Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0893/08
Data do Acordão:01/07/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IRC
CUSTO FISCAL
DESPESAS CONFIDENCIAIS
DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS
CHEQUE
Sumário:I - Os cheques auto são títulos de pagamento de combustível ou outros produtos disponibilizados pelos mesmos fornecedores.
II - A aquisição destes cheques consiste na mera troca de meios de pagamento e não traduz um custo fiscalmente dedutível, pois só há despesa no momento em que é adquirido o combustível.
III - Se é desconhecido o destino dado a tais cheques, estes devem ser considerados despesas confidenciais e/ou não documentadas e, consequentemente, tributados autonomamente.
Nº Convencional:JSTA00065450
Nº do Documento:SA2200901070893
Data de Entrada:10/16/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:DL 192/90 DE 1990/06/09.
CIRC88 ART8 ART9 ART41 N1 B.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC17812 DE 1994/03/23.; AC STA PROC488/07 DE 2007/10/24.; AC STA PROC24632 DE 2006/06/28.; AC STA PROC45/05 DE 2005/06/15.; AC STAPLENO PROC55/06 DE 2007/09/26.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A... SA, com sede no Porto, não se conformando com a sentença da Mma. Juíza do TAF do Porto que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações de IRC e derramas, relativas aos exercícios de 1994 e 1995, no segmento em que esta considerou que as despesas com cheques-auto devem ser qualificadas como despesas não documentadas e susceptíveis de tributação autónoma, não devendo ser havidas como custo fiscal, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1. As despesas com cheques-auto têm suporte documental devido – no seu talão de venda – que contém todos os elementos por lei exigidos;
2. O documento de suporte existe e cumpre os requisitos formais impostos por lei e o destino do valor por eles pago é conhecido e não pode ser questionado.
3. Assim, apenas pode ser posta em causa a dedutibilidade do custo respectivo para efeitos fiscais, pois que a sua imprescindibilidade para a realização de proveitos não pode ser comprovada, mas não podem ser considerados custos indocumentados nem confidenciais.
4. Razão pela qual não poderão ser alvo de tributação autónoma.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se fixados os seguintes factos:
A) A Impugnante dedica-se ao comércio bancário e financeiro;
B) As declarações de rendimentos de IRC e documentos anexos relativas aos exercícios de 1994 e 1995 foram corrigidas pela Inspecção Tributária;
C) Da fundamentação das correcções efectuadas, extracta-se:
a. Exercício de 1994:
b. Quadro 20, linha 05:
i. O montante de PTE 862.503$00 relacionado com excesso de amortizações;
ii. O s.p. efectuou amortizações de «beneficiações associadas a edifícios alheios» a uma taxa de 25%;
iii. Conforme resposta do sujeito passivo trata-se de trabalhos de carpintaria, serralharia e instalações eléctricas efectuados para adaptação e melhoramento das instalações em causa;
iv. Pela descrição considero que se tratam de instalações interiores, classificadas pelo cód. 2095 da tabela II – taxas genéricas, do Dec. Reg. 2/90, reintegráveis a uma taxa de 10%;
v. Assim, nos termos do Dec. Reg. 2/90, conjugado com o artigo 32.º do CIRC, é corrigido PTE 862.503$00 (…);
c. Quadro 20, linha 14:
i. O montante de PTE 4.625.000$00 relaciona-se com a aquisição de «cheques-auto»;
ii. Este tipo de custo não se encontra documentado, pois o suporte documental existente é o justificativo (recibo) da aquisição de meios de pagamento titulados por cheques-auto, que poderão ser convertidos novamente, em parte ou na totalidade, em meios monetários;
iii. Estamos assim perante uma situação em que não existe nenhum documento subjacente à despesa em combustíveis, portanto, encontra-se não documentada;
iv. Assim, é corrigido o montante acima referido, nos termos do artigo 41.º/1.h) do CIRC, devido a encargos não documentados;
d. Quadro 20, linha 21:
