Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0114/12
Data do Acordão:03/14/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:DÍVIDA À CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
COBRANÇA COERCIVA
EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - O facto de as dívidas de natureza civil (no caso dívidas da A……) poderem ser cobradas coercivamente através do processo de execução fiscal não implica que fiquem sujeitas ao regime de prescrição aplicável às dívidas tributárias, nem que a respectiva prescrição deva ser conhecida oficiosamente nos termos do disposto no art. 175º do CPPT (que corresponde ao art. 259º do CPT).
II - Podendo a prescrição das dívidas de tal natureza ser invocada por qualquer modo, judicial ou extra-judicialmente, por via de acção ou de excepção (embora, neste último caso, tenha que ser deduzida na contestação), se essas dívidas são cobradas por via da execução fiscal, a respectiva prescrição só poderá, em princípio, ser suscitada em sede de oposição.
Todavia a prescrição será invocável em sede da própria execução fiscal e, consequentemente na reclamação prevista no art. 276º do CPPT e deduzida contra o acto do órgão da execução fiscal que se pronuncia sobre tal pretensão, caso a mesma (prescrição) só venha a ocorrer posteriormente ou a ser invocada quanto a dívidas posteriores, já que, nesse caso, não era então possível ao executado invocá-la no já decorrido prazo da oposição e através desse meio processual.
Nº Convencional:JSTA00067474
Nº do Documento:SA2201203140114
Data de Entrada:02/02/2012
Recorrente:A..., S.A
Recorrido 1:B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:DL 48953 DE 1969/04/05 ART61 N1
DL 287/93 DE 1993/07/20 ART7
DL 693/70 DE 1970/12/31 ART17
DL 241/93 DE 1993/07/08 ART3
CPPTRIB99 ART276
CCIV66 ART310 D ART323 N1 ART326 ART327 N1 ART806
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC24545 DE 2000/03/01
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VIII PAG28-30 PAG 282-284
VAZ SERRA PRESCRIÇÃO EXTINTIVA E CADUCIDADE IN BMJ N106 PAG261-263
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A……., S.A. recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, julgou parcialmente procedente a reclamação, deduzida nos termos dos arts. 276º e segts. do CPPT, por B……, com os demais sinais dos autos, contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Almada-2 na execução fiscal nº 3212199201031040, que indeferiu o requerimento de arguição de nulidade por falta de notificação da venda aos executados e de prescrição de juros.
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. O Recorrido B…… no âmbito do processo de execução nº 3212199201031040 do Serviço de Finanças de Almada-2, apresentou uma Reclamação nos termos do art. 276º do CPPT, através da qual pediu:
a) a revogação de decisão do órgão de execução fiscal;
b) declaração de nulidade do processado por falta de notificação da venda aos executados;
c) prescrição dos juros.
2. O tribunal “a quo” decidiu pela prescrição (parcial) dos juros pedidos pela aqui Recorrente.
3. O mesmo tribunal não deu razão ao então Reclamante no que respeita à declaração de nulidade do processado.
4. O aqui Recorrido foi citado em 12.02.1993.
5. Da matéria dada como assente pelo tribunal “a quo” o Recorrido não deduziu oposição à execução.
6. Era em sede de oposição à execução (designadamente, por excepção), que, em observância do Princípio de Concentração de Defesa, o executado podia recusar o pagamento da dívida exequenda com base na prescrição – fosse ela da dívida exequenda ou só dos juros moratórios que a compunham e compõem.
7. O executado, aqui Recorrido, conformou-se com o pedido na medida em que não deduziu oposição à execução.
8. A prescrição é invocável a todo o tempo, mas através dos meios e momentos processuais adequados para tanto: - ou seja, através da oposição à execução e não através da reclamação do acto do órgão de execução (art. 276º do CPPT).
9. A Recorrente não aceita, pois, que seja possibilitado ao aqui Recorrido uma defesa por excepção através de um meio processual inadequado – qual não seja, o de reclamação do acto do órgão de execução fiscal.
10. Não é, por isso, correcto e juridicamente aceitável que o tribunal “a quo” se pronuncie sobre a matéria da prescrição quando este não é o meio processual adequado.
