Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01147/11
Data do Acordão:03/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO
TERMO INICIAL
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:I - A partir da data da entrada em vigor da Lei n.º 60-A/05, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), o prazo para deduzir impugnação judicial contra um acto de liquidação de IRS é de 90 dias (artigos 140.º n.º 1 do CIRS e 102.º n.º 1 do CPPT), contados a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação (artigo 140.º n.º 4, alínea a) do CIRS)
II - Este prazo de 30 dias a que alude o artº 140 nº 4, al. a) do CIRS refere-se ao termo inicial da contagem do prazo de impugnação e não ao prazo de impugnação propriamente dito.
III - A regra da al.e) do artº 279º do Código Civil , que dispõe que o prazo que termine em domingo ou dia feriado se transfere para o primeiro dia útil e que aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, aplica-se, apenas, ao termo fixado para a prática de um acto em juízo, o que não é o caso do prazo de 30 dias referido no artº 140º nº 4, al. a) , do CIRS.
IV - De igual modo não serão aplicáveis ao cômputo do prazo do artº 140 nº 4, al. a) do CIRS as regras do artº 72º do Código de Procedimento Administrativo, que se referem à contagem dos prazos procedimentais, em processo administrativo.
Nº Convencional:JSTA00067500
Nº do Documento:SA22012032801147
Data de Entrada:12/19/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU PROC1321/09 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Área Temática 2:DIR CIV - TEORIA GERAL
Legislação Nacional:CPA91 ART72 N1 A
CIRS01 ART140 N4
CCIV66 ART279 E
CPPTRIB99 ART102 N1 N4
L 60-A/2005 DE 2005/12/30
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC178/08 DE 2008/07/28; AC STA PROC517/11 DE 2011/10/26
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLII PAG154.
ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANOTADO PAG261.
ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANOTADO PAG431.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu proferida nos autos nº 1321/09.2BEVIS, a qual julgou procedente a impugnação deduzida por A…… e B…… contra a liquidação adicional de IRS e juros Compensatórios, relativa ao no de 2006, no valor de 2593,92 euros.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou tempestiva a impugnação apresentada nos autos, e, conhecendo do pedido, julgou a impugnação procedente e provada, com a consequente anulação do acto impugnado;
b) O presente recurso tem, assim, por objecto a reapreciação da matéria de direito no que diz respeito à excepção da caducidade do direito de impugnar, suscitada pela Fazenda Pública e julgada improcedente pelo Mmo. Juiz a quo;
c) A discordância com a sentença sob recurso reside, portanto, em divergente conclusão sobre a interpretação do quadro normativo aplicável à situação em presença, não aceitando a Fazenda Pública a configuração que do mesmo faz a douta sentença recorrida;
d) Dispõe o artº 102º do CPPT o prazo para a interposição de impugnação judicial, o qual é de 90 dias a partir dos factos elencados nas alíneas a) a f) do nº 1, de 15 dias após a notificação do indeferimento da reclamação graciosa (nº 2), ou a todo o tempo, se o fundamento for a nulidade (nº 3);
e) Todavia, prescreve o nº 4 do artº 102º do CPPT que "o disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias";
f) No caso de impugnação de actos de liquidação de IRS (situação dos autos),
estabelece a alínea a) do nº 4 do art.º 140º do CIRS, na redacção conferida pela Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro, que "Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se nos termos seguintes: A partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação";
g) Temos então, nesta norma, a estatuição de um prazo especial de impugnação que se sobrepõe à regra geral constante do artº 102º do CPPT;
h) "Relativamente à impugnação de actos de liquidação de IRS, prevê-se no art.º 140º, n.º 4, alínea a), do CIRS que o prazo de impugnação se inicia «a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação», afastando-se, por isso, o termo do prazo de pagamento voluntário como termo inicial do prazo" (sublinhado nosso), vide Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6a Edição, anotação 9 - Prazos especiais ao artº 102º do CPPT, págs.154;
