Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:015/14
Data do Acordão:05/14/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
GRATIFICAÇÕES
PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS
Sumário:I - Nos termos do art. 24.º, n.º 2, do CIRC, permitia-se que as gratificações de trabalhadores da empresa a título de participação nos resultados fossem relevadas como variações patrimoniais negativas, concorrendo para a formação do lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte.
II - Se esta condição não fosse verificada, o art. 24.º, n.º 5, do CIRC, estabelecia que ao valor do IRC liquidado em relação ao exercício seguinte se adicionava o IRC que deixou de ser liquidado, em resultado da dedução das gratificações que não tivessem sido pagas ou colocadas à disposição dos interessados no prazo indicado, acrescido dos juros compensatórios correspondentes.
Nº Convencional:JSTA00068690
Nº do Documento:SA220140514015
Data de Entrada:01/07/2014
Recorrente:A...., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CIRC01 ART3 N2 ART17 N1 ART24 N2 N5
DL 159/09 DE 2009/07/13
Aditamento:
Texto Integral:
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 463/11.9BEVIS

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……….., Lda.” (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrente) apresentou impugnação judicial contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada com referência ao ano de 2008 em virtude da correcção efectuada na sequência de acção de fiscalização em que a Administração tributária (AT) verificou que a sociedade, apesar de ter deliberado em assembleia-geral a distribuição de € 300.000,00 pelos seus colaboradores, a título de participação nos resultados obtidos em 2008, até final de 2009 não lhes tinha entregue senão € 91.250,00, motivo por que aquele montante não podia concorrer na sua totalidade, mas apenas na parte efectivamente distribuída, para a formação do lucro tributável do ano de 2008.
Sustentou a Impugnação, em síntese, que aquela correcção e consequente liquidação adicional não podem reportar-se ao ano de 2008, sob pena de violação do disposto nos n.ºs 2 e 5 do art. 24.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na redacção em vigor à data.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou a impugnação judicial improcedente, com o fundamento, em síntese, de que, não tendo havido distribuição da totalidade do montante que foi deliberado ser distribuído, nem tendo a Contribuinte dado cumprimento ao disposto no n.º 5 do art. 24.º do CIRC, «é manifesto que não podia concorrer para a formação do seu lucro tributável do ano de 2008 como variações patrimoniais negativas o montante de € 300.000,00».

1.3 A Impugnante interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, o qual foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 Apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«

a) A Autoridade Tributária, no caso de não pagamento ou colocação à disposição, do montante de gratificações, no ano seguinte, à deliberação, não pode em substituição efectuar a liquidação adicional, no ano da deliberação social, ano de 2008.

b) Pelo que, em consequência a sentença e a liquidação adicional de IRC de 2008, violam o art. 24.º, n.º 2 e 5.º, do CIRC e deve a última ser anulada.

Nestes termos;

Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação da liquidação impugnada e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA».

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e competente para o efeito o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a pedido da Recorrente.

1.7 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, cujo Representante emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e de que «a sentença deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da procedência da impugnação judicial e anulatório da liquidação adicional de IRC» com a seguinte fundamentação:

«O lucro tributável das pessoas colectivas é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do CIRC (art. 17.º n.º 1 CIRC).
As gratificações aos trabalhadores da empresa, a título de participação nos resultados, constituem um estímulo ao aumento da produtividade e da qualidade do seu desempenho profissional.
Significando, em abstracto, um encargo para a empresa, assumem relevância fiscal como variação patrimonial negativa, concorrendo para a formação do lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao final do exercício seguinte (art. 24.º n.º 2 CIRC). A limitação temporal da relevância fiscal como custo das gratificações atribuídas aos trabalhadores justifica-se pela necessidade de prevenir a manipulação do lucro tributável das empresas mediante simples deliberação pelo órgão social competente da distribuição de gratificações aos trabalhadores da empresa sem correspondência em real encargo traduzido na saída de um fluxo financeiro.
Quando assim acontece ao valor do IRC liquidado relativamente ao exercício seguinte adiciona-se o IRC que deixou de ser liquidado em resultado da dedução das gratificações que não tiverem sido pagas ou colocadas à disposição dos interessados até ao final desse exercício (seguinte ao exercício a que respeita a participação nos resultados), acrescido dos juros compensatórios correspondentes (art. 24.º n.º 5 CIRC; cf declaração modelo 22 quadro 10 campo 363-IRC de períodos anteriores).
No caso concreto a correcção incidiu sobre o resultado fiscal do exercício de 2008 (ano dos resultados participados) e não do exercício seguinte de 2009, conforme imperativo legal (probatório n.º s 5/7)».