i. O montante de PTE 45.000$00 refere-se a uma inscrição no torneio de futebol de salão, contabilizado como custo na conta «74192 – Outros serviços de Terceiros – encargos com acções de natureza cultural», em relação ao qual não considero que integre o conceito de custo do artigo 23.º/1 do CIRC, por não se comprovar que foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (…);
e. Quadro, linha 9:
i. O valor corrigido na linha 14 do quadro 20 é ainda tributado autonomamente à taxa de 10%, nos termos do artigo 4.º do DL 192/90, de 9 de Junho, ou seja, PTE 462.500$00;
f. Exercício de 1995:
g. Quadro 20, linha 6:
i. O valor de PTE 7.938.163$00 está relacionado com o excesso de provisão para «riscos gerais de crédito»;
ii. Segundo o artigo 7.º do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, será de considerar, para efeitos de constituição desta provisão, o total de crédito concedido pela instituição, incluindo o representado por aceites, garantias e outros instrumentos de natureza análoga;
iii. Pela resposta do s.p. verifica-se a utilização na base de incidência da provisão das seguintes contas:
1. 22 Crédito interno;
2. 23 Crédito ao exterior;
3. 27 Devedores e outras aplicações;
4. 90 Garantias prestadas e out. pass. Eventuais;
iv. De acordo com o PCSB, a conta 27 – devedores e outras aplicações regista todas as operações com terceiros pendentes de regularização que não assumem a forma de crédito concedido;
v. Assim, por força do aviso 3/95 será de excluir da base de incidência da provisão o saldo da conta 27 (…);
vi. O montante acima referido é corrigido nos termos do artigo 33.º/1.d) do CIRC conjugado com o Aviso 3/95 do Banco de Portugal;
D) Por ofício datado de 1999.03.19, a Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição;
E) E, em 1999.03.30, exerceu-o por escrito;
F) Por ofício datado de 1999.05.11, foi notificada do relatório final;
G) Em 1999.05.07, foi emitida a liquidação adicional n.º 8310008372, relativa a IRC de 1994, no montante de PTE 4.271.418$00, € 21.305,74, com data limite de pagamento de 1999.06.30;
H) Desta notificação transcreve-se: fica (…) notificado para, no prazo de 30 dias a contar do 3.º dia útil posterior ao registo, efectuar o pagamento da importância de PTE 4.271.418$00, proveniente de IRC do ano de 1994, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida; poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos no artigo 111.º do CIRC; não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo;
I) Em 1999.05.07, foi emitida a liquidação adicional n.º 8310008373, relativa a IRC de 1995, no montante de PTE 4.354.609$00, € 21.720,70, com data limite de pagamento de 1999.06.30;
J) Desta notificação transcreve-se: fica (…) notificado para, no prazo de 30 dias a contar do 3.º dia útil posterior ao registo, efectuar o pagamento da importância de PTE 4.354.609$00, proveniente de IRC do ano de 1995, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida; poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos no artigo 111.º do CIRC; não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo;
K) A Impugnante reclamou;
L) Por ofício datado de 2002.01.10 foi notificada para exercer o direito de audição que exerceu por escrito;
M) Por despacho de 2002.02.26, a reclamação foi considerada parcialmente procedente;
N) E, em 2002.03.22, no Serviço de Finanças Porto – 6, deu entrada a presente impugnação.
III – Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Mma. Juíza do TAF do Porto que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra a liquidação adicional de IRC, referente aos exercícios de 1994 e 1995, no segmento em que esta considerou que as despesas com cheques-auto devem ser qualificadas como despesas não documentadas e susceptíveis de tributação autónoma, não devendo ser havidas como custo fiscal.
Sustenta a recorrente que tais despesas não podem, porém, ser assim qualificadas por terem o suporte documental devido e ser inequívoca a origem e destino dos valores envolvidos.
Vejamos. Dispunha o artigo 41.º, n.º 1, al h) do CIRC, na redacção então vigente, que não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial.
Por sua vez, estabelecia o artigo 4.º do DL 192/90, de 9 de Junho, na redacção aqui aplicável, que as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributados autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.
Ou seja, as despesas confidenciais e/ou não documentadas não só não são dedutíveis para efeitos fiscais como são, até, sujeitas a tributação autónoma de 10%.
Como já se disse no acórdão deste STA de 23/3/1994, no recurso 17812, despesas confidenciais são despesas que, como a sua própria designação indica, não são especificadas, ou identificadas, quanto à sua natureza, origem ou finalidade.
E, como se referiu no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 24/10/2007, no recurso 488/07, “os cheques auto são títulos de pagamento de combustível ou outros produtos disponibilizados pelos mesmos fornecedores, uma vez que, depois de adquiridos, tais cheques tanto podem ser utilizados na aquisição daqueles produtos, como podem ser trocados novamente, pelo menos em parte, por moeda.
A aquisição destes cheques consiste na mera troca de meios de pagamento que não traduz um custo, pois só há despesa no momento em que é adquirido o combustível.
Isto é, a mera detenção dos cheques não implica a verificação de qualquer custo – cfr. os acórdãos do STA de 28 de Junho de 2006, recurso n.º 024632, e de 15 de Junho de 2005, recurso n.º 045/05.”.
Assim, como se diz no acórdão também do Pleno desta Secção de 26/09/2007, no recurso 55/06, “o custo é, não esse cheque, mas a concretização do mesmo.
Ou seja: só com a aquisição do combustível (ou afim) é que se concretiza a despesa que será um custo.
É assim realmente certo que a comprovação (e efectivação) do custo há-de apenas ocorrer através do recibo do respectivo abastecedor de carburante, pois só assim se poderá saber qual a quantidade de carburante utilizado, a identificação da viatura e do proprietário.
Só então se pode falar em custo, pela comprovação da afectação da viatura ao contribuinte.
(…)
O custo fiscal dedutível é o encargo com a compra de combustível ou outro produto afim disponibilizado pelo respectivo fornecedor e não o cheque auto.
(…)
Podemos, pois, concluir que só a aquisição do carburante (ou outro produto afim), comprovada pelo respectivo documento, com a identificação do veículo e do seu proprietário, poderia ser deduzida como custo fiscal
Ou seja: só a concretização do fornecimento de combustível, nos termos descritos, é que lhe retira a natureza de despesa confidencial ou não documentada.
Até lá não se pode falar em custo fiscalmente dedutível. Não está realmente documentada a essencialidade para a realização dos proveitos ou ganhos da impugnante.
Deve antes a aquisição dos cheques auto ser considerada uma despesa confidencial ou não documentada.”.
Ora, no caso em apreço, o que vem dado como provado, é apenas que o único suporte documental existente é o justificativo (recibo) da aquisição de meios de pagamento titulados por cheques-auto, não existindo nenhum documento subjacente à despesa em combustíveis (v. ponto C) do probatório).
Ou seja, não se pode afirmar que tais cheques auto foram utilizados na aquisição de combustível para utilização em veículos da impugnante, nem concluir que a utilização dada aos cheques auto, se é que houve alguma, pois é desconhecido o destino dado aos mesmos, constituiu uma despesa ou custo para a recorrente.
E, assim sendo, por força do artigo 4.º do DL 192/90, de 9/6, o montante referente à aquisição desses cheques deve ser considerado, como foi, como despesa não documentada, e, além de não ser admitido como custo fiscalmente dedutível, ser ainda tributado autonomamente à taxa de 10 %.
A decisão recorrida que, assim entendeu, não merece, por isso, qualquer reparo.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 50%.
Lisboa, 7 de Janeiro de 2009. – António Calhau (relator) – Miranda de Pacheco – Pimenta do Vale.