i) A razão de ser do afastamento do termo do prazo de pagamento voluntário, da alínea a) do nº 1 do artº 102º do CPPT, como início do prazo para deduzir impugnação judicial, radica no carácter especial da alínea a) do nº 4 do artº 140º do CIRS, em detrimento do carácter geral do artº 102 do CPPT, "precisamente em razão da especialidade do seu objecto e da disciplina especial que consagram" vide Acórdão do STA de 26-10-2011, recurso 0517/11;
j) Encontrando esta situação arrimo legal, portanto, no nº 4 do art. 102º do CPPT;
k) Citando novamente o insigne Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, "É apenas o início do prazo de 90 dias que, em vez de contar a partir da notificação para pagamento voluntário, como se estabelece na alínea a) do nº 1 do artº 102º do Código de Procedimento e Processo Tributário se conta a partir do 30º dia posterior à notificação, da liquidação" (sublinhado nosso), vide Autor e obra identificados em h);
I) Importa portanto diferenciar o prazo de trinta dias «seguintes ao da notificação da liquidação» constante da alínea a) do n.º 4 do artº 140 do CIRS, findo o qual inicia o prazo para interpor impugnação judicial da liquidação em causa, do prazo de pagamento voluntário da liquidação, a que alude a alínea a) do nº 1 do art. o 102º do CPPT e que serve como início do prazo para deduzir impugnação judicial;
m) Equiparar o prazo de 30 dias do artº 140º do CIRS ao prazo de pagamento voluntário da liquidação é retirar todo o efeito aquele normativo do CIRS, pois que se assim fosse, mesmo numa liquidação de IRS, o prazo para deduzir impugnação judicial seria sempre o prazo de 90 dias após o termo do pagamento voluntário da liquidação, previsto na alínea a) do nº 1 do artº 102º do CPPT;
n) Em suma, o prazo de 30 dias do artº 140º do CIRS não tem qualquer correspondência com o prazo de pagamento voluntário da liquidação, para efeitos de interpor impugnação judicial;
o) Motivo pelo qual não tem aplicação no caso em apreço o disposto na alínea c)
do n.º 1 do artº 72º do CPA, pois que este, como bem explica Jorge Lopes de Sousa no seu já citado CPPT anotado e comentado, 6a edição, apenas se aplica "para determinar o prazo de impugnação judicial previsto na alínea a) do nº 1 do artº 102º do CPPT, que se conta a partir «termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte» ". vide anotação 2 - c) Contagem do prazo de impugnação judicial quando o prazo de pagamento voluntário termine em dia não útil, e ainda anotação 17 ao artigo 86;
p) Também não tem a mínima correspondência com a situação dos autos o Acórdão do STA 0318/11 de, 21-09-2011, pois que é incontroverso que, no âmbito de um recurso de contra ordenação, o arguido tem 20 dias apresentar recurso, nos termos do nº 1 do artº 80º do RGIT, contados de acordo com o artº 60º do RGCO, e caso esse prazo termine em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, ao abrigo do artº 279º alínea e) do Código Civil;
q) No caso em apreço se o prazo de 90 dias, contado a partir do 30º dia posterior à notificação da liquidação, terminar em férias judiciais, obviamente que esse prazo se transfere para o primeiro dia útil seguinte, ao abrigo do artº 279º alínea e) do Código Civil, independentemente de o acto dever ser praticado perante autoridades administrativas, que servem de intermediários para recepção dos requerimentos de interposição, vide, a este propósito, anotação 10 ao artº 20 do CPPT anotado e comentado de Jorge Lopes de Sousa, 6ª edição;
r) Contudo, não é esse o caso dos autos, pelo que se torna despiciendo a invocação de um Acórdão do STA que assenta em tais pressupostos, evidente/uniforme na aplicação do direito a uma situação de um término de prazo em período de férias judiciais, quando o acto sujeito a prazo tenha de ser praticado em juízo;
s) No caso em apreço o prazo de 30 dias posterior à notificação da liquidação, previsto na alínea a) do n.º 4 do artº 140 ° do CIRS, implica tão só o início do prazo de 90 dias para o efeito de interpor impugnação judicial da liquidação de IRS, não implica mais nada, mormente o pagamento voluntário da liquidação ou a possibilidade de praticar qualquer acto em juízo;
