Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0997/08
Data do Acordão:12/02/2009
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JORGE LINO
Descritores:COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
Sumário:Numa interpretação conforme à Constituição, o artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não apoia a Administração na declaração de compensação de dívida tributária, sem que sobre o acto de liquidação da dívida tenham decorrido os prazos de impugnação administrativa e contenciosa.
Nº Convencional:JSTA00066163
Nº do Documento:SAP200912020997
Data de Entrada:05/27/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC 2 SECÇÃO DE 2008/12/17 - AC STA PROC133/08 DE 2008/06/30.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:DIR CONST - DIR FUND.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART89 N1.
CONST97 ART13 ART20 ART268 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC452/07 DE 2007/09/26.; AC STA PROC997/08 DE 2008/12/17.; AC STA PROC133/08 DE 2008/06/30.; AC STA PROC356/08 DE 2008/05/21.; AC STA PROC464/08 DE 2008/06/25.; AC STA PROC262/09 DE 2009/04/15.; AC STA PROC365/08 DE 2009/05/06.; AC STA PROC947/04 DE 2005/07/13.; AC TC 481/08 DE 2008/10/07.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 A Fazenda Pública vem recorrer do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 17-12-2008, proferido neste recurso n.º 997/08 (de fls. 157 a 160 dos autos), com fundamento em oposição com o acórdão também desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de Junho de 2008, proferido no recurso n.º 133/08.
1.2 Em alegação, a recorrente Fazenda Pública apresenta as seguintes conclusões.
a) O artigo 89° do CPPT não contém qualquer previsão que impeça a Administração Fiscal de proceder a compensação enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação administrativa e ou contenciosa do acto de liquidação;
b) Antes se deverá entender que a Administração Tributária deve accionar a modalidade da compensação de dívida instituída nesse artigo 89. ° do CPPT, logo que se verifique o incumprimento e não estiver realizada a situação expressamente excepcionada;
c) De acordo com o preceituado pelos artigos 78.° e 84.° do CPPT, a cobrança das dívidas fiscais pode ocorrer ou por pagamento voluntário ou através da cobrança coerciva;
d) Findo o prazo do pagamento voluntário, previsto nas leis tributárias, o devedor encontra-se em mora, sendo legítima a cobrança coerciva;
e) Essa cobrança é motivada pela natureza da dívida, pelo seu carácter público e pela celeridade dessa cobrança e pela respectiva afectação à satisfação das necessidades colectivas;
f) Daí que, mesmo que o devedor conteste a legalidade da dívida exequenda ou do respectivo processo, a execução não se suspende, prosseguindo até venda de bens, se a dívida não estiver garantida de forma adequada, incluindo por penhora (art. 169° do CPPT);
g) Após a introdução no ordenamento jurídico-tributário português (Decreto-Lei n° 20/97, de 21 de Janeiro) do princípio da compensação de créditos fiscais com dívidas da mesma natureza resultantes, a Administração Tributária passou a estar obrigada a aplicar os créditos de que sejam beneficiários contribuintes devedores na compensação das respectivas dívidas (artigo 110°-A);
h) Essa previsão consta hoje do artigo 89° do CPPT, que nem exige (n°s 1 e 5), para ser viável a compensação, que tenha ocorrido a citação no processo de execução fiscal mas apenas que o processo tenha sido instaurado [Ainda que se acolha tese mais restritiva confrontar declaração de voto do Senhor Conselheiro Jorge de Sousa no Acórdão de 7/12/2004, in proc. n° 1245/04, no presente caso, o executado foi citado];
i) A utilização da compensação não significa que os direitos de defesa dos contribuintes sejam coarctados, ainda que não tenha decorrido o prazo de apresentação de medidas de defesa, porque no caso de uma eventual anulação da dívida por ilegalidade, o contribuinte será ressarcido pelo valor indevidamente cobrado acrescido dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos;
j) A utilização acima descrita do instituto da compensação concretiza na área fiscal uma possibilidade existente entre os particulares, para regulação de pretensões tuteladas pelo direito privado extinguindo mutuamente as obrigações entre os obrigados;
k) Numa relação de direito público, em que existe uma obrigação pecuniária exigível passível de ser, após o decurso do prazo de pagamento voluntário, objecto de cobrança coerciva, não constitui qualquer violência ou restrição ilegítima de direitos do contribuinte;
l) E, sendo a compensação efectuada no respeito das regras estabelecidas no artigo 89.° do CPPT, não pode também alegar-se que a actuação da AT se tenha traduzido na violação do princípio da confiança, como de nenhum dos outros anteriormente assinalados;
m) Digamos que a compensação permite pela mobilização imediata, a título não definitivo, visto que a dívida poderá, eventualmente, ser anulada, de uma importância de que o devedor é titular, não apenas a garantia da prestação tributária (o que releva do interesse público), como a dispensa de outras situações a sofrer pelo devedor tributário que lhe seriam, em princípio, de não menor restrição, como a penhora, prestação de garantias adequadas e até mesmo a venda de bens;
n) Ora, se a compensação após o decurso o prazo para pagamento voluntário, mas antes de decorrido todo o prazo para impugnação/recurso, não é constitucionalmente vedada, inexiste razão para deixar de interpretar o art. 89° do CPPT de acordo com a sua letra expressa, até porque dessa aplicação não resulta qualquer restrição injustificada das garantias dos devedores tributários;
o) Assim, deverá ser adoptada como a melhor interpretação do artigo 89. °, n° 1 do CPPT, a efectuada pelo Acórdão fundamento, no sentido de essa norma não afronta os princípios fundamentais da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, quando interpretado no sentido de que a compensação de créditos fiscais, realizada por iniciativa da Administração Tributária, pode ser efectuada desde o momento em que a dívida se torne exigível, apesar de ainda não se encontrar esgotado o prazo para o exercício do direito de impugnação e de esta ainda não ter sido deduzida”.
p) E, concluindo-se que a actuação da Administração Tributária no caso do presente recurso não violou, antes cumpriu o princípio da legalidade, respeitando as normas legais vigentes, deverá ser revogado o Douto Acórdão recorrido, confirmando-se o despacho reclamado que procedera à compensação da dívida tributária com os créditos fiscais.
1.3 A recorrida “A… LDA” contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões.
A. Não obstante as considerações tecidas no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 9 de Setembro de 2004 (Proc. n.º 242/04) e, sobretudo, no Acórdão n.º 386/2005, de 13 de Julho, proferido pelo Tribunal Constitucional a propósito da constitucionalidade da norma ínsita no artigo 89. ° CPPT, a verdade é que, como expressamente afirmou este Tribunal, o juízo proferido limitou-se ao controlo da constitucionalidade da norma quando interpretada no sentido então defendido pela Fazenda Pública; razão pela qual, na determinação daquele que é “o melhor direito” ou a “mais acertada interpretação da norma”, o Supremo Tribunal Administrativo não se encontra limitado ou constrangido de alguma forma.
B. De acordo com a tese sustentada pela Fazenda Pública, o facto de, por força da segunda parte do n.º 1 do artigo 89. ° do CPPT, a Administração Fiscal estar impedida de proceder à compensação “se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial, oposição à execução da dívida exequenda ou esta esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste Código”, não pressupõe, todavia, que a mesma Administração Fiscal tenha de aguardar pelo decurso dos prazos de que o contribuinte dispõe para lançar mão dos citados expedientes legais em ordem a obter a suspensão do processo executivo, porquanto, segundo afirma, o contribuinte tem sempre a possibilidade de discutir a legalidade da dívida e de ser ressarcido dos prejuízos sofridos com o pagamento indevido de imposto mediante o pagamento de juros indemnizatórios.
C. A A… não concorda - nem poderia concordar - com o entendimento propugnado pela Fazenda Pública porquanto considera, na esteira do Acórdão recorrido, que tal entendimento “redundaria numa diminuição irrazoável e desproporcionada dos meios de defesa e impugnatórios [do contribuinte], com potencialidade para lesar de forma irreversível os seus direitos”, sendo certo, ademais, que essa não parece ser a interpretação mais consentânea com as restantes normas que disciplinam o processo executivo, nem é, certamente, essa a interpretação que melhor se coaduna com os princípios constitucionais da legalidade, da igualdade e do acesso ao direito e aos tribunais.
D. O regime jurídico da compensação previsto no artigo 89.° do CPPT reveste-se de uma natureza verdadeiramente excepcional que se justifica pelo facto de conflituar com um interesse legítimo do contribuinte - o direito a um crédito sobre o Estado - direito que, naturalmente, merece protecção quer se trate do Estado, quer se trate do contribuinte.
E. Não faz qualquer sentido que a execução possa ser extinta por cobrança coerciva - mediante compensação - ainda antes do sujeito passivo ter tido sequer oportunidade de obter a suspensão da mesma através da prestação de garantia, porquanto, se assim fosse, os casos de suspensão genericamente previstos no artigo 169.° do CPPT e no artigo 52.° da LGT não teriam qualquer aplicação prática, circunstância que, salvo o devido respeito, desvirtua por completo a intenção do legislador com a consagração legal dos mencionados normativos.
F. Nas situações em que o contribuinte apenas pretende discutir a inexigibilidade da dívida exequenda – como acontece, por exemplo, quando a dívida já está prescrita – a compensação antes do decurso do prazo de oposição, porque extingue o processo executivo, impede, de facto e irremediavelmente, o acesso à justiça, violando assim o direito constitucional a uma tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.° da Constituição da República.
G. Ao compensar de imediato a dívida exequenda - sem aguardar pelo decurso dos prazos de “contestação” que conferem ao sujeito passivo a possibilidade de obter a suspensão do processo executivo - a Administração Fiscal viola uma das mais elementares garantias do contribuinte: o direito ao prazo legalmente consagrado para deduzir a competente reclamação graciosa ou impugnação judicial, o que configura um cerceamento das garantias consagradas no n.º 4 do artigo 268. ° da CRP.
H. Conferir-se à Administração Fiscal a discricionariedade de compensar a dívida exequenda antes ou depois dos prazos legalmente previstos configura, além do mais, uma flagrante violação do princípio constitucional da igualdade e da justiça material.
I. Os prazos previstos nas normas jurídico tributárias destinam-se, justamente, a conferir um grau aceitável de certeza à actuação das duas partes – Administração Fiscal e contribuintes - pelo que se a própria Administração Fiscal, se antecipa e desrespeita os prazos conferidos legalmente aos contribuintes para praticarem os actos que lhe permitem suspender a execução fiscal e, assim, obstar à compensação, não só atenta contra o princípio constitucional da igualdade como defrauda a confiança desses mesmos contribuintes na lei e - sobretudo - na actuação dos órgãos e agentes da Administração.
J. Contrariamente ao que afirma o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 386/2005, nem antecipando o prazo para “contestar” a dívida tributária em causa, o contribuinte consegue garantir o efeito de “não compensação”.
K. A jurisprudência relativa à questão sub judice já se consolidou, tendo-se já logrado reunir um consenso em torno do juízo de não inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal Constitucional e a posição defendida por este Supremo Tribunal.
L. Do consenso entre as posições defendidas pelo Tribunal Constitucional e pelo Supremo Tribunal de Justiça resulta, sem margem para dúvidas, que a jurisprudência relativa à questão sub judice já se consolidou no sentido de que a interpretação veiculada pela Fazenda Pública, não sendo inconstitucional, não é a que melhor realiza as finalidades do direito e da justiça, porquanto dever-se-á entender que “[…] numa interpretação conforme à Constituição, o artigo 89.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário não apoia a Administração na declaração de compensação de dívida tributária sem que sobre o acto de liquidação da mesma tenha decorrido o prazo de impugnação administrativa e contenciosa”.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta decisão recorrida, com todas as consequências legais.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
A questão objecto do presente recurso e que deu causa à oposição de julgados prende-se com a interpretação do disposto no artº 89º, n° 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário referente à compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária.
Alega a recorrente que a utilização da compensação não significa que os direitos de defesa dos contribuintes sejam coarctados, ainda que não tenha decorrido o prazo de apresentação de medidas de defesa, porque no caso de uma eventual anulação da dívida por ilegalidade, o contribuinte será ressarcido pelo valor indevidamente cobrado acrescido dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos.
Mais alega que não sendo a compensação após o decurso o prazo para pagamento voluntário, mas antes de decorrido todo o prazo para impugnação/recurso, constitucionalmente vedada, inexiste razão para deixar de interpretar o art. 89° do CPPT de acordo com a sua letra expressa, até porque dessa aplicação não resulta qualquer restrição injustificada das garantias dos devedores tributários;
Afigura-se-nos que carece de razão.
O acórdão recorrido concluiu pela inadmissibilidade de compensação de dívidas de tributos por iniciativa da Administração Tributária antes de esgotados os prazos de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso judicial ou oposição à execução, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 13º, 20º e 268º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa).
Parece-nos ser, aliás, essa a única interpretação possível do preceito, e a única compatível com os referidos princípios constitucionais.
Como refere Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT anotado, 5 edição, pag. 635 e 636, «a proibição de efectuar a compensação se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda exprime uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia. Por isso, está ínsito naquele n.º 1 que a compensação não possa ser declarada enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa e administrativa do acto de liquidação da dívida em causa.».
Ademais a interpretação que o acórdão recorrido faz do preceito vem de encontro à jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que o artigo 89.º do CPPT deve ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos por iniciativa da Administração Tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 13.05.2008, recurso 355/08, de 21.05.2008, recurso 356/08 e de 25.06.2008, recurso 464/08, de 15.04.2009, recurso 262/09, e de 22.04.2009, recurso 277/09, todos in www.dgsi.pt.
E é a jurisprudência que melhor se coaduna com a garantia da tutela jurisdicional efectiva consagrada no artº 268º, nº 4, garantia essa não assegurada na tese defendida no acórdão fundamento pois que permite à Administração Fiscal proceder à compensação prevista no artº 89º do CPPT antes de decorrido o prazo para reclamar, impugnar judicialmente ou deduzir oposição à execução, obrigando o contribuinte a ver reduzidos e derrogados os prazos de defesa expressamente previstos na lei.
Sendo também a jurisprudência mais conforme com o princípio constitucional da igualdade já que na tese defendida pelo acórdão fundamento poderão ocorrer simultaneamente casos em que, por inércia da Administração Fiscal, os contribuintes dispõem integralmente dos prazos para reclamar, impugnar judicialmente ou deduzir oposição à execução, e casos em que, por maior eficiência da Administração Fiscal, se vêem confrontados com a compensação das dívidas tributárias, antes mesmo de decorridos aqueles prazos.
Em síntese, e como bem sustenta a recorrida nas suas alegações de fls. 206 e segs., a interpretação que o acórdão recorrido faz do preceito constitui o critério normativo mais adequado à justa realização do direito.
Termos em que somos de parecer que deve ser sufragada a doutrina acolhida no acórdão recorrido, julgando-se improcedente o recurso.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em Pleno da Secção.
O presente processo de reclamação de órgão de execução fiscal iniciou-se em 23-6-2008, pelo que lhe é aplicável o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 2002 – cf., desenvolvidamente, sobre o tema, o acórdão do Pleno desta Secção, de 26 de Setembro de 2007, recurso n.º 0452/07.
São, assim, pressupostos expressos do recurso para o Pleno da Secção, por oposição de julgados, que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica e se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução expressa oposta.
O que naturalmente supõe a identidade de situações de facto já que, sem ela, não tem sentido a discussão dos referidos requisitos; por isso, ela não foi referida de modo expresso.
Para que exista oposição é, pois, necessária tanto uma identidade jurídica como factual.
Que, por natureza, se aferem pela análise do objecto das decisões em confronto: o acórdão recorrido, desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 17-12-2008, proferido neste recurso n.º 997/08 (de fls. 157 a 160 dos autos); e o aresto fundamento, o acórdão também desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de Junho de 2008, proferido no recurso n.º 133/08.
Trata-se, nos dois arestos, de saber se, numa interpretação conforme à Constituição, o artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário apoia, ou não, a Administração Fiscal na declaração de compensação de dívida tributária, sem que sobre o acto de liquidação da mesma dívida tenha decorrido o prazo de impugnação administrativa e contenciosa – verificando-se que o acórdão recorrido decidiu-se pela negativa, e no acórdão fundamento foi decidido em contrário: que o artigo 89.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário não afronta os princípios fundamentais da igualdade, do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, quando interpretado no sentido de que a compensação de créditos fiscais, realizada por iniciativa da Administração Tributária, pode ser efectuada desde o momento em que a dívida se torne exigível, apesar de ainda não se encontrar esgotado o prazo para o exercício do direito de impugnação e de esta ainda não ter sido deduzida.
Ambos os acórdãos foram proferidos no mesmo quadro legal e com identidade essencial das respectivas situações de facto.
Pelo que, assim sendo, verifica-se, efectivamente, a invocada oposição.
2.1 Em matéria de facto, remete-se para os termos do acórdão recorrido – de acordo com o artigo 713º, nº 6, ex vi do artigo 726º, ambos do Código de Processo Civil.
2.2 Prescreve o n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que «Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração tributária, salvo se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição execução da dívida exequenda ou esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste Código».
A este propósito, em anotação 9. ao artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Jorge Lopes de Sousa escreve como segue.
«O Tribunal Constitucional no acórdão n.º 386/2005 entendeu que o n.º 1 deste art.º 89.º não é materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e do acesso aos tribunais (art.ºs 13.º e 20.º, n.º 1 da CRP), quando interpretado com o sentido de permitir a compensação logo que a dívida se torna exigível, findo o prazo de pagamento voluntário de 30 dias (aplicável, nos termos do art.º 85.º, n.º 2, do CPPT, quando não for fixado prazo especial), mesmo antes de estar findo o prazo para o exercício do direito de impugnação, que é de 90 dias, nos termos do n.º 1 do art.º 102.º deste Código, embora desta interpretação resulte que o contribuinte que vise obstar à compensação tenha de impugnar o acto de liquidação dentro daquele prazo de 30 dias, sob pena de perder o direito de ver suspensa a execução, pois a dívida, operada a compensação, fica cobrada. Parece, porém – pondera Jorge Lopes de Sousa –, que a interpretação que se deve efectuar do n.º 1 deste art.º 89.º não é essa, pois a proibição de efectuar a compensação, se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda exprime uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia. Por isso, está ínsito naquele n.º 1 que a compensação não possa ser declarada enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa e administrativa do acto de liquidação da dívida em causa.».
E assinala o mesmo Autor, na mesma obra, em anotação 7. ao normativo em foco, que «(…) não se pode admitir que ocorra uma privação coerciva de um direito de crédito, como sucede nos casos de compensação forçada previstos no artigo 89.º, sem que sejam concedidas ao afectado por ela todas as garantias de defesa que são concedidas à generalidade dos executados fiscais».
Também no acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 23/4/08, proferido no recurso n.º 133/08, já se disse que tal entendimento «(…) redundaria numa diminuição irrazoável e desproporcionada dos meios de defesa e impugnatórios da recorrente, com potencialidade para lesar de forma irreversível os seus direitos, já que não precludindo embora a possibilidade de vir a contestar a dívida executada e não importando numa perda definitiva do valor do seu crédito, a verdade é que a privação no momento certo do correspondente montante pode ocasionar graves problemas de liquidez de empresas como a recorrente e, em última análise, comprometer a sua sobrevivência económica».
Por nós, diremos que pode entender-se que o n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário «não consubstancia uma limitação inaceitável do direito de defesa», e, assim, poderá não ser materialmente inconstitucional – como, aliás, já decidiu o Tribunal Constitucional no seu acórdão supracitado.
Julgamos, no entanto, que a interpretação do n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de melhor conformidade com a Constituição e os seus princípios (mormente o de tutela jurisdicional efectiva), é aquela que diz não ser admissível «que ocorra uma privação coerciva de um direito de crédito (…), sem que sejam concedidas ao afectado por ela todas as garantias de defesa que são concedidas à generalidade dos executados fiscais» – de certo modo se acolhendo a doutrinação de Jorge Lopes de Sousa, supracitado.
Cf. no sentido do que vem de dizer-se, por exemplo, os acórdãos desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-5-2008; de 25-6-2008; e de 15-4-2009, proferidos nos recursos n.º 356/08; n.º 464/08; e n.º 262/09.
Cf., por último, mas não por isso menos importante, o acórdão do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 6-5-2009, proferido no recurso n.º 365/08, em que ficou confirmado que «O artigo 89.º do CPPT deve ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos por iniciativa da administração tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa, sob pena de violação dos princípios da igualdade, de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n. º 4 da CRP)».
De resto, à tese do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 386/2005, que se pronunciou sobre a constitucionalidade material do artigo 89.º do CPPT, proferido no processo n.º 947/04, com data de 13.07.2005, é o próprio Tribunal Constitucional a dar a seguinte resposta, de modo subido aliás: «a concreta realização do direito por mediação de uma norma legal pressupõe uma ponderação prudencial do sentido normativo do critério aplicando, concorrendo para esse desiderato um conjunto de elementos ou factores que determinam, em face dos diferentes sentidos possíveis da norma, aquele que corresponderá “ao melhor direito” na óptica da sua aplicação do caso concreto, tendo por referentes axiais a intencionalidade prático-normativa da norma considerada em face da ratio iuris desvelada pelas valências axiológicas do sistema jurídico»; «(…) devendo referir-se que o juízo de constitucionalidade vertido no Acórdão n.º 386/2005, não implica nem traduz a ideia de que o concreto sentido normativo aí analisado corresponde à única interpretação possível ou tão-pouco àquela que terá maior densidade axiológica em face dos parâmetros de constitucionalidade invocados»; «(…) o que significa, portanto, que este Tribunal, no aresto citado, não cuidou da determinação do “melhor direito” em termos de apurar o sentido ou dimensão normativa que traduzisse, à luz dos pertinentes critérios metodológicos, o critério normativo mais adequado à justa realização do direito» – cf., ipsis verbis, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 481/08, de 7-10-2008.
O Tribunal aplicador da lei, porém, tem a tarefa de realizar e consubstanciar «um esforço interpretativo de desocultação do sentido mais adequado a conferir ao artigo 89.º do CPPT mobilização normativa» – como, com pertinência para o caso, ensina o erudito acórdão do Tribunal Constitucional.
O acórdão recorrido (seguindo, de resto, a doutrinação de Jorge Lopes de Sousa) fez do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário a seguinte “mobilização normativa”: «O artigo 89.º do CPPT deve ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos por iniciativa da administração tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa, sob pena de violação dos princípios da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n. º 4 da CRP)».
Como assim, e sem necessidade de mais alargados considerandos, resta-nos dizer, em resposta ao thema decidendum,que o acórdão recorrido fez boa interpretação do disposto no n.º 1 do artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Razão por que havemos de concluir, em síntese, que numa interpretação conforme à Constituição, o artigo 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não apoia a Administração na declaração de compensação de dívida tributária, sem que sobre o acto de liquidação da dívida tenham decorrido os prazos de impugnação administrativa e contenciosa.
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente Fazenda Pública, fixando-se a procuradoria em um oitavo.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009. – Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (relator) – Jorge Manuel Lopes de Sousa – Domingos Brandão de Pinho – Lúcio Alberto de Assunção Barbosa – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira – Francisco António Vasconcelos Pimenta do Vale – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – António Francisco de Almeida Calhau – João António Valente Torrão – António José Martins Miranda de Pacheco – Dulce Manuel da Conceição Neto.