Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0281/14
Data do Acordão:04/11/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RESTITUIÇÃO
INCENTIVOS FINANCEIROS
IAPMEI
TÍTULO EXECUTIVO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
MEIO PROCESSUAL ADEQUADO
Sumário:I - Em processo de oposição à execução fiscal, o juiz, ao abrigo do disposto artº 114º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pode proferir despacho a dispensar, por desnecessária, a inquirição de testemunhas arroladas, no âmbito dos seus poderes de livre apreciação.
II - Só quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação é que a oposição à execução fiscal poderá ter por fundamento a concreta ilegalidade da liquidação da dívida exequenda – de harmonia com o disposto na alínea h) do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
III - Respeitando a dívida exequenda a restituição de incentivos concedidos pelo IAPMEI, no âmbito do Sistema de Incentivos de Base Regional, o meio processual adequado para a respectiva impugnação é a acção administrativa especial a intentar contra o despacho que ordena a reposição ou a restituição das importâncias indevidamente recebidas.
IV - Nos termos do nº 2 do artº 15º nº 1 do DL nº 140/2007, constitui título executivo para cobrança coerciva dos créditos devidos ao IAPMEI a certidão de dívida emitida pelo IAPMEI, acompanhada de cópia dos contratos ou outros documentos a ele referentes.
Nº Convencional:JSTA000P23134
Nº do Documento:SA2201804110281
Data de Entrada:03/06/2014
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A………………, Ld.ª, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte do despacho proferido a fls. 78 dos autos, que indeferiu a prova testemunhal indicada na petição inicial, e bem assim, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a oposição por si deduzida, contra a execução fiscal nº 0027200801002791 que corre termos no Serviço de Finanças de Albergaria a Velha, por dívida emitida pelo IAPMEI, no valor de 155 735, 70 €.

Quanto ao recurso interlocutório do despacho de fls. 78, formulou as seguintes conclusões:
«A. O despacho recorrido ao decidir que “Atento o meio processual adoptado (...) torna-se desnecessária a inquirição da prova testemunhal indicada., impede a Oponente de produzir a prova indicada quanto à matéria de facto controvertida por si alegada.
B. Efectivamente, e em conformidade com o disposto no artigo 206.º do CPPT, a Oponente, para além da junção dos documentos de que dispunha, arrolou ainda na petição inicial duas testemunhas, as quais considera essenciais para prova da matéria de facto por si invocada no articulado petitório: designadamente constante dos artigos 14.º a 16.º da oposição.
C. Relativamente ao exposto entendeu o Tribunal dispensar as referidas diligências, fundamentando tal decisão no facto de a Oponente ter deduzido oposição à execução fiscal nos termos da al. h) do 1 do art.° 204.º do CPPT... o que não se alcança.
D. Nos termos do disposto nº 1 do artigo 201.º do CPC, aplicável ex vi artigo al. e) do CPPT, “(...) a omissão de um acto ou de uma “formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa no exame ou na decisão da causa”.
E. Abstractamente, é evidente que a omissão das diligências probatórias requeridas pela Oponente na petição podem influir na decisão da causa; em termos concretos, não poderá a Oponente aferir, pois, desconhece o julgamento pelo Tribunal a quo da matéria de facto, e, em consequência, do valor atribuído aos elementos de prova juntos aos autos.
F. Pelo que, conclui a Oponente pela nulidade do referido despacho, nos termos do disposto nº 1 do art.° 201º do CPC ex vi al. e) do art.° 2 do CPPT, com base na fundamentação exposta, a Oponente invoca expressamente, e para os devidos efeitos legais a nulidade do despacho proferido nos presentes autos, na parte em que omite formalidades que a lei expressamente prescreve - inquirição das testemunhas arroladas na p.i.
G. Neste sentido, o Ac. do STA de 10.07.2002, in www.dgsi.pt. nos termos do qual, “a decisão de dispensar inquirição de testemunhas e requisição de informações à AF - meios de prova oferecidos na petição de impugnação - é relevante, podendo influir decisivamente na decisão da causa”.
H. Por outro lado, a Oponente ficou impossibilitado de produzir prova indicada na p. i., quanto à matéria de facto por si articulada.
I. Com efeito, o Tribunal a quo não podia, sob pena de incorrer em grave violação do princípio do contraditório e de sujeitar as partes a decisões-surpresa, preterindo formalidades processuais expressamente prescritas na lei, sem antes dar ampla possibilidade às partes de, querendo, se pronunciarem sobre o enquadramento factual que pretende dar ao litígio.
J. Nos termos do artigo 158º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT, e do art° 205.º da Constituição, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente têm de ser fundamentadas, o que não sucedeu no caso que nos ocupa, pois o tribunal recorrido limitou-se a decidir que: os autos contêm todos os elementos necessários para decisão sendo dispensáveis outras diligências.
K. Assim, atendendo a que, nos termos dos preceitos citados, a lei não admite uma decisão não fundamentada ou tácita, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 158° do CPC e 205° da Constituição.
L. Cumpre ainda responder a seguinte questão: a matéria de facto controvertida não revela ser essencial para a decisão da causa? Como supra já ficou demonstrado, a matéria de facto controvertida é essencial para a decisão que venha a ser proferida.
M. Na verdade, o tribunal recorrido não deu oportunidade às partes para se pronunciarem sobre (i) a seleção da matéria de facto, identificando os factos considerados assentes e os que devem considerar-se controvertidos, nem (ii) produção dos meios de prova já indicados.
N. Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/09/2008, proferido no recurso 435/08, disponível in www.dgsi.pt, o qual se passa a transcrever, pela excelência nas palavras: “1 - Decorre do disposto nos artigos 13.º, 1 e 114.° do CPPT a atribuição ao juiz do poder de ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade. II - Recai sobre o oponente o ónus da prova do fundamento de oposição (artigo 74.º, 1 da LGT) e daí que não se possa considerar dispensável a inquirição das testemunhas aí arroladas tendo em vista a prova do não exercício da gerência de uma firma, a qual não se mostra condicionada em exclusivo pela prova documental”.
O. Com efeito, nos termos e de harmonia com o disposto nos preceitos aplicáveis dos artigos 114° e 115°, n° 1, do Código de Processo de Procedimento Tributário, são, em processo de oposição a execução fiscal, admitidos os meios gerais de prova.
P. Entre os meios gerais de prova a lei permite a inquirição de testemunhas, dispondo o artigo 118° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que podem ser indicadas até dez testemunhas por cada acto tributário impugnado, não podendo, contudo, na respectiva inquirição, serem ouvidas mais do que três por cada facto, e devendo os respectivos depoimentos ser prestados em audiência contraditória, na sequência do que requerido foi na petição da oposição.
Q. Ao dispensar a produção de prova testemunhal o Tribunal “a quo” violou, por um lado, o principio do contraditório ínsito no preceito aplicável do artigo 3° do Código de Processo Civil, e, por outro, o disposto dos preceitos ínsitos nos 114°, 115° e 118° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, donde decorre impor-se a revogação do referido despacho e a substituição por acórdão que ordene a produção de prova testemunhal, isto é a inquirição das testemunhas oportunamente arroladas pelo oponente, ora recorrente, assim se fazendo Justiça.
R. Mais se refira que a dispensa da inquirição de testemunhas arroladas se consubstancia também numa violação do principio do inquisitório, segundo o qual a investigação da verdade é da responsabilidade do juiz, uma vez que, para além do campo da recolha dos factos e da sua prova, assim como do da discussão do direito, a este cabe não só a direcção formal do processo, nos seus aspectos técnicos e de estrutura interna, como também a concessão de poderes tendentes a assegurar a regularidade da instância. Ora, a não inquirição das testemunhas arroladas - ainda que tal diligência tenha sido requerida pela Oponente - é um entrave é descoberta da verdade material, influindo na decisão de mérito da causa.»

E quanto ao recurso da sentença de fls. 130/139, apresentou o seguinte quadro conclusivo:
«I- A douta sentença recorrida violou o preceituado nas alíneas s - e — do artigo - do n° 1 do art. 204° do CPPT.
II - Na alínea h) daquela disposição legal prevê-se como fundamento da oposição à execução «ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.»
III - Norma que prevê especialmente os casos em que a lei não assegura meios de impugnação dos actos de liquidação, como são aqueles em que se permite a extracção de certidões de dívida perante a constatação de omissão de um pagamento sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação.
IV - Inexiste, no caso concreto, acto de liquidação que possa ser objecto de impugnação autónoma.
V - Está-se, assim, claramente perante uma situação em que a própria lei não prevê meio de impugnação contenciosa, pelo que a oposição fiscal é o meio adequado para impugnar a liquidação da dívida exequenda.
VI - Sem conceder, não é, bem assim, verdade que a recorrente pretendesse apenas ver apreciada a legalidade da dívida exequenda.
VII - A recorrente/oponente levantou também no seu requerimento de oposição, a questão da inexequibilidade da dívida, por ausência - ou falta de notificação - do despacho Director Geral do Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu que determine a restituição.
VIII - O DL 158/90, de 17-5, na redacção que lhe foi dada pelas subsequentes alterações, prevê que é título executivo, para cobrança das dívidas com a origem da do caso sub judice, o aludido despacho.
IX - O relatório da acção da inspecção, não constitui, nos citados termos, título executivo, como não constitui título executivo a certidão de dívida extraída pelo Serviço de Finanças que serve de base à presente execução.
X - A falta absoluta de título executivo importa a inexequibilidade da dívida nos presentes autos e constitui nulidade insanável do procedimento, que fica aqui expressamente invocada, por ser do conhecimento oficioso e estar em tempo - cfr. 165°, n.º 1, alínea b) e n° 4.
XI - Não se pronunciou, bem assim, a douta decisão recorrida sobre a invocada incompetência material do presidente do Instituto para certificação do pedido de saldo sem decisão prévia da Comissão Europeia que o ordene, em primeira linha, ao Estado Português, limitando-se, pelo contrário, a entender que também esta questão dizia respeito a legalidade da dívida exequenda e que, como tal, não podia ser discutida nos autos de oposição.
XII - A dívida exequenda - mesmo que materialmente legal, o que não se concede - é inexigível por incompetência material do que certificou o pedido de saldo.
XIII - Inexigibilidade que determina a respectiva inexequibilidade e que, importando a falsidade do título, constitui, bem assim, fundamento da oposição, nos termos do preceituado na alínea c) do 1 do artigo 204° do C.P.P.T.»

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3. Ambos os recursos foram interpostos para o Tribunal Central Administrativo Norte, o qual, por acórdão constante a fls. 182/189, veio a declarar-se incompetente em razão da hierarquia para dos mesmos conhecer, por considerar que têm por fundamento exclusivamente matéria de direito e declarou competente para esse efeito, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

4 - O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento de ambos os recursos.
Quanto ao primeiro recurso, que teve por objecto o despacho interlocutório, por entender que a inquirição de testemunhas foi indeferida face ao meio utilizado, a oposição, e à invocada ilegalidade da liquidação, sendo que nos termos do art. 114.º do C.P.P.T o juiz apenas tem de ordenar as diligências de prova que considere necessárias.
Mais considerou não serem reconhecer as demais ilegalidades assacadas ao dito despacho, porquanto, embora a fundamentação pudesse ser mais esclarecedora, ainda permite dar conhecimento ao destinatário do fundamento em que se baseou (não ser a prova testemunhal necessária ao conhecimento da ilegalidade da liquidação).
Quanto ao segundo, que teve por objecto a sentença recorrida, porque na oposição tinha sido posta em causa a ilegalidade da liquidação, não sendo possível conhecer da mesma em sede de oposição e ainda porque, como resulta do probatório (ponto G) o despacho de restituição foi pelo sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional e a sua notificação foi efetuada pelo I.A.P.M.E.I., tendo sido emitida posteriormente certidão pelo dito Instituto, assinada por membros do seu conselho directivo.

5 - Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro fixou a seguinte matéria de facto:
A) No Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha foi instaurado em 06/03/2008 o processo de execução n° 0027200801002791 pela quantia de 149 417,86 e acrescidos no montante total de 151 816,43 (fls. 1 e 37 a 38 dos Autos)
B) Com base em certidão de dívida emitida pelo IAPMEI em 20/02/2008, emitida pelos montantes parcelares de 51 888,94, 95 021,19 e 2 507,73 relativos a incentivo concedido no âmbito do contrato C/98/4429.6622 celebrado em 15/07/1998 na sequência de candidatura apresentada ao Sistema de Incentivos de Base Regional e juros calculados sobre o montante total do incentivo pago e sobre o montante não coberto por garantia bancária, e exigidos por efeito de rescisão do contrato (fls. 37 dos Autos);
C) No título e do somatório das parcelas identificadas em B) consta o somatório total de 155 735,70 (fls. 37 dos Autos);
D) Acompanhavam a certidão identificada em B) e C) os seguintes documentos:
- Requerimento executivo fundamentando o privilégio de utilização da execução fiscal ao abrigo do artigo 150º nºs 1 e 2 do DL. 140/2007 de 27 de Abril e identificando a origem da dívida exequenda (fls. 7 a 11 dos Autos);
- Cópia do contrato C/98/4429.6622 celebrado entre o IAPMEI e a Oponente e declaração assinada por esta em 01/07/1998 (fls. 13 a 21 dos Autos);
- Garantia prestada em 24/07/1998 (fls. 22 dos autos);
- Informação DSAE n° 06/470 de 23/10/2006 propondo a rescisão do contrato celebrado e consequente devolução do incentivo pago e accionamento da garantia bancária, com despacho autorizativo proferido pelo Secretário do Estado do Desenvolvimento Regional em 28/11/2006 (fls. 23 a 24 dos Autos);
- Comprovativo de accionamento da garantia bancária (fls. 25 dos Autos);
- Cálculo da dívida de capital a restituir e juros de mora calculados entre 30/01/2002 a 05/09/2006 e 05/09/2006 a 30/01/2007, respectivamente de 51 888,94, 95 012,19 e 2.507,73 totalizando o montante de 155 735,70, igual ao transposto para a certidão de dívida (fls. 26 dos autos);
E) Com base no contrato celebrado identificado em B), a Oponente remeteu em 2/04/2002 ao IAPMEI o dossier final contendo o formulário de pedido de pagamento de incentivos (doc 2 anexo é PI);
F) E remeteu ao IAPMEI em 17/09/2002 pedido de ponto de situação quanto a prestação não recebida de valor correspondente a 20% do subsídio atribuído, em ordem a poder regularizar “definitivamente as obrigações pendentes” (doc. 3 anexo: 21 PI);
G) Por carta registada com aviso de recepção datada de 31/01/2007, o IAPMEI comunicou é Oponente a rescisão do contrato de incentivos identificado em B) efectuada pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional em 28/11/2006 exigindo nos termos do clausulado do contrato a devolução do montante de 51 888,90 acrescidos dos juros contratualmente devidos (doc. de fls. 72 a 73 dos Autos, junto pela Oponente);
H) Nos termos da cláusula 14ª do Contrato celebrado e identificado em B) “A rescisão do contrato implica a restituição do subsídio concedido, sendo o PROMOTOR obrigado no prazo de 90 dias a contar da data do recebimento da notificação, a repor as importâncias recebidas, acrescidas de juros é taxa estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado e aplicada da mesma forma.” (fls. 20 dos Autos);
I) O Oponente foi citado por via postal remetida em 10/03/2008 e recebida em 11/03/2008 acompanhada da certidão de dívida identificada em B) (fls. 37 a 40 dos Autos);
J) A presente Oposição deu entrada na Repartição de Finanças de Albergaria-a-Velha em 11/04/2008 (fls. 2 dos Autos);


6. Do objecto dos recursos
Como atrás se referiu ambos os recursos foram originariamente interpostos no Tribunal Central Administrativo Norte, o qual se julgou hierarquicamente incompetente para deles conhecer.
E de facto, porque, na verdade, as partes divergem apenas quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis, não havendo, além disso, controvérsia a este propósito, também aqui se entende, na perspectiva considerada pelo TCAN, que os recursos têm por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT).
Daí que se imponha apreciar o respectivo objecto.

O recurso interlocutório tem por objecto o despacho proferido em 28/06/2011, a fls. 78 dos autos, o qual indeferiu a produção de prova testemunhal requerida pela ora recorrente.

Já no recurso interposto da sentença de fls. 130/139 imputa-se àquela decisão em erro de julgamento ao considerar que a oposição apresentada não é o meio processual adequado para apreciar a legalidade da dívida exequenda, nos termos da al. h) do nº1 do artº 204º do CPPT.
Pela recorrente foi também levantada a questão da falta absoluta do título executivo, alegando que não constitui título executivo a certidão de dívida extraída pelo Serviço de Finanças que serve de base à execução, o que importa, em sua tese, a inexequibilidade da dívida em causa e constitui nulidade insanável do procedimento, nos termos do artº 165º, nº1, al. b) e nº 4 do CPPT.
Por fim alega a recorrente que a dívida exequenda é inexigível por incompetência material da entidade que certificou o pedido de saldo (presidente do IAPMEI) e que a decisão recorrida não se pronunciou, bem assim, sobre a invocada incompetência material do presidente do Instituto para certificação do pedido de saldo sem decisão prévia da Comissão Europeia que o ordene.

6.1 Do recurso do despacho de fls. 78, que indeferiu a produção de prova testemunhal requerida pela recorrente

Neste recurso interlocutório o recorrente alega que arrolou, ainda na petição inicial, duas testemunhas, as quais considera essenciais para prova da matéria de facto por si invocada naquele articulado, nomeadamente nos seus 14.º a 16.º, e que, ao dispensar a prova testemunhal, a sentença terá violado por um lado o princípio do inquisitório e do contraditório e por outro o preceituado nos artºs 114º, 115º e 118º do CPPT;
Entendemos, porém, que esta argumentação não pode obter provimento.
Com efeito em processo de oposição à execução fiscal, o juiz, ao abrigo do disposto artº 114º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pode proferir despacho a dispensar, por desnecessária, a inquirição de testemunhas arroladas, no âmbito dos seus poderes de livre apreciação.
O que significa que a decisão em concreto sobre as diligências de prova necessárias para a apreciação do mérito da causa será sempre o resultado da apreciação e da convicção do juiz da causa em face dos elementos que se apresentem perante si em cada caso (Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume II, pag. 254).
Ora no caso vertente o juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro alicerçou a sua decisão de dispensa da prova testemunhal (cf. despacho de fls. 78 e sentença a fls. 132) no facto de ter sido utilizado o meio processual de oposição à execução fiscal e de ter sido suscitada pela recorrente a questão da ilegalidade (concreta) da liquidação.

Não se nos afigura que mereça censura este julgamento do Tribunal recorrido.

Na verdade decorre da petição inicial a recorrente invocava como fundamento da oposição à execução fiscal a «ilegalidade da liquidação da dívida exequenda e consequente inexigibilidade» (cf. artº 26º) pedindo a final a extinção da execução com base na nulidade do título executivo, na «anulabilidade do despacho de autorização da rescisão do Contrato de Concessão de subsídio a Fundo Perdido e Reembolsável, por violação de lei», na «anulabilidade do despacho de autorização da rescisão do Contrato de Concessão de subsídio a Fundo Perdido e Reembolsável, por padecer este de vício de forma, nos termos do preceituado no artº 38º do Código de Procedimento Administrativo», na «legalidade e eficácia da compensação operada», no não «incumprimento do contrato imputável à executada, com a consequente falta de fundamento da "rescisão" putativamente operada e a inexigibilidade do pagamento ora peticionado»


E a matéria constante dos arts. 14º a 16º da petição inicial, sobre a qual alegadamente versaria o depoimento das indicadas testemunhas, refere-se à não responsabilidade da oponente pelo incumprimento do plano de reembolso bem como a um invocado incumprimento contratual por parte do IAPMEI.
Ora entendendo-se, como se entendeu, bem a nosso ver, que a recorrente invocava como fundamento da oposição à execução fiscal a ilegalidade concreta da dívida exequenda, a realização da requerida inquirição de testemunhas redundaria na prática de acto inútil, já que estava em causa apenas a apreciação de questão de direito relacionada com a adequação do meio processual utilizado, em face da impossibilidade de invocação do fundamento previsto na al. h) do nº 1 do artº 204º do CPPT por ter sido assegurado meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.
Sendo certo que, como decorre do princípio geral de proibição da prática de actos inúteis (artº 137º do Código de Processo Civil), constitui dever do juiz a dispensa de realização de diligências desnecessárias.
Assim caso entenda, como se entendeu, dispensar a realização de diligências desnecessárias o juiz deve proferir sobre tal matéria despacho autónomo, o que foi efectuado, ficando salvaguardado o contraditório e a possibilidade de impugnação de tal decisão por via de recurso.
E não padece também tal despacho do vício de falta de fundamentação já que, como bem salienta o Ministério Público, são perfeitamente perceptíveis as razões em que se apoiou o juiz do Tribunal recorrido para proferir a decisão de dispensa da prova testemunhal.
Pelo que fica dito, improcede o recurso interlocutório de fls. 81/90.

6.2 Do recurso da sentença de fls. 130/139

Neste recurso imputa-se à decisão recorrida erro de julgamento ao considerar que a oposição à execução fiscal não é o meio processual adequado para impugnar a liquidação da dívida exequenda.
Alega em síntese a recorrente e que, no caso concreto, inexiste acto de liquidação que possa ser objecto de impugnação autónoma uma vez que se está perante uma situação em que a própria lei não prevê meio de impugnação contenciosa, pelo que a oposição fiscal é o meio adequado para impugnar a liquidação da dívida exequenda.

Carece, porém, a recorrente de razão.
De facto nos termos da al. h) do nº 1 do artº 204º do CPPT a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda pode constituir fundamento da oposição à execução CPPT, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.
Porém, não é esse o caso dos autos, já que, como resulta evidente do probatório (pontos B) e G), o IAPMEI comunicou à Oponente, por carta registada com aviso de recepção datada de 31/01/2007, a rescisão do contrato de incentivos efectuada pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional em 28/11/2006, exigindo nos termos do clausulado do contrato a devolução dos incentivos financeiros recebidos, acrescidos dos juros contratualmente devidos, tendo emitido posteriormente a correspondente certidão de dívida assinada por membros do seu conselho directivo.
Ora constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que, respeitando a dívida exequenda a restituição de quantias recebidas no âmbito de comparticipações do Fundo Social Europeu, ou de dívidas ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, ou ainda de incentivos concedidos pelo IAPMEI, o meio processual adequado para a respectiva impugnação é a acção administrativa especial a intentar contra o despacho que ordena a reposição ou a restituição das importâncias indevidamente recebidas (cfr., entre outros, os Acórdãos de 14/10/94, proc nº 18034, de 31.01.2007, recurso 1047/06, de 1/6/2011, proc nº 214/11 de 23 /2/2012, proc n° 97/12 e de 08.07.2015, recurso 721/14)
Impõe-se, pois, concluir que – ao contrário do que alega a recorrente –, neste caso, estava assegurado meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação da obrigação de reposição de quantia relativa aos incentivos concedidos.
Daí que não fosse possível conhecer, no caso em apreço, da legalidade em concreto da dívida exequenda, nos termos da alínea h) do artigo 204° do C.P.P.T.
A sentença recorrida, que decidiu neste pendor, deve assim ser confirmada.
Acresce referir que não se verifica a possibilidade da convolação, já que a mesma pressupõe, não só o erro na forma do processo utilizado, como sobretudo a possibilidade de continuação da instância e do processo nos Tribunais Tributários.
Ora, como ficou explicitado nos Acórdãos atrás mencionados, a discussão da ilegalidade das decisões que ordenem a restituição de quantias indevidamente recebidas no âmbito das comparticipações do Fundo Social Europeu ou do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, ou, como no caso subjudice, no âmbito do Sistema de Incentivos de Base Regional, sob promoção do IAPMEI, não é da competência dos tribunais tributários (art. 49º do ETAF), mas sim dos tribunais administrativos de círculo (art. 44º do ETAF), sendo que a infracção das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determinam a incompetência absoluta do tribunal (cfr. o art. 16° do CPPT).
E, como a consequência da incompetência absoluta é a absolvição da instância, nos termos do disposto no art. 278°, n° 1, alínea a), do CPC, cabe ao recorrente decidir, nos termos do disposto no art. 279° do CPC, intentar ou não a Acção Administrativa Especial caso se verifiquem os pressupostos para tal, designadamente de tempestividade.

6.3 Invoca ainda a recorrente falta absoluta do título executivo, alegando que não constitui título executivo a certidão de dívida extraída pelo Serviço de Finanças que serve de base à execução, o que importa, em sua tese, a inexequibilidade da dívida em causa e constitui nulidade insanável do procedimento, nos termos do artº 165º, nº1, al. b) e nº 4 do CPPT.
Em abono desta sua tese alega que o Decreto-lei 158/90 previa que era título executivo, para cobrança de dívidas como a do caso vertente, o despacho do Director Geral do Departamento para os assuntos do Fundo Social Europeu que determinasse a restituição e a sua notificação à entidade devedora, argumentando que tal despacho não foi proferido, ou se o foi, não lhe foi notificado.
Esta argumentação não pode ser aceite.
Como decorre dos autos o contrato de concessão de incentivos financeiros que deu origem à dívida exequenda rege-se pelas disposições do Decreto-lei 193/94 de 19 de Julho e pela Resolução do Conselho de Ministros nº 67/94, publicada a 11 de Agosto.
No âmbito do Sistema de Incentivos de Base Regional (SIBRE), regulado pelo referido Decreto-lei o IAPMEI podia conceder incentivos financeiros, sendo a respectiva concessão formalizada através de contrato (artº 21º nº 1 do DL citado).
Esse contrato podia ser rescindido unilateralmente pelo IAPMEI, nos casos previstos no artº 22º nº 1 do mesmo diploma, precedendo autorização dos Ministros do Planeamento e Administração do Território e da Indústria e Energia.
A cessação do contrato nessas condições implicava a restituição dos incentivos concedidos, de acordo com o nº 2 do artº 22º citado.
E por força do artº 15º nº 1 do DL nº 140/2007, a cobrança coerciva dos créditos devidos ao IAPMEI era feita através do processo de execução fiscal.
Sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo normativo, constituía título executivo para cobrança coerciva dos referidos créditos a certidão de dívida emitida pelo IAPMEI, acompanhada de cópia dos contratos ou outros documentos a ele referentes.
Por isso forçoso é concluir, como bem se concluiu na decisão recorrida, que face ao que vem documentalmente provado e assente na al. A) do probatório, o título executivo emitido pelo IAPMEI, e que suporta a execução, não carece de qualquer dos elementos referidos no artº 163º do CPPT e não padece assim da nulidade prevista no artº 165º, nº 1, al. b) do mesmo diploma legal.
O recurso não procederá também com este fundamento.

6.4 Por último alega a recorrente que a dívida exequenda é inexigível por incompetência material da entidade que certificou o pedido de saldo (presidente do IAPMEI) e que a decisão recorrida não se pronunciou, bem assim, sobre a invocada incompetência material do presidente do Instituto para certificação do pedido de saldo sem decisão prévia da Comissão Europeia que o ordene.
Sucede que a questão da alegada incompetência material da entidade que certificou o pedido de saldo é questão que se prende com a legalidade da dívida exequenda e que apenas poderia constituir fundamento da oposição à execução CPPT, se a lei não assegurasse meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação. Ora, como vimos, não é isso que ocorre nos presentes autos.
Por outro lado, e como oportunamente nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, trata-se de questão nova, porque veio pela primeira vez ao processo na alegação de recurso, mostrando-se, até aí, em absoluto ausente do processo, não tendo sido suscitada em qualquer peça processual e não tendo, por isso, sido apreciada na decisão sindicada.
Ora, como é sabido, e é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova
Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões de conhecimento oficioso.
Tem-se, assim, como assente que os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pag. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs. 80-81.
Neste contexto improcederá, também nesta parte, a alegação da recorrente.

Pelo que fica dito improcedem todos os fundamentos do recurso que teve por objecto a sentença de fls. 130/139.


7. Decisão

Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento a ambos os recursos.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de Abril de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.