Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0786/10
Data do Acordão:07/06/2011
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
NULIDADE PROCESSUAL
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
RECURSO JURISDICIONAL
Sumário:I – Verificando-se entre os acórdãos em confronto efectiva divergência de soluções quanto à mesma questão de direito, ocorre oposição de julgados.
II – As nulidades do processo que forem conhecidas apenas com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades desta (cfr. os nºs. 2 e 3 do art. 668° do CPC) e devem ser arguidas em recurso desta interposto – quando admissível – que não em reclamação perante o tribunal a quo.
Nº Convencional:JSTA00067084
Nº do Documento:SAP201107060786
Data de Entrada:10/13/2010
Recorrente:A... E OUTRAS
Recorrido 1:CM DO MONTIJO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC TCA SUL DE 2010/03/16 - AC STA PROC63/10 DE 2010/03/03.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPC96 ART3 N3 ART144 ART153 ART201 ART205 N1 ART685-C.
CPPTRIB99 ART284.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC1065/05 DE 2006/03/29.; AC STAPLENO PROC452/07 DE 2007/09/26.; AC STA PROC1233/06 DE 2007/03/29.; AC STA PROC762/05 DE 2007/03/06.; AC STA PROC48/06 DE 2007/01/17.; AC STA PROC1149/02 DE 2003/05/07.; AC STA PROC21070 DE 1997/04/09.; AC STA PROC26653 DE 2002/01/30.; AC STA PROC26160 DE 2002/02/20.; AC STA PROC25998 DE 2002/07/10.; AC STA PROC701/04 DE 2004/07/07.; AC STA PROC407/05 DE 2005/09/27.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VII PAG801 PAG814.
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E OUTRO COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 2ED PAG765-PAG766.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A… e outras, todas com os demais sinais dos autos, recorrem, por oposição de acórdãos, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que decidiu não conhecer do objecto do recurso na parte afectada pela não sintetização das conclusões, ordenou o desentranhamento de documentos e negou provimento ao recurso que tinham interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a qual, por sua vez tinha julgado improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação da Taxa Municipal de Infra-estruturas e Compensações no Licenciamento de Operações de Loteamento Urbano e de Obras de Urbanização, por parte do Município do Montijo.
1.2. Admitido o recurso, a recorrente apresentou, nos termos do disposto no nº 3 do art. 284º do CPPT, alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados (fls. 839).
1.3. Por despacho do Exmo. relator no Tribunal Central Administrativo Sul, considerou-se existir a invocada oposição de acórdãos quanto a uma das questões – prazo para arguir nulidades processuais ocorridas antes da prolação da sentença, mas das quais esta não conheceu – e julgou-se findo o recurso quanto às demais questões, por não haver a alegada oposição (fls. 912).
1.4. As recorrentes terminam as alegações formulando as conclusões seguintes:
A) As questões objecto do presente recurso consistem em definir qual o prazo legal para arguir nulidades processuais, designadamente, as que foram praticadas nos presentes autos: omissão de notificação do Parecer do Ministério Público e notificação para apresentação de alegações pré-sentenciais.
B) De acordo com a Doutrina e Jurisprudências dominantes o prazo para arguir nulidades processuais é o prazo de interposição de recurso.
C) As irregularidades em apreço, ou seja, a falta de notificação do parecer do Ministério Público e de notificação para alegações prévias à sentença só se consumaram com a prolação da sentença, e só aquando da notificação desta última, é que as Recorrentes tomaram das mesmas conhecimento.
D) Assim, o recurso interposto da sentença é o meio adequado de reagir e de apreciar nulidades processuais anteriores à notificação da sentença e não a reclamação para o Tribunal perante o qual as nulidades ocorreram.
E) A omissão de notificação para a produção das alegações antes da sentença constitui uma violação do disposto no art. 120° do CPPT.
F) As alegações pré-sentenciais têm como fim o de possibilitar às partes a apreciação crítica das provas, com vista ao julgamento da matéria de facto e a discussão das questões jurídicas que constituem o objecto do processo.
G) No fundo visam às partes exercer o princípio do contraditório face a toda a factualidade e argumentação jurídica explanada no processo.
H) A omissão da formalidade prevista no art. 120º do CPPT constitui uma nulidade processual à luz do disposto no art. 201º do CPC, aplicável por via do disposto no art. 2°, alínea e) do CPPT.
I) Dado constituir a omissão de um acto prescrito na lei com influência no exame e na decisão da causa.
J) O mesmo se dirá quanto à omissão da notificação às Recorrentes do Parecer do Ministério Público de fls. 505 e seguintes dos autos, no qual são levantadas questões que obstaram à procedência do pedido, e que foram subscritas pela Mma. Juíza na sentença proferida.
K) As Recorrentes deveriam ter sido notificadas do Parecer do Ministério Publico para exercerem o contraditório sobre as questões nele enunciadas, como impõe o art. 121º, nº 2 do CPPT.
L) A omissão desta formalidade legal produz a nulidade prevista no art. 201º, nº 1 do CPC, com a subsequente anulação do processado subsequente, como estipula o nº 2 deste preceito legal.
M) O presente recurso revela-se totalmente procedente, pelo que, deve ser revogado o acórdão recorrido, por oposição de acórdãos e, em consequência, deverão ser julgadas procedentes as nulidades processuais tempestivamente arguidas de falta de notificação do Parecer do Ministério Público de fls. 505 e seguintes e omissão de notificação para alegações pré-sentenciais, e anulado todo o processado posterior.
Terminam pedindo a procedência do recurso.
1.5. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.6. O MP emite Parecer no sentido de que:
- se verifica oposição de acórdãos, embora apenas no que respeita à questão relativa ao prazo e arguição de nulidades processuais (e não já quanto à questão relativa à apreciação das referidas nulidades, questão esta sobre a qual o acórdão recorrido não se pronunciou explicitamente, não havendo portanto oposição).
- deve proceder o recurso e ser adoptada a doutrina constante do acórdão fundamento, porque o que se verifica dos autos é que as irregularidades em apreço, ou seja, a falta de notificação do parecer do Ministério Público e de notificação para alegações prévias à sentença só chegaram ao conhecimento das recorrentes aquando da notificação da sentença – cf. fls. 508 e segs. e fls. 576 e, assim, o recurso interposto da sentença era o meio adequado de reagir e de apreciar nulidades processuais anteriores à notificação da sentença e não a reclamação para o Tribunal perante o qual as nulidades ocorreram.
1.7. Corridos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. No acórdão recorrido julgaram-se provados os factos seguintes, tendo os especificados nos nºs. 13 e 14 sido aditados, pelo acórdão recorrido, ao abrigo da al. a) do nº 1 do art. 712º do CPC:
1 - O prédio denominado “…” encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o nº 11.268 tendo sido adquirido em 21/09/89 por B… (cfr. documento de fls. 300/302 do processo administrativo em apenso pasta 1).
2 - O prédio referido no ponto anterior encontra-se descrito como prédio misto, com a área de 32.480 m2, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 23° da secção V, e de parte urbana inscrito sob o artigo 3895 tendo a parte urbana sido modificada e inscrita sob ao artigo 7081 (cfr. fls. 301 da pasta 1).
3 - Em 22/03/1999 foi apresentado pelo impugnante um requerimento de reformulação do projecto de loteamento nº I-3/95 sito no … no Montijo e junção de diversos documentos referentes ao prédio denominado “…” constando do referido requerimento que “este prédio irá ser associado ao projecto de loteamento para efeitos de associação de áreas para cedências” (cfr. teor do documento de fls. 6/7 do processo administrativo em apenso - pasta 1).
4 - Na memória justificativa e definições do loteamento nº I-3/95 e na sequência das soluções propostas e aprovadas em sessão de Câmara (deliberação de 6 de Agosto de 1997) consta como área verde o total de 42.161,17m2 que engloba o prédio rústico … com a área de 36.773,00m2 que corresponde ao prédio denominado … que a Câmara Municipal do Montijo integrou no PDM como zona verde, e engloba ainda a área de 5.388,17 m2 de área verde entre prédios tendo-lhe sido retirados 7.883,37 m2 para inclusão de estacionamentos públicos, arruamentos e passeios, conforme imposição feita pela Câmara Municipal do Montijo através da deliberação nº 97/97 de 5 de Fevereiro (como consta do documento de fls. 372/378 do processo administrativo - pasta 2).
5 - Relativamente às áreas verdes da Portaria nº 1182/92 existia um déficit de 5.952,57m2 (cfr. fls.374 da pasta 2).
6 - Em reunião de 14/04/1999 da Câmara Municipal do Montijo foi aprovada a proposta nº 1176/99 relativamente ao licenciamento da nova proposta de loteamento apresentado por B… “(...) considerando que a propriedade … tem a área de 32.480m2 conforme consta na Conservatória do Registo Predial do Montijo e está classificada como espaço verde de protecção. Considerando que a área total a intervencionar é de 78,267m2 (32.480 + 45787) o nº de fogos total é de 430. Considerando que pela proposta nº 472/98 da reunião de 22/7/98 foi aprovada uma revogação anulatória da deliberação da Câmara Municipal, na reunião de 06/08/97, ficando o requerente de apresentar nova proposta de loteamento (...) Considerando que o défice de espaços verdes à compensado por excesso, na zona verde de protecção designada pela … (...)” (cfr. fls. 45/48 da pasta 1).
7 - Em 20/04/1999 é dirigida ao ora impugnante a notificação nº 1671/99 relativamente à aprovação do loteamento urbano no âmbito do processo nº I-3/95 por deliberação de Câmara de 14/04/1999 (fls. 50/51 da pasta 1).
8 - E em 30/04/1999 foi dirigido ao impugnante, em aditamento à notificação mencionada no ponto anterior, a notificação nº 1808/99 para efeitos de apresentação de novas plantas no prazo de 30 dias (cfr. fls. 52).
9 - Em reunião da Câmara Municipal do Montijo de 01/09/1999 foi aprovada a proposta nº 1 690/99 de loteamento urbano com condições, e na qual consta que de acordo com a Portaria nº 1182/92 a cedência para espaços verdes era de 11.984,74m2 e a cedência para equipamento de 16.250,81 m2 e na proposta a cedência para espaços verdes era de 42.805,17m2 e para equipamentos de 5.068,50m2, constando ainda que a propriedade com 82.560m2 corresponde a parcela de 36.773m2 localizada em Área Verde de Protecção abrangida pela Reserva Ecológica Nacional e a parcela de 45.787m2 inserida em Área Urbanizada Mista Consolidada, consta ainda que a área total do terreno é de 82.560m2 resultando numa capacidade de 454 fogos (cfr. fls. 521/524 da pasta 2).
10 - Em 06/09/1999 foi dirigida ao ora impugnante a notificação nº 3471/99 relativamente à aprovação por deliberação de Câmara de 01/09/1999 referida no ponto anterior (cfr. fls. 530 da pasta 2).
11 - Em reunião da Câmara Municipal do Montijo de 15/09/1999 foi aprovada a proposta nº 1 739/99 relativa ao projecto de obras de urbanização, devendo ser cumpridos determinados requisitos para a emissão do alvará do loteamento dos quais se destaca a cedência da …, da área verde a sul da Rua “…” e áreas verdes entre os lotes, para espaços verdes de utilização colectiva que totalizam uma área de 42.805, 17 m2 e a cedência do prédio rústico … e do lote nº 24 para equipamento de utilização colectiva com as áreas de 250,80m2 e 5.068,50m2 respectivamente a integrar no domínio privado da Câmara (cfr. fls. 606/608 da pasta 2).
12 - Em 25/09/1999 foi emitida a notificação nº 3729/99 dirigida ao impugnante para efeitos de notificação da deliberação de Câmara de 15/05/1999 mencionada no ponto anterior e relativa aos requisitos que deveriam ser cumpridos para a emissão do alvará de loteamento (cfr. fls. 611/612 da pasta 2).
13 - O procedimento de loteamento a que lhe veio a caber o nº I.3/95, do Município do Montijo, foi iniciado em 2.3.1995, por iniciativa do antecessor das ora recorrentes – cfr. docs. de fls. 801/803 do PA apenso, pasta n° 3 e fls. 1294 da pasta n° 4 (alvarás parciais do mesmo loteamento);
14 - As ora recorrentes foram notificadas da sentença objecto do presente recurso na pessoa da Exma mandatária constituída por registo de 11.12.2008, tendo vindo a arguir as nulidades processuais constantes das conclusões A) a G), cujas alegações deram entrada no Tribunal “a quo” em 6.2.2009 – cfr. docs. de fls. 567 e 570 dos autos.
3. Importa, antes de mais, apreciar se estão reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, pois que, a não verificação de tais requisitos obstará a que se conheça do respectivo mérito.
Vejamos, então, esta questão.
3.1. A questão em análise nos presentes autos e que deu causa à oposição de julgados, reporta-se à apreciação do prazo para arguir nulidades processuais (falta de notificação para alegações pré-sentenciais e falta de notificação do parecer do Ministério Público junto do Tribunal “a quo”) ocorridas antes da prolação da sentença, mas de que esta não conheceu.
As recorrentes invocam oposição com o acórdão da Secção do Contencioso Tributário deste STA, proferido em 3/3/2010, no rec. nº 63/10 (fls. 880 e segs.) no qual se julgou, no que aqui interessa, que a irregularidade decorrente de falta de notificação do teor do Parecer do Ministério Público pode ser suscitada no recurso interposto da sentença.
Ora, não obstante o Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos, importa reapreciar se a mesma se verifica, já que tal decisão não faz, nesse âmbito, caso julgado nem impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (cfr. art. 685º-C, nº 5 do CPC) – cfr. também neste sentido Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 814 (nota 15 ao art. 284º), sendo, igualmente, jurisprudência pacífica deste STA que pode ser julgado findo o recurso jurisdicional fundado em oposição de acórdãos, por inexistência de oposição, a tanto não obstando que, antes, o relator do processo tenha proferido despacho considerando verificada essa oposição. (Cfr. o ac. deste STA, de 7/5/2003, proc. nº 1149/02: «o eventual reconhecimento judicial da alegada oposição de julgados pelo tribunal recorrido, ao abrigo, nos termos e para os efeitos do disposto no referido art. 284° nº 5 do CPPT não só não faz, sobre o ponto, caso julgado, pois apenas releva em sede de tramitação/instrução do respectivo recurso, como, por isso, não obsta a que o Tribunal Superior, ao proceder à reapreciação da necessária verificação dos pressupostos processuais de admissibilidade, prosseguimento e decisão daquele recurso jurisdicional, considere antes que aquela oposição se não verifica e, em consequência, julgue findo o recurso».)
E sendo ao caso aplicável o regime legal resultante das als. b) e b’) do art. 30º do ETAF de 1984, já que o processo se iniciou antes de 1/1/2004 (a presente impugnação deu entrada em 20/4/2000 - cfr. fls. 2 do Vol. I), a admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime ali previsto, depende da satisfação dos requisitos de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, na ausência de alteração substancial da respectiva regulamentação jurídica.
Aliás, como, citando o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA, de 29/3/2006, rec. nº 1065/05, se deixou expresso no ac. de 26/9/2007, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste mesmo STA, no processo nº 0452/07, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
– que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
– que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
– a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (() Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da SCA:
– de 29-3-2006, recurso n.º 1065/05;
– de 17-1-2007, recurso n.º 48/06;
– de 6-3-2007, recurso n.º 762/05;
– de 29-3-2007, recurso n.º 1233/06.
No mesmo sentido, pode ver-se MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, páginas 765-766.)».
Por um lado, portanto, a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
3.2. Ora, no caso presente, apesar de o acórdão recorrido ter apreciado diversas questões, por um lado, só quanto a esta específica questão atinente ao prazo para arguir nulidades processuais ocorridas antes da prolação da sentença, foi admitido o presente recurso por oposição de acórdãos («No caso de no acórdão recorrido se conter mais que uma decisão distinta e o recurso se reportar a todas elas deverá ser indicado um acórdão em oposição relativamente a cada uma das questões (ou um que contenha decisões opostas também sobre as várias questões). Como decorre do teor literal dos arts. 22°, alíneas a), a') e a"), e 30°, alíneas b) e c), do ETAF de 1984 em que, relativamente ao acórdão invocado como fundamento do recurso se fazem referências, no singular, a «acórdão», apenas pode ser invocado como fundamento do recurso um só acórdão anterior que esteja em oposição com o recorrido, relativamente à mesma questão jurídica. O mesmo sucede à face do ETAF de 2002, pois os recursos para uniformização de jurisprudência referidos na alínea b) do n° 1 do seu art. 27° têm por fundamento contradição entre dois acórdãos, como se refere nas alíneas a) e b) do n° 1 do art. 152° do CPTA. Por isso, as referências a acórdãos, no plural, que são utilizadas nos nºs. 1 e 2 deste artigo 284° deverão ser entendidas como reportando-se aos casos em que existam duas ou mais questões decididas no acórdão recorrido relativamente às quais o recorrente entende que este está em oposição com arestos anteriores. Embora seja discutível a correcção deste entendimento, o STA e o STJ têm vindo adoptá-lo pacificamente.» (cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. II, anotação 7 ao art. 284º, p. 801).) e, por outro lado, verifica-se entre os acórdãos em confronto, efectiva divergência de soluções quanto à questão do prazo para arguir nulidades processuais (falta de notificação para alegações pré-sentenciais e falta de notificação do parecer do Ministério Público junto do Tribunal “a quo”) ocorridas antes da prolação da sentença, mas de que esta não conheceu.
Porém, já não se verifica oposição quanto à questão atinente à apreciação das referidas nulidades, pois que esta é questão sobre a qual o acórdão recorrido não se pronunciou explicitamente.
3.3. Na verdade, como se disse, o recurso vem interposto do acórdão da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul, de 16/3/2010, que, no que aqui releva, julgou o seguinte:
«4.3. Passemos agora a conhecer das nulidades processuais invocadas na matéria das conclusões A) a G) das alegações do recurso, ou seja a falta de notificação para alegações pré-sentenciais [anulada que foi a anterior sentença para ampliação da matéria de facto (acórdão de fls. 420/422)] e falta de notificação do parecer do Exmo. Procurador da República junto do Tribunal “a quo”.
Desde logo o conhecimento de tais eventuais nulidades encontra-se dependente de as mesmas terem sido arguidas em tempo, o que no caso não aconteceu, como bem invoca o recorrido na matéria das suas conclusões 8ª a 12ª, para além de as mesmas não influírem no exame ou na decisão da causa.
Não se tratando de nulidades subsumíveis na norma do art. 98º do CPPT (nulidades insanáveis), como nesta parte bem invocam as recorrentes, a sua subsunção apenas poderá ser efectuada por referência ao catálogo geral do art. 201º do CPC, de aplicação subsidiária, ex vi do art. 2º, alínea e) do mesmo CPPT, sendo que se tratam de eventuais nulidades cometidas antes da prolação da sentença, mas que esta delas não conheceu, não se encontrando as mesmas cobertas por tal decisão, a sua arguição obedece ao disposto no art. 205º, nº 1 do CPC (() – devem ser arguidas no prazo geral de dez dias a contar do seu conhecimento ou da data em que foram notificadas no caso, da sentença ora recorrida, já que nesta data delas tomaram conhecimento ou poderiam ter tomado se agindo com a devida diligência, por a prolação da sentença constituir um acto necessariamente posterior à fase processual em que as indicadas notificações deveriam ter tido lugar, pelo que o prazo para a sua arguição se conta da data da notificação desta sentença, no caso, de 15.12.2008 (data da presunção da notificação, art. 39º, nº 1 do CPPT), pelo que só tendo sido arguidas em 6.2.2009 (cfr. fls. 576 dos autos), foi para além desse prazo de dez dias que no caso terminava em 7.1.2009 (descontando o período de férias judiciais do Natal (art. 144º do CPC), assim se mostrando sanadas pelo decurso do tempo e delas não se podendo conhecer, desta forma improcedendo o recurso quanto às invocadas nulidades.»
3.4. Por sua vez, no acórdão fundamento (cfr. fls. 880 a 892) exarou-se, além do mais, o seguinte:
«3. As questões a decidir no presente recurso (…) consistem em saber se:
- ocorreu uma nulidade processual, por não ter sido notificada ao Reclamante, ora Recorrente, a contestação apresentada pela Fazenda Pública, na medida em que tal consubstancia a violação do direito ao contraditório previsto no artigo 3º, nº 3 do CPC, do princípio da proporcionalidade previsto no art. 2° da CRP, e do direito a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo plasmado no art. 20°, n° 1 a 4 da CRP;
(…)
3.1. Da nulidade processual.
Está em causa uma eventual nulidade secundária, anterior à sentença, e traduzida, essencialmente, na violação do direito ao contraditório previsto no artigo 3º, nº 3 do CPC, por virtude de o Reclamante, ora Recorrente, não ter sido notificado da contestação apresentada pela Fazenda Pública.
No que concerne à sucessão processual que releva para a apreciação desta questão, há que reter que após a apresentação da contestação pela Fazenda Pública e emissão de parecer pelo Ministério Público, foi imediatamente proferida a sentença, sem que ao Reclamante tivesse sido dada a oportunidade de se pronunciar sobre o conteúdo da contestação e teor do parecer do Ministério Público, e sem que tivesse tido, entretanto, qualquer intervenção no processo.
Tal nulidade pode ser suscitada no recurso interposto da sentença, pois que embora as nulidades secundárias em que o tribunal haja porventura incorrido só possam ser, em princípio, conhecidas mediante reclamação a deduzir no prazo geral de 10 dias previsto artigo 153° do CPC, o certo é que, por força do nº 1 do artigo 205° do mesmo Código, esse prazo tem de ser contado do conhecimento da nulidade pelo interessado. E, no caso vertente, face à sucessão processual acima exposta, o prazo para arguição da nulidade não se tinha ainda iniciado quando foi proferida a decisão recorrida - por falta de conhecimento, pelo interessado, da irregularidade alegadamente cometida - a qual, desse modo, dá cobertura à referida nulidade.
Aliás, a irregularidade cometida só se consumou verdadeiramente com a pronúncia da decisão judicial, pois como se deixou devidamente explicitado no acórdão desta Secção e Tribunal proferido em 9/04/1997, no recurso nº 21070, «a nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que a nulidade cometida se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação, pelo que tal nulidade processual se tornou também vício formal da sentença que lhe deu cobertura.».
Em suma, e como se referiu no acórdão deste Tribunal de 30/01/2002, proferido no recurso n° 26653, neste tipo de situações “o recurso interposto da sentença é o meio adequado de reagir e de apreciar nulidades processuais anteriores à publicação daquela, que não a reclamação para o tribunal perante o qual as nulidades ocorreram”».
3.5. Retornando, então, à questão da admissibilidade do presente recurso por oposição de acórdãos, julgamos que, atento o acima exposto, se verifica entre os acórdãos em confronto, efectiva divergência de soluções quanto à questão do prazo para arguir nulidades processuais (falta de notificação para alegações pré-sentenciais e falta de notificação do parecer do Ministério Público junto do Tribunal “a quo”) ocorridas antes da prolação da sentença, mas de que esta não conheceu, mas não se verifica oposição quanto à questão atinente à apreciação das referidas nulidades, pois que esta é questão sobre a qual o acórdão recorrido não se pronunciou explicitamente.
Admite-se, pois, assim delimitado, o presente recurso.
4. Importa, então, apreciar o mérito do mesmo, sendo a questão a decidir, como se disse, a de saber qual o prazo de arguição de nulidades processuais ocorridas antes da prolação da sentença, mas de que esta não conheceu.
Vejamos.
4.1. No caso, estão em causa eventuais nulidades secundárias, anteriores à sentença, e que se traduzem, essencialmente, na violação do direito ao contraditório previsto no artigo 3º, nº 3 do CPC, por virtude de as recorrentes, não terem sido notificadas nem para apresentarem alegações pré-sentenciais nem do teor do Parecer do Ministério Público junto do Tribunal “a quo”.
E na verdade, decorre dos autos que, tendo sido anulada (cfr. acórdão de fls. 420/422) a anterior sentença e baixando estes à 1ª instância, para ampliação da matéria de facto e prolação de nova decisão, foram feitas diligências várias (junção, após notificação da Câmara Municipal do Montijo, da cópia do processo nº I–3/95 – loteamento urbano; junção de cópia (fls. 467 a 497) do “Regulamento de Tabelas, Taxas e Licenças”, do Município do Montijo) e efectuados vários trâmites processuais (notificação, após promoção do MP, da junção de tal Regulamento – cfr. fls. 498 e sgts. e requerimento da impugnante, no qual, além do mais, impugna o dito Regulamento – cfr. fls. 501/502) e colhido, em seguida, o Parecer do MP [no qual se conclui que a alegada cedência ao Município, a título gratuito, do prédio rústico identificado nos autos, e a respectiva integração no projecto de loteamento não configura a compensação em espécie definida no nº 4 do art. 16º do DL 448/91, de 29/11 (com as alterações do DL 25/92, de 31/8, DL 302/94, de 19/12, DL 334/95, de 28/12 e Lei 26/96, de 1/8)], foi de imediato proferida a sentença, sem que as recorrentes tivessem tido, entretanto, qualquer intervenção no processo (para além do requerimento de fls. 509 e sgts., em que pedem a junção aos autos de certidão do acórdão do TCA Sul, de 30/10/2007, no qual se julgou que «padece de inconstitucionalidade formal o Regulamento de Tabelas, Taxas e Licenças aprovado pela Câmara Municipal de Montijo em 19 de Janeiro de 1993 e pela Assembleia Municipal em 26 de Fevereiro de 1993).
4.2. No entendimento do acórdão recorrido (cfr. o nº 4.3 do mesmo – acima transcrito sob o Ponto 3.3. do presente acórdão), porque estamos perante eventuais nulidades cometidas antes da prolação da sentença, mas das quais esta não conheceu (não se encontrando, por isso, as mesmas cobertas por tal decisão), a respectiva arguição obedece ao disposto no art. 205º, nº 1 do CPC: devem ser arguidas no prazo geral de dez dias a contar do seu conhecimento ou da data em que foram notificadas, mas não em sede de recurso. E no caso, contando-se o prazo para arguição das nulidades em causa, a partir da data da notificação da sentença, então, presumindo-se esta notificada (nº 1 do art. 39º do CPPT) em 15/12/2008 e tendo as referidas nulidades sido arguidas apenas em 6/2/2009 (nas alegações do recurso - cfr. fls. 576 dos autos) foi ultrapassado o prazo de dez dias que, no caso, terminava em 7/1/2009 (descontando o período de férias judiciais do Natal (art. 144º do CPC), assim se mostrando as mesmas sanadas pelo decurso do tempo e delas não se podendo conhecer no recurso.
Não é, porém, de aceitar esta conclusão.
Com efeito, como, aliás, consta do Voto de vencido exarado no acórdão recorrido e como bem referem as recorrentes, o recurso interposto da sentença é o meio adequado para reagir e para apreciar as nulidades processuais anteriores à notificação da mesma e não a reclamação para o Tribunal perante o qual as nulidades ocorreram.
Trata-se, aliás, de situação em tudo idêntica à relatada no acórdão fundamento em que o prazo de arguição da nulidade não se tinha ainda iniciado quando foi proferida a decisão recorrida, por falta de conhecimento, pelo interessado da irregularidade alegadamente cometida, irregularidade à qual, desse modo, a sentença deu cobertura.
E, na verdade, como ali se exara, tal nulidade «pode ser suscitada no recurso interposto da sentença, pois que embora as nulidades secundárias em que o tribunal haja porventura incorrido só possam ser, em princípio, conhecidas mediante reclamação a deduzir no prazo geral de 10 dias previsto artigo 153° do CPC, o certo é que, por força do nº 1 do artigo 205° do mesmo Código, esse prazo tem de ser contado do conhecimento da nulidade pelo interessado.»
E, no caso, face à sucessão de trâmites processuais acima exposta, o prazo para arguição da nulidade não se tinha ainda iniciado quando foi proferida a decisão recorrida - por falta de conhecimento, pelo interessado, da irregularidade alegadamente cometida - a qual, desse modo, dá cobertura à referida nulidade.
E como ali também se refere, «… a irregularidade cometida só se consumou verdadeiramente com a pronúncia da decisão judicial, pois como se deixou devidamente explicitado no acórdão desta Secção e Tribunal proferido em 9/04/1997, no recurso nº 21070, “a nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que a nulidade cometida se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação, pelo que tal nulidade processual se tornou também vício formal da sentença que lhe deu cobertura”.
Em suma, e como se referiu no acórdão deste Tribunal de 30/01/2002, proferido no recurso n° 26653, neste tipo de situações “o recurso interposto da sentença é o meio adequado de reagir e de apreciar nulidades processuais anteriores à publicação daquela, que não a reclamação para o tribunal perante o qual as nulidades ocorreram”.»
É este, aliás, o sentido consolidado da jurisprudência deste STA, conforme resulta dos inúmeros arestos (da Secção de Contencioso Tributário e do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo) citados no acórdão fundamento, bem como dos acórdãos de 30/1/2002, rec. nº 26.653; de 20/2/2002, rec. nº 26.160; de 10/7/2002, rec. nº 25.998; de 7/7/2004, rec. nº 0701/04; de 9/2/2005, rec. nº 0799/03; e de 27/9/2005, rec. nº 407/2005 desta Secção do contencioso Tributário.
E sendo este o entendimento que, igualmente, perfilhamos, conclui-se que as nulidades do processo anteriormente ocorridas e não sanadas, conhecidas com a notificação da sentença e às quais esta implicitamente deu cobertura, têm o mesmo regime das nulidades da sentença (cfr. os nºs. 2 e 3 do art. 668° do CPC), dado que se tornaram também vício da mesma e causa da sua nulidade. Devendo, por isso, ser arguidas em recurso daquela interposto – quando admissível – que não em reclamação perante o tribunal a quo.
Por isso, no caso, se as invocadas irregularidades (falta de notificação do Parecer do Ministério Público e falta de notificação para alegações prévias à sentença) só chegaram ao conhecimento das recorrentes aquando da notificação da sentença, em 15/12/2008 e se o recurso foi interposto atempadamente (em 29/12/2008 - cfr. fls. 567 e 570) e admitido por despacho de 19/1/2009 (fls. 572), então aquelas só podiam, como foram, ser explicitadas nas próprias alegações do recurso, as quais foram, igualmente, apresentadas dentro do respectivo prazo legal (em 6/2/2009 – fls. 576 e sgts.).
4.3. Ora, estando, como supra se deixou dito, a questão suscitada no presente recurso por oposição de acórdãos delimitada à questão de saber qual é o prazo para arguir nulidades processuais ocorridas antes da prolação da sentença, mas de que esta não conheceu (e não já quanto à questão atinente à apreciação das referidas nulidades, questão sobre a qual o acórdão recorrido não se pronunciou explicitamente) há que revogar, nesta medida, o acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos para que, dados os termos expostos, essas arguidas nulidades sejam ali também apreciadas, com a consequência jurídica que resultar de tal apreciação.
DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em, dando provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido na parte em que julgou «sanadas pelo decurso do tempo e delas não se podendo conhecer», as invocadas nulidades processuais ocorridas antes da prolação da sentença, e, consequentemente, ordenar a baixa dos autos ao Tribunal «a quo» para que essas nulidades sejam ali também apreciadas, com a consequência jurídica que resultar de tal apreciação.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Julho de 2011. – Joaquim Casimiro Gonçalves (relator) – António José Martins Miranda de Pacheco – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale – Domingos Brandão de Pinho – António Francisco de Almeida Calhau – João António Valente Torrão.