t) Assim, aquele prazo de 30 dias após a notificação da liquidação deve considerar-se completado independentemente de ocorrer num sábado, domingo, feriado, ou qualquer outro dia útil, pois que não implica a prática de qualquer acto, apenas opera o efeito de iniciar o prazo de 90 dias para interpor impugnação judicial;
u) Daí a não aplicação do disposto no artº 279°, alínea e) do C.C. ao prazo de 30
dias previsto no artº 140° do CIRS, defendendo-se, porque só aí faz sentido, a aplicação do art.º 279°, alínea e) do C.C. ao prazo de 90 dias para deduzir impugnação judicial;
v) Pois este tem aplicação quando o acto sujeito a prazo tenha de ser praticado em juízo;
w) Assim, se o prazo de 90 dias terminar num sábado, domingo, feriado ou férias judiciais transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, nos termos do citado artº
279, alínea e) do C.C; o mesmo não se pode afirmar para o prazo de 30 dias, previsto no art.º 140° do CIRS, pois, como já se demonstrou, este apenas implica o início do prazo de 90 dias para interpor impugnação judicial;
x) Na situação dos autos, o impugnante foi notificado da liquidação de IRS em 06-08-2009, pelo que o prazo de 30 dias do artº 140° do CIRS completou-se em 05.09.2009, sábado, (e não 06 de Setembro, como, do nosso ponto de vista, apenas por lapso o refere o Mmo Juiz a fls. 3 da douta sentença recorrida, pois seguindo tal raciocínio a controvérsia dos autos não se colocava), tendo o prazo de 90 dias para interpor impugnação judicial iniciado em 06-09-2009 expirou em 04-12-2009 (sexta-feira), tudo como resulta de fls. 5, 6 e 48 do Processo Administrativo; sendo que a petição foi enviada para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, por correio registado, em 07-12-2009 (segunda-feira), vide fls. 118 dos autos.
y) A contagem dos prazos de impugnação judicial faz-se nos termos do art.º 279º do C.C., como expressamente se refere no nº 1 do art. 20º do CPPT, sendo este prazo de natureza substantiva não se lhe aplica as disposições previstas no art.º 145º do CPC para o prazo processual ou judicial, neste sentido, entre outros, Acórdãos do STA nº 077/08 de 16-04-2008, 01208/03 de 14-01-2004 e 0458/08 de 29-10-2008;
z) Na procedência da excepção da caducidade do direito de impugnar, oportunamente suscitada pela Fazenda Pública, deveria o Mmo Juiz do Tribunal "a quo", abster-se do conhecimento do mérito da presente impugnação;
aa) Nem para o efeito se invoque a aplicação do princípio do pro actione, ínsito no artº 70 do CPTA, pois este supõe, a existência de duas ou mais interpretações possíveis, razoáveis, da mesma norma processual, devendo a opção recair na que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas;
bb) Em primeiro lugar, não se vislumbra que normas processuais estão em causa na situação dos autos, pois quer o disposto no artº 140º do CIRS, quer o disposto no artº 102º do CPPT, consubstanciam normas substantivas;
cc) Em segundo lugar, na situação em apreço, não tem suporte legal o fraccionar dos prazos de 30 dias do artº 140º do CIRS com os 90 dias para deduzir impugnação judicial do artº 102º do CPPT;
dd) Pois o prazo de 30 dias posterior à notificação da liquidação esgota-se findo aquele prazo, independentemente de ocorrer num sábado, domingo, feriado ou dia útil;
ee) Como já se referiu trata-se de um prazo especial de impugnação, que afasta a regra geral do artº 102º do CPPT e que impõe a contagem do prazo de 90 dias a partir do 30º dia posterior à notificação da liquidação;
ff) Expirado aquele prazo, (30 dias do artº 140º nº 4 a) CIRS + 90 dias do artº 102º do CPPT) ocorre uma excepção peremptória, ficando vedado ao tribunal o conhecimento das questões invocadas na impugnação intempestiva;
gg) Admitir-se a aplicação do princípio do pro actione no caso dos autos, seria admitir-se a apreciação dos argumentos alegados numa situação de intempestividade do meio judicial utilizado, quando o tribunal deve conhecer oficiosamente das excepções peremptórias, nos termos do artº 496º do CPC; Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença proferida nos autos que, julgando improcedente a questão prévia da caducidade do direito de impugnar, apreciou o mérito da impugnação judicial.
Os recorridos contra-alegaram, pugnado pela manutenção do decidido e alegando, em síntese, que o Tribunal a quo aplicou de forma correcta o Direito, aplicando o disposto no artigo 279°, alínea e), do Código Civil, ao prazo previsto no artigo 140°, nº 4, alínea a) do Código do IRS, tal como o impõe o artigo 57°, n.º vb 3, da LGT.
E que a evidente autonomia do prazo em causa relativamente ao prazo para apresentação da impugnação judicial que se conta a partir do seu termo reforça o resultado da exegese dos preceitos citados, no sentido da plena aplicabilidade do disposto no artigo 279°, alínea e), do Código Civil.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu no sentido do provimento do recurso, alinhando em síntese a seguinte fundamentação: « A decisão proferida assentou na data em que teve lugar a notificação da liquidação a que se refere a matéria controvertida no recurso interposto pela Fazenda Nacional, como sendo efectuada a 6-8-2009 (fls. 253, al. H).
Ora, a data em que findou o decurso dos 30 dias previstos no art. 140.° nº 4 al. a) do CIRS é a 5-9-2009 (sábado) e não a 6-9-2009 (domingo), conforme indicado no dito parecer a fls. 215.
Aplicou-se ainda na sentença recorrida a regra contida no art. 72.° nº 1 al. b) do C.P.A. quanto ao seu cômputo, fazendo transferi-lo para o primeiro dia útil seguinte.
Cita a recorrente em abono da tese contrária do decidido a posição do Exmº Conselheiro Jorge Sousa no seu C.P.P.T. Anotado, e acórdão do S.T.A. subscrito também pelo mesmo mas relaciona o mesmo com o previsto no art. 37.° do C.P.P.T .. Por outro lado, defendem os recorridos que a mesma vai contra a letra do art. 279.° al. e) do C. Civil, bem como que este é aplicável no caso de prazo para pagamento voluntário, citando outro acórdão do S.T.A.
Cumpre tomar posição.
A referida posição doutrinal do Consº Jorge Sousa, segundo a qual face à referida previsão especial tal como consta, o prazo de impugnação ser de contar logo após o prazo de 30 dias, está de acordo com o entendimento jurisprudencial deste S.T.A. contrário à aplicação da norma contida no art. 72° n.º 1 al. b) do C.P.A., existindo norma especial que deva levar a considerar doutro modo - assim, ac. do S.T.A. de 14-IV-94 in Ac. Dout. n.º 396, p. 1932 e ss., citado por Mário Esteves de Oliveira; Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, no seu CPA Comentado, p. 368, merecendo a sua concordância.
Parece não haver razões para afastar tal entendimento no presente caso.
Se é em 30 dias, contados da notificação, que podia também ter sido requerida a notificação de requisitos omitidos ou a passagem de certidão de que os mesmos constassem, nos termos a que alude o art. 37.° do C.P.P.T., tal não parece invalidar o entendimento tido.
Por outro lado, no prazo de 30 dias podia também ter sido efectuado o pagamento voluntário, de acordo com o previsto no artº do CPPT.
Ora, atenta a regra contida no art. 105.° do CIRS, este podia ter sido efectuado aos sábados e domingos, mesmo encontrando-se os serviços de finanças encerrados nesses dias. Parece, pois, não haver fundamento para fazer transferir o cômputo dos ditos 30 dias para o primeiro dia útil seguinte, mais sendo de reconhecer que o decurso dos mesmos foi atingido a 5-9-2009.
E efectuando continuamente o cômputo do prazo de 90 dias para a impugnação, alcança-se que o mesmo findou a 4-12-2009 (6ª feira), conforme se defende também no recurso interposto.
Concluindo, parece que, decorrendo que a impugnação apresentada a 7-12-2009 foi extemporânea, é de julgar o recurso procedente, revogando-se o decidido.
3- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
3.1. Com interesse para a questão em análise nos presentes autos julgaram-se provados na decisão recorrida os factos seguintes:
«(……) H) Em 07 de Julho de 2009 foi efectuada pela Direcção-Geral dos Impostos, a liquidação de IRS referente ao ano 2006 nº 2009 5004677982 que originou um valor a pagar no montante de € 2 593.99, liquidação que foi notificada aos impugnantes em 06-08-2009 e paga, no limite do pagamento voluntário. em 2009-09-02. vide docs. de fls. 63 destes autos e fls. 3 a 7 do Processo Administrativo;
I) No dia 07-12-2009, via postal, foi expedida para este Tribunal a petição inicial que deu origem aos presentes autos, cfr fls. 2 e 118 destes autos.»
3.2 A única questão objecto de recurso que consiste em saber se padece de erro de direito a decisão da primeira instância que julgou tempestiva a impugnação deduzida pelos recorridos e julgou improcedente a excepção da caducidade do direito de impugnar suscitada pela Fazenda Pública.
Mais concretamente está em causa apurar se, terminando o prazo de 30 dias previsto no artº 140º, nº 4, al. a) do CIRS num dia não útil o termo inicial do prazo de impugnação deve ou não passar para o dia útil seguinte.
A sentença recorrida ponderou que, independentemente de se considerar o referido prazo de 30 dias, como prazo substantivo ou judicial, aplicando-se ou não a norma do artº 279º, al. e) do Código Civil , sempre neste caso passaria para o primeiro dia útil, invocando a propósito o artº 72º, nº 1, al. a) do Código de Procedimento Administrativo.
Contra o assim decidido insurge-se a Fazenda Pública alegando que o prazo de 30 dias posterior à notificação da liquidação, previsto na alínea a) do n.º 4 do artº 140 ° do CIRS, implica tão só o início do prazo de 90 dias para o efeito de interpor impugnação judicial da liquidação de IRS, não implica mais nada, mormente o pagamento voluntário da liquidação ou a possibilidade de praticar qualquer acto em juízo.
Conclui que aquele prazo de 30 dias após a notificação da liquidação deve considerar-se completado independentemente de ocorrer num sábado, domingo, feriado, ou qualquer outro dia útil, pois que não implica a prática de qualquer acto, apenas opera o efeito de iniciar o prazo de 90 dias para interpor impugnação judicial.
3.3 Desde já se dirá que o recurso merece provimento. Vejamos, antes de mais, as normas em causa.
Diz o artº 140º, nº 4, do CIRS (Redacção dada pela Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro) que os prazos de reclamação e de impugnação se contam nos termos seguintes: a) A partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação; (Redacção dada pela Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro)
b) (Revogada.) (Redacção dada pela Lei 60-A/2005, de 30 de Dezembro)
c) A partir do dia 20 de Janeiro do ano seguinte àquele a que a retenção disser respeito, nos casos previstos no n.º 2;
d) A partir do dia 20 de Janeiro do ano seguinte àquele a que a retenção disser respeito ou a partir da data de pagamento do imposto que autonomamente deva ser liquidado e entregue nos cofres do Estado, nos casos previstos no n.º 3.
E dispõe o artº 102º, nº 1, al. a) do Código de Procedimento e Processo Tributário que a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.
Resulta expressamente do disposto no n.º 4 do artigo 102.º do CPPT que o teor do referido preceito não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias, constituindo as alíneas do n.º 4 do artigo 140.º do Código do IRS normas especiais, aplicáveis ao IRS, relativamente ao disposto nas alíneas do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, não quanto ao prazo de impugnação propriamente dito, mas quanto ao termo inicial da sua contagem, normas estas que hão-de prevalecer sobre a norma geral contida no CPPT precisamente em razão da especialidade do seu objecto e da disciplina especial que consagram (cf. também neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.10.2011, recurso 517/11, in www.dgsi.pt).
O prazo de impugnação da liquidação de IRS será, pois, de 90 dias contados a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação, estabelecendo assim o artº 140º nº 4 do CIRS um termo inicial especial do prazo de impugnação de 90 dias para actos de liquidação de IRS e não um prazo de 120 dias (Ver neste sentido Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag. 154 e também o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.07.2008, recurso 178/08.).
No caso subjudice, e como resulta do probatório, a liquidação foi notificada aos impugnantes em 06-08-2009 pelo que o prazo de 30 dias previsto no artº 140º, nº 4, al. a) do CIRS terminaria a 05.09.2009 (sábado) e não a 06.09.2009 (domingo), conforme indicado na sentença.
Ora será que terminando o prazo de 30 dias previsto no artº 140º, nº 4, al. a) do CIRS num dia não útil o termo inicial do prazo de impugnação deve passar para o dia útil seguinte?
Como vimos a sentença recorrida, aplicando a regra contida no artº 72º nº 1, al. a) do Código de Procedimento Administrativo considerou que referido prazo de 30 dias (artº 140º, nº 4, al. a)) terminaria no primeiro dia útil imediato, ou seja no dia 07.09.2009.
Mas aqui não andou bem a primeira instância, e por duas ordens de razões:
Em primeiro lugar porque o prazo de 30 dias a que alude o artº 140 nº 4, al. a) do CIRS se refere ao termo inicial da contagem do prazo de impugnação e não ao prazo de impugnação propriamente dito.
Como sublinha Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, vol. II, pag.154, é apenas o início do prazo de 90 dias que, em vez de contar a partir da notificação para pagamento voluntário, como estabelece a alínea a) do nº 1 do artº 102º do Código de Procedimento e Processo Tributário, se conta a partir do 30º dia posterior à notificação da liquidação.
O prazo referido no artº 140 nº 4, al. a) do CIRS estabelece assim o termo inicial de um outro prazo, o prazo de impugnação propriamente dito, e não o prazo para a prática de um determinado acto em juízo.
Ora o artº 279º, al. e) do Código Civil dispõe que o prazo que termine em domingo ou dia feriado se transfere para o primeiro dia útil e que aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.
A regra da al.e) do artº 279º do Código Civil aplica-se, pois, e apenas, ao termo fixado para a prática de um acto em juízo, o que não é o caso do aludido prazo do artº 140º do CIRS. Assim, e por exemplo, será aplicável ao prazo para deduzir impugnação, de 90 dias, caso termine em domingo ou dia feriado.
Daí que, como sustenta a recorrente, se faz sentido, a aplicação do art.º 279°, alínea e) do C.C. ao prazo de 90 dias para deduzir impugnação judicial, o mesmo não sucede em relação ao prazo de 30 dias previsto no artº 140° nº 4, al. a) do CIRS, pois este estabelece o termo inicial de contagem de um prazo e não o prazo em que tenha de ser praticado em juízo um determinado acto.
Por outro lado a regra do artº 72º do Código de Procedimento Administrativo refere-se à contagem dos prazos procedimentais, em processo administrativo, e não se aplica aos prazos legalmente fixados como condição de exercício do direito, que são de caducidade e de natureza substantiva (Ver neste sentido António Francisco de Sousa, Código de Procedimento Administrativo anotado, 261 e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA PEDRO COSTA GONÇALVES JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código de Procedimento Administrativo anotado, pag. 431.).
Como assim haveremos de concluir que, terminando o prazo de 30 dias previsto no artº 140º, nº 4, al. a) do CIRS num dia não útil, o termo inicial do prazo de impugnação não se transfere para o dia útil seguinte.
E do exposto resulta que assiste razão à Fazenda Pública quando, acertadamente, sustenta que a impugnação judicial apresentada pelos recorridos era intempestiva.
Na verdade mostra o probatório que a liquidação foi notificado aos impugnantes em 06-08-2009 pelo que o prazo de 30 dias previsto no artº 140º, nº 4, al. a) do CIRS terminou a 05.09.2009.
Sendo este o termo inicial da contagem do prazo de impugnação, o referido prazo (de 90 dias) findou a 04.12.2009 (sexta feira), pelo que a impugnação, deduzida a 07.12.2009 (cf. probatório), era efectivamente intempestiva.
A sentença recorrida, que assim não decidiu, não pode ser confirmada,
IV- Decisão
Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar intempestiva a impugnação judicial.
Custas pelos recorridos que contra-alegaram neste Supremo Tribunal Administrativo.
Lisboa, 28 de Março de 2012. - Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão - Francisco Rothes.