau.