Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0459/11
Data do Acordão:07/06/2011
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
SUBIDA IMEDIATA
SUBIDA DIFERIDA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
TUTELA JUDICIAL EFECTIVA
PREJUÍZO IRREPARÁVEL
Sumário:I - Apesar do carácter taxativo que a redacção do n.º 3 do artigo 278.º do CPPT dá ao elenco dos casos de subida imediata das reclamações, deverá ainda admitir-se, sob pena de violação do direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos em matéria de contencioso administrativo, constitucionalmente garantido (cf. art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República), a remessa e conhecimento imediato da reclamação sempre que, sem eles, o interessado sofra prejuízo irreparável ou sempre que, sem ela, a reclamação perca toda a utilidade.
II - O alcance da tutela judicial efectiva não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva, da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível.
III - Sob pena de violação do princípio da proporcionalidade e do direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos, constitucionalmente garantidos, impõe-se a subida imediata da reclamação judicial para apreciação da prescrição da dívida exequenda.
Nº Convencional:JSTA00067083
Nº do Documento:SAP201107060459
Data de Entrada:05/11/2011
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC TCAS DE 2011/01/11 - AC TCAS PROC1529/06 DE 2007/01/16.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART172 ART250 N1 ART278 N1 N3.
ETAF02 ART27 B.
CPTA02 ART152.
CPC96 ART687 N4 ART734 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1149/02 DE 2003/05/07.; AC STAPLENO PROC1065/05 DE 2006/03/29.; AC STAPLENO PROC452/07 DE 2007/09/16.; AC STAPLENO PROC616/07 DE 2008/07/14.; AC STAPLENO PROC617/08 DE 2009/05/06.; AC STAPLENO PROC19532 DE 1996/06/19.; AC STAPLENO PROC276/05 DE 2005/05/18.; AC STJ PROC87156 DE 1995/04/26.; AC STA PROC444/11 DE 2011/05/25.; AC STA PROC229/06 DE 2006/08/09.; AC STA PROC165/11 DE 2011/11/22.; AC STA PROC125/11 DE 2011/03/02.; AC STA PROC1054/10 DE 2011/02/09.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO PAG666- PAG669 PAG809 PAG814.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, SA, com os sinais dos autos, notificada do acórdão do TCAS de 11/1/2011, proferido a fls. 196 a 208 dos autos, e não se conformando com o mesmo, dele vem interpor recurso para este Tribunal, com fundamento em oposição com o acórdão proferido pelo TCAS, em 16/1/2007, no processo n.º 1529/06, formulando as seguintes conclusões:
i. O Recorrente interpôs o presente recurso, por oposição de acórdãos, com fundamento na oposição entre o acórdão proferido no processo n.º 04382/10, que correu os seus termos no 2.º Juízo, 2.ª Secção (Contencioso Tributário), do Tribunal Central Administrativo Sul e o acórdão proferido pelo 2.º Juízo (CT) do Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 01529/06, de 16 de Janeiro de 2007.
ii. Subjacente a ambas as decisões está a oportunidade da subida, ao tribunal tributário, da reclamação judicial deduzida pela Recorrente contra o despacho emitido pelo Serviço de Finanças de Oeiras-3, nos termos do qual é indeferido o pedido de reconhecimento da prescrição da dívida exequenda garantida, referente a IRC do exercício de 1997.
iii. Na referida reclamação judicial, foi invocada a ilegalidade daquele despacho, tendo sido peticionada a subida imediata da mesma, sob pena de, nos termos do disposto no artigo 278.º, n.º 3 do CPPT, vir a causar-se um prejuízo irreparável na esfera da Recorrente, decorrente do facto de, uma vez coagida a pagar, voluntária ou coercivamente, a dívida exequenda ficar satisfeita, extinguindo-se assim o processo de execução fiscal e, consequentemente, a possibilidade de se conhecer da prescrição daquela dívida.
iv. Entendeu o Tribunal Central Administrativo Sul, à semelhança do entendimento preconizado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no processo n.º 1298/10.1BESNT, que a subida, a final, daquela reclamação judicial não é susceptível de provocar prejuízo irreparável ao executado, na medida em que, na eventualidade de, a final, o tribunal vir a reconhecer a prescrição da dívida exequenda, o prejuízo decorrente da satisfação da dívida exequenda prescrita poderá e deverá sempre ser reparado.
v. Em sentido oposto, está o acórdão fundamento, nos termos do qual “(…) tendo sido alegada a prescrição da dívida exequenda o diferimento da apreciação jurisdicional da legalidade do acto praticado pela Administração Tributária provoca um prejuízo irreparável ao reclamante já que, se a dívida estiver prescrita, a venda extinguirá o processo executivo e, consequentemente, a possibilidade de se conhecer da prescrição”.
vi. Ora, para que se verifique a oposição invocada pelo Recorrente como fundamento do presente recurso, impõe-se a demonstração de que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento perfilharam, de forma expressa, e perante a identidade de situações de facto, soluções opostas sobre a mesma questão fundamental de direito.
vii. Conforme já se referiu, subjacente às decisões proferidas pelo acórdão recorrido e pelo acórdão fundamento está a possibilidade de subida (imediata ou diferida) da reclamação judicial deduzida contra acto do órgão de execução fiscal, com fundamento em prescrição da dívida exequenda, garantida em virtude da existência de garantia idónea.
viii. Do mesmo modo, em ambos os acórdãos foi discutida idêntica questão de direito, que se resume ao seguinte: de acordo com o disposto no artigo 278.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o diferimento da apreciação da referida reclamação judicial era ou não susceptível de provocar um prejuízo irreparável na esfera do reclamante/executado, na medida em que, se a dívida estivesse efectivamente prescrita, como o próprio invocava, a execução da garantia extinguiria o processo executivo e, consequentemente, a possibilidade de se conhecer da prescrição?
ix. Porém, perante esta mesma questão de direito, foram proferidas decisões diametralmente opostas.
x. Com efeito, no acórdão recorrido foi sufragado o entendimento de que inexiste prejuízo irreparável para o reclamante/executado, devendo a reclamação judicial subir apenas a final, na medida em que, caso lhe venha a ser reconhecida razão e tal seja declarado na decisão da referida declaração, quando esta subir a final, a Administração tributária estará sempre obrigada a restaurar integralmente a situação que se verificaria se o acto lesivo – execução da garantia – não tivesse sido praticado.
xi. Já no acórdão fundamento concluiu-se no sentido da existência de prejuízo irreparável, devendo a reclamação judicial subir de imediato, na medida em que, subindo a final, poderá já não ser possível conhecer da prescrição da dívida exequenda, por força do respectivo pagamento – em resultado da execução da garantia existente – e da consequente extinção do processo de execução fiscal instaurado para a sua cobrança coerciva.
xii. Em ambos os acórdãos, o Tribunal Central Administrativo Sul pronunciou-se, de forma expressa, sobre a questão em apreço, sendo que a conclusão no sentido da existência de prejuízo irreparável determinou, no acórdão fundamento, a revogação da decisão recorrida e a baixa dos autos ao tribunal de 1.ª instância que proferiu a decisão, para conhecimento imediato do mérito da reclamação judicial, e, no acórdão recorrido, a confirmação da decisão recorrida.
xiii. Verificando-se, como acima exposto, a identidade de questões de facto e de direito, e bem assim a oposição de decisões expressas entre os acórdãos em confronto, encontra-se demonstrada a questão preliminar da oposição de acórdãos, exigida no artigo 284.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
xiv. Mais: a seguir-se o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de que a penhora e venda dos bens da Recorrente ou a execução da garantia prestada não obstam à possibilidade de esta obter o respectivo ressarcimento em caso de reconhecimento da prescrição, o artigo 278.º, n.º 3, do CPPT, que contempla a subida imediata da reclamação judicial, perderia qualquer efeito prático, pois, nessa óptica, o prejuízo seria sempre susceptível de ser ressarcido, na medida em que, por regra, no direito tributário, estarão sempre em causa valores pecuniários e/ou bens materiais.
xv. Está em causa, na subida imediata da reclamação judicial, não apenas a possibilidade de reparação dos prejuízos causados, mas, especialmente, o dever de evitar esses mesmos prejuízos, conforme ensina o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.
xvi. Refira-se, aliás, que o entendimento perfilhado quer no acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, quer na sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, é contrário ao entendimento anteriormente perfilhado pelos próprios Tribunais.
xvii. Vejam-se, a este propósito, quer o acórdão fundamento, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, quer as sentenças proferidas, em 8 de Maio de 2009 e 30 de Novembro de 2010, no âmbito dos processos n.ºs 609/08.4BESNT e 1299/10.0BESNT, respectivamente, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
xviii. Conforme se logrou, igualmente, demonstrar, o entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido é, de resto, contrário à generalidade da jurisprudência conhecida dos tribunais superiores, como são exemplo, não só o próprio acórdão fundamento, mas também o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido, em 26 de Fevereiro de 2008, no âmbito do processo n.º 2220/08, o acórdão proferido pelo tribunal Central Administrativo Norte, em 1 de Junho de 2006, no processo n.º 68/06.6, e o acórdão proferido por este Tribunal ad quem, em 9 de Agosto de 2006, no processo n.º 229/06.
xix Mas, ainda que assim não se entendesse, o que só por mero dever de cautela de patrocínio se concebe, não pode a Recorrente deixar de apelar ao princípio pro actione, previsto no artigo 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos termos do qual “para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.
xx. Ficou, assim, provado que haverá prejuízo irreparável para a Recorrente, decorrente da subida a final da reclamação judicial, uma vez que, coagida a pagar, voluntária ou coercivamente, a dívida exequenda fica satisfeita, extinguindo-se, assim, o processo de execução fiscal e, consequentemente, a possibilidade de se conhecer da prescrição daquela dívida.
xxi. Provada a existência de prejuízo irreparável, fica evidenciado o erro de julgamento em que incorreram os Excelentíssimos Senhores Juízes quer do Tribunal a quo, quer do tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, decorrente de uma desacertada subsunção dos factos ao direito, devendo ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogadas ambas as decisões, admitindo-se o conhecimento imediato da reclamação judicial, nos termos do artigo 278.º, n.º 3 do CPPT.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se:
A) A revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que reconheça a aplicação do regime da subida imediata da reclamação judicial, no caso concreto;
B) A remessa do processo ao tribunal competente para que seja proferida decisão que, respeitando o regime da subida imediata a tribunal destes autos, aprecie a reclamação deduzida e profira decisão de mérito sobre a mesma.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso merece provimento, devendo o conflito ser resolvido no sentido da adesão à tese do acórdão fundamento, segundo o qual a reclamação judicial deve ter subida imediata.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
a. Em 2000AGO28, foi instaurado, na RFLisboa - 10.º Bairro, a execução fiscal n.º 3255200001505084, contra a recorrente «A…» - cfr. fls. 2 do PEF apenso;
b. A dívida exequenda, no processo mencionado na precedente alínea, respeita a IRC, do exercício de 1997, no valor de € 2.808.939,35 - cfr. fls. 3 do PEF apenso;
c. Em 2000JUL06, a recorrente deduziu reclamação graciosa contra o acto tributário de liquidação onde foi apurada a dívida exequenda referenciada em b. - cfr. fls. 8/15 do PEF apenso;
d. Em 2000NOV06 a recorrente prestou garantia bancária para suspender a execução fiscal referida em a. - cfr. fls. 31, 32 e 37 do PEF apenso;
e. Em 2009FEV25, a recorrente requereu ao CSFinanças de Oeiras 3, onde a execução passou a ser tramitada, a declaração de prescrição da dívida exequenda de IRC/1997 e respectivos juros, e a extinção do processo de execução fiscal idf. em a.- cfr. fls. 29, 30 e 43/48 do PEF apenso;
f. Em 2010MAI21, o CSFinanças de Oeiras 3, ancorando-se, para o efeito, em informação, parecer e despacho do CDivisão, tudo da DFLisboa/DGDExecutiva, indeferiu o pedido formulado no requerimento a que se faz alusão na alínea que antecede - cfr. fls. 61/69 do PEF apenso;
g. Notificada, em 2010MAI27, a recorrente, da decisão de indeferimento referida em f., dela deduziu, em 2010JUN08, a presente reclamação, nos termos dos art.ºs 276.º a 278.º do CPPT - cfr. fls. 72 e v.º do PEF apenso e fls. 5 dos presentes autos;
h. Em 2010SET30 foi proferida a decisão ora recorrida, a qual, ao que aqui ora importa é do seguinte teor:
«Tem sido entendimento deste Tribunal o qual foi sufragado pelo Tribunal Superior que, em caso de invocação da prescrição da dívida e nas situações em que o processo de execução se encontrava suspenso em resultado da apresentação de impugnação administrativa ou judicial e da apresentação de garantia, tal reclamação deve ser apreciada a final, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 278.º do CPPT, já que não tendo sido efectuada qualquer penhora nos autos, o simples prosseguimento do processo de execução fiscal em face da cessação do efeito suspensivo decorrente da prestação de garantia (ainda não concretizada, de resto), não constitui qualquer prejuízo irreparável na esfera jurídica do interessado, sendo que os prejuízos decorrentes da eventual penhora ou venda de bens, ou a utilização da garantia prestada, não obsta à possibilidade do interessado obter o respectivo ressarcimento em caso de reconhecimento da invocada prescrição da dívida exequenda (…).
Compulsados os autos, constata-se que:
a) Do acto tributário que serviu de base à instauração do processo de execução ora controvertido foi deduzida reclamação graciosa e prestada garantia para efeitos de suspensão dos referidos autos, tendo sido proferido despacho que indeferiu totalmente a pretensão deduzida (…).
b) Tendo o ora interessado requerido ao serviço de Finanças competente o reconhecimento da prescrição das dívidas relativas a IRC do ano de 1997, foi proferido despacho em 21.05.2010, pelo Chefe de Finanças de Oeiras 3, de indeferimento do requerido com base na informação prestada pelos serviços (…).
Tudo visto entende este Tribunal que a presente reclamação deve ser apreciada a final, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 278.º do CPPT (…).».
III – Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo TCAS, em 11/01/2011, com fundamento em oposição com o acórdão do mesmo TCAS, de 16 de Janeiro de 2007, proferido no recurso n.º 1529/06.
Subjacente a ambas as decisões está a oportunidade da subida, ao tribunal tributário, da reclamação judicial deduzida pela ora recorrente contra o despacho do órgão da execução fiscal que indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição da dívida exequenda.
Na referida reclamação judicial, foi invocada a ilegalidade daquele despacho, tendo sido peticionada a subida imediata da mesma, sob pena de, nos termos do disposto no artigo 278.º, n.º 3 do CPPT, vir a causar-se um prejuízo irreparável na esfera da reclamante, ora recorrente, decorrente do facto de, uma vez coagida a pagar, voluntária ou coercivamente, a dívida exequenda ficar satisfeita, extinguindo-se, assim, o processo de execução fiscal e, consequentemente, a possibilidade de se conhecer da prescrição daquela dívida.
Entendeu o TCAS no acórdão recorrido, confirmando, de resto, a decisão do Mmo. Juiz do TAF de Sintra, que a subida a final daquela reclamação judicial não era susceptível de provocar prejuízo irreparável à executada, na medida em que, na eventualidade de, a final, o tribunal vir a reconhecer a prescrição da dívida exequenda, o prejuízo decorrente da satisfação da dívida exequenda prescrita sempre poderia e deveria ser reparado.
Em sentido oposto, está, no entender da recorrente, o acórdão fundamento, também proferido pelo TCAS, segundo o qual, tendo sido alegada a prescrição da dívida exequenda, o diferimento da apreciação jurisdicional da legalidade do acto praticado pela Administração Tributária provoca um prejuízo irreparável ao reclamante já que, se a dívida estiver prescrita, a venda extinguirá o processo executivo e, consequentemente, a possibilidade de se conhecer da prescrição.
Não obstante o Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos, importa reapreciar se a mesma se verifica, já que tal decisão, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste STA (v., entre outros, o Ac. do STA de 7/5/2003, proferido no recurso n.º 1149/02), não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (cfr. art. 687.º, n.º 4 do CPC) - vd. também neste sentido Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado, vol. II, pág. 814.
A admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF e 152.º do CPTA, depende da satisfação dos seguintes requisitos:
- existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
- a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Como já entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 29-3-2006, recurso n.º 1065/05), relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26/9/2007, 14/7/2008 e de 6/5/2009, in recursos n.ºs 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19/6/96 e de 18/5/2005, proferidos nos recursos n.ºs 19532 e 276/05, respectivamente).
Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (v. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado, vol. II, pág. 809, e acórdão do STJ de 26/4/95, no recurso n.º 87156).
Vejamos, então, se tais pressupostos se verificam.
Conforme já se referiu, subjacente às decisões proferidas pelo acórdão recorrido e pelo acórdão fundamento está a possibilidade de subida (imediata ou diferida) da reclamação judicial deduzida contra acto do órgão de execução fiscal, com fundamento em prescrição da dívida exequenda.
Perante a mesma questão de direito, foram proferidas, porém, decisões opostas.
Com efeito, no acórdão recorrido foi sufragado o entendimento de que inexiste prejuízo irreparável para a reclamante/executada, devendo a reclamação judicial subir apenas a final, na medida em que, caso lhe venha a ser reconhecida razão e tal seja declarado na decisão da referida declaração, quando esta subir a final, a Administração Tributária estará sempre obrigada a restaurar integralmente a situação que se verificaria se o acto lesivo – execução da garantia – não tivesse sido praticado.
Já no acórdão fundamento concluiu-se no sentido da existência de prejuízo irreparável, devendo a reclamação judicial subir de imediato, na medida em que, subindo a final, poderá já não ser possível conhecer da prescrição da dívida exequenda, por força do respectivo pagamento – em resultado da execução da garantia existente – e da consequente extinção do processo de execução fiscal instaurado para a sua cobrança coerciva.
Ou seja, em ambos os acórdãos, o TCAS pronunciou-se, de forma expressa, sobre a questão em apreço, sendo que a conclusão no sentido da existência de prejuízo irreparável determinou, no acórdão fundamento, a revogação da decisão recorrida e a baixa dos autos ao tribunal de 1.ª instância que proferiu a decisão, para conhecimento imediato do mérito da reclamação judicial, e, no acórdão recorrido, a confirmação da decisão recorrida.
Verificando-se, como acima exposto, a identidade de questões de facto e de direito, e bem assim a oposição de decisões expressas entre os acórdãos em confronto, encontra-se, pois, demonstrada a alegada oposição de acórdãos.
A questão em apreço é, pois, a de saber qual o regime de subida (imediata ou diferida) da reclamação judicial da decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição da dívida exequenda.
Estabelece-se no n.º 1 do artigo 278.º do CPPT a regra da subida diferida das reclamações ao tribunal tributário, após a realização da penhora e da venda.
No n.° 3 do mesmo preceito prevêem-se excepções a esta regra da subida diferida, admitindo-se a subida imediata quando a reclamação se fundar em prejuízo irreparável causado pelas ilegalidades aí indicadas relativas a penhora indevida e à determinação de garantia superior à devida.
A jurisprudência e a doutrina vêm reiteradamente afirmando que apesar do carácter taxativo que a redacção deste n.º 3 do art. 278.º dá ao elenco dos casos de subida imediata das reclamações, deverá ainda admitir-se, sob pena de violação do direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos em matéria de contencioso administrativo, constitucionalmente garantido (cf. artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República), a remessa e conhecimento imediato da reclamação sempre que, sem eles, o interessado sofra prejuízo irreparável ou sempre que, sem ela, a reclamação perca toda a utilidade (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO Anotado e Comentado, Volume II, 5.ª Ed., Lisboa, Áreas Editora, pp. 666/669, notas 5 e 5 ao art. 278.º do CPPT, e, entre outros, o acórdão do STA de 25/5/2011, no recurso 444/11).
O alcance da tutela judicial efectiva, como refere o autor citado, não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva, da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível.
Por isso, em todos os casos em que o diferimento da apreciação jurisdicional da legalidade de um acto lesivo praticado pela Administração puder provocar para os interessados um prejuízo irreparável, não pode deixar de se admitir a possibilidade de impugnação contenciosa imediata, pois é a única forma de assegurar tal tutela.
E, assim sendo, a subida imediata da reclamação impõe-se, para além das situações elencadas no n.º 3 do artigo 278.º do CPPT, em quaisquer outras de relevância semelhante para garantia do direito à tutela jurisdicional efectiva, entendida no sentido amplo de reparação dos prejuízos resultantes da prática de um acto lesivo e de prevenção possível contra a verificação desses prejuízos, sendo que apenas se devem considerar como relevantes para esse efeito prejuízos que não sejam os que estão associados normalmente a qualquer processo executivo, como os transtornos ou incómodos.
Na verdade, embora prejuízos destes tipos possam qualificar-se como irreparáveis, a admitir-se que prejuízos omnipresentes na generalidade das execuções possam relevar para efeitos de subida imediata da reclamação, chegar-se-ia à conclusão de que este regime de subida seria a regra, o que estaria em contradição como n.° 1 do artigo 278.°, que adoptou a regra da subida diferida.
Por isso, a interpretação correcta do regime de subida previsto neste artigo será a de que só haverá subida imediata quando, sem ela, ocorrerem prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução.
Por outro lado, no âmbito da protecção constitucional garantida pelo direito à tutela judicial efectiva não se pode incluir protecção contra os inconvenientes próprios de qualquer processo judicial executivo, pois eles são inerentes ao próprio funcionamento do regime judiciário global relativo à tutela de direitos.
E, de acordo com o autor que vimos citando, parece mesmo dever ir-se mais longe e assegurar-se a subida imediata das reclamações sempre que, sem ela, elas percam toda utilidade, à semelhança do que se prevê no n.° 2 do artigo 734.° do CPC para os recursos jurisdicionais, na redacção do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro.
Como exemplos de situações em que a subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação, segundo Jorge Lopes de Sousa, são a da decisão que recuse suspender o processo de execução fiscal, nos termos do artigo 172.° do CPPT, pois se a subida for diferida a suspensão consumar-se-á, a de fixação do valor base para a venda (artigo 250.°, n.° 1, do CPPT) e, conexionado com este último, a da reclamação de despacho do órgão da execução fiscal que não considera um crédito como litigioso e ordena a notificação do respectivo devedor para depositar o crédito, sob a cominação de ser executado pela importância respectiva, no próprio processo.
Também no caso concreto, invocada a prescrição da dívida exequenda, não faz sentido nem é razoável conhecer só desta a final, prosseguindo com a execução para a cobrança desta, penhorando bens ou vendendo estes, sem qualquer utilidade se acaso a dívida estiver mesmo prescrita e podendo-se evitar a prática de eventuais actos lesivos e a verificação de prejuízos para a executada, ainda mais completamente desnecessários por a dívida exequenda se mostrar garantida (v. alínea d) do probatório).
Aliás, a seguir-se o entendimento do acórdão recorrido, no sentido de que a penhora e venda dos bens da recorrente ou a execução da garantia prestada não obstam à possibilidade de esta obter o respectivo ressarcimento em caso de reconhecimento da prescrição, o artigo 278.º, n.º 3, do CPPT, que contempla a subida imediata da reclamação judicial, perderia qualquer efeito prático, pois, nessa óptica, o prejuízo seria sempre susceptível de ser ressarcido, na medida em que, por regra, no direito tributário, estarão sempre em causa valores pecuniários e/ou bens materiais.
Assim, sob pena de violação do direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos, constitucionalmente garantido, cujo alcance não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva, da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível, impõe-se a subida imediata da reclamação judicial para apreciação da prescrição da dívida exequenda.
Doutro modo, seria desproporcional exigir à reclamante que suporte os prejuízos resultantes da prossecução duma execução que visa a cobrança de uma dívida que pode ser inexigível, por força da prescrição invocada, e que se mostra garantida.
Daí que deva, por isso, seguir-se a jurisprudência deste STA que, ainda que sem tomada de posição expressa sobre a questão, tem vindo a admitir pacificamente a subida imediata de reclamações de decisões de não reconhecimento da prescrição da dívida exequenda (v. acórdãos de 9/8/2006, 22/11/2011, 2/3/2001, 24/2/2011 e 9/2/2011, nos recursos n.ºs 229/06, 165/11, 125/11, 50/11 e 1054/10, respectivamente).
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e a sentença proferida em 1.ª instância, e, em consequência, ordenar a baixa dos autos ao TAF de Sintra para que aí se conheça, de imediato, da reclamação judicial apresentada.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Julho de 2011. - António Francisco de Almeida Calhau (relator) – Domingos Brandão de Pinho – João António Valente Torrão – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves.