Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0539/17
Data do Acordão:06/20/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CORRECÇÃO AO LUCRO TRIBUTÁVEL
CUSTO
INDISPENSABILIDADE DE CUSTOS
SEGURO
Sumário:Da conjugação do disposto no n° 4 do art. 23° e no art. 40º do CIRC, com o também disposto no nº 1 do mesmo art. 23º não resulta, por si só, a imediata não aceitabilidade como custo, por não aplicação do regime deste nº 1, relativamente a efectivos gastos com ofertas de seguros a colaboradores/mediadores da impugnante, que desenvolve a actividade de Seguros e Resseguros para o Ramo Vida.
Nº Convencional:JSTA000P23428
Nº do Documento:SA2201806200539
Data de Entrada:05/11/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A........... PORTUGAL COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida em 12/2/2016 no Tribunal Tributário de Lisboa (fls. 93 e segs.), na qual se julgou procedente a impugnação deduzida por A………… Portugal Companhia de Seguros de Vida, S.A., com os demais sinais dos autos, contra as liquidações adicionais de IRC relativas aos anos de 2005 e 2006 e respectivos juros compensatórios, no valor global de € 24.338,26.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial procedente, concedendo provimento ao pedido de anulação das liquidações de IRC respeitantes ao exercício de 2005 e 2006 por considerar que a Administração Tributária incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 23°, n° 1, n° 4 e 40° ambos do CIRC, pelo que as correções efetuadas não poderão manter-se na ordem jurídica, devendo ser anuladas.
II. A questão, ora suscitada prende-se com a interpretação do disposto nos artigos 23° n° 1 e 4 do CIRC e artigo 40° do mesmo código e, por sua vez se os custos com seguros e operações do Ramo “Vida” e Seguros de doença com consultores (in casu, mediadores do Grupo A…………) e a clientes constituem abstratamente custos nos termos do n° 1 do artigo 23° do CIRC ou por sua vez estão excluídos nos termos do n° 4 do artigo 23° do CIRC conjugado com o artigo 40° do mesmo diploma.
III. Concluiu o tribunal a quo que “ao ter desconsiderado como custo as importâncias despendidas como ofertas a clientes” de seguros e operações do ramo «Vida» e seguros de doença oferecidos a consultores/mediadores e a clientes, com referência aos exercícios de 2005 e 2006 por considerar as normas aplicáveis seriam o artigo 40° e o 23º nº 4 do CIRC, a Administração Tributária incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na interpretação do disposto nos artigos 23° n° 1, n° 4 e 40º ambos do CIRC pelo que as correcções efectuadas não deverão manter-se na ordem jurídica, devendo ser anuladas”.
IV. Salvo melhor opinião, não concordamos com a fundamentação expandida na douta sentença, na medida em que,
V. o legislador tributário consagrou no artigo 23° do CIRC o regime dos custos determinando no n° 1 do referido artigo que se consideram custos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora acrescentando de modo exemplificativo uma série de custos que as empresas podem deduzir ao seu rendimento, consagrando por sua vez, verdadeiras exceções/exclusões ao regime da aceitabilidade fiscal de determinados custos contabilísticos, nos números 2 e seguintes do mesmo artigo.
VI. Ou seja, o legislador tributário destaca nos números 2 e seguintes do artigo 23° do CIRC alguns custos, que pese embora sejam considerados como tal a nível contabilístico, pelo facto de não preencherem os requisitos previstos fiscalmente não são aceites como custos fiscais.
VII. Deste modo, o n° 4 do artigo 23° do CIRC consubstancia uma exceção ao regime estabelecido, no n° 1 do mesmo artigo, ou seja, o legislador tributário criou uma norma especial em detrimento da regra geral (n° 1 do artigo 23° CIRC) para excluir a aceitabilidade como custos as despesas despendidas com seguros e operações do ramo «Vida» que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente nos termos da primeira parte do n° 3) da alínea b) do n° 3 do artigo 2° do Código do IRS.
VIII. Assim, apesar do n° 1 do artigo 23° do CIRC considerar como custos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, o n° 4 do citado artigo salvo as situações abrangidas pelo disposto no artigo 40° do mesmo artigo, determina que não são aceites como custos os prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros de vida, que não sejam a favor dos trabalhadores da empresa.
IX. Pelo que, respondendo à questão decidenda devem os custos com seguros e operações do Ramo “Vida” e Seguros de doença com consultores/mediadores do Grupo A………… e clientes estar excluídos nos termos do n° 4 do artigo 23° do CIRC conjugado com o artigo 40° do mesmo diploma.
X. Por todo o exposto, entende a AT que o tribunal a quo falhou no seu julgamento quando decidiu integrar as importâncias despendidas com as ofertas a clientes, e a consultores/mediadores do Grupo A………… de diversos seguros do Ramo “Vida” e seguros de doença no disposto no n° 1 do artigo 23° do CIRC e consequentemente anular as liquidações adicionais de IRC.
Termina pedindo o provimento do recurso, com a revogação da decisão recorrida e a improcedência da impugnação.

1.3. Contra-alegou a recorrida A………… Portugal, formulando, a final, as conclusões seguintes:
«A - Uma vez que, na previsão dos arts. 23º/4 e 40º do CIRC, estão abrangidas apenas ofertas a trabalhadores dependentes, tais normas não se aplicam à oferta de seguros a mediadores e clientes de companhias de seguros.
B - As ofertas publicitárias a clientes e a parceiros de negócio (como são os mediadores) regem-se, não pelo nº 4 do art. 23º do CIRC, mas sim pelo seu nº 1 alínea b), e têm plena justificação numa óptica de promoção da actividade da empresa, sendo prática comercial corrente as empresas oferecerem a terceiros bens e serviços, quer da sua produção, quer adquiridos a outras empresas. Por isso, tais encargos constituem, manifestamente, encargos publicitários destinados à realização dos ganhos, que devem ser aceites como custos».
Termina pedindo a improcedência do recurso e a confirmação do julgado recorrido.

1.4. Tendo o recurso sido interposto para o TCA Sul, ali veio a ser proferida em 6/4/2017 a decisão de fls. 168/183, declarando a incompetência desse tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso e atribuindo tal competência ao STA, por o recurso versar exclusivamente matéria de direito.

1.5. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa exarada a fls. 93 e seguintes, que julgou procedente a ação intentada contra os atos de liquidação adicional de IRC, relativos aos anos de 2005 e 2006, no valor global de € 24.338,26 euros.
Considera a Recorrente FP que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, uma vez que o n° 4 do artigo 23° do CIRC exclui dos custos a atender para efeitos fiscais precisamente as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo Vida e seguros de doença, que apenas são considerados nos precisos termos definidos no artigo 40° do mesmo normativo.
E termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que julgue improcedente a ação de impugnação judicial.
2. Na sentença recorrida deu-se como assente que nos exercícios de 2005 de 2006 a impugnante registou como custos importâncias despendidas com seguros e operações do ramo vida e seguros de doença oferecidos a consultores e a clientes tendo contabilizado tais custos na sub-conta “6910400000 - ofertas a clientes”. E elegeu-se a questão decidenda nos seguintes termos: «a questão a resolver prende-se, exclusivamente, em determinar se esses custos se integram abstratamente na previsão do n° 1 do artigo 23° do CIRC, como entende a impugnante, ou na previsão do n° 4 do mesmo artigo e no artigo 40° do mesmo diploma legal, como entendem os serviços de inspeção tributária».
Para se decidir pela procedência da ação o/a Mmo/a. Juiz “a quo” considerou que «do teor do n° 1 do artigo 23° do CIRC resulta a vontade de não excluir do seu âmbito de aplicação as ofertas de seguros de saúde a consultores/mediadores e clientes da impugnante, desde que reunidos os pressupostos previstos naquela norma para a sua aceitação como custo, tal como sucede com qualquer outra empresa, que ofereça os produtos por si comercializados».
Tendo o tribunal “a quo” concluído que «ao ter desconsiderado como custo as importâncias despendidas com “ofertas a clientes de seguros e operações do ramo «Vida» e seguros de doença oferecidos a consultores/mediadores e a clientes, com referência aos exercícios de 2005 e 2006, por considerar que as normas aplicáveis seriam o artigo 40° e o 23°, n° 4, do CIRC, a Administração Tributária incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 23°, n° 1 e n° 4, e 40°, ambos do CIRC, pelo que as correções efetuadas não poderão manter-se na ordem jurídica, devendo ser anuladas».
3. A questão que vem colocada a este tribunal consiste em saber se as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo vida e seguros de doença oferecidos a consultores e a clientes são suscetíveis de ser considerados custos para efeitos fiscais, ao abrigo do disposto no artigo 23° do CIRC.
Ora, salvo melhor opinião, entendemos que o artigo 23°, nº 4 do CIRC, é explícito ao excluir tais gastos dos custos atendíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável. [(1)] Com efeito, dispõe o citado normativo que «Excepto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 40°, não são aceites como custos os prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n° 3) da alínea b) do n° 3 do artigo 2° do Código do IRS [(2) 3 - As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal: i) Com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários; ii) Para os fins previstos na subalínea anterior e que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, sejam por estes objeto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade»].
Não se colocando a hipótese de as importâncias em causa serem subsumíveis na previsão do artigo 40° [(3) 1 - São também considerados custos ou perdas do exercício os gastos suportados com a manutenção facultativa de creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas, bem como outras realizações de utilidade social, como tal reconhecidas pela Direcção-Geral dos Impostos, feitas em benefício do pessoal ou dos reformados da empresa e respectivos familiares, desde que tenham carácter geral e não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários. 2 - São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o beneficio de reforma, pré- reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa], como a própria impugnante e aqui recorrida admite, é o próprio legislador que exclui tais despesas do conceito de gastos para efeitos fiscais. Embora tidas em consideração para efeitos contabilísticos de apuramento do lucro comercial, não o são para efeitos fiscais, pelo que o seu montante acresce aos proveitos para efeitos de apuramento do lucro tributável.
Entendemos, assim, que as correções que deram lugar aos atos tributários de liquidação adicional não padecem do vício que lhes é assacado pela impugnante e cujo entendimento foi acolhido na sentença recorrida, a qual não pode dessa forma manter-se na ordem jurídica.
Afigura-se-nos, assim, que o recurso deve ser julgado procedente e revogar-se a sentença do TT de Lisboa, e em sua substituição julgar-se improcedente a ação de impugnação judicial.»

1.5. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTOS
2. A sentença recorrida julgou provada a factualidade seguinte:
A) A Impugnante é uma sociedade anónima, com o CAE 65111, e desenvolve a actividade de Seguros e Resseguros para o Ramo Vida - cfr. fls. 12 da Reclamação 00780/09-SI e 12 da Reclamação 00814/09-SI, apensas;
B) A Impugnante desenvolve a actividade de seguro directo e de resseguro, do ramo Vida - cfr. fls. 12 da Reclamação 00780/09-SI e 12 da Reclamação 00814/09-SI, apensas;
C) Pelas Ordens de Serviço externas n° 01200700317 e nº 01200800165, respetivamente de 27/08/2007 e de 01/04/2008, a Divisão de Inspecção a Seguradoras e Sociedades Financeiras, da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, procedeu a uma acção de inspecção à contabilidade da Impugnante referente aos exercícios de 2005 e 2006 - cfr. fls. 10 a 19 das reclamações apensas;
D) Da acção inspectiva realizada à Impugnante aos exercícios de 2005 e 2006, foi elaborado um relatório pelos Serviços de Inspecção Tributária, onde consta o seguinte:












E) Em 06/10/2008, foi emitida a liquidação adicional n° 2008 8310036692, referente ao IRC de 2005 e respectivos juros compensatórios, no valor de € 10.493,99, a qual foi recebida pela Impugnante em 10/12/2008 - cfr. fls. 7 da reclamação 00814/09-SI apensa;
F) Em 06/10/2008, foi emitida a liquidação n° 2008 8310036720, referente ao IRC de 2006 e respectivos juros compensatórios, no valor de € 13.844,27, a qual foi recebida pela Impugnante em 15/12/2008 - cfr. fls. 7 da reclamação 00780/09-SI apensa;
G) Em 08/01/2009, a Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações identificadas na alínea E) e F) do probatório - cfr. fls. 41 e 42 dos autos;
H) Em 08/05/2009, a Impugnante deduziu Reclamação Graciosa contra a liquidação n° 2008 8310036692, referente ao IRC de 2005, a qual deu origem ao procedimento n° 3247200904002474 (REC 00780/09-SI) — cfr. fls. 2 a 6 da reclamação 00780/09-SI, apensa;
I) Em 08/05/2009, a Impugnante deduziu Reclamação Graciosa contra a liquidação n° 2008 8310036720, referente ao IRC de 2006, a qual deu origem ao procedimento n° 3247200904002482 (REC 00814/09-SI) - cfr. fls. 2 a 6 da reclamação 00814/09-SI, apensa;
J) Por despacho de 16/03/2010, do Chefe de Divisão da Justiça Administrativa, a Reclamação Graciosa identificada na alínea H) do probatório foi indeferida - cfr. fls. 56 da reclamação 00780/09-SI, apensa;
K) Em 26/03/2010, através de carta registada com aviso de recepção, a Impugnante tomou conhecimento do indeferimento da Reclamação Graciosa identificada na alínea H) do probatório - cfr. fls. 59 e 60 da reclamação 00780/09-SI, apensa;
L) Por despacho de 17/03/2010, do Chefe de Divisão da Justiça Administrativa, a Reclamação Graciosa identificada na alínea I) do probatório foi indeferida - cfr. fls. 56 da reclamação 00814/09-SI, apensa;
M) Em 26/03/2010, através de carta registada com aviso de recepção, a Impugnante tomou conhecimento do indeferimento da Reclamação Graciosa identificada na alínea I) do probatório - cfr. fls. 59 e 60 do PA da REC 00814/09-SI, apensa;
N) Em 08/04/2010, a Impugnante apresentou a presente Impugnação Judicial contra o indeferimento das Reclamações Graciosas identificadas nas alíneas I) e J) do probatório - cfr. fls. 2 dos autos.

3.1. A A………… Portugal Companhia de seguros de Vida S.A., impugnou judicialmente as liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 2005 e 2006, invocando ilegalidade das correcções que as originam: sendo ela (impugnante) uma companhia de seguros do ramo «Vida» e tendo oferecido, nos anos de 2005 e 2006, a clientes e consultores/mediadores do Grupo A………… diversos seguros do ramo «Vida» e seguros de doença (nos valores globais respectivamente de 32.350,28 Euros e 40.292,61 Euros [contabilizando essas ofertas como custos na sub-conta «6910400000 — Ofertas a clientes» por aplicação do disposto no art. 23°, n° 1, al. b) do CIRC], é ilegal o entendimento da AT no sentido da não aceitação de tais despesas como custo fiscal (tendo corrigido a matéria coletável de IRC dos anos de 2005 e 2006 com fundamento no disposto nos arts. 23°, n° 4 e 40° do CIRC, na consideração de que tais normativos não permitem a aceitação das ditas quantias como custo fiscal, por os beneficiários das ofertas não serem trabalhadores permanentes da empresa).

3.2. A sentença, enunciando como questão a decidir a de saber se os ditos custos se integram abstractamente na previsão do nº 1 do art. 23° do CIRC, como entende a impugnante (por considerar que a oferta desses seguros aos consultores e, consequentemente, os custos delas resultantes, têm plena justificação, numa óptica de promoção da actividade da empresa) ou na previsão dos arts. 23°, n° 4 e 40° do CIRC, como entende a AT [por considerar que aqueles custos não estão abrangidas pelo disposto no art. 40° do CIRC (Realizações de Utilidade Social), por não estarem reunidas as condições previstas no n° 4 desse artigo, nomeadamente por não se tratar de trabalhadores permanentes da empresa, bem como pelo facto de aquelas importâncias não terem sido consideradas rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n° 3) da al. b) do n° 3 do art. 2° do CIRS, pelo que, tais despesas não seriam aceites como custo fiscal, nos termos do n° 4 do art. 23° do CIRC], veio a julgar procedente a impugnação, considerando, em síntese:
O nº 1 deste art. 23º enuncia o princípio/regra de que os custos ou perdas, para efeitos de IRC, são os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, incluindo nesta categoria, os encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias [cfr. al. b)]. As “ofertas a clientes” consubstanciam uma forma de publicidade da actividade das empresas, sendo consideradas como custos dedutíveis, caso preenchem os requisitos previstos no n° 1 deste artigo.
Estão também expressamente incluídos na al. d) no n° 1 deste artigo, os encargos de natureza administrativa, tais como seguros. No entanto, tais encargos estão sujeitos a determinadas condições para serem aceites como custo, as quais se encontram previstas no n° 4 do art. 23° e no art. 40° do CIRC, aí se prevendo como custo as situações nele enunciadas, consideradas como realizações de utilidade social. Daqui resulta que, tais custos têm um regime próprio de dedução ao lucro tributável, sendo que com estas normas se visou evitar a ocorrência de remunerações “ocultas”, não tributadas em sede de IRS, considerando ainda o art. 40° do CIRC que tais encargos tenham como contrapartida exclusiva as regalias sociais que visa promover.
Ora, ao contrário do que acontece na previsão do n° 1 do art. 23° do CIRC, em que se exige a indispensabilidade do custo para que seja fiscalmente aceite, os custos abrangidos pelo n° 4 deste mesmo artigo revestem diferente natureza, uma vez que, para serem aceites não se exige que sejam necessários à formação do rendimento tributável ou à manutenção da fonte produtora: estão apenas relacionados com os encargos suportados pela empresa com os seus trabalhadores dependentes, visando esta norma um fim diferente daquele que visa a norma do n° 1. Aliás, este é o entendimento mais consentâneo com o próprio elemento literal e teleológico, na medida em que, o n° 4 do art. 23° e o art. 40° do CIRC estão diretamente relacionados com a alínea d) do n° 1 do art. 23° constituindo uma excepção à regra geral do n° 1, aceitando como custos encargos que não reúnam os requisitos da indispensabilidade, por os mesmos serem suportados em benefício dos trabalhadores dependentes.
Porém, quer o n° 4 do art. 23°, quer o art. 40°, não visam no seu âmbito de aplicação a oferta de seguros a mediadores e clientes de companhias de seguros, mas tão só aos seus trabalhadores dependentes, motivo pelo qual esta norma não tem aplicação à situação em apreço, pois que o referido n° 4 “destina-se a rejeitar a aceitação como custos de remunerações acessórias de trabalhadores dependentes que não se enquadrem nos parâmetros do n° 3) da al. b) do n° 3 do art. 2° do CIRS, sendo que do teor do n° 1 do art. 23º do CIRC, também resulta a vontade de não excluir do seu âmbito de aplicação as “ofertas” de seguros de saúde a consultores/mediadores e clientes da impugnante, desde que reunidos os pressupostos previstos naquela norma para a sua aceitação como custo, tal como sucede com qualquer outra empresa, que ofereça os produtos por si comercializados.
Seria, se assim sucedesse, sufragar uma interpretação restritiva que nem a letra nem o espírito da Lei permitem (cfr. art. 9°, n° 2 do CCivil), senão mesmo contraditória com o estabelecido no n° 1 do art. 23° do CIRC, sendo que, por outro lado, tal interpretação seria ainda violadora do princípio da igualdade dos contribuintes.

3.3. Do assim decidido discorda a recorrente Fazenda Pública, sustentando, no essencial, como se viu, que o n° 4 do art. 23° do CIRC consubstancia uma norma especial (por contraposição à norma geral do nº 1 do mesmo artigo), com vista a excluir a aceitabilidade como custos das despesas despendidas com seguros e operações do ramo «Vida» que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente nos termos da primeira parte do n° 3) da al. b) do n° 3 do art. 2° do CIRS. Ou seja, apesar de o n° 1 do art. 23° do CIRC considerar como custos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, já o n° 4 do mesmo art. 23º, ressalvando apenas as situações abrangidas pelo disposto no art. 40°, determina que não são aceites como custos os prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros de vida, que não sejam a favor dos trabalhadores da empresa.
E no mesmo sentido vai o Parecer do MP.

4.1. Refira-se, antes de mais, que, na perspectiva considerada pelo TCAS (como acima ficou dito, esse Tribunal julgou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso) também aqui se entende que o recurso tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT) pois as partes não contestam os factos constantes do probatório, divergindo apenas quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis.
Apreciando, pois.

4.2. Quanto ao que ora releva, dispunha-se (redacção à data dos factos) no nº 1 do art. 23º do CIRC:
«1. Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;
b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias;
c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso;
d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo "Vida", contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;
(...)
4. Excepto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 40º, não são aceites como custos os prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo "Vida", contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do nº 3) da alínea b) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS.
(...)»

4.3. Por sua vez, no art. 40º do mesmo CIRC (sob a epígrafe “Realizações de utilidade social”), dispunha-se:
«1. (...)
2. São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa. (Redacção dada pelo art. 52º da Lei nº 53-A/2006 de 29/12.
A anterior redacção deste nº 2 era a seguinte: «São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa.»
Porém, segundo o art. 59º da mesma Lei nº 53-A/2006, esta alteração introduzida ao nº 2 do art. 40º do CIRC, só produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2006.)
3. O limite estabelecido no número anterior é elevado para25%, se os trabalhadores não tiverem direito a pensões da segurança social.
4. Aplica-se o disposto nos n.ºs 2 e 3 desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições, à excepção das alíneas d) e e), quando se trate de seguros de doença, de acidentes pessoais ou de seguros de vida que garantam exclusivamente os riscos de morte ou invalidez: (Redacção dada pelo art. 29º, nº 1 da Lei nº 55-B/2004, de 30/12)
a) Os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem;
b) Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que nãopertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho;
c) Sem prejuízo do disposto no nº 6, a totalidade dos prémios e contribuições previstos nos nºs 2 e 3 deste artigo em conjunto com os rendimentos da categoria A isentos nos termos do nº 1 do artigo 15º do Estatuto dos Benefícios Fiscais não devem exceder, anualmente, os limites naqueles estabelecidos ao caso aplicáveis, não sendo o excedente considerado custo do exercício;
(...)
f) A gestão e disposição das importâncias despendidas não pertençam à própria empresa, os contratos de seguros sejam celebrados com empresas de seguros que possuam sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português, ou com empresas de seguros que estejam autorizadas a operar neste território em livre prestação de serviços, e os fundos de pensões ou equiparáveis sejam constituídos de acordo com a legislação nacional ou geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Directiva no 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, que estejam autorizadas a aceitar contribuições para planos de pensões de empresas situadas em território português;
g) Não sejam considerados rendimentos do trabalho dependente, nos termos da primeira parte do nº 3 da alínea b) do nº 3 do artigo 2º do Código do IRS.
(...)».

4.4. Segundo a alegação da recorrente, o n° 4 do art. 23° do CIRC consubstancia norma especial, relativamente ao disposto na norma geral (o nº 1 do mesmo artigo), com vista a excluir a aceitabilidade como custos das despesas despendidas com seguros e operações do ramo «Vida» que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente nos termos da primeira parte do n° 3 da al. b) do n° 3 do art. 2° do CIRS: daí que embora o n° 1 do art. 23º do CIRC considere como custos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, já o n° 4 desse mesmo art. 23º, ressalvando apenas as situações abrangidas pelo disposto no art. 40°, também do CIRC, afasta a aceitação (como custos) dos prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros de vida, que não sejam a favor dos trabalhadores da empresa.
Ora, como diz a sentença, da conjugação do disposto no nº 1, al. d) e nº 4, do art. 23º com o disposto no art. 40º, ambos do CIRC, atendendo aos critérios legais para a interpretação da lei (art. 9º do CCivil e art. 11º da LGT) e considerando a unidade do sistema jurídico, o que resulta, em termos da invocada relação de especialidade aqui relevante, é que o nº 4 desse art. 23º e o art. 40º estão relacionados com o disposto na al. d) do nº 1 do mesmo art. 23º [a não aceitação dos custos abrangidos na previsão do citado nº 4 tem que ver com custos de remunerações acessórias (de trabalhadores dependentes) que não se enquadrem nos parâmetros do n° 3 da al. b) do n° 3 do art. 2° do CIRS e desde que esses mesmos custos não estejam abrangidos pelo disposto no art. 40º do CIRC], mas não se excluindo a aplicação da regra geral quanto à aceitação de custos, nos termos do previsto nas demais disposições do citado art. 23º do CIRC, quando os respectivos requisitos legais se verificarem.
Com efeito, enquanto que as normas gerais estabelecem o regime-regra em termos da relação jurídica que regulam, as normas especiais, estabelecendo, embora, uma disciplina nova ou diferente para segmentos mais restritos de pessoas, coisas ou relações, não consagram uma disciplina directamente oposta à do regime comum das normas gerais (cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1994, p. 95).
No caso, os colaboradores/mediadores a quem foram “ofertados” os seguros subjacentes aos custos, não são trabalhadores dependentes da impugnante e, por outro lado, no âmbito do conceito de indispensabilidade referido no nº 1 do art. 23º do CIRC (na redacção anterior a 2009), no entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar «está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos», sendo que «um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios» (ac. do STA, de 15/11/2017, rec. nº 0372/16).
A correcção do lucro tributável aqui em questão foi operada com fundamento apenas em que tais custos não são fiscalmente aceites à luz do disposto no nº 4 do art. 23º e no art. 40º do CIRC (na redacção à data), rejeitando a AT a argumentação da impugnante decorrente de esses gastos estarem contabilizados como ofertas a clientes, por aplicação do disposto na al. b) do nº 1 do art. 23° do CIRC, por terem, no entendimento da mesma impugnante, plena justificação numa óptica de promoção da actividade da empresa e do seu lucro, sendo prática comercial corrente as empresas oferecerem a terceiros (a clientes e a parceiros de negócio — como são os mediadores) bens e serviços, quer da sua produção, quer adquiridos a outras empresas.
E, assim, não sendo aplicável o regime da não aceitação decorrente dos mencionados art. 23º, nº 4 e art. 40º, do CIRC, mas tendo a sentença aceitado a aplicação do demais previsto no nº 1 daquele art. 23º, por também se verificar o invocado requisito da indispensabilidade do custo (matéria que a AT aqui não controverte) não se vê que haja razões legais para alterar o decidido, improcedendo, portanto, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Termos em que se acorda em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 20 de Junho de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.