1.8 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.9 Cumpre apreciar e decidir se a Juíza do Tribunal a quo fez errado julgamento ao considerar que a liquidação adicional não padece da ilegalidade que lhe foi assacada, o que passa por estabelecer qual o exercício (2008 ou 2009?) em que deve proceder-se à correcção do lucro tributável declarado nas situações em que o montante que a sociedade deliberou em 2008 distribuir pelos seus colaboradores a título de participação nos resultados não foi integralmente colocada à disposição dos interessados até ao final de 2009.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:

1. Em reunião da Assembleia-geral da Impugnante, realizada em 31.3.2009, foi deliberado por unanimidade aprovar as contas do exercício de 2008 e que os resultados líquidos do exercício no valor de € 475.006,88 fossem aplicados da seguinte forma: € 165.006,77 para resultados transitados e € 300.000,00 para participação nos resultados a distribuírem pelos colaboradores. – cfr. doc. de fls. 17 do p.a. apenso aos autos.

2. No ano de 2009 a Impugnante pagou aos colaboradores o total de € 91.250,00 referente a participação nos resultados. – cfr. docs. de fls. 18 a 20 do p.a. apenso aos autos.

3. Na declaração modelo 22 apresentada pela Impugnante relativamente ao exercício de 2009, esta não inscreveu nos campos 363 – IRC de períodos anteriores, 364 – Derrama e 366 – Juros compensatórios, qualquer valor. – cfr. docs. de fls. 14 e 18 do p.a. apenso aos autos, facto admitido.

4. No ano de 2011, em resultado da Ordem de Serviço n.º 01201100535, a Impugnante foi objecto de acção de fiscalização pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viseu. – cfr. docs. de fl. 8 e ss. do p.a. apenso aos autos.

5. Na sequência da acção de fiscalização referida no ponto anterior foi elaborado relatório do qual consta no que aos autos concerne:

“[…]
Documentos comprovativos das gratificações pagas
Para comprovar as gratificações de 2008 pagas aos colaboradores o sujeito passivo enviou extracto da conta

Período
Valor das gratificações pagas
Agosto
7.075,00
Setembro
13.860,00
Outubro
19.600,00
Novembro
28.215,00
Dezembro
22.500,00
Total
91.250,00

E enviou também cópia dos recibos de vencimentos dos anos de 2009 dos colaboradores que usufruíram de tais gratificações.
Foi feito um resumo dos valores pagos por trabalhador que apresentamos em Anexo 3.
De acordo com o disposto no n.º 2 do Art. 24.º do CIRC, tais gratificações a título de participação nos resultados concorrem para a formação da lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que as referidas importâncias sejam pagas ou postas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte.
No caso das gratificações que não sejam pagas ou colocadas à disposição até ao fim do exercício seguinte adicionar-se-á (no campo 363 do quadro 10 da mod. 22) o IRC que deixou de ser liquidado, bem como os respectivos juros compensatórios (campo 366 do quadro 10 da declaração mod. 22) e ainda a respectiva derrama, se for caso disso, a inscrever no campo 364 do quadro 10 da mod. 22.
Ao consultarmos a declaração mod. 22 do exercício de 2009, verificamos que os campos 363, 366 e 364 do quadro 10 não apresentam qualquer valor.
Em face do exposto, propomos uma correcção ao resultado fiscal do exercício de 2008 no montante de 208.750,00.
208.750,00 = 300.000,00 – 91.250,00

Quadro 07 – Apuramento do lucro tributável
Campo
Valor
Declarado
Correcção
Valor
Proposto
Resultado líquido do exercício
201
465.006,67
0,00
465.006,67
Variações patrimoniais positivas não reflectidas no result. líquido
202
0,00
0,00
0,00
Variações patrimoniais negativas não reflectidas no result. líquido
203
300.000,00
(208.750,00)
91.250,00
Soma (campos 201+202-203)
204
165.006,67
208.750,00
373.756,67
IRC
211
95.159,73
0,00
95.159,73
Lucro Tributável
240
250.166,40
208.750,00
488.916,40

[…]” – cfr. doc. de fls. 8 e ss. do p.a. apenso aos autos.

6. Na sequência das correcções resultantes do relatório referido no ponto anterior em 2.06.2011 foi emitida a liquidação n.º 20118310003272, entre o mais, com o seguinte teor,


ANO DE EXERCÍCIO
DATA COMPENSAÇÃO
N.º LIQUIDAÇÃO
DATA LIQUIDAÇÃO
2008
2011-06-06
2011 8310093272
2011-06-02
Prej. Fiscal – Regime Geral
Prej. Fiscal – redução de taxa
Prej. Fiscal – Isenção
€                                                  0,00€                                                      0,00€                                                      0,00
N.º
Descrição
Importâncias Liq. Anterior
Importâncias Corrigidas
NOTA DEMONSTRATIVA DA LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO
1Matéria colectável€                                  0,00€                                  0,00
2Matéria colectável – Red. Taxa€                       228,053,22€                       463,803,22
3Colecta – Regime Geral – 1.º escalão€                                  0,00€                                  0,00
4Colecta – Regime Geral – 2.º escalão€                                  0,00€                                  0,00
5Colecta – Redução de Taxa€                         34.207,98€                         65,520,48
6Colecta à taxa de R.A. Açores€                                  0,00€                                  0,00
7Colecta à taxa de R.A. Madeira€                                  0,00€                                  0,00
8Dupla Tributação Económica€                                  0,00€                                  0,00
9Dupla Tributação Internacional€                                  0,00€                                  0,00
10Contribuição Autárquica €                                  0,00€                                  0,00
11Benefícios Fiscais€                                  0,00€                                  0,00
12Pagamento especial por conta€                                  0,00€                                  0,00
13Total das deduções (8+9+10+11+12))€                                  0,00€                                  0,00
14Resultado da liquidação (art. 92.º)€                                  0,00€                                  0,00
15Retenções na Fonte€                                  0,00€                                  0,00
16Pagamentos por conta€                                  0,00€                                  0,00
17IRC a pagar         (3a7-13+14-15-16)€                         34.207,98€                         65.520,48
18IRC a recuperar (3a7-13+14-15-16)€                                  0,00€                                  0,00
19IRC de exercícios anteriores€                                  0,00€                                  0,00
20Reposição de Benefícios Fiscais€                                  0,00€                                  0,00
21Derrama€                                  0,00€                                  0,00
22Tributações Autónomas€                         60.951,75€                         60.951,75
23Juros compensatórios€                                  0,00€                           2.467,25
24Juros indemnizatórios €                                  0,00
25Juros de mora€                                  0,00€                                  0,00
26Pagamento de Autoliquidação €                         95.159,75
VALOR A PAGAR
€                         33.779,75

– cfr. doc. de fls. 5 dos autos.

7. Em 6.6.2011 foi emitida a compensação n.º 201100002736269, da qual consta,


    ID. DOCUMENTO: 2011 00000301789     NR. COMPENSAÇÃO 2011 00002736269       ID. FISCAL: 508164311

  DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS           DATA COMPENSAÇÃO: 2011-06-06

Imposto
Período
Data

Movimento

Data valor
Descrição
Montante
Total D/C
IRC
2008-01-01 a 2008-12-31
2011-06-06
2011-06-06
Estorno Liq de 2008 – Liq. 2009 2910195769
+ 0,00
+ 0,00
IRC
2008-01-01 a 2008-12-31
2011-06-06
2011-06-06
Acerto Liq. De 2008 – Liq. 2011 8310003272
- 31.312,50
IRC
2008-01-01 a 2008-12-31
2011-06-06
2011-06-06
Juros Compensatórios – Liq. 2011 00001155810
- 2.467,25
- 33.779,75

