Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02208/13.0BEPRT
Data do Acordão:01/23/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:DIREITO DE AUDIÇÃO
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO
NOTIFICAÇÃO
FORMALIDADE
Sumário:I - Quando o exercício do direito de audição deve ter lugar dentro do procedimento de inspecção tributária rege-se pelas disposições que lhe são próprias e, apenas em caso de lacuna poderão ser aplicáveis as disposições gerais do Código de Processo e Procedimento Tributário.
II - Em sede de procedimento inspectivo dispõe o art.º 43.º que: «Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta».
III - A devolução da carta registada com menção de não reclamada é uma circunstância expressamente prevista pelo legislador que, apesar de admitir uma situação extrema em que o contribuinte não toma conhecimento da notificação, presume que tomou, afastando a verificação de vício procedimental que possa atingir a validade do acto de liquidação que se lhe seguiu.
Nº Convencional:JSTA000P24118
Nº do Documento:SA22019012302208/13
Data de Entrada:09/18/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto
. de 23 de Março de 2018


Julgou procedente a impugnação e,em consequência, anulou as liquidações impugnadas de IRS do ano de 2007 e respetivos juros compensatórios.

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo
Tribunal Administrativo:


A Representante da Fazenda Pública veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de impugnação instaurado por A…….., contra o ato de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2009 4001987959, no valor de 62.939,60 € e liquidação de juros compensatórios nº 2009 820726, no valor de 2.338,24 €, referentes ao exercício de 2007, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

A. Assim, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO quanto à interpretação e aplicação dos artigos 60º da LGT; 60º do RCPIT; 38º n.º 1 e 39º nº1 e n.º 5 do CPPT e artigo 43º do RCPIT.

B. Nos termos do artigo 57º n.º 1 do Código do IRS, os sujeitos passivos devem apresentar anualmente, uma declaração de modelo oficial relativa aos rendimentos do ano anterior.

C. Quando a declaração a que se refere o artigo 57º do IRS não é apresentada, nos termos do n.º 3 do Código do IRS, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias.

D. A liquidação impugnada resultou de acção inspectiva interna, levada a cabo pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças do Porto;

E. É através de carta registada, enviada para o domicílio fiscal do contribuinte, que este deve ser notificado para o exercício do direito de audição prévia no procedimento de inspecção tributária, que se inclui no procedimento tributário, conforme determinado nos artigos 60º n. º1 e n. º4 da LGT e artigo 60º, n.º 1 do RCPIT.

F. A notificação diz respeito ao projecto de relatório de procedimento inspectivo interno, que por se tratar de um acto interlocutório ou preparatório, sempre teria que se fazer nos termos prescritos pelo n.º 3 do artigo 38º do CPPT, ou seja, através de carta registada.

G. As regras gerais sobre as notificações contidas no CPPT, cedem perante as regras particulares sobre a mesma matéria atinentes ao procedimento de inspecção tributária e que estão contidas no RCPIT, como é o caso do artigo 43º n.º 1 do referido regime, em obediência ao princípio jurídico de que prevalece sempre a lei especial sobre a lei geral.
H. A presunção prevista no artigo 43º, n.º 1 do RCPIT é distinta da prevista no artigo 39º do CPPT, isto porque, aquela considera notificados os sujeitos passivos contactados para o seu domicílio fiscal por carta registada, mesmo em caso de devolução.

I. O recorrido não ilidiu de forma objectiva e comprovada tal presunção, entendendo a Fazenda Pública que o mesmo foi devidamente notificado para o exercício do direito de audição prévia, inexistindo assim preterição do direito de audição prévia.

J. Assim, decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO quanto à interpretação e aplicação da lei ao caso em apreço, designadamente, o disposto nos artigos 60º da LGT; 60º do RCPIT; 38º n.º 1 e 39º nº1 e n.º 5 do CPPT e artigo 43º do RCPIT.

Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.


O recorrido impugnante A…….., em suporte da decisão recorrida apresentou contra-alegações que encerram com as seguintes conclusões:
A. Bem andou o tribunal a quo ao reconhecer que não tendo sido validamente efetuada a notificação para apresentação da declaração de rendimentos em falta, o que determina a preterição dessa formalidade, ocorre um vício procedimental invalidante do acto impugnante.

B. Resulta provado dos autos que a carta registada endereçada foi devolvida com a indicação de que o destinatário “mudou-se” o que desde logo tem um sentido completamente diferente de “não reclamada” ou não levantada.

C. E perante esta informação a AT, perante esta informação de que a notificação não foi conseguida em virtude de o impugnante se ter mudado, limitou-se a aceder à base de dados e considerar que a morada correspondia à comunicada junto dos serviços da Administração Fiscal.

D. Presumindo a AT que a notificação estava corretamente efetuada, não tendo procedido a outras diligências, e em nosso entender erroneamente.

E. Ademais, no âmbito do referido processo inspectivo de igual forma não teve o impugnante a possibilidade de exercer o seu direito de audição previa previsto no art.º 60.º da L.G.T e 60.º RCPIT

F. Portanto, esta notificação deve ser efetuada através de carta registada, pois resulta do processo inspectivo que não pretendia a AT dispensar a audição do contribuinte.

G. E, por conseguinte, não tendo sido o impugnante notificado para o exercício da audiência prévia, estamos perante uma ilegalidade, que invalida por vicio de preterição do direito de audiência prévia.

Termos em que, deve ser julgado improcedente o recurso apresentado, e em consequência ser mantida a decisão recorrida, assim se fazendo a costumada

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso.

Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:
1. Em 31-12-2007 e, pelo menos, até 17-11-2009 o impugnante tinha domicílio fiscal na Rua ………, nº…., ……, no Porto - cfr. informação retirada do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, de fls. 83 a 92 dos autos;

2. Pela ordem de serviço nº O1 200901152, foi determinada a inspeção tributária do sujeito passivo, A………, de âmbito parcial, em sede de IRS, ao exercício de 2007 - cfr. relatório de inspeção tributária (RIT) de fls. 22 a 25 do processo administrativo apenso (PA);

3. Em 06-01-2009 foi remetido ofício nº 587/0054 dirigido ao impugnante, por correio registado sob o nº RY474467564PT, o qual foi devolvido com a indicação “Mudou-se” - cfr. ofício, talão de aceitação dos CTT e envelope, de fls. 341 a 343 dos autos;

4. Em 02-03-2009 foi remetido ofício nº 15394/0054 dirigido ao impugnante, por correio registado sob o nº RY474467893PT, o qual foi devolvido com a indicação “Não Reclamado” - cfr. ofício, talão de aceitação dos CTT e envelope, de fls. 342 a 346 dos autos;

5. Em 20-03-2009 foi elaborado Relatório de Inspeção Tributária, no âmbito da ação de inspeção referida na alínea anterior, pelo qual foram propostas correções à matéria coletável, de natureza meramente aritmética, no montante de 516.618,00 €, com os fundamentos que se passam a transcrever, com interesse para a presente decisão – cfr. RIT, de fls. 22 a 25 do PA:
“(…) Contrariando o disposto no art. 57º do Código do IRS, o contribuinte não apresentou a declaração de rendimentos mod. 3 de IRS para o ano 2007, não obstante ter auferido rendimentos provenientes de trabalho dependente (categoria A) que lhe foram pagos, como foi constatado através da consulta ao sistema informático da DGCI, conforme se passa a evidenciar:

Entidade pagadora do rendimento Rendimento auferido Retenção na fonte
Nome NIF Tipo Montante
……………………A € 221.387,00 € 71.951,00
………...
SAD
…………A € 295.231,00€ 73.270,00

Perante este facto foi o contribuinte notificado nos termos do nº 3 do art. 76º do Código do IRS, para, no prazo de 30 dias, efectuar a entrega da declaração de IRS para 2007, procedendo à indicação dos rendimentos referidos. A notificação, concretizada através do ofício registado nº 587/0504, de 2009.01.06, veio devolvida com a menção “Mudou-se”.
Consultado o sistema informático da DGCI, designadamente a “Visão do Contribuinte”, verifica-se que a notificação foi enviada para a morada constante no cadastro e que esta não foi alterada pelo que, nos termos do art. 39º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) se considera validamente notificado.
Assim, para o ano 2007, propõe-se a tributação do contribuinte em IRS, baseada nos rendimentos mencionados supra.
IV) INFRACÇÕES VERIFICADAS
A falta de entrega da declaração mod. 3 de IRS para o ano 2007, viola o disposto no art. 57º do Código do IRS, punível como crime de fraude fiscal, pelo art. 103º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, uma vez que a vantagem patrimonial ilegítima ultrapassa os € 15.000,00 (nº 2 do art. 103º do RGIT).
V) DIREITO DE AUDIÇÃO
Em cumprimento do disposto nos artigos 60º da LGT e 60º do RCPIT, foi expedida, através do ofício 15394/0504, de 2009/03/02, uma notificação, convocando o sujeito passivo inspeccionado para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o projecto de relatório produzido no âmbito da acção em curso.
O ofício foi devolvido com a menção “Não Reclamado”. Consultada a “Visão do contribuinte” verifica-se não ter havido alteração de morada, pelo que, nos termos do art. 39º do CPPT, se considera validamente notificado. (…)”;
6. Em 25-03-2009 foi proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças do Porto, por subdelegação, despacho, aposto no RIT indicado no ponto antecedente, do seguinte teor:
Concordo. Notifique-se o contribuinte.” - cfr. RIT, de fls. 22 a 25 do PA;

7. Na sequência das correções efetuadas, em 22-05-2009 foram emitidas as liquidações de IRS nº 2009 4001987959, no valor de 62.939,60 € e liquidação de juros compensatórios nº 2009 820726, no valor de 2.338,24 €, referentes ao exercício de 2007, no montante global de 65.277,84 € - cfr. nota de cobrança a fls. 28 do PA;

8. Em 08-11-2012 o ora impugnante apresentou, via telecópia, pedido de revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo da liquidação de IRS de 2007, com os fundamentos constantes da petição inicial de fls. 1 a 14 do PA - cfr. petição indicada e “relatório de chamadas de fax” a fls. 79 do PA;

9. Em 06-05-2013 foi proferido pela Diretora de Serviços do IRS, no âmbito do pedido de revisão indicado no ponto antecedente, despacho do seguinte teor:
“Concordo, pelo que com base nos fundamentos expressos convolo em definitivo o projecto de despacho de indeferimento do pedido de revisão” - cfr. despacho a fls. 87 do PA;

10. Em 27-05-2013 foi emitido ofício nº 34330 com o assunto “notificação da decisão do pedido de revisão artº 78º LGT”, remetido à mandatária do ora impugnante, por correio registado sob o nº RM747467157PT, sob aviso de receção assinado em 04-06-2013 - cfr. ofício, talão de registo e aviso de receção, respetivamente, a fls. 92, 86 e 85 do PA;

11. A presente impugnação foi remetida por via postal registada à Direção de Finanças do Porto em 03-09-2013 - cfr. envelope e etiqueta nele aposta, a fls. 183 dos autos.
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Questões objecto de recurso:
1 – Preterição do direito de audiência prévia antes de efectuada a liquidação oficiosa de imposto.


