Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01641/13
Data do Acordão:01/20/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:IRS
MÉTODOS INDIRECTOS
IMPUGNAÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - A decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.
II - Tendo precludido o direito dos recorrentes do recurso ao abrigo do artigo 91 da LGT e vindo agora através de impugnação judicial pedir a anulação da liquidação, com base em ilegalidade cometida na avaliação indirecta, a impugnação é meio adequado à anulação, não existe erro na forma do processo mas o pedido deve improceder porque estando consolidada a matéria tributável, esta já não pode ser posta em causa na impugnação.
III - Não tendo o Tribunal conhecido do invocado erro de quantificação resultante de avaliação directa de parte da matéria tributável devem os autos prosseguir para tal apreciação e decisão.
Nº Convencional:JSTA00069517
Nº do Documento:SA22016012001641
Data de Entrada:10/24/2013
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART54 ART146-B N2.
LGT98 ART86 N4 ART91 N1 ART89-A N7.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0422/11 DE 2011/07/06.
Referência a Doutrina:LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES E JORGE DE SOUSA - LGT ANOTADA 2ED PAG361.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

1. Não se conformando com a sentença do TAF de Braga, de fls. 89 e segs., que julgou procedente a excepção de erro na forma do processo, considerando que quanto à avaliação da matéria colectável por métodos indirectos, ser dever do tribunal abster-se de apreciar o pedido e, em consequência, absolver a Fazenda Pública do pedido, pelo que vieram A…………… e B………….., identificados nos autos, interpor recurso para este Tribunal.

2. Formularam alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões:
1. Intentaram os aqui Recorrentes a presente impugnação judicial contra a liquidação de IRS de 2007 e respetivos juros, impugnando, quer os pressupostos que determinaram avaliação indireta, quer o ato de liquidação, quer, ainda, o rendimento global resultante de avaliação direta.
2. Contestou a AT, alegando que foram efetuados dois tipos de correções aos rendimentos tributáveis em sede de IRS, resultantes, por um lado, de avaliação indireta da matéria tributável, por outro, de avaliação direta.
3. Alegou a AT que, no que toca à avaliação da matéria tributável por métodos indiretos previsto no artigo 89°-A da LGT, não cabia impugnação judicial, devendo improceder o pedido dos aqui Recorrentes.
4. Julgou a decisão recorrida procedente a exceção de erro na forma de processo, considerando, quanto à avaliação da matéria coletável por métodos indiretos, ser dever do Tribunal abster-se de apreciar o pedido e, em consequência, absolvendo a fazenda nacional.
5. Todavia, não existe qualquer impedimento à presente impugnação judicial de liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios.
6. Pelo contrário, o meio próprio para discutir da legalidade da liquidação é o da impugnação judicial.
7. A liquidação pode ser impugnada com fundamento em qualquer ilegalidade.
8. Nenhum dos acórdãos do STA referidos pela decisão ora recorrida, por remissão para a contestação da AT, considera que o recurso previsto no n.° 7 do art.° 89°-A LGT é o único meio ao dispor do contribuinte para reagir contra a liquidação que se baseia em avaliação por métodos indirectos.
9. Pelo contrário, e salvo o devido respeito, assente está que o sujeito passivo pode impugnar judicialmente a liquidação.
10. Com efeito, nada obsta a que o contribuinte impugne judicialmente o acto final de liquidação que tenha tido como pressuposto uma decisão de avaliação indireta da matéria coletável.
11. A decisão recorrida, ao considerar haver erro na forma do processo, viola o disposto nos artigos 89°-A LGT e 102 e ss CPPT, pois que
i) considera, erroneamente, ser o recurso previsto no n.° 7 daquele artigo 89°-A o único meio ao dispor do contribuinte para reagir contra a liquidação que se baseia em avaliação por métodos indirectos;
ii) esquece que os aqui recorrentes impugnam o acto de liquidação adicional de IRS e respetivos juros, nos termos do disposto nos artigos 102° e ss CPPT, isto é, impugnando o acto final de liquidação.
12. Não se pronunciou o Tribunal a quo quanto à impugnada correção aos rendimentos tributáveis em sede de IRS, resultantes de avaliação direta.
13. Salvo o devido respeito, há clara omissão de pronúncia.
14. O tribunal a quo deveria ter conhecido da questão levantada pelos aqui Recorrentes, sendo cedo que
- a decisão recorrida considera haver erro na forma de processo, apenas quanto à avaliação por métodos indiretos;
- ainda que se entendesse haver aquele erro na forma do processo, sempre os autos deveriam ter prosseguido para apreciação da impugnada correção à matéria coletável por avaliação direta.
15. A decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 125° CPPT e 668° do CProc. Civil.
16. Na verdade, nos termos do disposto no artigo 125° n°1 CPPT, constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar,
17. considerando-se, como tais, todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação — artigos 2° CPPT e 660°/2 CPCiv, por aplicação supletiva.
18. Violou a sentença recorrida o disposto nos artigos 89°-A LGT; 102 e ss CPPT; 125° CPPT, 668° e 660°/2 Cproc. Civil.
TERMOS EM QUE
pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que doutamente será suprido, deve ao recurso ser dado provimento, revogando-se a douta Sentença recorrida, sendo a mesma declarada nula, assim se fazendo JUSTIÇA!

3. Não houve contra-alegações.

4. O magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, conforme o seguinte parecer:
Recurso interposto por A………….. e B………….. no processo de impugnação à liquidação de IRS efetuada pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão:
1. Questões a decidir:
- se o processo de impugnação é ainda aplicável relativamente ao ato de liquidação de I.R.S. efetuada por métodos indiretos, nos termos do arts. 89.º-A da LGT e 102.º e ss. do C.P.P.T.;
- se, tendo sido utilizado o processo de impugnação também para quanto a correção aos rendimentos tributáveis em resultado de avaliação direta que foi também efetuada, ocorre quanto a esta omissão de pronúncia, nos termos do art. 125.º do C.P.P.T. e 668.º do C.P.C..
2. Emitindo parecer:
Afigura-se não ser de acolher a decisão adotada de ocorrer erro na forma do processo.
Com efeito, a regra é a da impugnação unitária do ato de tributação, nos termos previstos no art. 54.º n.º 1 do C.P.P.T. a qual apenas existindo “disposição expressa em sentido diferente” é de afastar.
Ora, quanto à primeira questão, não se colhe tal disposição do previsto no art. 89.º-A da L.G.T., mesmo nos seus nºs. 6 e 7, em que se prevê que do ato de avaliação cabe recurso e que posteriormente não cabe revisão do ato praticado em sede de I.R.S..
No caso dos recorrentes terem feito uso do recurso referido acima, e vindo o mesmo a ser julgado improcedente, a melhor solução é considerar semelhantemente ao caso de não ter sido interposto recurso: “a impugnação judicial é ainda meio adequado à anulação da liquidação, mas o respetivo pedido deve improceder porque estando consolidada a matéria tributável, esta já não pode ser posta em causa na impugnação”- assim se decidiu no ac. do S.T.A. de 6-7-11 proferido no proc. 422/11, acessível em www.dgsi.pt.
Por outro lado, quanto ao ato de avaliação direta que também está em causa na impugnação, a qual também foi apresentada quanto a um rendimento e respetiva correção aritmética, quer parecer que da mesma cabe também impugnação, e sem necessidade de se proceder antes a reclamação necessária, o que resulta ainda do dito regime regra da impugnação unitária.
Com efeito, não se encontrando previsto que aquela avaliação e correção tenham de ser notificadas antes da liquidação, é de entender que da mesma cabe impugnação que seja apresentada da liquidação.
E não tendo sobre a mesma pronunciado a sentença recorrida, é de reconhecer ter sido cometida a invocada nulidade — art. 615.º n.º 1 al. d) do atual C.P.C..
3. Concluindo:
3.1. No que respeita à liquidação de I.R.S., é de entender aplicável o princípio da impugnação unitária previsto no art. 54.º n.º 1 do C.P.P.T.;
3.2. No entanto, tendo a avaliação da matéria coletável sido efetuada por método indireto previsto no art. 89.º-A da L.G.T., e o recurso interposto sido julgado improcedente, tal apenas não pode levar a julgar aquela nessa parte improcedente;
3.3. Tendo a avaliação sido ainda efetuada por método direto, e por correção aritmética de rendimento, não se encontrando prevista semelhante limitação, já aquele princípio é aplicável sem semelhante limitação;
3.4. Sendo esta matéria invocada e da qual não se conheceu, foi cometida a invocada nulidade — art. 615.º n.º 1 al. d) do atual C.P.C..
3.5. O recurso parece ser de proceder, sendo de revogar o decidido, a substituir por despacho que dê prosseguimento aos autos.

5. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos

De facto
Dá-se aqui por reproduzido o teor do despacho recorrido de folhas 89 e segs onde considerando que o objecto da impugnação era a apreciação da legalidade da liquidação quanto à quantificação e avaliação indirecta da matéria tributável se deu como provado que o processo 641/11 em que impugnantes reagiram contra essa avaliação por métodos indirectos recurso fora julgado extemporâneo pelo que considerando existir erro na forma do processo se absolveu a Fazenda Pública absolvida do pedido:

De direito
Tendo os impugnantes deduzido impugnação contra a liquidação de IRS referente ao ano de 2007 e nela questionado os pressupostos da avaliação indirecta da matéria tributável e a quantificação da matéria colectável decorrente dessa avaliação indirecta e bem assim a matéria colectável resultante da avaliação directa referente à prática de um acto isolado da categoria B do IRS o mº juiz “a quo” veio a julgar verificado erro na forma do processo por as ilegalidades praticadas no procedimento de avaliação indirecta só poderem ser arguidas no processo impugnatório para tal previsto o que obstava a que possam ser conhecidas na impugnação do acto de liquidação.
E porque o pedido de revisão da matéria tributável colectável fixada por métodos indirectos foi julgado extemporâneo, conforme ficou provado, o Tribunal considerou verificada a excepção do erro na forma do processo e absolveu a Fazenda Publica do pedido.
Não se conformando com esta decisão vieram os impugnantes interpor recurso dela para este STA e como se vê do teor das conclusões consideram ser o processo de impugnação o meio judicial próprio para discutir e apreciar as ilegalidades invocadas relativamente aos pressupostos da avaliação indirecta e bem assim a quantificação resultante da avaliação directa.
E mesmo que se entendesse haver erro na forma do processo quanto à avaliação indirecta sempre o Tribunal “a quo” deveria ter conhecido da quantificação obtida por método directo de avaliação cujo resultado contestam pelo que não o tendo feito ocorre a nulidade de omissão de pronúncia que expressamente invocam.
No que tange à invocada omissão de pronúncia o mº juiz conhecendo desta nulidade considerou que não se verificava tal omissão por a decisão com base no erro na forma do processo ser prejudicial desse conhecimento.

Vejamos.
Não restam dúvidas que a regra é a da impugnação unitária do acto da liquidação nos termos do artigo 54 do CPPT o que bem se compreende por o acto da liquidação ser o acto tributário que encerra e fecha o procedimento complexo da liquidação entendido como o conjunto e a sequência de actos e actuações desenvolvidas quer pela AT quer pelos particulares com vista à determinação da quantia do tributo no caso concreto.
Neste sentido Juan Martin Queralt Carmelo Lozano Serrano Gabriel Casado Olhero e José M Tejerizo Lopes in Curso de Derecho Financiero Y Tributário 7.ª edição Tecnos pp 367. e Diogo Leite de Campos Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa in anotação a artigo 86 da LGT 2ª edição pp361.
E daí que mesmo em relação aos casos de avaliação indirecta da matéria tributável no artigo 86 nº 4 da LGT permita a possibilidade de em sede de impugnação do acto da liquidação ser invocada qualquer ilegalidade cometida em sede de avaliação indirecta, “salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável ----”
É que tendo a matéria colectável sido fixada por métodos indirectos o sujeito passivo pode nos termos do nº 1 do artigo 91 da LGT solicitar a revisão de tal fixação.
E para tanto o artigo 91 da LGT citado fixa um prazo para tal pedido
E os recorrentes fizeram-no, mas extemporaneamente, o que levou a julgar verificar-se a caducidade desse direito no processo 641/11 como ficou exarado na sentença recorrida.
Esta caducidade não obsta à possibilidade de impugnação do acto da liquidação daí resultante mas o pedido improcederá por a decisão da avaliação indirecta ter a natureza de acto destacável e a caducidade do direito de revisão implicar que a fixação da matéria colectável dela decorrente se ter como caso resolvido com efeito de caso julgado.
O que não significa que os impugnantes não possam ver apreciada nessa acção de impugnação a questão da legalidade da quantificação resultante da aplicação da avaliação directa que contestam.
Pelo que não existe erro na forma do processo por a impugnação judicial ser o meio judicial próprio para questionar a legalidade do acto da liquidação com vista a obter a sua anulação.
A impugnação judicial era e é o meio judicial adequado e próprio para apreciar quer a legalidade da liquidação decorrente da fixação da matéria colectável quer por avaliação indirecta quer da directa
O não ter sido tempestivamente exercido o pedido de revisão - um dos procedimentos que integram o procedimento complexo da liquidação - como foi o caso dos autos, implicando embora não se poder conhecer da quantificação da matéria colectável decorrente da avaliação indirecta não obsta que o processo não possa prosseguir para conhecimento da quantificação decorrente da avaliação directa que a parte questiona.
Por isso a decisão recorrida enferma de erro de julgamento e não pode manter-se devendo os autos prosseguir para conhecimento dessa questão, caso não haja outro motivo que a tal obste.
Neste sentido veja-se o acórdão do STA de 06 07 2011 in processo 422/11 cujo sumário passamos a transcrever na parte que ao caso interessa:
I - Da decisão de avaliação da matéria colectável por método indirecto, atinente a manifestações de fortuna cabe recurso para o tribunal tributário, no prazo de 10 dias – nos termos das disposições combinadas do n.º 7 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária, e do n.º 2 do artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
II - A decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.
IV - Não tendo os recorrentes feito uso do recurso referido em 1 supra, mas de impugnação judicial em que pedem a anulação da liquidação, este meio é adequado à anulação, mas o pedido deve improceder porque estando consolidada a matéria tributável, esta já não pode ser posta em causa na impugnação.

Decisão
Face ao exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar parcialmente procedente o recurso revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos à instância e determinar o prosseguimento do processo para conhecimento das restantes questões.
Sem custas.

Lisboa, 20 de Janeiro de 2016. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da SilvaAscensão Lopes.