Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01264/12
Data do Acordão:01/16/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:SUCURSAL FINANCEIRA EXTERIOR
IRC
PERSONALIDADE JURÍDICA
PERSONALIDADE TRIBUTÁRIA
Sumário:I – As sucursais financeiras exteriores (situadas em zonas off shore) não têm personalidade jurídica nem personalidade tributária não podendo ser directamente sujeitos de relações jurídicas tributárias.

II – O sentido do nº 8 do art. 60º do CIRC (segundo redacção vigente à data dos factos), na parte a que se refere, como pressuposto da sua aplicabilidade, que “o sócio residente em território português, que se encontre nas condições do nº 1, esteja sujeito a um regime especial de tributação”, “(…), deve entender-se que tal só ocorre quando a generalidade dos rendimentos da entidade que é sócia da sociedade estrangeira estiver sujeita a um regime especial, não se verificando tal requisito quando aquela entidade é, nos termos da lei, sujeito passivo de IRC, embora beneficie de isenção em relação a determinada fonte dos seus rendimentos, os obtidos através da sua sucursal financeira exterior.

III – Só assim não seria se o regime das fontes de rendimento fosse predominante, o que aconteceria se, por exemplo, estivesse todo ele coberto por uma isenção ou beneficiasse em bloco de uma taxa reduzida.
Nº Convencional:JSTA00068044
Nº do Documento:SA22013011601264
Data de Entrada:11/19/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:BANCO A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:EBF ART33 N1 C
CIRC01 ART60 N8 ART57-B N8
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC026362 DE 2001/11/14
Referência a Doutrina:GONÇALO ALMEIDA AVELÃS NUNES - A CLÁUSULA GERAL ANTI-ABUSO EM SEDE FISCAL - FISCALIDADE N3 JULHO 2006 PAG46.
JOSÉ CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL ALMEDINA COIMBRA 2000 PAG376.
MARIA M C MESQUITA - O ARTIGO 57-B DO CÓDIGO IRC AS CONVENÇÕES SOBRE DUPLA TRIBUTAÇÃO E O TRATADO DA COMUNIDADE EUROPEIA CTF N382 1996 PAG62.
ALBERTO XAVIER- DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL 2ED ALMEDINA COIMBRA 2007 PAGS416-418.
RUI DUARTE MORAIS - IMPUTAÇÃO DE LUCROS DE SOCIEDADES NÃO RESIDENTES SUJEITAS A UM REGIME FISCAL PRIVILEGIADO - PUBLICAÇÕES UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTO 2005 PAGS458 E SEGS.
SALDANHA SANCHES - MANUAL DE DIREITO FISCAL 3ED COIMBRA EDITORA 2007 PAG449.
SÉRGIO VASQUES - MANUAL DE DIREITO FISCAL ALMEDINA 2011 PAG311.
INOCÊNCIO GALVÃO TELES - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO COIMBRA 2000 PAG143.
SANTOS JUSTO - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO COIMBRA EDITORA 2001 PAG147.
BAPTISTA MACHADO - INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR 7 REIMPRESSÃO ALMEDINA COIMBRA 1994 PAG95.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I-RELATÓRIO

1. O Banco A………. , S. A., com os sinais dos autos, deduziu impugnação judicial, no Tribunal Tributário de Lisboa, do indeferimento tácito da reclamação graciosa relativa à liquidação adicional de IRC nº. 2003 8310015129, do exercício de 2001, no montante de 3.281.608,04€., que foi julgada procedente.

2. Não se conformando, a Fazenda Pública veio interpor recurso para este STA, apresentando as seguintes Conclusões das suas Alegações:
“1) Estando em causa a legalidade da liquidação de IRC referente ao ano de 2001 e, concretamente, a correcção relativa à imputação de lucros prevista no art. 60º do CIRC (na redacção dada pela Lei n° 30-G/2000, de 29/12), considerou a decisão recorrida que a impugnante se encontrava, então, sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, beneficiando do regime de isenção temporária previsto no art. 33° do EBF (na redacção aplicável) relativamente aos proveitos obtidos na Zona Franca da Madeira através da sua sucursal financeira exterior, sendo que tal isenção temporária não constitui um regime especial de tributação para efeitos do art. 57°-B, n° 8 do CIRC.
2) Contudo, diversamente do sustentado na decisão em apreço, afigura-se-nos que o benefício fiscal previsto no questionado art. 33º, n° 1, al. c) do EBF, o qual consubstancia a referida isenção temporária, não deixará de constituir um regime especial de tributação no respeitante aos rendimentos imputados pela ora impugnante à sua sucursal financeira exterior, que viriam a ser objecto da correcção em causa, considerando que a mesma instituição financeira também apresenta rendimentos tributados no regime geral, a cujo lucro tributável foram acrescidos os resultados pela mesma imputados à sucursal financeira exterior.
3) Tal ilação decorre, designadamente, do entendimento manifestado no acórdão do STA de 14/11/2001 proc. 026362, em cujo sumário (IV) se refere “Por isso, uma instituição financeira que disponha de uma sucursal financeira exterior que beneficie de isenção de I.R.C. dever ser considerada como uma empresa que desenvolva, simultaneamente, actividades isentas e não isentas de I.RC., para efeitos do n° 3 do art. 57° do C.I.R.C na redacção inicial”, sendo certo que, tal como resulta da epígrafe do preceito legal em questão, o mesmo visa regular as correcções nos casos de relações especiais ou sujeição a vários regimes de tributação.
4) Por sua vez, em anotação ao n° 3 do mesmo art. 57º do CIRC referem F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, 5ª Edição, p. 442, que o preceito legal em questão «(...) aplica-se às empresas que integram sectores sujeitos a regimes fiscais diferentes — parte da sua actividade está sujeita a imposto enquanto outra parte beneficia de isenção ou redução de taxa.”
5) Conclui-se, assim, que o entendimento expresso na decisão recorrida, de acordo o qual se deveria considerar que a impugnante, não obstante a isenção temporária prevista no art. 33º do EBF, se encontrava, então, sujeita, tão-somente, ao regime geral de tributação em IRC, resulta contrariado, designadamente, pela posição adoptada pela jurisprudência relativamente a tal questão, ainda que a propósito do regime estabelecido no art. 57° do CIRC, sendo contudo evidente a aplicabilidade de tal entendimento ao preceituado no art. 57°-B do mesmo código (art. 60º, na redacção da Lei n° 30-G/2000, de 29/12), facto que, por sua vez e por aplicação do disposto no n° 8 do referido art. 60° do CIRC, fundamenta a correcção relativa à imputação de lucros (que tinham sido imputados à SFE do Banco em causa) à própria impugnante, no âmbito da sua sujeição ao regime geral de tributação em IRC, razões pelas quais, tendo a sentença recorrida decidido com base em entendimento contrário ao que resulta das presentes conclusões, violando o art. 60°, n° 8 do CIRC, deverá a mesma ser revogada, com as legais consequências.

3. Contra-alegando, o Banco A………., S. A., concluiu nos termos que se seguem:
“a) O recurso jurisdicional em que ora se contra-alega foi interposto pelo Representante da Fazenda Pública (doravante RFP ou somente recorrente), na sequência da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no dia 31 de Maio de 2012, que julgou a impugnação judicial deduzida pela aqui recorrida, relativa ao IRC do ano de 2001, integralmente procedente.
b) Em causa estava a questão de saber se pode ou não ser imputada à impugnante — ora recorrida -, ao abrigo do disposto no n.° 8 do artigo 60.° do CIRC (em vigor à data dos factos), os lucros provenientes de participações sociais em sociedades não residentes e sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável, por si detidas através de uma SFE na ZFM.
c) Ora, entendeu o tribunal a quo — e bem -, que “a impugnante encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, beneficiando do regime de isenção temporária previsto no art. 33° do EBF relativamente aos proveitos obtidos na ZFM, através da sua SFE, sendo que este não constitui um regime especial de tributação para efeitos do artigo 57.°-B, n. 8 do CIRC, mas antes um benefício fiscal nos termos do n. 1 do art. 2.º do EBF”, pelo que, conclui, “procede a pretensão da Impugnante, e por conseguinte, a liquidação impugnada deve ser parcialmente anulada, na parte respeitante à correcção impugnada”.
d) Inconformada, vem o RFP interpor recurso da decisão alegando que “ao invés do concluído na decisão recorrida, parece resultar evidente que o benefício fiscal previsto no sobredito art. 33 n.° 1, al. c,) do EBF, consubstanciando uma isenção temporária, não deixará de constituir um regime especial de tributação no respeitante aos rendimentos imputados pela instituição de crédito em causa à sua sucursal financeira exterior, os quais foram objecto da correcção em apreço, considerando que a mesma instituição também apresenta rendimentos tributados no regime geral, a cujo lucro tributável foram acrescidos os resultados imputados à sucursal financeira exterior”, concluindo que “o entendimento expresso na decisão recorrida, de acordo com o qual se deveria considerar que a impugnante, não obstante a isenção temporária prevista no art. 33º do EBE, se encontrava, então, sujeita, tão-somente, ao regime geral de tributação em IRC, resulta contrariado, designadamente pela posição adoptada pela jurisprudência relativa a tal questão, ainda que a propósito do regime estabelecido no art. 57° do CIRC, sendo contudo evidente a aplicabilidade de tal entendimento ao preceituado no art. 57.°-B do mesmo código (art. 60.º, na redacção da Lei n.° 30-G/2000, de 29/12), facto que, por sua vez e por aplicação do disposto no n.° 8 do referido artigo 60° do CIRC, fundamenta a correcção relativa à imputação de lucros (que tenham sido imputados à SFE do Banco em causa) à própria impugnante, no âmbito da sua sujeição ao regime geral de tributação em IRC, razões pelas quais, tendo a sentença recorrida decidido com base em entendimento contrário ao que resulta das presentes conclusões, violando o art. 60.º n.° 8 do CIRC, deverá ser a mesma revogada, com as legais consequências”.
e) Todavia, como é bom de ver, à sentença não pode ser imputado qualquer erro ou vício, porquanto a mesma aplicou, correcta e legalmente, as disposições legais aplicáveis.
f) Com efeito, a análise do n.° 8 do artigo 60º do CIRC (numeração e redacção à data dos factos) conduz à conclusão da sua inaplicabilidade aos casos em que as participações sociais das sociedades localizadas em territórios com regime claramente mais favorável são detidas por um sujeito passivo sujeito ao regime geral de tributação, embora através de uma sucursal cujos rendimentos gozam — temporariamente — de uma isenção de imposto.
g) Ora, no caso vertente, a titularidade jurídica das participações na B……… e C………. pertence ao próprio A……… — e não à SFE da ZFM: o sócio dessas sociedades é o próprio A………, e não qualquer uma das suas sucursais, filiais, delegações ou outros estabelecimentos estáveis que, em todo o caso, seriam sempre incapazes de ser titulares de direitos de propriedade, por carecerem de personalidade jurídica.
h) Assim, a SFE da ZFM, enquanto estrutura representativa do A…….., participa da personalidade jurídica deste e, consequentemente, não é sequer sujeito passivo de imposto — como é evidente, o sujeito passivo de imposto é o próprio A…….., que se encontra sujeito ao regime geral de tributação, já que o beneficio previsto no artigo 33° do EBF (numeração e redacção à data dos factos) não traduz qualquer regime especial de tributação aplicável à SFE ou sequer ao A....... (não se trata, pois, de uma isenção subjectiva, mas antes de uma isenção objectiva concedida apenas aos rendimentos obtidos pelo A…….. através da sua actividade na ZFM).
i) Portanto, sendo o A…….. o sócio da B………. e do C………, e encontrando-se ele sujeito ao regime geral de tributação, não se vê com que fundamento pode a Administração fiscal desencadear a aplicação do n.° 8 do artigo 60° do CIRC.
j) Por outro lado, e sem conceder, sempre se dirá que, mesmo se tal preceito fosse aplicável, ele jamais conduziria à solução proposta pela Administração fiscal.
k) Com efeito, ainda que a SFE do A……… na ZFM fosse um sujeito passivo autónomo de imposto, submetido a um regime especial de tributação — condição indispensável à aplicação do n.° 8 do artigo 60° —, a imputação nos termos daquele n.° 8 haveria de ser “feita directamente às primeiras entidades que se encontrem na cadeia de participação (...) sujeitas ao regime geral de tributação”, ou seja, aos sócios do A……… que se encontrem sujeitos ao regime geral: são estes os que, a seguir à sucursal, em primeiro lugar se encontram na cadeia de participações.
l) A expressão “cadeia de participação” pressupõe a existência de relações de capital entre o sócio da sociedade não residente — sujeito ao regime especial — e a entidade a quem o n.° 8 manda imputar os lucros — sujeito ao regime geral (aliás, é justamente por pressupor a existência dessas relações de capital que o mesmo n.° 8 não faz depender a imputação ao sócio indirecto da sua “percentagem de participação efectiva no capital da sociedade não residente”), sendo que tais relações de capital não existem entre um estabelecimento principal e uma sucursal.
m) Mesmo que a lei fiscal atribuísse as estas sucursais a qualidade de sujeitos passivos de imposto — o que não sucede — nem por isso elas passariam a gozar de personalidade jurídica própria e distinta da dos respectivos estabelecimentos principais (e muito menos se poderia dizer que uma e outra estariam ligadas por uma “cadeia de participação”).
n) Esclarecida a inaplicabilidade da regra especial do n.° 8 do artigo 60° do CIRC, deve ter-se em boa conta a solução que resulta da aplicação da regra geral prevista no n.° 1 do citado preceito, segundo a qual os lucros das sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável são imputados ao sócio, independentemente de distribuição, quando conjugada com os n.°s 1 e 19 do artigo 33° do EBF.
o) Ora, aquela regra geral obriga a que o sócio inclua na sua matéria colectável aqueles lucros, no exercício em que os mesmos foram obtidos, ainda que os mesmos não tenham sido recebidos das sociedades participadas, e foi exactamente assim que procedeu o A…….. em 2001, acrescendo à sua matéria colectável os lucros obtidos pela suas subsidiárias B……… e C………..
p) Sucede, no entanto, que a participação social dessa sociedade se encontrava afecta à sucursal do A……… que opera no âmbito da ZFM, pelo que, ao abrigo das regras de organização da contabilidade que, por força do n.° 17 do artigo 33° do EBF (então em vigor), seriam aplicáveis, os lucros em crise foram imputados àquela sucursal, constituindo proveitos seus.
q) Ora, nos termos do n.° 1 do artigo 33° do EBF, os rendimentos do A…….. gerados através da ZFM estão isentos de tributação.
r) Carece, pois, de fundamento legal a argumentação do RFP que sustenta os actos impugnados, na parte em que aplica aos factos o n.° 8 do artigo 60º do CIRC e em que considera sujeitos ao regime geral do IRC todos os rendimentos da Impugnante.
s) A sentença proferida pelo tribunal a quo, ao concluir que a recorrida encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, beneficiando de uma isenção temporária constante do artigo 33.° do EBF (não existindo, assim sendo, qualquer regime especial de tributação para efeitos do artigo 60.° do CIRC, mas tão-somente um benefício fiscal nos termos do artigo 2.° do EBF) mostra-se correcta, não padecendo de qualquer erro na interpretação das disposições legais aplicáveis.
t) Deste modo, considera a recorrida que o presente recurso deverá ser julgado improcedente — atendendo a que a matéria de direito foi bem apreciada pelo Tribunal a quo — mantendo-se a sentença proferida na ordem jurídica, com todas as consequências legais.
TERMOS EM QUE DEVERÁ NEGAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS”.

4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido de o recurso ser de proceder, por entender, entre o mais que “(…) A isenção temporária de tributação estatuída no artigo 33.°/1/c) do EBF é uma isenção mista. Subjectiva no que concerne à qualidade do sujeito passivo — instituições de crédito e sociedades financeiras e objectiva porque aplicável aos rendimentos da respectiva actividade aí exercida e no condicionalismo imposto pela citada norma.
Assim, o impugnante, com parte dos seus rendimentos abrangidos por esta norma encontra-se enquadrado num regime especial de tributação, apresentando parte dos seus rendimentos tributados no regime geral e a outra parte com isenção temporária”.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II-FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A sentença recorrida deu como assente os seguintes factos:
“A) A Impugnante, na qualidade de instituição de crédito, exerce a actividade bancária, correspondente ao CAE n.° 65221 (cfr. fls. 79 do Processo Administrativo).
B) A Impugnante dispõe de uma Sucursal Financeira Exterior (SFE) na Zona Franca da Madeira (ZFM) (cfr. fls. 79 e ss do Processo Administrativo).
C) A Impugnante opera, a par da sua actividade em Portugal Continental, na Zona Franca da Madeira (ZFM), através de uma sucursal financeira exterior (SFE) — cfr. fls. 88 do Processo Administrativo).
D) No exercício de 2001, a Impugnante estava sujeita ao regime geral de tributação e beneficiava de isenção temporária de tributação, ao abrigo do disposto no art. 41.° do EBF (cfr. relatório de inspecção a fls. 34 dos autos).
E) A Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção externa, em sede de IRC, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria colectável, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, ao exercício de 2001, no montante de 6.942.402,10€ (regime geral - com fundamento no ponto 3.1.1.1 a 11 do relatório) e (3.386.231,51€) (regime de isenção temporária - com fundamento no ponto 3.1.1.8 do relatório), e ainda apurou-se imposto em falta no montante de 18.714,23€ (com fundamento no ponto 3.1.1.13 do relatório) - (cfr. relatório de inspecção de fls. 83 do Processo Administrativo).
F) A correcção no montante de 6.384.512,62€ foi efectuada com o seguinte fundamento, que aqui se transcreve na parte com interesse para a decisão:
-“ (...) a1) Eur. — 6.384.512,62 — regime geral
O Banco acresceu ao lucro tributável da SFE o montante de Lar. 6.384.512,62, decorrente da aplicação do art° 60º do CIRC. Este acréscimo deriva das participações no capital do C………..Ltd, sediado nas ilhas Cayman, e da B……… Ltd., sediada nas Ilhas Virgens Britânicas.
Estas participações foram contabilisticamente registadas no Imobilizado Financeiro da Sucursal Financeira Exterior da Zona Franca da Madeira, razão pela qual o Banco efectuou as correcções ao lucro tributável no regime de isenção temporária. Nos termos do nº 8 do art° 60° do CIRC, os resultados obtidos por essas sociedades situadas em países de regime fiscal privilegiado (n°s 15 e 81 da lista de paraísos fiscais aprovada pela portaria 1272/2001 de 9 de Novembro), serão imputáveis aos titulares de participações superiores a 25%, residentes em território nacional, em função da sua percentagem de participação, preenchidos que estejam os outros condicionalismos impostos pelo citado artigo. O Decreto-Lei 37/95, de 14 de Fevereiro, que introduziu o art° 57°-B (actual art° 60°) no CIRC, veio consagrar na ordem jurídica nacional, uma medida anti-abuso, com vista a contrariar a deslocalização dos rendimentos para territórios que assegurem um regime fiscal privilegiado, através da acumulação por residentes, de resultados em sociedades por eles controladas naqueles territórios.
Assim, e como refere o preâmbulo daquele diploma, a medida consiste num simples regime de antecipação da consideração para efeitos de tributação em Portugal, dos lucros que cabem à participação do sócio residente. Isso traduz-se na imputação a este, independentemente da distribuição, da parte do lucro que lhe cabe, atendendo ao capital detido, mas com a aplicação de um regime semelhante ao dos lucros distribuídos. Como consequência, dispõe o n° 8 do art° 60° do CIRC que, quando o sócio residente em território português, esteja sujeito a um regime especial de tributação, a imputação que lhe seria efectuada os termos do n° 1 do mesmo artigo, será feita às primeiras entidades que se encontrem na cadeia de participações no território nacional, e sujeitas ao regime geral de tributação.
Neste sentido, não poderão ser tidos em consideração, quaisquer ajustamentos ao lucro tributável da SFE do Banco, efectuados nos termos do nº 1 do art° 60º do CIRC, dado que nos termos do n° 8 do mesmo artigo, esses resultados não lhe são imputáveis.
Acresce que, tratando-se de uma sucursal de uma entidade residente sujeita ao regime geral de tributação, não serão os resultados das participações detidas em sociedades situadas em países de regime fiscal privilegiado, imputáveis às primeiras entidades que se encontrem na cadeia de participação, nos termos do n° 8 do art° 60° do CIRC, mas serão imputados ao próprio Banco, no âmbito da sua sujeição ao regime geral de IRC. Face ao exposto, foi deduzido ao lucro tributável da SFE, o montante de Eur. 6.384.512,62, relativo à imputação de resultados efectuada à SFE, em virtude de ter sido infringido o disposto no n° 8 do art° 60° do CIRC, tendo sido acrescido ao lucro tributável do Regime Geral o mesmo montante, dando cumprimento ao disposto no preâmbulo do Decreto-Lei n° 37/95 de 14 de Fevereiro.” (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 101 a fls. 103 do processo administrativo).
G) Na sequência das correcções efectuadas, em 14/08/2003, foi emitida a liquidação de IRC, n.° 8310015129, no montante de 3.281.608,04€, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 01/10/2003 (cfr. documento de fls. 19 dos autos).
H) Em 18/12/2003 a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada na alínea anterior (cfr. Processo de Reclamação Graciosa em apenso e fls. 71 dos autos).
I) A Reclamação graciosa não foi decidida (cfr. Processo de Reclamação Graciosa em apenso).
J) Em 13/05/2004 foi pago o montante de 3.519.570,75€, no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3247200301062662, referente à liquidação mencionada na alínea F), e respectivos juros de mora (cfr. documento a fls. 20 dos autos).
K) Em 14/05/2004 foi pago o montante de 41.070,17€, no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3247200301062662, a título de juros compensatórios referentes à liquidação mencionada na alínea F) (cfr. documento a fls. 21 e 22 dos autos).
L) A Impugnação foi remetida ao Tribunal por correio registado datado de 15/09/2004 (cfr. fls. 74 dos autos)”.


2- DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

Resulta do probatório que a Impugnante, ora recorrida, na qualidade de instituição de crédito, exerce a actividade bancária, quer em Portugal, quer na Zona Franca da Madeira (ZFM), dispondo aí de uma Sucursal Financeira Exterior (SFE).
No exercício da sua actividade, a recorrida encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, por um lado, e, por outro lado, parte dos rendimentos da sua actividade (os rendimentos obtidos pela SFE na ZFM) beneficia do regime previsto no art. 33º, nº 1, alínea c), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
Nesse mesmo exercício, em resultado de uma inspecção, foram efectuadas várias correcções de entre as quais consta um acréscimo ao lucro tributável no valor de 6.384.512,62€, por lhe terem sido imputados, ao abrigo do nº 8 do art. 57º-B do CIRC (art. 60º, nº 8, do CIRC, numeração em vigor à data dos factos), os lucros provenientes de participações sociais em sociedades não residentes e sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável, por si detidas através da Sucursal Financeira Exterior na Zona Franca da Madeira.
Em 16 de Setembro de 2004, a ora recorrida deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa de petição de impugnação judicial contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa relativa à liquidação adicional de IRC nº 20038310015129, que lhe havia sido notificada pela Direcção-Geral dos Impostos, que foi julgada procedente, por sentença proferida em 31 de Maio de 2012.
Para tanto, ponderou a Mmª Juíza, entre o mais, que:
· “(…) A questão controvertida é saber se o impugnante deve ser enquadrado no regime do artigo 60.°/8 do CIRC.
· (…), a Impugnante encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, facto este que não é controvertido. Este é o seu regime de tributação. É através desse regime que o imposto (IRC) devido no fim de cada exercício é apurado.
· Não obstante, e como vimos, a Impugnante beneficia, relativamente a determinados rendimentos, de uma isenção temporária (art. 33.° do EBF).
· (…) Assim, para que o n.° 8 do art.° 57.°- B seja aplicável, pressupõe, desde logo, que o sócio residente em território português esteja sujeito a um regime especial de tributação. Porém, tal não sucede no caso dos autos.
· (…) a isenção temporária de IRC prevista no art. 33.° do EBF, não constitui qualquer regime especial de tributação para efeitos do art. 57.°-B, n.° 8 do CIRC.
· (…) concluiu-se que a Impugnante encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, beneficiando do regime de isenção temporária previsto no art. 33º do EBF relativamente aos proveitos obtidos na ZFM através da sua SFE, sendo que este não constitui um regime especial de tributação para efeitos do art. 57º-B, nº 8 do CIRC, mas antes um benefício fiscal nos termos do nº 1 do art. 2º do EBF.”
Contra este entendimento se insurge a Fazenda Pública, argumentando, em síntese, que “(…) o benefício fiscal previsto no questionado art. 33º, n° 1, al. c) do EBF, o qual consubstancia a referida isenção temporária, não deixará de constituir um regime especial de tributação no respeitante aos rendimentos imputados pela ora impugnante à sua sucursal financeira exterior, que viriam a ser objecto da correcção em causa, considerando que a mesma instituição financeira também apresenta rendimentos tributados no regime geral, a cujo lucro tributável foram acrescidos os resultados pela mesma imputados à sucursal financeira exterior”.
Em face das conclusões, que são as relevantes para aferir do objecto e âmbito do presente recurso, nos termos do disposto nos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, a questão a decidir nos presentes autos consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao concluir pela procedência da impugnação judicial, porque a recorrida se encontra sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, beneficiando do regime de isenção temporária previsto no art. 33º do EBF relativamente aos proveitos obtidos na ZFM através da sua SFE, sendo que este não constitui um regime especial de tributação para efeitos do art. 60º, nº 8, do CIRC.


2.2. Da apreciação do erro de julgamento: sentido e alcance do art. 57º-B, nº 8, do CIRC
(art. 60º, nº 8, segundo a redacção da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro)

1. Em 1995, o legislador português introduziu, através do Decreto-Lei nº 37/95, de 14 de Fevereiro, no CIRC uma norma anti-abuso (Sobre “as normas especiais anti-abuso que consagram soluções legais de vária natureza, de forma a evitar a elisão fiscal em relação a problemas muito específicos detectados em sede de um determinado imposto”, cfr. GONÇALO ALMEIDA AVELÃS NUNES, “A Cláusula Geral Anti-Abuso de Direito em sede fiscal….”, Fiscalidade, nº 3, Julho, 2000, p. 46.), o art. 57º-B, que conduz genericamente à imputação aos sócios residentes em Portugal, de lucros de sociedades residentes em países com regime fiscal privilegiado.
Sob a epígrafe “Imputação de lucros de sociedades residentes em países com regime fiscal privilegiado”, dispunha aquele preceito legal:
“1- São imputados aos sócios residentes em território português, na proporção de sua participação social e independentemente de distribuição, os lucros obtidos por sociedades residentes fora desse território e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, desde que o sócio detenha, directa ou indirectamente, uma participação social de, pelo menos, 25%, ou, no caso de a sociedade não residente ser detida, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por sócios residentes, uma participação social de, pelo menos, 10%.”
2- A imputação a que se refere o número anterior é feita na base tributável relativa ao exercício que integra o termo do período de tributação da sociedade não residente e corresponde ao lucro obtido por esta, depois de deduzido o imposto sobre o rendimento incidente sobre esses lucros, a que houver lugar de acordo com o regime fiscal aplicável no Estado de residência dessa sociedade.
3- Para efeitos do disposto no nº1, considera-se que uma sociedade está submetida a um regime claramente mais favorável quando no território de residência da mesma não for tributada em imposto sobre o rendimento ou a taxa de tributação aplicável sobre os lucros obtidos for inferior a 20%.
4-
5-
6-
7-(…)”

Este preceito determina, nas palavras de JOSÉ CASALTA NABAIS (Cfr. Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2000, p. 376.), “(…) a imputação aos sócios residentes em território português, na proporção da respectiva participação social e independentemente da sua distribuição, dos lucros obtidos (após a dedução do imposto sobre os lucros que sobre os mesmos tenha recaído) por sociedades residentes fora desse território e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável” (nº 3), desde que a sociedade desenvolva a título principal certo tipo de actividade (nº 4) e o sócio detenha directa ou indirectamente, uma participação social de, pelo menos, 25% ou, no caso de a sociedade não residente ser detida, directa ou indirectamente, em percentagem superior a 50% por sócios residentes, uma participação social de, pelo menos, 10% (nºs 1 e 3).
“A imputação de lucros é feita na base tributável relativa ao exercício que integrar o termo do período de tributação da sociedade não residente e corresponde ao lucro obtido por esta, depois de deduzido o imposto sobre o rendimento incidente sobre esses lucros a que houver lugar de acordo com o regime fiscal aplicável no Estado de residência dessa sociedade (nº 2)”.
E para evitar dupla tributação, “(…) quando ao sócio residente em Portugal forem distribuídos lucros relativos à sua participação na sociedade não residente a que tenha sido aplicável este regime, são deduzidos na base tributável relativa ao exercício em que esses rendimentos sejam obtidos, até à sua concorrência, os valores que o sujeito passivo prove que já foram imputados para efeitos de determinação do lucro tributável de exercícios anteriores, sem prejuízo de aplicação nesse exercício do crédito de imposto por dupla tributação internacional a que houver lugar (…)”(Cfr. MARIA M. C. MESQUITA, “O artigo 57º-B do Código do IRC, as convenções sobre dupla tributação e o Tratado da Comunidade Europeia”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 382, 1996, p. 62. Ver igualmente ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2º ed., Almedina, Coimbra, 2007, pp.416-418.) (Para maiores desenvolvimentos sobre a justificação do regime do preceito, em especial sobre a tese subjacente ao mesmo, cfr. RUI DUARTE MORAIS; Imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado, Publicações Universidade Católica, Porto, 2005, em especial, pp. 438 ss. ).
Através do Decreto-Lei nº 266/98, de 23 de Novembro, foi aditado ao art. 57º-B do CIRC o nº 8, com a seguinte redacção:
“8- Quando o sócio residente em território português, que se encontre nas condições do nº 1, esteja sujeito a um regime especial de tributação, a imputação que lhe seria efectuada, nos termos aí estabelecidos, é feita directamente às primeiras entidades, que se encontrem na cadeia de participação, residentes nesse território e sujeitas ao regime geral de tributação, independentemente da sua percentagem de participação efectiva no capital da sociedade não residente, sendo aplicável o disposto nos nºs 2 e seguintes com as necessárias adaptações”.
Do preâmbulo daquele diploma resulta que o objectivo do legislador foi reagir contra determinados comportamentos destinados a contornar a regulamentação do art. 57º-B, concretamente aqueles que se traduzissem na “interposição, na cadeia de participações, de uma entidade residente em território português abrangida por um regime especial de tributação”.
Da análise do nº 8 do art. 60º do CIRC resulta, desta forma, que quando as condições do nº 1 forem preenchidas por um sócio residente em território português sujeito a um regime especial de tributação, a imputação que lhe seria efectuada, nos termos aí estabelecidos, “é feita directamente às primeiras entidades que se encontrem na cadeia de participação, residentes nesse território e sujeitas ao regime geral de tributação (…)”.
No caso dos autos, tudo está em saber se estamos perante um “sócio residente em território português (…) sujeito a um regime especial de tributação”.
Com efeito, como ficou dito, para a recorrente, estando isentos de tributação os lucros obtidos pelas sociedades detidas pela recorrida, através da sua SFE da ZFM, a referida isenção temporária (O art. 33.°, n.° 1 do EBF dispunha que “[A]s entidades instaladas nas Zonas Francas da Madeira e da ilha de Santa Maria beneficiam de isenção de IRS ou de IRC, até 31 de Dezembro de 2011, nos termos seguintes: (...)”. De igual modo, a alínea c) desse preceito legal prevê a isenção relativamente às “(...) instituições de crédito e as sociedades financeiras, relativamente aos rendimentos da respectiva actividade aí exercida, desde que neste âmbito: (...)”. Dos preceitos legais supra citados resulta que o benefício fiscal, ou seja, a isenção de tributação em sede de IRC, apenas abrange os rendimentos da respectiva actividade que é exercida na ZFM. Ou seja, diz respeito a rendimentos obtidos na ZFM, e apenas estes.) não deixará de constituir um regime especial de tributação no respeitante aos rendimentos imputados pela recorrida à sua sucursal financeira exterior.
Em sentido contrário, concluiu-se na sentença recorrida, que a isenção temporária de IRC prevista no art. 33º, nº 1, alínea c), do EBF, não constitui qualquer regime especial de tributação para efeitos do art. 60º, nº 8, do CIRC, porque “Tal isenção constitui um benefício fiscal, um desagravamento da carga fiscal, relativamente a parte dos rendimentos obtidos na actividade da Impugnante, e nada mais. Não se trata de um conjunto de regras com o objectivo de apurar o imposto que é devido pelo exercício de uma determinada actividade, e que se possa qualificar como regime de tributação, trata-se apenas de uma opção legislativa em intervier no desagravamento da tributação, diminuindo a carga fiscal ou eliminando-a, com determinados objectivos “(…)”
Assim, o facto de determinado sujeito passivo beneficiar de um benefício fiscal não altera o regime de tributação em que se encontra sujeito, trata-se da intervenção através da desagravação da tributação que pode operar de diversas formas, mas sem que se possa concluir que estamos perante um regime de tributação.
Repare-se que os objectivos prosseguidos pelos benefícios fiscais são completamente distintos dos que dizem respeito aos regimes de tributação. Com efeito, os benefícios fiscais não se confundem com regimes de tributação, enquanto os primeiros visam o desagravamento da tributação, os segundos constituem um conjunto de regras jurídicas com o objectivo de apuramento do imposto”.
E afigura-se que assiste razão à Mmª Juíza “a quo”.

Vejamos.

2. Como ficou dito, não oferece dúvida que a recorrida é uma entidade que apresenta rendimentos tributados segundo o regime geral de tributação em IRC, beneficiando de isenção deste imposto somente quanto aos rendimentos da actividade que exerce a partir da Zona Franca da Madeira, nos termos do disposto no art. 33º, nº 1, alínea c), do EBF.
Partindo da equivocidade da expressão “benefícios fiscais”, SALDANHA SANCHES (Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 449.), prefere falar em isenção, considerando que, do ponto de vista formal, “estamos perante uma isenção sempre que a lei subtrai à tributação, através da previsão normativa de um facto impeditivo, situações e sujeitos que, de outra feita, ficariam dentro do âmbito de previsão da norma tributária. A isenção pressupõe sempre uma norma de conteúdo afirmativo, que abrange, na sua previsão, um certo grupo de realidades e uma norma negativa ou restritiva que, procedendo a uma segunda previsão legal, abrange um subconjunto dessas mesmas realidades e as torna não tributáveis de forma total ou parcial”.
E de seguida o mesmo Autor refere que a isenção tem, desta forma, “a natureza de uma excepção a uma determinada regra, previamente formulada através de expressa previsão legal”. No mesmo sentido, refere o art. 2º do EBF que os benefícios fiscais são “medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extra-fiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.
Com Sérgio VASQUES (Cfr. Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, p. 311.), “(…) esta definição assinala o que há de mais importante nas normas de benefícios fiscais, a saber, que estas representam normas excepcionais no contexto do sistema fiscal, na medida em que exprimem uma derrogação do princípio da igualdade tributária”.
Assim sendo, podemos concluir que a recorrida está em geral sujeita ao regime comum do IRC embora determinadas parcelas do seu rendimento beneficiem de um regime excepcional.
Com efeito, como bem se defende na sentença recorrida, não estamos perante uma isenção subjectiva, mas sim objectiva, uma vez que o que beneficia de isenção, nos termos do disposto no art. 33º, nº 1, alínea c), do EBF, são os rendimentos obtidos na ZFM pela recorrida, motivo por que o regime de tributação a que se encontra globalmente sujeita a recorrida não deixa de ser, nos termos da lei, o regime geral de tributação em IRC.
Por outro lado, assiste razão à recorrida quando defende que “(…) a titularidade jurídica das participações na B……… e no C…….. pertence ao próprio A…….. — e não à SFE da ZFM: o sócio dessas sociedades é o próprio A………, e não qualquer uma das suas sucursais, filiais, delegações ou outros estabelecimentos estáveis que, em todo o caso, seriam sempre incapazes de ser titulares de direitos de propriedade, por carecerem de personalidade jurídica (ponto g) das Contra-alegações).
E assim sendo, conclui a recorrida que “(…) a SFE da ZFM, enquanto estrutura representativa do A…….., participa da personalidade jurídica deste e, consequentemente, não é sequer sujeito passivo de imposto — como é evidente, o sujeito passivo de imposto é o próprio A…….., que se encontra sujeito ao regime geral de tributação, já que o beneficio previsto no artigo 33° do EBF (numeração e redacção à data dos factos) não traduz qualquer regime especial de tributação aplicável à SFE ou sequer ao A……… (não se trata, pois, de uma isenção subjectiva, mas antes de uma isenção objectiva concedida apenas aos rendimentos obtidos pelo A……. através da sua actividade na ZFM) ( ponto h) das Contra-alegações).
No mesmo sentido, pode ler-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de 14/11/2001, proc nº 26362/2001, que “As sucursais financeiras exteriores (situadas em zonas off-shores) previstas no Decreto-Lei nº 163/86, de 26 de Junho, não têm personalidade jurídica nem personalidade tributária não podendo ser directamente sujeitos de relações jurídico-tributárias”.
Em suma, sendo a recorrida sujeito passivo de IRC e beneficiando de isenção em relação a rendimentos obtido através da sua sucursal, a questão que se coloca é a de saber se neste caso podemos concluir que a mesma se encontra sujeita, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 60º, nº 8, do CIRC a um regime especial.

3. A resposta à questão posta passa pelo excurso, ainda que breve, sobre o que deva entender-se por um regime jurídico especial.
Para INOCÊNCIO GALVÃO TELES (Cfr. Introdução ao Estudo do Direito, 10ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p. 143. ), o fundamento da distinção entre Direito geral e Direito especial está no facto de as normas jurídicas poderem ter “(…) aplicação mais ou menos extensa, abrangendo todas as relações de determinada categoria ou limitando-se a um sector dentre elas”.
Assim, continua aquele Autor, enquanto o Direito geral “toma um grupo de relações e regula-o na sua plenitude”, o Direito especial “(…) reporta-se a uma zona mais ou menos restrita, existe para particulares relações da vida ou para certas classes de pessoas ou coisas, como um “Ius” próprio que procura ajustar-se, quanto possível, às peculiares exigências da matéria regulada. Destaca-se assim do Direito geral, assumindo fisionomia específica”.
Por sua vez, para SANTOS JUSTO (Cfr. Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 147.), quanto ao âmbito pessoal de validade, as normas jurídicas classificam-se em:
“gerais (ou comuns): estabelecem o regime - regra para o sector de relação que disciplinam.
“(…)
Especiais: consagram uma disciplina nova ou diferente para círculos mais restritos de pessoas, coisas ou relações, mas não directamente oposta ao regime comum das normas gerais”.
No mesmo sentido, BAPTISTA MACHADO (Cfr. J.BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 7ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1994, p. 95.) pondera que “As normas especiais (ou de direito especial) não consagram uma disciplina directamente oposta à do direito comum; consagram todavia uma disciplina nova ou diferente para círculos mais restritos de pessoas, coisas ou relações”.
Ora, no caso em apreço, para se concluir que a recorrida está sujeita a um regime especial seria necessário que a mesma estivesse submetida, em relação à globalidade dos seus rendimentos, a um corpo normativo novo, embora não oposto ao regime geral.
Como ensina INOCÊNCIO GALVÃO TELES (Ibidem..), não deve pensar-se que o Direito especial tem natureza de excepção, pois ele “não está para com o Direito geral na relação que existe entre excepção e regra, é antes um seu complemento, uma sua especificação. O Direito especial visa desenvolver o Direito geral em certo ou certos sentidos”.
E, mais adiante, o Autor citado sublinha que “O Direito especial não se confunde com o Direito excepcional. O primeiro constitui um Direito normal, que não se apresenta no seu todo como um desvio, como uma quebra de continuidade do sistema jurídico (…)”(Cfr. ob. cit., p. 144.).
Em face do exposto, afigura-se que o facto de determinada fonte de rendimento da recorrida se reger por um regime excepcional não é bastante para se concluir que esteja genericamente sujeita a um regime especial de tributação.
Se as normas excepcionais consagram “um ius singulare, ou seja, um regime oposto ao regime regra, num sector restricto”(Cfr. SANTOS JUSTO, ob. cit., p. 147.), não se afigura plausível que tal regime excepcional se dilua e transforme num regime especial, já que, como ficou dito, nas relações com o Direito geral, ao contrário do Direito especial, que se apresenta numa relação de complemento e especificação, no Direito excepcional a relação é de excepção e regra.
Dito por outras palavras, o regime geral de IRC há-de ser compaginável com a existência de fontes de rendimento sujeitas a um regime excepcional, sendo só a estas aplicável o regime específico das normas excepcionais, nomeadamente a impossibilidade de se socorrer da analogia. Só não seria eventualmente assim se, por exemplo, o regime das fontes de rendimento fosse o predominante, estando todo ele coberto por uma isenção ou beneficiasse em bloco de uma taxa reduzida.
Acresce que a proceder o entendimento da recorrente, no sentido de bastar que uma das fontes do rendimento de determinada entidade sujeita ao regime comum de IRC gozasse de uma qualquer isenção para este se transformar em regime especial, tal implicaria o esvaziamento do nº 1 do art. 60º do IRC, pois as situações facilmente cairiam no regime do nº 8.
Por último, alega a recorrente que a sua tese tem apoio na jurisprudência, invocando o Acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Novembro de 2001.
Acontece que a situação factual e jurídica versada no mencionado Acórdão é muito diferente uma vez que se prende com o suporte legal as correcções efectuadas pela Administração Tributária na matéria colectável da recorrente D………, SA., derivadas de imputação de parte dos custos à sua sucursal financeira exterior, situada em zona off-shore, designadamente na zona franca da Região Autónoma da Madeira”. E no mencionado Acórdão pode ler-se que “(…) a Administração Tributária efectuou as correcções referidas por ter constado que não tinham sido imputados à actividade desenvolvida off-shore alguns custos base de estrutura, outros custos tinham sido imputados àquela sucursal financeira exterior, mas com valores pouco significativos, e não tinham sido imputados quaisquer custos com o pessoal”. E mais adiante pode ainda ler-se que (…), a Administração Tributária considerou que para determinação do lucro tributável imputável aos sectores isento e não isento era aplicável o preceituado no art. 57º, nº 1, do C.I.R.C por força do preceituado no seu nº 3 (ambos na redacção então vigente), pelo que a sucursal financeira exterior deveria ser considerada como se fosse uma entidade distinta, havendo que atender às relações que normalmente se estabeleceriam entre pessoas independentes….”.
Com relevo para o caso em apreço, cumpre realçar que o referido Acórdão se limita a dado passo a dizer que o D………, SA., é uma entidade “que desenvolve actividades isentas e não isentas”, sem que daqui se possa daqui retirar qualquer ilação quanto ao que está em causa no presente recurso.
Em suma, como refere ANTÓNIO DA GAMA LOBO XAVIER, no parecer junto aos autos, o sentido do nº 8 do art. 60º do CIRC, na parte a que se refere, como pressuposto da sua aplicabilidade, que “o sócio residente em território português, que se encontre nas condições do nº 1, esteja sujeito a um regime especial de tributação”, “(…) isso só ocorre quando a generalidade dos rendimentos da entidade que é sócia da sociedade estrangeira estiver sujeita a um regime especial, e não se tal se verifica apenas quanto a alguma ou algumas categorias dos respectivos proveitos. Há-de tratar-se, por isso, de um regime particular que tenha sido outorgado em função do sujeito passivo, e não de um regime que se encontre ligado objectivamente a certas categorias de rendimento, independentemente das qualidades do seu titular”.
A sentença recorrida que decidiu neste sentido não merece, pois, qualquer censura.
Improcedem, nesta sequência, as alegações da recorrente, devendo ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorria.


III- DECISÃO

Termos em que os Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 16 de Janeiro de 2013. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.