Entende a recorrente, sem colocar em crise a matéria de facto dada como provada que, contrariamente ao julgado não se verifica “ (..) ilegalidade da liquidação invalidada por vício de preterição do direito de audição prévia(…) havendo a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação do disposto no artigo 39º do Código de Processo e Procedimento Tributário, e pela não subsunção dos factos ao regime do artigo 43º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.
O recorrido, no processo de impugnação, veio atacar a liquidação oficiosa de IRS, referente ao ano de 2007 e respectivos juros compensatórios, por não se conformar com as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária no âmbito da acção inspectiva realizada a coberto da ordem de serviço OI 2009041152, que teve lugar face à não apresentação da declaração de rendimentos, Modelo 3, em sede de IRS pelo impugnante, e do teor das declarações Modelo 10 apresentadas pelos dois clubes de futebol que no ano de 2007 haviam pago salários àquele.
Resulta da matéria provada que o impugnante não apresentou a declaração de rendimentos mod. 3 de IRS para o ano 2007, embora tivesse auferido rendimentos provenientes de trabalho dependente (categoria A) que lhe foram pagos por dois clubes de futebol, conforme por estes declarado à DGSI. Tal omissão constitui infracção ao disposto no art. 57º do Código do IRS. Verificada tal omissão do cumprimento da obrigação de declarar rendimentos, o impugnante foi notificado nos termos do nº 3 do art. 76º do Código do IRS, para, no prazo de 30 dias, efectuar a entrega da declaração de IRS para 2007, procedendo à indicação dos rendimentos referidos. A notificação, concretizada através do ofício registado nº 587/0504, de 2009.01.06, veio devolvida com a menção “Mudou-se”.
Tendo em conta o disposto no art.º 76.º, n.º 1, b) do CIRS, não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha, como veio efectivamente a ocorrer utilizando os dados que lhe haviam sido comunicados pelos dois clubes de futebol. Esta notificação – para apresentação da declaração em falta – deve ser efectuada por carta registada simples, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 149.º. n. 1 e 3 e 66.º do CIRS uma vez que o seu número 2 apenas exige que seja efetuada por meio de carta registada com aviso de recepção a notificação de actos de fixação ou alteração previstos no artigo 65º. Assim, cumprida a formalidade exigida para a notificação do contribuinte para apresentação da declaração em falta, para o seu domicílio fiscal, não veio ela a concretizar-se na medida em que a carta para esse efeito enviada foi devolvida com a menção “Mudou-se” o que inequivocamente demonstra que não chegou ao conhecimento do seu destinatário.
A Administração Tributária confirmou que a carta havia sido enviada para o domicílio fiscal do contribuinte e que o mesmo não sofrera alteração não tendo adotado qualquer outra diligência no sentido de garantir que o contribuinte pudesse receber a notificação para apresentar a declaração em falta.
Foi determinada a inspeção tributária do impugnante, aqui recorrido, A………, de âmbito parcial, em sede de IRS, ao exercício de 2007 pela ordem de serviço nº O1 200901152.
Em sede de procedimento de inspecção tributária e, em cumprimento do disposto nos artigos 60º da Lei Geral Tributária e 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, foi expedida, por carta registada enviada para o domicílio fiscal do recorrido, através do ofício 15394/0504, de 2009/03/02, uma notificação, convocando o recorrido inspeccionado para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre o projecto de relatório produzido no âmbito da acção inspectiva em curso.
A carta foi devolvida com a menção “Não Reclamado” não tendo sido enviada qualquer outra carta ao recorrido antes de ser concluído o processo inspectivo e elaborado o acto de liquidação oficiosa de IRS aqui impugnado.
Entendeu a sentença recorrida que em face do art.º 39.º do Código de Processo e Procedimento Tributário deveriam ter-se aplicado as disposições do art. 39.º relativas a carta registada com aviso de recepção pelo que deveria ter sido enviada ao recorrido nova carta nos 15 dias seguintes à devolução da anterior, e que apenas a sua devolução com menção de não reclamada poderia fazer presumir, face ao número 6 do art.º 39 que a notificação a partir do 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
Todavia, haverá que ter em linha de conta que o exercício do direito de audição deveria ter tido lugar dentro do procedimento de inspecção tributária que decorria, e, que este se rege pelas disposições que lhe são próprias e, apenas em caso de lacuna poderão ser aplicáveis as disposições gerais do Código de Processo e Procedimento Tributário, como acontece com o seu art.º 39.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Em sede de procedimento inspectivo dispõe o art.º 43.º que: «Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta». Assim, o procedimento inspectivo que prosseguiu para decisão final e veio a originar a liquidação de IRS aqui impugnada não enferma de vício procedimental que possa atingir a validade do acto de liquidação que se lhe seguiu, na medida em que o legislador assumiu que a presunção funcionaria mesmo que o notificado estivesse ausente em parte incerta e, obviamente não tivesse recebido a notificação. O recorrido não teve possibilidade de exercer o seu direito de audição antes de efectuada a liquidação oficiosa, mas tal ocorreu numa circunstância expressamente prevista pelo legislador que, apesar de admitir uma situação extrema em que o contribuinte não toma conhecimento da notificação, presume que tomou, reforçando as consequências nefastas que gera a falta de actualização do domicílio fiscal.
A circunstância de o recorrido invocar a sua qualidade de figura pública de quem a comunicação social repetidamente indica o local onde exerce a sua actividade futebolística não é bastante para que a Administração Tributária possa alterar oficiosamente o domicílio fiscal indicado pelo contribuinte.
A sentença recorrida, erradamente, considerou que:
«(…)No caso em apreço, iniciada a ação inspetiva com base na verificação pela AT de que foi declarado por duas entidades o pagamento ao impugnante de remunerações de trabalho, sem que por este tivesse sido apresentada a competente declaração de rendimentos, resultou provado que, em 06-01-2009 foi emitido ofício registado nº 587/0504, o qual veio devolvido com a menção “Mudou-se”.
Notificação que os SIT consideraram validamente efetuada por ter sido remetida para a morada do contribuinte constante do cadastro - cfr. pontos 4 e 5 da factualidade provada.».
A primeira notificação que foi enviada ao recorrido para apresentar a declaração de rendimentos em falta que se rege exclusivamente pelas normas do CIRS e Código de Processo e Procedimento Tributário e antecedeu a abertura do veio devolvida com a menção de «mudou-se». Quer o envio quer a devolução dessa notificação decorreram antes e fora do processo inspectivo que teve origem numa ordem de serviço datada do dia 15 desse mesmo mês. A carta devolvida com a menção de «mudou-se» não impunha que no processo inspectivo, para efeitos de direito de audição, a Administração Tributária diligenciasse no sentido de saber do exacto paradeiro do contribuinte para desenvolver quer os actos inspectivos que se lhe seguiram quer a notificação do acto de liquidação oficiosa que veio a ocorrer.
Bem certo que a Administração Tributária ao receber a carta devolvida com a menção de «mudou-se» passou a dispor de informação de que, com grande probabilidade o contribuinte deixava de estar ou ter contacto com o seu domicílio fiscal e poderia ter desenvolvido diligências no sentido de apurar a localização do contribuinte o que parece não ter sido efectuado. Porém, não só tal diligência não lhe estava imposta dentro do processo inspectivo como, a omissão de tal diligência não tem, nos termos legais, a consequência de poder invalidar o acto de liquidação que lhe sucedeu dado que, como antes analisamos, em concreto, não se verifica preterição do direito de audição com virtualidade de invalidação do acto de liquidação subsequente a essa preterição.
Fez, pois, a sentença recorrida uma incorrecta interpretação da lei geradora de erro de julgamento a determinar a sua revogação.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, determinar a remessa dos autos ao tribunal recorrido para tomar conhecimento das demais questões suscitadas na impugnação.

Custas pelo recorrido.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 23 de Janeiro de 2019. – Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce Neto – Francisco Rothes.