Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0243/09
Data do Acordão:06/25/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
ILEGALIDADE ABSTRACTA
TAXA DE PUBLICIDADE
INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL
COMPETÊNCIA
Sumário:O IEP-Instituto de Estradas de Portugal goza de habilitação legal ou competência para a cobrança por meio de execução fiscal de taxas de licença para a implantação de tabuletas ou objectos de publicidade na denominada zona de protecção à estrada.
Nº Convencional:JSTA00065833
Nº do Documento:SA2200906250243
Data de Entrada:03/05/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO / EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 N1 A H N2.
CPTRIB91 ART236 ART286 N1 H N2.
CPCI63 ART145 ART176 A G.
CONST97 ART103 N2 N3 ART105 N1 N2 N4 ART165 I ART199.
DL 239/2004 DE 2004/12/21 ART8 N3 D.
DL 227/2002 DE 2002/10/30 ART4 N1 ART6 N1 N2 N3 C D.
ESTATUTOS DO IEP APROVADOS PELO DL 237/99 DE 1999/06/25 ART4 N1 B J L N2 J N.
DL 13/71 DE 1971/ 01/23 ART1 ART2 ART3 ART10 N1 B N2 ART15 N1 J NAS REDACÇÕES DO DL 667/76 DE 1976/08/05 DL 232/82 DE 1982/06/19 DL 25/2004 DE 2004/01/24,
L 97/88 DE 1988/08/17 ART1 N1 ART2.
DL 105/98 DE 1998/04/24 ART8 N4.
Referência a Doutrina:ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO COMENTADO E ANOTADO 3ED NOTA8 AO ART286.
ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO DAS CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS COMENTADO E ANOTADO NOTA E NOTAS NOTA16 AO ART176.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO ANOTAÇÃO AO ART204.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 “A…, Ldª” recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a presente oposição à execução fiscal.
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.
1. Com a entrada em vigor da Lei 97/88, de 17 de Agosto, passou a ser das câmaras municipais a competência para “licenciar”, ou “autorizar”, ou “aprovar” a afixação de publicidade, em locais sob jurisdição de outras entidades, como a E P, Estradas de Portugal, E. P. E. (outrora Junta Autónoma de Estradas);
2. Com a entrada em vigor daquela lei, a competência destas entidades ficou reduzida à mera emissão de parecer, com vista à formação do acto administrativo decisório a praticar por aquelas autarquias locais;
3. A referida Lei 97/88 revogou tacitamente os art°s. 10º., nº. 1, al. b), 12°., aqui no que à fixação de publicidade concerne, e 15°., nº. 1, al. j), do Dec. Lei n°. 13/71, de 23 de Janeiro, pelo que, a partir da entrada em vigor daquela lei, é ilegal a cobrança da taxa referida no mencionado art°. 15°., n°. 1, al. j).
Termos em que se pede e espera que este recurso mereça provimento, em prol da justiça e do direito.
1.3 Em contra-alegação, a Fazenda Pública formulou as seguintes conclusões.
a) A douta sentença proferida pelo Mm.ª Juiz do Tribunal “a quo” fez uma correcta interpretação dos factos e um correcto e rigoroso enquadramento jurídico dos mesmos, pelo que a decisão é de manter;
b) A actuação das Estradas de Portugal, E.P.E. no exercício das suas atribuições é solicitar o pagamento do valor em causa e somente após o seu depósito procede à emissão e envio do diploma de autorização ao requerente, analisando previamente se aquela afixação de publicidade cumpre os requisitos legais necessários à sua legalização. A emissão do parecer/autorização está condicionada ao pagamento da taxa aludida no Art.º 15.º n.º 1 al. j) do DL n.º 13/71 de 23/01;
c) A EP, E.P.E, tem jurisdição para emitir autorização para a afixação de publicidade nas faixas limítrofes das estradas, localizando-se elas dentro ou fora dos aglomerados urbanos, nos termos do DL n.º 13/71 de 23/01 (actualizações ao Art. 15.º do DL n.º 13/71 feitas pelo DL n.º 25/2004, de 24/01);
d) A al. a) do n.º 1 do Art.º 6 º daquele diploma legal estabelece que “só mediante aprovação ou licença da JAE (actual EP, E.P.E) se podem: a) efectuar obras ou utilizar de qualquer modo o solo, subsolo e espaço aéreo da zona da estrada”. E especificamente no que diz respeito a afixação de publicidade, consagra a al. b) do n.º 1 do Art.º 1º. do DL n.º 13/71 que “depende de aprovação ou licença da JAE (actual EP, E.P.E): b) a implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, comercial ou não, numa faixa de 100 m para além da zona non aedificandi respectiva (...)“. O Art.º 1.º do DL n.º 13/71 estabelece que a área de jurisdição da JAE (actual EP, E.P.E) abrange, em relação às estradas nacionais: a) zona da estrada, b) zona de protecção à estrada, constituída pelas faixas com servidão non aedificandi e pelas faixas de protecção”;
e) A competência para licenciar a afixação de publicidade exterior próximo das estradas nacionais pertence às Câmaras Municipais, nos termos do n.º 1 do Art.º 2. da Lei n.º 97/88 de 17/08, mas antes da tomada de decisão sobre o pedido de licenciamento deve a Câmara, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, consultar o parecer (no entendimento da EP, E.P.E, tal parecer é vinculativo e obrigatório) das entidades com jurisdição sobre a área onde a publicidade for afixada, nomeadamente entre outras a JAE (actual EP, E.P.E.), conforme se pode constatar pelo documento emitido pela EP, E.P.E. junto aos autos de oposição n.º 351/07.3 BELLE deduzidos pela ora oponente (Cfr. Doc. n.º 1), cujo conteúdo também é aplicável aos presentes autos porque a matéria de direito que aqui se discute é idêntica;
f) Assim, e ao contrário do invocado pela recorrente, as normas legais do DL 13/71, de 23/01 (Art.ºs 10º, 12.º, 13.º, 15.º e 17.º) são complementares da Lei n.º 97/88 de 17/08, não se encontrando tacitamente revogadas com a entrada em vigor desta lei;
g) O licenciamento da publicidade é emitido pela Câmara Municipal, que tem de ser precedido de um parecer da EP, E.P.E., quando a publicidade se situa na proximidade duma EN, o que significa que aquela entidade não vem licenciar a publicidade mas sim autorizar a sua afixação junto das EN, que são campos de jurisdição completamente diferentes;
h) Salvo melhor entendimento, não existiu aqui nenhuma duplicação de competências sobre a mesma matéria como também não se verifica colisão de regimes legais do mesmo ordenamento jurídico. Já que a aprovação ou licença concedida pela EP, E.P.E, para afixação de publicidade constante da al. b) do n.º 1 do Art.º 10.º do DL n.º 13/71, de 23/01, corresponde ao parecer mencionado no n.º 2 do Artº 2. do DL nº 97/88, de 17/08, sendo de carácter vinculativo e obrigatório;
i) O DL n.º 13/71 visa a protecção da rede de estradas nacionais, infra-estruturas de vital importância ao desenvolvimento económico e social do país, conforme primeiro parágrafo do prêambulo daquele diploma, tratando-se de lei especial não foi revogada pela Lei 97/88 de 17/08, que é uma lei geral, mantendo-se em vigor a al. b) do n.º 1 do Art. 10.º do DL n.º 13/71;
j) Como princípio geral de direito “a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador” nos termos do n.º 3 do Art.º 7º do CC, pelo que face ao regime instituído pelo DL n.º 13/71 e à sua importância, reforçada com a publicação do DL n.º 239/2004, de 21/09, que estabelece no Art.º 4º n.º 2 a al. g) que o objecto da EP, E.P.E. é “promover a melhoria contínua das condições de circulação, (...), e assegurar a protecção das infra-estruturas rodoviárias ..., nomeadamente no que se refere à ocupação das zonas envolventes”, logo
k) Somente podemos concluir, salvo melhor opinião, que a citada norma legal daquele DL não foi revogada pela Lei n.º 97/88, continuando a ser necessário solicitar o parecer (aprovação) da EP, E.P.E.;
l) Por outro lado, também o DL n.º 105/98, de 24/04 não revogou tacitamente as normas contidas nos Art.ºs 12.º, 13.º n.º 2, 15.º n.º 1 al. j) e Art.º 17. do DL n.º 13/71, de 23/01 nem a Lei n.º 97/88, de 18/08, pois, do seu preambulo, 4º parágrafo, resulta que permanece válido o regime geral constante daquela Lei;
m) O n.º 2 do Art.º 6º. do DL n.º 105/98, de 24/04 prevê que “o disposto no n.º anterior não prejudica as competências próprias da JAE (actual EP, E.P.E)”. As competências próprias da EP, E.P.E. estão previstas no Art.º 4º do DL n.º 239/04, de 21/12, entre elas, salienta-se a salvaguarda dos valores ambientais (n.º 2 al. b)), a protecção das zonas envolventes (n.º 2 al. g)), pelo que não existe qualquer conflito normativo entre estes diplomas legais (DL n.º 105/98 e DL n.º 239/04);
n) Pela emissão desta autorização/parecer é devida o pagamento da taxa estabelecida no Art.º 15.º n.º 1 al. j) do DL n.º 13/71, de 23/01 com as alterações introduzidas pelo DL n.º 25/2004 de 24/01, o qual passou a ter a seguinte redacção: “1- sem prejuízo de legislação específica, as taxas a pagar por cada autorização ou licença é a seguinte: j) pela implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, por cada metro quadrado ou fracção dos mesmos - € 56,79”;
o) A autorização emitida pela EP, E.P.E. foi praticada no âmbito das suas próprias atribuições, nos termos da al. g) do n.º 2 do Art.º 4º do DL n.º 239/04, de 21/12, sendo que é devido o pagamento da taxa pela emissão da autorização para afixação de publicidade, a qual constitui receita própria da EP, E.P.E, nos termos da al. b) do n.º 1 do Art.º 20º. do DL n.º 239/04, de 21/12;
p) Reportando-se a dívida aqui em causa apenas à autorização de afixação de publicidade, nos termos da al. b) do n.º 1 do Art.º 20.º do DL n.º 239/04, de 21/12 e Art.º 8.º n.º 3 al. d) do DL 239/2004, de 21/09, é devida por legal e exigível.
Pelo exposto e pelo muito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, e porque a douta sentença bem decidiu, deve a mesma ser mantida e o recurso apresentado considerado improcedente.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
Afigura-se-nos que o recurso merece provimento.
Com efeito, e como bem salienta a recorrente, nos termos da Lei 97/88 de 17 de Agosto, a competência para licenciar a afixação de publicidade nas estradas nacionais está atribuída às câmaras municipais, inclusive em áreas da jurisdição das Estradas de Portugal.
É certo que os licenciamentos devem ser precedidos de parecer daquela entidade, mas, ao invés do que se sustenta na decisão recorrida, entendemos que esse parecer não se confunde com o licenciamento ou a autorização.
Na verdade, de acordo com o referido regime legal, a competência para a remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, e consequentemente a legitimidade para cobrar a respectiva taxa, não é atribuída às Estradas de Portugal mas sim à Câmara Municipal da respectiva área de jurisdição, sendo o parecer daquela entidade um mero acto prévio de natureza consultiva.
Procederá, pois, a argumentação da recorrente no sentido de que a Lei 97/88 revogou tacitamente os arts. 10º, n° 1, al. b) e 15°, n° 1., al. j) do Decreto-Lei 13/71 no que concerne à publicidade.
Termos em que somos de parecer que o recurso merece provimento, devendo revogar-se o julgado recorrido.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, a única questão que aqui se coloca é a de saber da legalidade (abstracta) da taxa exequenda.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
1. Em 17-08-2007, foi instaurado o processo de execução n° 1058200701056026, contra a empresa “A…, Ldª, por dívida ao IEP - Instituto de Estradas de Portugal, devidos pelo não pagamento de taxas correspondentes à instalação de oito painéis publicitários junto à EN 125, aos Km 31,200 e 31,300, na quantia de € 10 906,68 (informação oficial de fls. 22);
2. A empresa “A…, Ldª, com o n° de contribuinte 501 186 972, com sede na Rua ..., n° ..., ..., Faro, tem como objecto social “Actividade Publicitária e de Espectáculos” (fls. 13, dos autos);
3. Em 28-08-2007, a executada foi citada (informação oficial de fls. 22);
4. Em 01-10-2007, deu entrada a petição inicial (carimbo aposto no rosto de fls. 5, dos autos).
2.2 Como é sabido, o processo de oposição à execução fiscal tem por escopo essencial o ataque (global ou parcial) à execução fiscal, visando a extinção desta, ou absolvição do executado da instância executiva, pela demonstração do infundado da pretensão do exequente – cf. Laurentino Araújo, Processo de Execução Fiscal, 1968, p. 257 e ss.. Atendendo ao carácter especial e sumário deste meio processual, não é consentido, em princípio, apreciar a legalidade da liquidação da quantia exequenda – cf. o citado artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário [e também o disposto nos artigos 236.º e 286.º, n.º 1, alínea h), do Código de Processo Tributário, e nas alíneas a) e g) do artigo 176.º, e artigo 145.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos]. A proibição de a ilegalidade concreta da liquidação servir de fundamento à oposição funciona qualquer que tenha sido a entidade que procedeu a essa liquidação. A impossibilidade da apreciação, em sede de oposição, da ilegalidade concreta da liquidação da dívida vale, assim, também para as execuções fiscais de dívidas a organismos ou departamentos não dependentes da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, de natureza fiscal ou não – cf. Alfredo de Sousa, e Silva Paixão, nota 8. ao artigo 286.º do Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, 3.ª edição; e notas 7. e 8. ao artigo 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos Comentado e Anotado, 2.ª edição, dos mesmos autores. É pacífico, todavia, que a oposição à execução fiscal poderá ter por fundamento a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação – cf. o disposto na alínea h) do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário [o mesmo se podendo entender que valia já no domínio do anterior regime; cf. a alínea g) do n.º 1 do artigo 286.º do Código de Processo Tributário; e nota 16. ao artigo 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos Comentado e Anotado, 2.ª edição, de Alfredo de Sousa, e Silva Paixão]. E, nos termos do n.º 2, com remissão para a alínea h) do n.º 1, do seu artigo 204.º, o Código de Procedimento e de Processo Tributário admite até casos de oposição à execução fiscal regidos «pelas disposições relativas ao processo de impugnação», «sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação» e esteja em causa a «ilegalidade da liquidação da dívida exequenda» e a oposição «não seja baseada em mera questão de direito» – cf. correspondentemente o n.º 2 do artigo 286.º do Código de Processo Tributário.
No entanto, a oposição à execução fiscal só é permitida nas hipóteses e com os estritos fundamentos previstos no artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – cf. também o artigo 286.º do Código de Processo Tributário, e ainda o artigo 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a oposição à execução fiscal poderá ter por fundamento a «Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação».
O fundamento da alínea a) reporta-se apenas à «ilegalidade absoluta ou abstracta» da dívida exequenda (imposto, taxa ou contribuição) decorrente da inexistência de lei em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação que a sua liquidação ou da não autorização da sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação. É o corolário do artigo 103.º, n.ºs 2 e 3, referido aos artigos 105.º, n.ºs 1, 2 e 4, 165.º, alínea i), e 199.º, alínea b), todos da Constituição da República – cf. nota 5. ao artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário Comentado e Anotado, de Alfredo José de Sousa, e José da Silva Paixão.
Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado – cf. Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 204.º do seu Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado.
2.3 Em 1927 foi criada a Junta Autónoma de Estradas, sendo a primeira instituição pública com funções de coordenação e integração da administração rodoviária. A Junta Autónoma de Estradas viria, em 1999, a evoluir para um modelo de organização assente na existência de três institutos, o Instituto das Estradas de Portugal, I. P. (IEP), o Instituto para a Construção Rodoviária, I. P. (ICOR), e o Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária, I. P. (ICERR). Já em 2002, as atribuições destes dois últimos institutos vieram a ser transferidas e consolidadas no IEP, modelo que se manteve estável até ao final de 2004. Com a publicação do Decreto -Lei n.º 239/2004, de 21 de Dezembro, deu-se um primeiro passo para conferir uma nova operacionalidade à administração rodoviária em Portugal. Com a conversão da administração rodoviária numa entidade de natureza empresarial, a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (EP, E. P. E.), visou-se o relançamento das suas actividades num novo quadro operacional que permitisse garantir melhores resultados e maior estabilidade dos seus recursos. As acentuadas transformações no âmbito do sector das infra-estruturas rodoviárias, registadas na última década, operaram quer ao nível da organização do Estado e do tipo de relacionamento contratual entre o Estado e os privados quer no plano da própria relação entre os utilizadores e a rede rodoviária. Impõe-se, agora, dar um novo impulso a este movimento de redefinição da intervenção do papel do Estado no sector das infra-estruturas rodoviárias, através da implementação de um novo modelo gestão que promova uma maior eficiência na afectação dos recursos e uma maior aproximação ao mercado por parte dos seus operadores. Com este novo modelo de gestão e financiamento do sector das infra-estruturas rodoviárias, cujos princípios gerais se encontram plasmados na Resolução do Conselho de Ministros n.º 89/2007, de 11 de Julho, pretende-se reforçar e consolidar os conceitos base da solidariedade intergeracional, da coesão territorial e, sobretudo, da transparência dos custos das funções do Estado e da auto-sustentabilidade do sector. Grande parte do sucesso da implementação do novo modelo encontra-se, assim, dependente da atribuição à EP, E. P. E., de uma maior agilidade e autonomia empresarial, sendo por isso necessária a sua transformação em sociedade anónima, com atribuição de objectivos de gestão mais amplos e operacionais. A EP - Estradas de Portugal, S. A. será, assim, dotada de uma estrutura societária mais compreensível pelo mercado financeiro nacional e internacional, vendo reforçado o princípio de que o Estado não garante ou avaliza, directa ou indirectamente, qualquer dívida ou obrigação desta sociedade, nem assume qualquer responsabilidade pelos seus passivos, seja qual for a sua natureza – cf. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 374/2007 de 7 de Novembro.
Pelo Decreto-Lei nº 374/2007, de 7 de Novembro, a EP-Estradas de Portugal, E.P.E. foi transformada em sociedade anónima de capitais públicos, com a denominação de EP-Estradas de Portugal, S.A.. Como previsto nesse diploma, foi assinado, em 23 de Novembro de 2007, o contrato de concessão entre o Estado Português e a EP-Estradas de Portugal, S.A., cujas bases foram aprovadas pelo Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de Novembro, verificando-se, assim, uma alteração profunda na relação do Estado com a Administração Rodoviária, consubstanciada na atribuição à EP, S.A. da concessão do financiamento, concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da Rede Rodoviária Nacional (RRN) por 75 anos.
Em 2002, através do Decreto-Lei n.º 227/2002, de 30 de Outubro, o Instituto das Estradas de Portugal (IEP) integra, por fusão, o Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR), e o Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), extinguindo-se estes dois últimos. Na base desta medida, está a constatação de que "as atribuições daqueles institutos se entrecruzam de forma muito directa, pelo que só uma acção concertada e única permitirá potenciar e dinamizar toda a sua actividade e conduzir a uma racionalização de meios e estruturas básicas", passando as competências dos organismos extintos para o novo Instituto das Estradas de Portugal.
O IEP mantém a natureza e regime de instituto público, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, e está sujeito à tutela e superintendência do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação.
Segundo o n.º 1 do artigo 4.º (“Património”) do Decreto-Lei n.º 227/2002, de 30 de Outubro, «O património autónomo do IEP é constituído pela universalidade de bens e direitos que integravam o património privativo da Junta Autónoma de Estradas à data da sua extinção».
Sob a epígrafe “Equiparação ao Estado”, o artigo 6.º do mesmo Decreto-Lei n.º 227/2002, de 30 de Outubro, preceitua que «O IEP representa o Estado como autoridade nacional de estradas em relação às infra-estruturas rodoviárias concessionadas e não concessionadas» [n.º 1]; que «Relativamente às infra-estruturas rodoviárias nacionais não concessionadas, compete ao IEP zelar pela manutenção permanente de condições de infra-estruturação e conservação e de salvaguarda do estatuto da estrada que permitam a livre e segura circulação» [n.º 2].
E, para o exercício das suas atribuições – diz o n.º 3 do mesmo artigo 6.º – o IEP detém poderes, prerrogativas e obrigações conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis quanto, nomeadamente, «À liquidação e cobrança, voluntária ou coerciva, de taxas e rendimentos provenientes das suas actividades» [alínea c)]; e «À execução coerciva das demais decisões de autoridade» [alínea d)].
Entre as atribuições fundamentais do IEP estão consagradas as de «salvaguarda de valores patrimoniais e ambientais» e as de «assegurar a protecção das infra-estruturas rodoviárias e a sua funcionalidade, nomeadamente no que se refere à ocupação das zonas envolventes»; e, para a prossecução das atribuições referidas, deve o IEP, além do mais, «promover a qualidade ambiental e a integração paisagística e territorial das estradas, nomeadamente o revestimento vegetal de taludes, a arborização e limpeza das bermas e o controlo do ruído» e «autorizar a ocupação das zonas de protecção da estrada, promovendo o seu ordenamento e regulamentação e concedendo, no âmbito da lei, as autorizações necessárias para a instalação de equipamentos e infra-estruturas» – cf. especialmente as alíneas b), j) e l) do n.º 1, e j) e n) do n.º 2 do artigo 4.º dos Estatutos do IEP, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho.
Pelo Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, foi instituída a área de jurisdição da Junta Autónoma das Estradas em relação às estradas nacionais. A área de jurisdição da Junta Autónoma das Estradas em relação às estradas nacionais ficou a abranger, para além da zona da estrada (englobando a faixa de rodagem, as bermas, as valetas, os passeios, as banquetas ou taludes, pontes e viadutos), a denominada zona de protecção à estrada (abrangendo a faixa com servidão non aedificandi e a faixa de respeito) – artigos 1.º a 3.º.
No tocante a obras ou implantações na faixa de respeito, nomeadamente a aposição de tabuletas ou objectos de publicidade, ficaram dependentes de aprovação ou licença da Junta Autónoma das Estradas – artigo 10.º do dito Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro.
As taxas a pagar por cada autorização ou licença, assim como as obras delas isentas, encontram-se previstas no artigo 15.º do mesmo Decreto-Lei n.º 13/71.
Tal preceito – sucessivamente alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 667/76, de 5 de Agosto; 235/82, de 19 de Junho; e 25/2004, de 24 de Janeiro – fixou, na alínea j) do seu n.º 1, «Pela implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, por cada metro quadrado ou fracção dos mesmos – (euro) 56,79».
O IEP-Instituto de Estradas de Portugal, como se viu, veio a suceder imediatamente na jurisdição e atribuições da Junta Autónoma de Estradas, após sucessivas reestruturações decorrentes de múltiplos diplomas legais – cf. Decretos-Leis n.ºs 142/97, de 6 de Junho (alterado pelo Decreto-Lei n.º 282/98, de 17 de Setembro), 237/99, de 25 de Junho (alterado pelo Decreto-Lei n.º 563/99, de 21 de Dezembro), 227/2002, de 30 de Outubro, e 239/2004, de 21 de Dezembro.
2.4 No caso sub judicio, a oponente, ora recorrente, vem dizer, ipsis verbis, que «A referida Lei 97/88 revogou tacitamente os art°s. 10º., nº. 1, al. b), 12°., aqui no que à fixação de publicidade concerne, e 15°., nº. 1, al. j), do Dec. Lei n°. 13/71, de 23 de Janeiro, pelo que, a partir da entrada em vigor daquela lei, é ilegal a cobrança da taxa referida no mencionado art°. 15°., n°. 1, al. j)» – sua conclusão 3. consignada supra no ponto 1.2.
A oponente, ora recorrente, vem, pois, alegar, no essencial – e fá-lo desde a petição inicial –, que «no que à fixação de publicidade concerne», «é ilegal a cobrança da taxa referida», pelo facto de as normas do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, terem sido revogadas pela Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto.
Mas não tem razão a ora recorrente.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, encontra-se em vigor, muito embora sucessivamente alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 667/76, de 5 de Agosto; 235/82, de 19 de Junho; e 25/2004, de 24 de Janeiro.
De resto, a respeito de “Afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda”, a Lei n.º 97/88 de 17 de Agosto, invocada pela ora recorrente, reza, logo no seu artigo 1.º, sob a epígrafe “Mensagens publicitárias”, que «A afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial obedece às regras gerais sobre publicidade e depende do licenciamento prévio das autoridades competentes» [n.º 1]; e que «Sem prejuízo de intervenção necessária de outras entidades, compete às câmaras municipais, para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental, a definição dos critérios de licenciamento aplicáveis na área do respectivo concelho» [n.º 2].
Não alega a ora recorrente que o caso esteja abrangido «na área do respectivo concelho», aonde, ademais, realizada «a definição dos critérios de licenciamento aplicáveis», não poderia, nunca, ficar prejudicada a «intervenção necessária de outras entidades» com competência para o licenciamento prévio – segundo os termos do artigo 1.º da própria Lei n.º 97/88 de 17 de Agosto, invocada pela ora recorrente.
Pelo que, assim sendo, como é, temos por excessiva e errónea a conclusão da ora recorrente, de que «Com a entrada em vigor da Lei 97/88, de 17 de Agosto, passou a ser das câmaras municipais a competência para “licenciar”, ou “autorizar”, ou “aprovar” a afixação de publicidade, em locais sob jurisdição de outras entidades, como a E P, Estradas de Portugal, E. P. E. (outrora Junta Autónoma de Estradas)».
A ora recorrente não diz, aliás, qual o dispositivo da Lei n.º 97/88 de 17 de Agosto, que terá revogado mormente os artigos 10.º e 15.º, alínea j), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro.
A ora recorrente não aponta, na verdade, qual o artigo da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, que terá revogado as normas que atribuem ao IEP, sucessor da JAE, a competência para o licenciamento de aposição de tabuletas ou objectos de publicidade, e a cobrança das respectivas taxas, na denominada zona de protecção à estrada – nos termos designadamente dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 10.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro.
A presente oposição à execução fiscal é por dívida ao IEP-Instituto de Estradas de Portugal pelo não pagamento de taxas correspondentes à instalação de painéis publicitários – cf. o ponto 1. do probatório.
A respectiva certidão de dívida, passada aos 10 de Agosto de 2007, certifica que a oponente, ora recorrente, «não procedeu ao pagamento da importância de 10.906,68 €, referente às taxas devidas pela instalação de oito painéis publicitários que instalou, junto à N 125 aos kms 31,200 e 31,300»; e que «a presente certidão» é passada «nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 105/98 de 24 de Abril, e 8.º, n.º 3, alínea d) do Decreto-Lei n.º 239/2004 de 21 de Dezembro» – cf. fls. 16 dos autos.
Ora, a entidade exequente, IEP-Instituto de Estradas de Portugal, tem competência atribuída por lei, nos sobreditos termos, para conceder autorização ou licença e cobrar através de execução fiscal as taxas devidas «pela implantação de tabuletas ou objectos de publicidade».
Tanto basta para concluir – e ao contrário do que defende a ora recorrente – que é legal «a cobrança da taxa referida».
E, assim, estamos a dizer, em resposta à questão decidenda, que a taxa exequenda goza de legalidade (abstracta).
Pelo que deve ser confirmada a sentença recorrida que decidiu neste pendor.
E, então, havemos de convir, em súmula, que o IEP-Instituto de Estradas de Portugal goza de habilitação legal ou competência para a cobrança por meio de execução fiscal de taxas de licença para a implantação de tabuletas ou objectos de publicidade na denominada zona de protecção à estrada.
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 25 de Junho 2009. – Jorge Lino (relator) – Brandão de Pinho – Pimenta do Vale.