11. O tribunal “a quo” deveria, ao invés, ter recusado liminarmente pronunciar-se sobre esse mesmo assunto.
12. O tribunal “a quo” poderia apenas (como fez e bem, no entender da Recorrente) apreciar da matéria relativa à nulidade ou não da sua notificação para a venda judicial – porque este, sim, é um acto objecto de Reclamação.
13. Como se refere em douto aresto jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. STJ, 25-2-1993: CJ/STJ, 1993, 1º - 150), “A prescrição pode ser invocada por qualquer modo, judicial ou extra-judicialmente, por via de acção ou de excepção; porém, neste último caso, tem que ser deduzida na contestação”.
14. Ou, como esclarecem ainda Pires de Lima e Antunes Varela “A invocação judicial da prescrição faz-se (...) na contestação” – in Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Limitada, Volume I, anotação n.º 2 ao art. 303º, 4ª Edição Revista e Actualizada, 1987.
15. Neste caso, em sede de oposição à execução – como melhor esclarece o MM.º Conselheiro Jorge Lopes de Sousa “... Por isso, a oposição à execução fiscal estará naturalmente vocacionada, como contestação que é, para a invocação de quaisquer fundamentos que possam servir para contrariar a pretensão executiva, independentemente do seu carácter substantivo ou adjectivo (art. 487º do CPC), à semelhança do que sucede com processo civil, em que a oposição do executado é o meio processual adequado para a invocação de qualquer falta de pressupostos processuais [art. 814º, alínea c), do CPC]” – in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 2007, pág. 651, penúltimo parágrafo.
16. A decisão do tribunal “a quo” violou o previsto no art. 276º do CPPT por errónea interpretação e aplicação desse normativo, já que não se podendo pronunciar sobre a matéria prescricional.
Por outro lado e ainda que exista entendimento diverso,
17. Os juros de mora pedidos em sede do processo executivo não se encontram prescritos.
18. A Recorrente não considera, assim, aceitável a declaração da prescrição dos juros anteriores a 03.12.1994 e sua consequente anulação.
19. É que, da decisão (cfr. fls. 6 da sentença), pode ler-se: “...considerando o teor do requerimento executivo de 09/12/1999 em que a A…… solicita o prosseguimento da execução fiscal juntando a respectiva nota de débito nos termos da qual pretendia ainda que os juros de 1991/06/08 a 1999/12/03 fossem cobrados no presente processo de execução fiscal e, atendendo ao disposto na alínea d) do art. 310º do código civil nos termos do qual os juros prescrevem no prazo de 5 anos verifica-se efectivamente a prescrição de parte dos juros (no caso, dos juros anteriores a 03/12/1994).”
20. A Recorrente não concorda com o perfilhado pelo tribunal “a quo” na medida em que a partir do momento em que o processo executivo foi instaurado para cobrança coerciva da dívida, em observância ao Princípio da Estabilidade da Instância e nos termos do que prevê o art. 323º/1 do Código Civil (doravante, designado por CC), a prescrição viu-se interrompida com a citação do executado.
21. Ora, como resulta igualmente do art. 326º/l do CC, “a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nº 1 (e 3) do artigo seguinte”.
22. E no nº 1 do artigo seguinte (art. 327º do CC) é referido que “Se a interrupção resultar de citação (...) o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”.
23. Com efeito, se o executado foi citado em 12.02.1993 (conforme se alcança do probatório), então significa que o tempo que decorreu até então (para efeitos de contagem do prazo prescricional) se inutilizou nos termos previstos no art. 326º/1 do CC.
24. E só começará a correr novo prazo prescricional quando passar em julgado decisão que ponha termo ao processo (art. 327º/1 do mesmo diploma).
25. Desta feita, os juros pedidos na execução pela aqui Recorrente não se encontram prescritos, designadamente os juros anteriores a 03.12.1994 a que alude a sentença recorrida.
26. E, assim, a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância violou também a aplicação do previsto nos arts. 323º/1, 326º/1 e 327º/1, todos do CC.
Termina pedindo a revogação da sentença em virtude de o meio processual previsto no art. 276º do CPPT não ser o adequado para apreciar de alegada prescrição e, ainda que haja entendimento diverso, por não se encontrarem prescritos os juros de mora pedidos na execução, ordenando-se, de seguida, a baixa dos autos ao Serviço de Finanças da execução para demais termos.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido da procedência do recurso nos termos seguintes:
«É entendimento dominante que, com a possibilidade de cobrança dos créditos através do processo de execução fiscal ((1) O invocado Dec.-Lei 48953), se pretendeu dar à A…… um meio mais expedito de cobrança dos seus créditos, em atenção às suas funções de interesse público, e não alterar a natureza dos seus créditos nem o regime substantivo que os regula – assim, acórdão do S.T.A. de 31-1-2001, proc. nº 25236, entre outros.
Por outro lado, a atribuição deste regime especial de cobrança, presumivelmente mais célere, visou privilegiar a A…… em relação às outras entidades com intervenção no comércio bancário, atento o interesse público subjacente a essa cobrança, sendo a mesma ao tempo um instituto público, tendo-se entendido, por norma transitória ((2) O art. 5° do Dec.-Lei nº 287/93.), ser de manter tal regime de cobrança, mesmo após aquela ter perdido tal estatuto e ter passado a ser uma sociedade anónima.
Assim, não se pode deixar de concordar com a recorrente A……. quando defende quanto a não se impor o conhecimento da prescrição de juros que foi efectuada em sede da reclamação apresentada, referindo-se os mesmos a parte dos já vencidos e liquidados à data da instauração da execução, nos termos que resultam ainda do art. 303° do C. Civil; e quanto aos demais vencidos posteriormente, também a prescrição não ocorre por força da regra contida no art. 327° nº 1 do C. Civil.
Concluindo, na procedência do que se alega, é de revogar o decidido na parte em que julgou verificar-se a prescrição dos ditos juros, sendo de ordenar a baixa dos autos para que possa prossiga a execução também por todo o valor em dívida, conforme oportunamente requerido pela A…….»
1.5. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1 - Em 09/11/1992 foi instaurado no Serviço de Finanças de Almada-2 o processo de execução fiscal nº 3212-92/103104.0 em nome de B…… e mulher C…… por dívida no montante de 9.179.648$00 à A……., incluindo-se na referida dívida, juros contabilizados de 08/12/1982 a 08/08/1992 no montante de 6.948.334$00 (cfr. teor da certidão de dívida de fls. 2/14 do processo executivo em apenso).
2 - Em 12/02/1993 foi lavrada a certidão de citação dos executados (cfr. fls.19 do apenso).
3 - Em 13/04/1993 foi lavrado o auto de penhora da fracção autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, …, Laranjeiro, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Laranjeiro sob o artigo 2384 (cfr. auto de penhora de fls. 21 do apenso).
4 - Em 02/01/1996 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Almada-2 a designar dia para a realização da venda judicial (cfr. fls. 40 do apenso).
5 - Em 05/01/1996 foi lavrado o edital e o anúncio da venda do imóvel penhorado (cfr. fls. 41/42 do apenso).
6 - Em 05/01/1996 foi emitida a notificação de B…… da data da venda judicial, tendo essa notificação sido dirigida para a Rua …, …, … …., Laranjeiro através de carta registada com aviso de recepção, tendo estes sido devolvidos ao remetente em 08/01/1996 com a indicação “retirou” (cfr. fls. 43 do apenso).
7 - Em 09/01/1996 foi emitida a notificação de C…… da data da venda judicial, tendo essa notificação sido dirigida para a Rua …, …, …., Laranjeiro através de carta registada com aviso de recepção, tendo estes sido devolvidos ao remetente em 11/01/1996 com a indicação “retirou” (cfr. fls. 46 do apenso).
8 - Em 09/01/1996 foi emitida a notificação de B…… da data da venda judicial, tendo essa notificação sido dirigida para a Rua …, …, …., Laranjeiro através de carta registada com aviso de recepção, tendo estes sido devolvidos ao remetente em 11/01/1996 com a indicação “retirou” (cfr. fls. 46 do apenso).
9 - Em 11/01/1996 e 12/01/1996 foram publicados no jornal “……” os anúncios referentes à venda do imóvel (cfr. fls. 48 do apenso).
10 - Em 30/12/1996 foi apresentada a declaração de alteração de morada de B…… para a Rua …, …, …, Sassoeiros, 2775 Carcavelos (cfr. fls. 239 do apenso).
11 - O imóvel foi adjudicado a D…… pela quantia de 9.666.600$00 (cfr. fls. 76/77 do apenso).
12 - Em 16/04/1998 foi enviado à A…… guia de pagamento do valor de 8.791.267$00 correspondente ao crédito graduado (cfr. fls. 91 do apenso).
13 - Em 09/12/1999 a A…… requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Almada-2 o prosseguimento da execução por ter ficado em dívida o montante de 6.976.889$00 a que corresponde 2.227.109$00 de capital, 4.746.100$00 de juros de 91/06/08 a 99/12/03 e 3.608$00 de despesas juntando a respectiva nota de débito (cfr. fls. 92/96 do apenso), tendo o processo prosseguido para cobrança dos referidos montantes (cfr. despacho de fls. 96 do apenso).
14 - Em 01/07/2008 B…… dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de Almada-2 requerimento no qual invoca nulidade por falta de notificação dos executados para a venda e prescrição dos juros de mora nos termos do art. 310° do Código Civil (cfr. fls. 179/182 do apenso).
15 - Em 29/09/2008 o Chefe do Serviço de Finanças de Almada-2 declarou o processo de execução fiscal nº 321219921031040 em falhas e consequentemente determinou o seu arquivamento (cfr. fls. 229 do apenso).
16 - Por despacho de 30/09/2008 o Chefe do Serviço de Finanças de Almada-2 indeferiu o requerimento mencionado em 14) como consta de fls. 228/verso do apenso.
3.1. Enunciando como questões a decidir as da invocada nulidade por falta de notificação dos executados da venda judicial e a da prescrição dos juros, a sentença julgou improcedente a alegada nulidade por falta de notificação dos executados sobre a venda judicial e, conheceu em seguida da questão da prescrição dos juros, julgou prescritos os anteriores a 3/12/1994, com a fundamentação seguinte:
«Atendendo que estamos perante juros derivados do contrato de mútuo celebrado entre a A…… no exercício da sua actividade comercial como instituição de crédito e o ora reclamante e mulher, a prescrição dos juros não é de conhecimento oficioso pelo juiz ou pelo órgão de execução fiscal já que de acordo com o art. 303° do Código Civil a prescrição terá de ser invocada pelo requerente.
Ora só em 01/07/2008 no requerimento de fls. 179 do processo executivo (após a venda do imóvel e pagamento - ocorrido em 1996 - com o produto da venda de parte da dívida exequenda e dos juros) é que o executado vem invocar a prescrição dos juros.
Considerando o teor do requerimento executivo de 09/12/1999 em que a A…… solicita o prosseguimento da execução fiscal juntando a respectiva nota de débito nos termos da qual pretendia ainda que os juros de 1991/06/08 a 1999/12/03 fossem cobrados no presente processo de execução fiscal e, atendendo ao disposto na alínea d) do art. 310° do Código Civil nos termos do qual os juros prescrevem no prazo de 5 anos verifica-se efectivamente a prescrição de parte dos juros (no caso, dos juros anteriores a 03/12/1994).»
3.2. Do assim decidido quanto à questão da prescrição dos juros, discorda a recorrente, sustentando:
- Que era em sede de oposição à execução (designadamente, por excepção), que, em observância do Princípio de Concentração de Defesa, o executado podia recusar o pagamento da dívida exequenda com base na prescrição – fosse ela da dívida exequenda ou só dos juros moratórios que a compunham e compõem. Porém, a prescrição, embora invocável a todo o tempo, só o é através dos meios e momentos processuais adequados para tanto (ou seja, através da oposição à execução e não através da reclamação do acto do órgão de execução - art. 276º do CPPT), pelo que não tendo o executado deduzido oposição, nem pode a sentença concluir pela possibilidade de o recorrido se defender por excepção através de um meio processual inadequado, nem é juridicamente aceitável que o tribunal “a quo” se pronuncie sobre a matéria da prescrição quando este não é o meio processual adequado. Daí que o tribunal “a quo” devesse, mesmo, ter recusado liminarmente pronunciar-se sobre tal questão.
A decisão recorrida violou, pois, o disposto no art. 276º do CPPT por errónea interpretação e aplicação desse normativo, já que não podia pronunciar-se sobre a matéria prescricional.
- Por outro lado, ao invés do decidido, os juros de mora pedidos em sede do processo executivo também não se encontram prescritos, na medida em que a partir do momento em que o processo executivo foi instaurado para cobrança coerciva da dívida, em observância ao Princípio da Estabilidade da Instância e nos termos do que prevê o art. 323º/1 do CCivil, a prescrição foi interrompida com a citação do executado, sendo que, como resulta igualmente do art. 326º/l do CC, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo e sendo ainda que se a interrupção resultar de citação o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo – art. 327º do CCivil.
Ora, se o executado foi citado em 12/2/1993 (cfr. o probatório), então significa que o tempo que decorreu até então (para efeitos de contagem do prazo prescricional) se inutilizou nos termos previstos no art. 326º/1 do CC e só começará a correr novo prazo prescricional quando passar em julgado decisão que ponha termo ao processo (art. 327º/1 do mesmo diploma).
As questões a apreciar reconduzem-se, pois, às de saber se a sentença sofre de erro de julgamento na medida em que apreciou a prescrição dos juros e, caso assim não se entenda, se estes estão prescritos.
Vejamos, pois.
4.1. O nº 1 do art. 61º do DL nº 48953, de 5/4/1969 (redacção do DL nº 693/70, de 31/12), dispunha o seguinte: «1 - A cobrança coerciva de todas as dívidas de que seja credora a A…… e as suas instituições anexas é da competência dos tribunais de 1ª instância das contribuições e impostos de Lisboa, servindo de títulos executivos as escrituras, títulos particulares, letras, livranças, ou qualquer outro documento apresentado pela instituição exequente incluindo as certidões ou fotocópias autenticadas extraídas dos livros da sua escrita.».
4.2. É jurisprudência assente a de que a A……., até à transformação operada pelo DL nº 287/93, de 20/7, enquanto instituto de crédito do Estado e por reconhecidas razões de celeridade processual, tinha a faculdade de cobrar as suas dívidas através do processo de execução fiscal - cfr. o supra transcrito art. 61° do DL nº 48.953, na redacção do art. 17° do DL 693/70 (sobre este ponto, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, comentário 3 ao art. 148º, pp. 28 a 30, bem como o comentário 5 b) ao art. 175º, pp. 282/284).
E, no caso, tendo a execução sido instaurada em 9/11/92 (cfr. fls. 1 do processo de execução), antes da entrada em vigor do DL nº 287/93, aplica-se aquele regime (aliás, a partir da entrada em vigor do DL nº 241/93 de 8/7, apenas as dívidas situadas no âmbito das relações administrativas e fiscais podem ser cobradas em processo de execução fiscal - de acordo com o disposto no art. 3º desse diploma o processo de execução fiscal passa a aplicar-se exclusivamente à cobrança coerciva das dívidas ao Estado e a outras pessoas de direito público, não se aplicando, porém, esse regime aos processos pendentes à data da entrada em vigor deste DL - cfr. o nº 2 do seu art. 3º).
Porém, o facto de as dívidas desta natureza (civil) poderem ser cobradas coercivamente através do processo de execução fiscal não implica que fiquem sujeitas ao prazo ou ao regime de prescrição da dívida tributária.
Com efeito, como se exarou no acórdão desta Secção do STA, de 1/3/2000, proc. nº 024545, «Com a possibilidade de cobrança dos créditos através do processo de execução fiscal, pretendeu-se dar à A…… um meio mais expedito de cobrança dos seus créditos, em atenção às suas funções de interesse público, e não alterar a natureza dos seus créditos nem o regime substantivo que os regula.
Por outro lado, a atribuição deste regime especial de cobrança, presumivelmente mais célere, visou privilegiar a A…… em relação às outras entidades com intervenção no comércio bancário, atento o interesse público subjacente a essa cobrança.
Sendo essa a finalidade dessa atribuição, seria incongruente que, concomitante e contraditoriamente, se fosse atribuir-lhe um estatuto diminuído a nível do direito substantivo (…)
Por isso, em face da finalidade prosseguida legislativamente ao atribuir-se à A…… a possibilidade de utilização do processo de execução fiscal para cobrança das dívidas originadas na sua actividade comercial, a retirada desse direito atribuído pela lei civil, seria uma solução manifestamente desacertada que, por o ser, tem de presumir-se não ter sido pretendida pelo legislador (art. 9º, nº 3, do Código Civil).
Para além disso, tal diminuição de estatuto, não baseada em qualquer circunstância que justifique uma discriminação negativa da A…… em relação às outras, entidades bancárias, teria de considerar-se ofensiva do princípio constitucional da igualdade, consagrado no art. 13°da CRP.»
E embora no art. 175º do CPPT se estabeleça que a prescrição será conhecida oficiosamente pelo juiz se o órgão de execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito, esta disposição legal não é aplicável, todavia, à dívida em execução nos presentes autos, dada a respectiva natureza de dívida não fiscal.
Na verdade, como igualmente se refere no citado acórdão (a propósito da aplicação da norma do art. 259° do CPT ― em que, igualmente, se previa o conhecimento oficioso da prescrição, sem qualquer restrição relativa a qualquer tipo de dívidas cobradas no processo de execução fiscal), o STA tem vindo a entender «que tal norma não é de aplicar às dívidas de natureza comercial da A……. por, essencialmente, a utilização do processo de execução fiscal para cobrança destas dívidas ter em vista obter uma maior celeridade na sua cobrança e não modificar o seu regime substantivo» (cfr. os acórdãos indicados no aresto).
É que, como acentua o Cons. Lopes de Sousa ( ( ) (In CPPT, Anotado e comentado, Vol. III, 6ª ed., 2011, anotação 5 b) ao art. 175º - Não conhecimento oficioso da prescrição de dívidas de direito privado A…… -, pp. 282 a 284). ) «tendo a prescrição natureza substantiva, modificando a natureza da dívida, o regime de conhecimento oficioso da prescrição previsto no art. 175º deve limitar-se às dívidas de natureza pública que são cobradas em processo de execução fiscal, não se estendendo às dívidas reguladas substantivamente pelo direito que, anómala e excepcionalmente, podem ser cobradas através de processo de execução fiscal, como é o caso das dívidas comerciais de que é credora a A……, em processos instaurados antes da sua transformação em sociedade anónima.
Relativamente às dívidas de natureza comercial, o regime da prescrição aplicável é o da lei civil, dependendo o conhecimento da prescrição de invocação do interessado (art. 303º do CC). (( ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 22/10/92 proferido no recurso nº 21811; de 22/10/97, processo nº 21746; de 29/10/97, processos nºs. 21725 e 20790; de 10/12/97, processo nº 21290; de 8/6/98, processo nº 21724; de 17/6/98, processo nº 22394; de 21/4/1999, processo nº 23240; e de 31/1/2001, processo nº 25236.)
Na verdade, é seguro que pelo facto de os créditos da A…… originados pela sua actividade comercial, antes da entrada em vigor do DL nº 287193, de 20/8, poderem ser cobrados em processo de execução fiscal, eles não passavam a ser créditos tributários, mantendo-se a sua natureza de contratos de natureza civil (art. 1142º do CC) ou, eventualmente, comercial (art. 394º do Código Comercial). (…)
O facto de nos processos tributários os executados poderem ter intervenção nos processos de execução fiscal sem representação por advogado, que, obviamente, não altera a natureza das dívidas referidas, não pode explicar a possibilidade de conhecimento oficioso da prescrição, que não é permitido pela lei civil. Na verdade, desde logo, a ser a falta de preparação jurídica dos executados a justificar o conhecimento oficioso da prescrição, decerto que se deveria entender que tal possibilidade não existiria quando a representação por advogado se verifica e, consequentemente, seria de restringir em consonância com esta razão de ser o campo de aplicação da norma que prevê o conhecimento oficioso (cessante ratione legis cessat eius dispositio).
Por outro lado, a constituição de advogado, para quem intervém no lado passivo, tanto nas execuções fiscais como nas execuções comuns, é sempre facultativa, pois em nenhum deles se impõe aos demandados a obrigação de se defender. Em qualquer destes tipos de processo, os executados podem optar por constituir ou não advogado, sendo certo que em nenhum desses tipos de processo a carência de meios económicos pode ser obstáculo a tal constituição, como assegura a lei de apoio judiciário. Por isso, também nas execuções comuns pode ocorrer a falta de representação dos executados por advogado e nem por isso se afasta, nesses casos, a regra da impossibilidade de conhecimento oficioso da prescrição. Perante esta constatação se verifica que, não é, decerto, a falta de preparação jurídica dos executados que justifica que se preveja no processo de execução fiscal a possibilidade de conhecimento oficioso da prescrição que não se reconhece no domínio do processo de execução comum. (( ) Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 21/4/1999, processo nº 23240, de que o Autor foi relator).
Por isso, a norma do art. 175º do CPPT (como, anteriormente, a do art. 259º do CPT), em que se prevê a possibilidade de conhecimento oficioso da prescrição das dívidas exequendas, deve entender-se como reportando-se apenas a dívidas de natureza pública, já que são essas e não as comerciais aquelas cujo regime substantivo vem parcialmente regulado neste diploma
Em concordância com este entendimento, concluímos, portanto, que apesar de cobradas por via do processo de execução fiscal, tal circunstância não altera a natureza das dívidas aqui em questão, nem o regime substantivo que as regula, pelo que a eventual prescrição dos juros aqui em questão só por via da respectiva invocação, por parte do executado, podia ser apreciada.
4.3. Ora, no seguimento de Nota de Débito e outros requerimentos apresentados pela exequente A…… em 2/6/2008 (cfr. fls. 156 e ss. da execução apensa) o executado apresentou, em 1/7/2008, ao Chefe do Serviço de Finanças de Almada-2, requerimento no qual invoca nulidade por falta de notificação dos executados para a venda e prescrição dos juros de mora nos termos do art. 310° do Código Civil (cfr. nº 14 do Probatório e fls. 179/182 do apenso).
Invocou, pois, além do mais, a prescrição de tais juros.
Mas será que tal prescrição poderia, ainda assim, ser suscitada (como foi) em sede de execução e, consequentemente, também em sede da reclamação prevista no art. 276º do CPPT?
A resposta seria, em princípio, negativa, visto que, dada a natureza da dívida aqui em causa, a prescrição pode ser invocada por qualquer modo, judicial ou extra-judicialmente, por via de acção ou de excepção, mas, neste último caso, tem que ser deduzida na contestação (cfr. o ac. do STJ, de 25/2/1993, in CJ/STJ, 1993, 1º - 150, citado pela recorrente), bem como Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1987, Vol. I, anotação 2 ao art. 303º.
A prescrição da dívida só poderia, pois, em princípio, ter sido suscitada em sede de oposição à presente execução.
Todavia, porque não era então possível ao executado invocar, no já decorrido prazo da oposição e através desse meio processual, a prescrição cujo prazo entende ter entretanto decorrido relativamente a parte da dívida (juros), não parece que ele esteja legalmente impedido de suscitar a questão em sede de execução, ou seja, sempre se há-de admitir a respectiva invocação através de outro meio processual que a lei lhe faculta (a arguição perante o chefe do Serviço de Finanças, com a possibilidade de apresentar a correspondente reclamação prevista no art. 276º).
Apesar de a prescrição não poder, no caso, ser conhecida oficiosamente, o que é verdade é que o recorrido suscitou a prescrição dos juros de mora entretanto vencidos, através de meio processual que a lei lhe faculta e, face a tal alegação (em sede de execução e, posteriormente, em sede de reclamação) sempre à sentença caberia pronunciar-se sobre a matéria: ou apreciando o respectivo pedido em termos de o julgar procedente ou improcedente, ou, caso concluísse pela inadmissibilidade desse pedido ou pela impropriedade do meio processual utilizado, rejeitando a respectiva apreciação ou suprindo o erro na forma de processo.
Como, aliás, sucedeu.
Com efeito, perante o alegado, a sentença veio a concluir pela procedência do pedido, tendo, por isso, aceite, necessariamente, ser legalmente admissível dele conhecer em sede de reclamação.
Aliás, também nem seria de ordenar a convolação para o meio processual de oposição à execução [quer por o reclamante ter suscitado, igualmente, a nulidade decorrente da falta de notificação da venda judicial aos executados (pedido a que, em princípio, se adequaria a forma da reclamação de acto do órgão de execução fiscal ( ( ) (E uma vez que o recurso vem delimitado à questão dos juros, não importa agora apreciar, sequer, qualquer questão relacionada com a adequação do meio processual utilizado em relação a este pedido atinente à nulidade, nomeadamente se a forma processual adequada era a da reclamação ou a do incidente de anulação de venda.) ) que foi deduzida), quer por a oposição (a ordenar-se a convolação) ser intempestiva].
E a não ser assim, poderá eventualmente ocorrer erro de julgamento por a sentença ter conhecido e declarado a dívida prescrita, mas não nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, que nem sequer vem invocada.
E é esse erro de julgamento que, em substância, parece invocar a recorrente A……, quando, nas Conclusões 10ª a 12ª, alega que não é juridicamente aceitável que o tribunal “a quo” se pronuncie sobre a matéria da prescrição quando este não é o meio processual adequado, devendo, ao invés, ter recusado liminarmente pronunciar-se sobre a prescrição e devendo apenas apreciar da matéria relativa à nulidade ou não da sua notificação para a venda judicial, porque este, sim, é um acto objecto de reclamação.
4.4. Vejamos então esta questão da prescrição.
A este respeito, a recorrente sustenta que tais «juros de mora» não se encontram prescritos, na medida em que a partir do momento em que o processo executivo foi instaurado para cobrança coerciva da dívida, a prescrição se viu interrompida com a citação do executado, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 323º do CCivil e o novo prazo só começa a correr a partir do acto interruptivo (art. 326º), mas em prejuízo do disposto no nº 1 do art. 327º, ambos do mesmo Código. Pelo que tendo o executado sido citado em 12/2/1993, inutilizou-se o tempo decorrido até então e só quando passar em julgado a decisão que ponha termo ao processo começará a correr novo prazo prescricional.
Ora, como se diz na sentença, atendendo ao disposto na al. d) do art. 310° do CCivil, nos termos do qual os juros prescrevem no prazo de 5 anos, pretendendo a exequente o pagamento dos juros vincendos de 8/6/1991 a 3/12/1999, verifica-se efectivamente a prescrição de parte desse juros (no caso, dos anteriores a 03/12/1994).
Com efeito, tais juros são de mora (logo, em princípio, os legais, nos termos do nº 2 do art. 806º do CCivil) e as partes, nomeadamente a recorrente, também não alegaram diferente natureza dos mesmos (aliás, na respectiva Nota de Débito apresentada pela exequente, esta assinala que nas quantias por juros ali liquidadas estão incluídos os «juros de mora e moratórios»), estando, por isso, sujeitos ao prazo prescricional de cinco anos, de acordo com o disposto na al d) do seu art. 310º.
E nem se diga, como pretende a recorrente, que a citação para a execução também interrompeu o respectivo prazo de prescrição: é que nem há actos interruptivos para o futuro, nem podia ser interrompido um prazo que, então, ainda não estava em curso, não relevando, portanto, no caso, a invocação, por parte da exequente, do disposto no nº 1 do art. 323º e nos arts. 326º e 327º, nº 1, todos do CCivil.
Aliás, como salienta o Prof. Vaz Serra, no «que toca à extensão dos efeitos da interrupção da prescrição, a regra parece dever ser que esses efeitos se limitam ao direito e às pessoas, em relação aos quais a prescrição é interrompida» pelo que, «se essa causa for a citação judicial ou outro acto interruptivo judicial, o direito cuja prescrição fica interrompida é o direito que se faz valer por esse acto», sendo que fora dos «casos em que a interrupção da prescrição de um direito implica a interrupção da prescrição de outro direito, a regra é (…) que o efeito interruptivo se restringe ao direito a que o acto interruptivo respeita. Portanto, por exemplo, o pedido de certas anuidades de uma renda ou de certas prestações de juros não interrompe a prescrição das outras anuidades ou dos outros juros, etc.» (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ, nº 106, p. 261 a 263).
A sentença recorrida não enferma, pois, nesta parte, do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, devendo, nessa medida, manter-se.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 14 de Março de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.