Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0558/12
Data do Acordão:10/24/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
REVERSÃO
CÔNJUGE DO EXECUTADO
DÍVIDA COMUNICÁVEL
Sumário:1. A responsabilidade subsidiária dos gerentes tem natureza extra-contratual, pelo que as respectivas dívidas são da exclusiva responsabilidade do gerente.
Por tais dívidas respondem os bens próprios do devedor (ou seja, do executado revertido) e, subsidiariamente, sendo caso disso, a sua meação nos bens comuns (art. 1696º do CCivil).
Nº Convencional:JSTA00067874
Nº do Documento:SA2201210240558
Data de Entrada:05/21/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART165 N1 A N2 N4 ART231 ART239 ART280.
LGT98 ART24.
CCIV66 ART1691 N1 D ART1692 B ART1696.
CPC96 ART351 ART352.
CONST76 ART20.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0973/09 DE 2011/05/18; AC STA PROC0939/10 DE 2012/06/14; AC STA PROC023428 DE 2001/01/31; AC STAPLENO PROC021438 DE 2001/12/05
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG456.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julgou improcedentes os embargos de terceiro que deduziu contra a penhora, feita em 7/10/2010, do prédio urbano inscrito na matriz 780 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo 400/19960226, efectuada no âmbito da execução fiscal instaurada a B.……, por reversão de dívidas fiscais da sociedade C……., S.A..

1.2. O recurso foi inicialmente interposto para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) onde, por acórdão proferido em 14/3/2012 (fls. 139 a 147), veio a ser declarada a respectiva incompetência, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, dado o seu objecto respeitar, apenas, a matéria de direito.

1.3. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. Na sua decisão, entendeu erroneamente o tribunal a quo que “a embargante não tinha a qualidade de terceiro à data em que deduziu os embargos”, porquanto, na perspectiva defendida na decisão, seria também responsável pelas dívidas em causa no processo executivo.
2. Porém, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo procedeu a uma incorrecta qualificação jurídica dos factos e, em consequência, incorreu em erro de julgamento na interpretação das normas jurídicas aplicáveis, violando assim o artigo 237º, nº 1, do CPPT, os artigos 351º e 352º do CPC, e os artigos 1691º, nº 1, al. d), e 1695, nº 1, CC.
3. Em causa estão dívidas da responsabilidade subsidiária do administrador único, ex-cônjuge da embargante, por reversão no processo de execução fiscal nº 3590200301501410, relativo a dívidas tributárias de que era devedora originária a sociedade C……., S.A.
4. A questão que se coloca é a de saber se as dívidas resultantes de processo de reversão fiscal, que responsabilizam subsidiariamente os administradores ou gerentes pelas dívidas tributárias da sociedade, nos termos e nos casos do artigo 24º da LGT, são da responsabilidade de ambos os cônjuges, por força do artigo 1691º, nº 1, al. d), do CC.
5. Poderia pensar-se, em face desta última norma, que a responsabilidade que advém a um dos cônjuges por ter praticado actos de administração ou gerência numa sociedade é susceptível de se tornar extensiva ao outro cônjuge – como se defendeu na decisão recorrida.
6. Na mesma linha de raciocínio, poderia pensar-se ainda que os actos praticados pelo revertido se presumem contraídos no interesse comum dos cônjuges e, assim, que as dívidas tributárias deles emergentes são da responsabilidade de ambos, por elas respondendo os bens comuns do casal e, na falta ou insuficiência destes, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges (art. 1695º, nº 1, do CC).
7. Esta construção, que subjaz à sentença recorrida, assenta numa petição de princípio, ao dar como demonstrado que o gerente ou administrador revertido é comerciante, nos termos e para os efeitos do artigo 1691º, nº 1, al. d), do CC.
8. Porém, os administradores e gerentes de uma sociedade não são efectivamente comerciantes para efeitos da aplicação do art. 1691º, nº 1, al. d), do CC).
9. Nos termos do artigo 13º do Código Comercial consideram-se comerciantes as pessoas que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão e as sociedades comerciais.
10. Ora, “reconhecendo a lei personalidade jurídica a todas as sociedades comerciais, quem exerce o comércio e é comerciante é a dita sociedade e não os seus sócios, os quais se limitam a praticar actos de comércio em nome daquela e não em nome próprio” (Ac. do TCAS de 15/06/2004, disponível em www.dgsi.pt)
11. Assim, o administrador revertido, ex-cônjuge da embargante, não é comerciante pelo simples facto dessa qualidade, pois praticou os actos de comércio em nome da sociedade, a qual tem personalidade jurídica distinta da sua.
12. Por este motivo é inaplicável in casu a presunção da comunicabilidade da dívida prevista no art. 1691º, nº 1, al. d), do CC.
13. E nem poderia ser de outro modo, dada a excepcionalidade do mecanismo da reversão fiscal e consequente insusceptibilidade de extensão analógica a outras situações não previstas na previsão legal (art. 11º do CC).
14. A responsabilização subsidiária dos gerentes ou administradores pelas dívidas tributárias da sociedade é, de facto, um mecanismo excepcional, que atinge aqueles que tenham a efectiva gestão de uma sociedade – e apenas esses –, desde que verificados determinados pressupostos, positivos e negativos, rigorosamente estabelecidos na lei.
15. A natureza desta responsabilidade subsidiária radica numa “concepção pessoal dos actos sociais e numa presunção de culpa funcional”, “pelo que só quem for membro dos corpos sociais pode ser responsabilizado” (Ac. do TCAS de 15/06/2004, disponível em ww.dgsi.pt).
16. Para que haja responsabilidade subsidiária, é preciso ainda que a pertença aos corpos sociais “tenha sido efectiva, de facto, traduzida, portanto, na prática de atos de administração ou disposição, em nome e no interesse da sociedade. Doutro modo, faltaria o pressuposto que informou o regime legal e que radica numa presunção de culpa funcional” (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, vol. I, p. 139).
17. Não podendo a responsabilidade subsidiária pelas dívidas tributárias da sociedade atingir sequer os gerentes e administradores que, sendo-o de direito, não exerceram de facto tais funções, por maioria de razão não pode ser tal responsabilidade estendida a quem era simplesmente cônjuge de um seu gerente ou administrador.
18. A tal extensão analógica se opõe, por um lado, a evidente inexistência em relação ao cônjuge não administrador das razões justificativas que a responsabilização subsidiária dos gerentes e administradores de facto (cf. art. 10º, nº 2, a contrario, do CC), e por outro lado, a proibição de aplicação analógica das normas excepcionais, como é a do artigo 24º da LGT (cf. art. 11º do CC).
19. Em suma: não tendo havido reversão contra a embargante, que não assume a qualidade de responsável subsidiária, a dívida tributária em causa é, assim, da responsabilidade exclusiva do marido da embargante e não é comunicável ao cônjuge, ora embargante recorrente, como se vem entendendo na jurisprudência.
20. Não pode conduzir a conclusão contrária o disposto no artigo 1691º, nº 1, al. d), do CC, já que esta norma só se aplica nos casos em que o cônjuge executado é o responsável originário das dívidas tributárias, ou seja, nas situações em que um dos cônjuges exerce o comércio em nome próprio.
21. Note-se, aliás, que a situação fáctica versada nos acórdãos citados na sentença de que se recorre em nada correspondem à dos presentes autos.
22. Na verdade, em todos esses arestos, estavam em causa dívidas em que o cônjuge executado era devedor originário.
23. Pelo contrário, nestes autos está provado que o ex-cônjuge da recorrente está a ser responsabilizado subsidiariamente, como administrador, pelas dívidas fiscais de que era devedora originária a sociedade C……., S.A.
24. Ora, as dívidas tributárias da sociedade em processo de reversão fiscal são da responsabilidade exclusiva do cônjuge administrador, nos termos do artigo 1692º, al. b), do CC.
25. Por estas dívidas tributárias em processo de reversão fiscal, da responsabilidade exclusiva do cônjuge administrador, respondem apenas os seus bens próprios, e já não os bens da ora recorrente – como na verdade sucedeu.
26. Em consequência, deveria a recorrente ter sido admitida a intervir nos referidos autos executivos como terceira, com legitimidade para deduzir embargos reactivos à penhora do seu imóvel, por tal diligência ser incompatível com o seu direito de propriedade.
27. E deveriam tais embargos ser, além do mais, julgados inteiramente procedentes, por se ter demonstrado que, à data da penhora, a embargante já não era há muito casada com o executado (pontos 3) e 6) da matéria de facto provada), e ter ficado provado que, tanto no momento da citação como da penhora, o bem penhorado pertencia em exclusivo à ora recorrente, por lhe ter há muito sido adjudicado por partilha em inventário (pontos 4), 5), 6) e 7), da matéria de facto provada).
28. Para a hipótese académica de fazer vencimento no recurso a posição que subjaz à sentença recorrida – o que não se aceita mas apenas se concebe por mero ofício de patrocínio –, desde já se invoca a falta de sua citação como executada, o que importará a anulação de todos os termos subsequentes do processo nos termos do art. 165º, nº 1, al. a), nº 2 e nº 4, do CPPT.
29. Na própria formulação da decisão recorrida, “caberá ao cônjuge que não contraiu aquelas dívidas a prova de que elas não serviram para proveito comum do casal, isto é, o ónus de ilidir a presunção recai sobre ele”.
30. Sucede que, a ora recorrente nunca foi citada na qualidade de executada, nem a exequente em momento algum invocou a comunicabilidade da dívida.
31. A recorrente apenas estaria em condições de pugnar pela refutação de tal comunicabilidade, alegando e demonstrando factos que ilidissem supostas presunções de comunicabilidade, caso tal comunicabilidade tivesse sido alegada pela exequente e, consequentemente, tivesse a ora recorrente sido citada enquanto executada – o que não aconteceu.
32. De facto, a admitir-se que a ora recorrente é responsável pelo pagamento das dívidas aqui em causa, então a mesma deveria ter sido citada como executada – e não foi.
33. Pelo que, a vingar a tese da decisão recorrida, o processo enferma de nulidade por falta de citação, que determina a invalidade e repetição de todos os actos posteriores ao requerimento inicial (art. 165º, nº 1, al. a), nº 2 e nº 4, do CPPT).
34. Nulidade essa que, de resto, impossibilitou em concreto que a ora recorrente pudesse alegar factos tendentes a demonstrar que a dívida não foi contraída em proveito comum do casal, impedindo-a, assim, de aceder aos meios processuais próprios para a efectiva defesa dos seus direitos, como lhe é constitucionalmente facultado pelo artigo 20º CRP
35. Ora, é inconstitucional, por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º da CRP, a norma que se retira das disposições conjugadas dos artigos 231º e 239º do CPPT, dos artigos 351º e 352º do CPC, e do artigo 1691º, nº 1, al. d), do CC, na interpretação segundo a qual não tem que ser citado como executado, para no prazo legal pagar ou se opor à execução, o cônjuge ou ex-cônjuge de comerciante ou administrador de sociedade comercial, quando se pretenda responsabilizá-lo também pelo pagamento da dívida.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e que esta seja substituída por outra que julgue a recorrente parte legítima e, em consequência, julgue totalmente procedentes os embargos deduzidos.

1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5. Remetidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto remete para o anterior Parecer do MP emitido no TCA Norte, no sentido da procedência do recurso.

1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. A embargante e o embargado contraíram casamento, sob o regime da comunhão de adquiridos, em 27 de Outubro de 1990 [cfr. doc. junto a fls. 17 dos autos].
2. Em 2 de Outubro de 2001, o embargado e outros constituíram uma sociedade anónima, com a firma C……., S.A., ficando como administrador único o embargado [cfr. fls. 10 a 14 do P.A.].
3. Em 29 de Dezembro de 2008, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento da embargante e do embargado [cfr. doc. de fls. 17 e 18 dos autos].
4. Em 20 de Maio de 2010, foi realizada conferência de interessados no âmbito de processo de inventário/partilha de bens nº 1112/09.0TJVNF, na qual por transacção homologada, foi adjudicado à embargante o prédio em causa nestes autos [cfr. doc. de fls. 21 e 22 dos autos].
5. Em 23 de Julho de 2010, foi o embargado citado, por reversão, no âmbito do processo de execução fiscal nº 3590200301501410, em que era devedora originária a sociedade C……., S.A., quanto a dívidas dos anos de 2002 a 2006 [cfr. fls. 62 a 68 do P.A.].
6. A penhora do prédio urbano com a matriz 780 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo 400/19960226 foi efectuada em 7 de Outubro de 2010 [cfr. fls. 79 do P.A.].
7. Daquela diligência foi a impugnante informada por citação, ao abrigo do artigo 239º do C.P.P.T., ocorrida a 13 de Outubro de 2010 [cfr. fls. 84 a 86 do P.A.].
8. Os embargos deram entrada no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 2, em 12 de Novembro de 2010 [cfr. carimbo na petição inicial].

3. Refira-se, em primeiro lugar, que embora o TCAN se tenha declarado incompetente, em razão da hierarquia, para decidir o presente recurso e declarado competente para o efeito a Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, para onde os autos subiram, não há controvérsia das partes a este propósito [a recorrente veio, aliás, em 21/2/2012 (fls. 129), após ter sido notificada do Parecer emitido pelo MP junto do TCAN, pronunciar-se no sentido de que o recurso versa apenas matéria de direito, logo requerendo a remessa dos autos ao STA], sendo que, na perspectiva considerada pelo TCAN, também aqui se entende que o recurso tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT) pois as partes não contestam os factos constantes do probatório, divergindo apenas quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis.
Na verdade, como se diz no acórdão do TCAN, atentas as conclusões da alegação de recurso apresentadas, o objecto do recurso está circunscrito à questão de saber se a sentença recorrida efectuou errado julgamento de direito quando decidiu que, no caso concreto, a embargante não detém a qualidade de terceiro para efeitos de deduzir os presentes embargos, porquanto, na perspectiva defendida na decisão, seria também responsável pelas dívidas em causa no processo executivo.
Vejamos, pois.

3.1. A sentença recorrida julgou improcedentes os embargos, com a seguinte fundamentação (em síntese):
― De acordo com o disposto no art. 239º do CPPT, sendo penhorados bens comuns imóveis ou móveis sujeitos a registo, é sempre ordenada oficiosamente a citação do cônjuge do executado, pelo que este adquirirá, por esta via, a qualidade de co-executado, podendo exercer todos os direitos que a lei processual confere ao executado.
― No caso, a embargante cônjuge foi citada nos termos de tal normativo e na sequência dessa citação deduziu os presentes embargos (e não oposição à execução), por não concordar com o estatuto que lhe advinha da citação, invocando que, à data da penhora, já não era cônjuge do executado e que o bem penhorado só a ela pertence, pois que lhe foi adjudicado em partilha judicial em data anterior à da penhora.
― Ora, se bem que decorra da factualidade assente que a embargante já se encontrava divorciada do executado à data da penhora e que o bem imóvel penhorado já só a ela pertencia, há, ainda, que considerar que as dívidas em causa no processo executivo foram contraídas pela sociedade administrada pelo executado/embargado, entre os anos de 2002 e 2006 e neste período, executado e embargante encontravam-se casados, sob o regime da comunhão de adquiridos.
― Porém, relativamente à comunicabilidade da dívida em concreto, por força do disposto na al. d) do nº 1 do art. 1691º do CCivil (“São da responsabilidade de ambos os cônjuges: as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal, ou se vigorar entre os cônjuges a regime da separação de bens”) vigora presunção legal de comunicabilidade das dívidas quando aquelas hajam sido contraídas no exercício do comércio por um dos cônjuges.
― Pelo que caberá ao cônjuge que não contraiu aquelas dívidas a prova de que elas não serviram para proveito comum do casal, isto é, o ónus de ilidir a presunção recai sobre ele.
― E analisados os autos nada é demonstrado, por parte da embargante, que permita concluir pela inexistência de proveito comum, e logo, pela elisão da presunção legal. O que conduz a que a embargante seja, também ela, responsável pelo pagamento das dívidas que o, à data, seu marido contraiu no exercício da actividade.
― Daí que a embargante não tenha a qualidade de terceiro à data em que deduziu os presentes embargos, sendo, portanto, parte ilegítima para os mesmos.
3.2. Discordando do assim decidido, a embargante sustenta, como se viu, e no essencial, que as dívidas resultantes de responsabilização subsidiária dos administradores ou gerentes por dívidas tributárias da sociedade, nos termos e nos casos do art. 24º da LGT, não são da responsabilidade de ambos os cônjuges, sendo antes da responsabilidade exclusiva do cônjuge administrador, nos termos da al. b) do art. 1692º do CCivil, pelo que deveria a recorrente ter sido admitida a intervir nos autos como terceira, com legitimidade para deduzir embargos reactivos à penhora do seu imóvel, por tal diligência ser incompatível com o seu direito de propriedade.
E a não se entender assim, então, invoca a falta de sua citação como executada, o que importará a anulação de todos os termos subsequentes do processo nos termos do art. 165º, nº 1, al. a), nº 2 e nº 4, do CPPT, pois que nunca foi citada na qualidade de executada, nem a exequente em momento algum invocou a comunicabilidade da dívida, sendo que é inconstitucional, por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20º da CRP, a norma que se retira das disposições conjugadas dos arts. 231º e 239º do CPPT, dos arts. 351º e 352º do CPC, e do art. 1691º, nº 1, al. d), do CCivil, na interpretação segundo a qual não tem que ser citado como executado, para no prazo legal pagar ou se opor à execução, o cônjuge ou ex-cônjuge de comerciante ou administrador de sociedade comercial, quando se pretenda responsabilizá-lo também pelo pagamento da dívida.
Estas são, portanto, as questões a decidir no presente recurso.
Vejamos.

4.1. Como se viu, embora considere que a recorrente, apesar de ter sido citada para os termos do disposto no art. 239º do CPPT, não adquiriu o estatuto de co-executada, a sentença julgou, ainda assim, «os embargos improcedentes por a embargante ser parte ilegítima» dado que, sendo as dívidas exequendas reportadas aos anos de 2002 a 2006, neste período o executado e a embargante estavam casados, sob o regime da comunhão de adquiridos e, atendendo ao disposto na al d) do nº 1 do art. 1691º do CCivil, por força do qual vigora presunção legal de comunicabilidade das dívidas quando aquelas hajam sido contraídas no exercício do comércio por um dos cônjuges, então, no caso, sempre caberia ao cônjuge que não contraiu aquelas dívidas a prova de que elas não serviram para proveito comum do casal, isto é, caber-lhe-ia o ónus de ilidir tal presunção. E, no caso, a embargante nada demonstrou que permita concluir pela inexistência de proveito comum, e logo, pela elisão da presunção legal. O que conduz a que a embargante seja, também ela, responsável pelo pagamento das dívidas que o, à data, seu marido contraiu no exercício da actividade.

4.2. Ora, independentemente da justeza do entendimento aceite pela sentença quanto à não assunção da qualidade de co-executada por parte da recorrente, (Cfr. quanto à citação do cônjuge, para efeitos do disposto no art. 239º do CPC, os acs. deste STA, de 18/5/2011, rec. nº 0973/09 e de 14/6/2012, rec. nº 0939/10.) o que é verdade é que o recurso vem restringido à parte em que a sentença julgou improcedentes os embargos com base na interpretação do disposto naquela citada al. d) do nº 1 do art. 1691º do CCivil.
Pelo que, assim sendo, também só nesta medida se apreciará o decidido. Ou seja, aceitar-se-á, por não se ter como compreendido no objecto do recurso, que a recorrente, embora citada nos termos do disposto no art. 239º do CPPT, assume a qualidade de terceiro nos termos apreciados pela sentença.
E, de todo o modo, sempre seria de concluir que, tendo a citação da recorrente ocorrido depois de dissolvido o casamento e mesmo depois de feita a partilha dos respectivos bens, tal citação, indevida no caso, não deveria afastar a sua qualidade de terceiro.

4.3. Mas, neste pressuposto, teremos, então, de concluir que a sentença incorre no erro de julgamento que a recorrente lhe imputa.
Com efeito, vindo provado que as dívidas exequendas se reportam a dívidas em que era devedora originária a sociedade C…….., S.A., e cuja execução foi revertida (aliás, já depois do divórcio e da consequente partilha de bens) contra o ex-cônjuge B`………, não têm as mesmas natureza de dívidas comunicáveis.
Na verdade, é pacífico o entendimento de que a responsabilidade subsidiária dos gerentes tem natureza extra-contratual, pelo que as respectivas dívidas são da exclusiva responsabilidade do gerente. (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 16 ao art. 204º, p. 456, bem como o ac. do Pleno do STA, de 5/12/2001, rec. nº 021438, in Ap. DR, de 14/3/2003, pp. 212 a 217 e o ac. da 2ª Secção do STA, de 31/1/2001, rec. nº 023428, entre outros.)
E, como assim, no caso, estando em causa a responsabilidade subsidiária do executado B…… e, portanto, dívidas que são unicamente da responsabilidade deste, que não do seu ex-cônjuge, ou seja, dívidas próprias daquele, que não dívidas comuns, (Cfr. o citado ac. do Pleno do STA, de 5/12/2001.) só contra ele pode ser instaurada a execução (art. 1692º, al. b) do CCivil).
Ora, por tais dívidas – da responsabilidade de um dos cônjuges – respondem os bens próprios do cônjuge devedor (ou seja, do executado revertido) e, subsidiariamente, sendo caso disso, a sua meação nos bens comuns (art. 1696º do CCivil), embora com a moratória ali também prevista, a qual, porém, não tem lugar naquelas ditas hipóteses da al. b) do art. 1692º, como é o caso presente, quer porque se trata de dívida da responsabilidade apenas do ex-cônjuge devedor, quer porque o bem que veio a ser penhorado o foi após a dissolução do casamento e já era, então, bem próprio da recorrente.
Neste contexto os presentes embargos não podiam deixar de proceder.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedentes os presentes embargos de terceiro, com o consequente levantamento da penhora e cancelamento do respectivo registo.
Custas pela Fazenda Pública, mas apenas na instância, dado que não contra-alegou no recurso.
Lisboa, 24 de Outubro de 2012. – Casimiro Gonçalves (relator) – Lino Ribeiro – Fernanda Maçãs.