– cfr. doc. de fls. 6 dos autos».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A sociedade ora Recorrente deliberou em assembleia-geral realizada em 31 de Março de 2009 – em que aprovou as contas do exercício de 2008 (Cfr. art. 65.º do Código das Sociedades Comerciais.) – proceder à distribuição de € 300.00,00, parte dos lucros obtidos no exercício de 2008, pelos seus colaboradores.
Por isso, na declaração de rendimentos (mod. 22) que apresentou relativamente ao exercício do ano de 2008 indicou aquele montante, respeitante a “gratificações por aplicação de resultados” (É esta a denominação (a par da “gratificações de balanços”, embora esta seja menos rigorosa) que foi adoptada para designar esta realidade, a que a lei fiscal se referiu pela primeira vez no n.º 2 do art. 24.º do CIRC.) como integrando as “variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício” (campo 203 do quadro 07 da declaração mod. 22).
Na verdade, de acordo com a legislação em vigor à data, em sede de IRC, as gratificações por aplicação de resultados eram consideradas como uma variação patrimonial negativa, isto é, eram abatidas ao resultado contabilístico para efeitos de determinação do lucro tributável, desde que as respectivas importâncias fossem pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte (exercício da atribuição), tudo nos termos do n.º 2 do art. 24.º do CIRC, na versão aplicável (Referimo-nos, aqui como adiante, à versão que vigorou até à republicação do Código operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2010.), norma legal que dispunha: «As variações patrimoniais negativas relativas a gratificações e outras remunerações do trabalho de membros de órgãos sociais e trabalhadores da empresa, a título de participação nos resultados, concorrem para a formação do lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que as respectivas importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte».
No entanto, ao longo do ano de 2009 a Contribuinte apenas entregou aos seus colaboradores, a título de participação nos resultados do exercício de 2008, a quantia de € 91.250,00.
Assim, deveria a Contribuinte ter observado o disposto no n.º 5 do referido art. 24.º do CIRC, que dispunha: «No caso de não se verificar o requisito enunciado no n.º 2, ao valor do IRC liquidado relativamente ao exercício seguinte adiciona-se o IRC que deixou de ser liquidado em resultado da dedução das gratificações que não tiverem sido pagas ou colocadas à disposição dos interessados no prazo indicado, acrescido dos juros compensatórios correspondentes».
No entanto, na declaração de rendimentos respeitante ao exercício de 2009, não adicionou ao valor liquidado nesse ano o IRC que deixou de ser liquidado em 2008 em virtude da dedução do montante de € 208.750,00 (diferença entre € 300.000,00 e € 91.250,000, i.e., entre os montantes das gratificações deliberadas e das efectivamente pagas no exercício de 2009), bem como os respectivos juros compensatórios (o que deveria ter feito, respectivamente, nos campos 363 e 366 do quadro 10 da declaração mod. 22), como lho impunha o disposto no n.º 5 art. 24.º do CIRC, na versão aplicável.
A AT, tendo verificado a factualidade acima exposta, entendeu proceder à correcção do resultado fiscal do exercício de 2008, acrescendo ao lucro tributável declarado o montante de € 208.750,00, do que resultou a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do montante de € 33.779,75.
É contra essa liquidação adicional que se insurgiu a Contribuinte, primeiro deduzindo impugnação judicial dessa liquidação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e agora, após a Juíza desse Tribunal ter julgado improcedente a impugnação, mediante recurso jurisdicional dessa sentença.
Entende a Contribuinte que a referida correcção não devia ser efectuada com referência ao ano de 2008. Embora o não diga expressamente na petição inicial, infere-se da alegação aí aduzida, e resulta expressamente da motivação do recurso, que entende que essa correcção deveria ter sido efectuada no ano de 2009 e já não no de 2008, sob pena de violação do disposto no n.º 5 do art. 24.º do CIRC, na redacção aplicável.
Daí termos enunciado a questão a apreciar e dirimir nos termos que deixámos expostos em 1.8.


*

2.2.2 DA CORRECÇÃO POR GRATIFICAÇÕES POR APLICAÇÃO DE RESULTADOS

Como resulta do que deixámos já dito, a Recorrente e a AT não divergem quanto à factualidade nem quanto à qualificação da mesma: a sociedade ora Recorrente deliberou em 2009 distribuir o montante de € 300.000,00, parte dos lucros obtidos em 2008, pelos seus colaboradores, mas até ao final do ano de 2009 apenas lhes tinha entregue € 91.250,00; tendo indicado o valor de € 300.000,00 como “variação patrimonial negativa” (Note-se que, com a introdução do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), em 1 de Janeiro de 2010, e com a alteração ao CIRC operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, no sentido de o aproximar do SNC, aplicável aos períodos que se iniciem em, ou após, 1 de Janeiro de 2010, o tratamento fiscal e contabilístico dado às “gratificações por distribuição de resultados” ou “gratificações de balanço” sofreu consideráveis alterações: passaram a ser consideradas como “gastos com o pessoal” ao invés de “variações patrimoniais negativas”.) na declaração de 2008, na declaração de 2009 não incluiu o IRC que deixou de pagar em 2008.
O dissídio verifica-se, apenas, devido ao ano em que a AT procedeu à correcção: enquanto a AT a reportou ao ano de 2008, a Contribuinte sustenta que a mesma deveria ser feita com referência ao ano de 2009. Vejamos:
O conceito de lucro tributável no CIRC assenta na “teoria do incremento patrimonial”, como se depreende do previsto no item 5 do preâmbulo do Código que preceitua: «O conceito de lucro tributável que se acolhe em IRC tem em conta a evolução que se tem registado em grande parte das legislações de outros países no sentido da adopção, para efeitos fiscais, de uma noção extensiva de rendimento, de acordo com a chamada teoria do incremento patrimonial».
Sobre o conceito de lucro tributável, logo o n.º 2 do art. 3.º do CIRC, prescreve: «Para efeitos do disposto no número anterior, o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código».
A definição é clarificada no n.º 1 do art. 17.º do CIRC, que estabelecendo a “ponte” entre a contabilidade e a fiscalidade, estatui: «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
Ou seja, entre as correcções a que alude o art. 3.º, n.º 2, do CICR, contam-se as variações patrimoniais não reflectidas no resultado líquido e de que ora nos interessa considerar as negativas, i.e., as que se abatem ao resultado contabilístico para efeitos de determinação do lucro tributável e que não se encontram reflectidas no resultado líquido, designadamente as gratificações a trabalhadores (Também as gratificações a membros dos órgãos sociais que, no entanto, estavam sujeitas a um regime algo diverso, estabelecido nos nºs 3 e 4 do referido art. 24.º.) por aplicação de resultados (a inscrever no campo 203 do quadro 7 da declaração mod. 22).
Na verdade, em sede de IRC, as gratificações por aplicação de resultados eram consideradas como uma variação patrimonial negativa, isto é, abatiam-se ao resultado contabilístico para efeitos de determinação do lucro tributável, desde que as respectivas importâncias fossem pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte (exercício da atribuição), conforme o disposto no n.º 2 do art. 24.º do CIRC. Ou seja, as denominadas gratificações por aplicação de resultados eram fiscalmente aceites como variações patrimoniais negativas no ano a que se referiam, nos termos do n.º 2 do art. 24.º do CIRC, apesar de atribuídas no ano seguinte, quando da deliberação de aprovação das contas do exercício. Esta disposição do CIRC só se justificava pela não coincidência entre o exercício da verificação da variação patrimonial negativa na contabilidade e o exercício em que a mesma era fiscalmente reconhecida: embora a variação patrimonial negativa, como grandeza contabilística que é, se verificasse apenas no exercício da atribuição das gratificações, era fiscalmente reconhecida no exercício anterior, em que era apurado o lucro em relação ao qual se atribuía a participação dos trabalhadores ou membros dos órgãos sociais. Assim, tais gratificações, a título de participação nos resultados, concorriam para a formação do lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que as respectivas importâncias fossem pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte.
Se não fosse cumprida esta condição, impunha-se à empresa, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 24.º do CIRC, adicionar, ao IRC do exercício em que as importâncias deviam ter sido colocadas à disposição, o imposto que deixou de liquidar em resultado da variação patrimonial negativa (no campo 363 do quadro 10 da declaração mod. 22) e os respectivos juros compensatórios (no campo 366 do quadro 10) e ainda, eventualmente, a derrama (no campo 364 do quadro 10).
A lei estabelecia, pois, no n.º 5 do art. 24.º do CIRC, o procedimento a adoptar no caso de incumprimento da condição fixada no n.º 2, in fine, do mesmo artigo: deve a empresa adicionar, ao IRC do exercício em que as importâncias deviam ter sido colocadas à disposição, o imposto que deixou de liquidar em resultado da variação patrimonial negativa, acrescido dos respectivos juros compensatórios.
Porque a ora Recorrente não procedeu nesses termos, deveria a AT ter procedido à pertinente correcção, acrescendo ao imposto do exercício de 2009 o imposto que deixou de ser liquidado em 2008 em resultado da dedução das gratificações que não foram pagas até final do exercício de 2009, como o determinava o n.º 5 do art. 24.º do CIRC.
Não foi isso que fez e, ao invés, operou a correcção no exercício de 2008.
Afigura-se-nos, pois, que tem razão a Recorrente quando sustenta que a liquidação impugnada enferma de violação de lei por a correcção que lhe deu origem ter incidido sobre o resultado fiscal do ano de 2008 e não do exercício seguinte, como o impunha o n.º 5 do art. 24.º do CIRC. Assim, a sentença recorrida, que deu o seu aval ao acto impugnado, deve ser revogada.


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2.2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Nos termos do art. 24.º, n.º 2, do CIRC, permitia-se que as gratificações de trabalhadores da empresa a título de participação nos resultados fossem relevadas como variações patrimoniais negativas, concorrendo para a formação do lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte.

II - Se esta condição não fosse verificada, o art. 24.º, n.º 5, do CIRC, estabelecia que ao valor do IRC liquidado em relação ao exercício seguinte se adicionava o IRC que deixou de ser liquidado, em resultado da dedução das gratificações que não tivessem sido pagas ou colocadas à disposição dos interessados no prazo indicado, acrescido dos juros compensatórios correspondentes.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgando a impugnação judicial procedente, anular a liquidação impugnada.

Custas pela Fazenda Pública, mas apenas em 1.ª instância, uma vez que não contra alegou o recurso.


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Lisboa, 14 de Maio de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado.