Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0874/07
Data do Acordão:12/19/2007
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IRS
DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE DIREITO
CUSTO FISCAL
ÓNUS DE PROVA
MATÉRIA DE FACTO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário:I - O Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista que é, em processos inicialmente julgados pelos Tribunais Tributários de 1ª Instância, apenas conhece de direito, não se inscrevendo na sua apreciação pretensos erros na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais (cfr. artº 21º, nº 4 do ETAF, na anterior redacção), salvo se houver ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que exija a força de determinado meio de prova (cfr. artº 722º, nº 2 do CPC).
II - A fundamentação do acto tributário tem de ser contemporânea deste, irrelevando para a mesma o facto de posteriormente ser prestada na impugnação judicial informação relativa aos custos levados em conta no apuramento da matéria tributável e que se limita a esclarecer como a AF chegou ao valor global fixado.
III - Tratando-se da determinação do rendimento tributável de um acto isolado, a AF apenas está obrigada a deduzir os encargos devidamente comprovados e necessários à obtenção do rendimento bruto, até à sua concorrência e com as limitações previstas no artigo 33.º (artigo 30.º CIRS), sendo aos recorrentes, enquanto sujeitos passivos, que lhes compete o ónus da prova dos custos indispensáveis à obtenção dos proveitos (artigo 23.º CIRC).
Nº Convencional:JSTA00064747
Nº do Documento:SA2200712190874
Data de Entrada:10/15/2007
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA SUL.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:ETAF96 ART21.
CIRS88 ART23 ART29 ART30 ART33.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A… e outra, com os sinais dos autos, não se conformando com o acórdão do TCAS que, concedendo provimento ao recurso da Fazenda Pública interposto da sentença do Mmo. Juiz do TAF de Castelo Branco, julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 1993, no montante de 15.511.722$00, dele vêm recorrer para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1- O acto de liquidação impugnado enferma de erro nos pressupostos de facto, erro aliás confessado na Informação datada de 17/11/1997, quando a Administração Tributária assume que considerou 6.000.000$00 de custos presumidos ao contrário do que afirmava no acto impugnado laborando num “valor de mercado” para o terreno equivalente ao valor de 71.768.271$00 decorrente dos “documentos comprovativos da despesa efectuada”.
2- Desta forma, e porque há notório erro nos pressupostos de facto que enformaram o acto de liquidação deve o mesmo ser anulado – art.º 133.º a 135.º do CPA.
Acresce ainda que,
3- O recurso a custos presumidos não foi oportunamente notificado ao recorrente sendo certo ainda que,
4- Não foi fundamentada nem a decisão de recurso a presunções, nem a sua quantificação,
5- Limitando-se a Administração Tributária a afirmar que os mesmos estão “dentro do razoável”, sem apontar qualquer critério ou parâmetro objectivo para a fixação dos custos presumidos naqueles valores;
6- O que sempre constitui falta de fundamentação, que inquina o acto tributário de vício de forma, gerando a sua nulidade.
7- Ao não sancionar os vícios supra citados, o douto Acórdão recorrido incorre em erro de julgamento ao considerar que a Informação de 1997 nada de novo traz ao acto de liquidação impugnado.
8- Pois não é o mesmo afirmar que se parte de 71.768.371$00 de custos documentados de despesa – factos provados em 3.º - (nos quais, relembre-se não estava considerado o valor do terreno por não ter sido uma despesa) do que afirmar que são considerados 65.768.371$00 de despesa documentada e 6.000.000$00 de custos presumidos a título de deslocações e de “valor do terreno” – factos provados em 10.º.
9- E no acto tributário impugnado a Administração Tributária considera o valor de 71.768.371$00 (despesa documentada) como o “valor do terreno” quando, mais tarde, afirma ter presumido o valor de 4.000.000$00 como “valor do terreno”.
10- Tanto mais que, tributando-se a actividade do recorrente na categoria “C” de IRS, impunha-se a avaliação do terreno na deslocação do seu património pessoal para o empresarial de acordo com as regras do art.º 32.º, n.º 1 do CIRS,
11- O que não foi feito, enfermando o acto tributário impugnado de erro quer nos pressupostos de facto quer nos pressupostos de direito.
12- Impunha-se, assim, ao Tribunal a quo ter decidido em sentido inverso, anulando o acto impugnado.
Foram violadas as normas constantes do art.º 1.º do DL n.º 256-A/77, de 17 de Junho, art.º 77.º da LGT, art.º 268.º, n.º 3 da CRP, art.ºs 19.º, al. a), 21.º, 80.º a 82.º do CPT, art.º 32.º, n.º 1 do CIRS e art.ºs 133.º a 135.º do CPA.
Contra-alegando, vem a representante da Fazenda Pública dizer que:
«Atendendo:
- Ao julgamento de facto efectuado pelo TCAS;
- A que a matéria de facto não é susceptível de, mesmo num recurso de 3.º grau como o presente, de ser reapreciada pelo STA, que apenas conhece de matéria de direito (art.º 12.º, n.º 5 do actual ETAF e art.º 21.º, n.º 4 do ETAF aprovado pelo DL 129/84, de 27/4).
Deverá ser confirmado o julgamento de direito contido no acórdão recorrido que deverá ser confirmado, considerando-se o presente recurso totalmente improcedente.».
O Exmo. PGA junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
1. O impugnante dedica-se à actividade de venda de terrenos para construção (acto isolado);
2. Com referência aos anos de 1990 a 1993 foi, o impugnante, sujeito a uma acção inspectiva que culminou com a elaboração do relatório de 18/09/1995, que constitui fls. 81 e segs. dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzido face à sua extensão;
3. Consta daquele relatório, textual, expressa e, designadamente, o seguinte: «Quanto aos custos (...) socorri-me dos documentos comprovativos da despesa efectuada ao longo dos anos, chegando à conclusão que o seu montante é de 71.768.371 $00, e, por conseguinte, o respectivo "valor de mercado".
Naquela importância estão incluídas todas as infraestruturas, designadamente, terraplanagem, esgotos, águas, electricidade, arruamentos, deslocações, etc.».
4. No seguimento do relatório de inspecção foi alterado, por despacho do Sr. Director de Finanças, de 06/11/1995, a fls. 86, o rendimento colectável dos impugnantes para 37.160.993$00, dele constando a seguinte fundamentação.
«Correcções técnicas da categoria "C"-Acto isolado
De harmonia com a informação prestada pelos Serviços de Inspecção Tributária, que passa a fazer parte integrante da presente alteração, o total dos proveitos da categoria "C" -acto isolado, é de 65.000.000$00 e os proveitos são do montante de 33.440.460$00 o que se traduz num resultado líquido e 31.559.540$00».
5. Os impugnantes reclamaram para a CDR, tendo esta mantido as correcções efectuadas pela inspecção;
6. Consta da acta da CDR, de 20/12/1995, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:
«Acresce ainda dizer que os critérios e cálculos utilizados no apuramento do resultado para efeitos fiscais, efectuado pelos Serviços de Inspecção Tributária, aos rendimentos da categoria "C" são perfeitamente adequados à presente situação já que se encontram fundamentados em documentos comprovativos das despesas efectuadas ao longo dos anos com aqueles loteamentos, designadamente, terraplanagens, esgotos, águas, electricidade e outros».
7. Com base nas correcções à matéria colectável foi efectuada a liquidação adicional de IRS, juros compensatórios e agravamento no montante de 15.511.722$00 (documento de cobrança, a fls. 12);
8. Consta daquele documento de cobrança como "data limite de pagamento", 06/03/1996;
9. A impugnação deu entrada na Repartição de Finanças de Seia, em 08/03/1996 (fls. 3);
10. Consta dos autos uma informação dos Serviços de Inspecção Tributária, datada de 27/11/1997, prestada no seguimento desta impugnação, de que consta textual, expressa e, designadamente, o seguinte:
«Em 18/09/95, data em que elaborei o relatório, foram-me exibidos todos os originais das facturas e demais documentos, comprovativos dos custos do loteamento, os quais importavam, sem qualquer margem para dúvidas, na quantia de 65.768.371 $00.
Na mesma data, e uma vez que não havia documentos comprovativos, foram presumidos 2.000.000$00 de custos com deslocações, por me parecer uma importância razoável, já que a urbanização se situava em Viseu;
Também na mesma data, ao prédio rústico que deu origem ao loteamento, atribui o valor de 4.000.000$00, por me parecer um valor dentro do razoável».
11. O prédio loteado e em causa nos autos foi adquirido por sucessão do pai do impugnante, falecido em 04.07.1979 (v. art.º 3.º da petição e relatório de fls. 75).
12. Ao tempo da emissão do alvará de loteamento – 07.06.1989- o valor matricial do prédio era de 278.360$00, o mesmo, aliás, constante no respectivo processo de imposto sucessório (v. art.º 6.º da petição e informação de fls. 52-v.º).
III – Vem o presente recurso interposto do acórdão do TCAS que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelos ora recorrentes contra a liquidação adicional de IRS do ano de 1993.
Começam os recorrentes por alegar que o acto de liquidação impugnado enferma de erro nos pressupostos de facto por terem sido considerados apenas custos documentados quando no âmbito já da impugnação a AF admite agora ter considerado também custos presumidos de que os recorrente não chegou a tomar conhecimento.
A esse respeito se dirá que os recorrentes mais não fazem do que pôr em causa os juízos de apreciação da prova feitos pelo tribunal recorrido a partir dos factos julgados provados e não provados.
Ora e como é sabido, nos processos inicialmente julgados pelos Tribunais Tributários de 1ª Instância, esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista que é, apenas conhece de matéria de direito, como é o caso, não se inscrevendo a apreciação de pretensos erros na apreciação da prova e na fixação de factos materiais (cfr. artº 21º, nº 4 do ETAF, anterior redacção), salvo se houver ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que exija a força de determinado meio de prova (artº 722º, nº 2 do CPC).
No caso em apreço, nenhuma destas situações vem invocada ou mesmo alegada, pelo que a matéria de facto não pode ser censurada por este Supremo Tribunal, que não a pode assim alterar.
Improcedem, por isso, as alegações dos recorrentes sobre tais matérias.
A liquidação impugnada respeitante a IRS do ano de 1993 resultou, pois, como está assente no probatório de inspecção levada a cabo à actividade dos recorrentes enquanto vendedores de terreno para construção.
Do relatório elaborado no final dessa acção inspectiva consta que quanto aos custos foi apurado o montante de 71.768.371$00, nele estando incluídas todas as infraestruturas, designadamente, terraplanagem, esgotos, água, electricidade, arruamentos, deslocações, etc.
Fixado a partir desse relatório o rendimento colectável dos recorrentes para o ano em causa, dele viriam estes a reclamar para a Comissão Distrital de Revisão que, contudo, manteve os valores já fixados.
Da acta dessa CDR consta que os critérios e cálculos utilizados no apuramento do resultado para efeitos fiscais, efectuado pelos Serviços de Inspecção Tributária, aos rendimentos da categoria "C" são perfeitamente adequados à presente situação já que se encontram fundamentados em documentos comprovativos das despesas efectuadas ao longo dos anos com aqueles loteamentos, designadamente, terraplanagens, esgotos, águas, electricidade e outro.
Foi, então, com base na matéria colectável assim determinada que a AF procedeu à liquidação adicional de IRS agora impugnada.
Tendo sido já no âmbito da impugnação entretanto deduzida que a AF, através de informação junta aos autos, pretendendo demonstrar a justeza do valor aceite como custos, veio acrescentar que o montante de 71.768.371$00 foi encontrado a partir dos originais das facturas e demais documentos comprovativos dos custos do loteamento, os quais importavam, sem margem para dúvidas, em 65.768.371$00, a que a AF achou por bem acrescentar 2.000.000$00, a título de custos com deslocações, apesar de não haver documentos justificativos destas, e 4.000.000$00, valor do prédio rústico que deu origem ao loteamento, não obstante o valor matricial deste ser de 278.360$00.
É a propósito destes valores agora discriminados que os recorrentes alegam falta da sua oportuna notificação e também a sua falta de fundamentação porque baseados apenas em critérios de razoabilidade, sem qualquer objectividade que os suporte.
Mas também aqui não têm os recorrentes razão.
Desde logo, porque a liquidação impugnada assentou nos valores apurados pelos serviços de inspecção tributária, e constantes do relatório então elaborado, dos quais os recorrentes foram oportunamente notificados e deles até reclamaram para a CDR que viria a fixar em definitivo a matéria tributável da qual resultaria a liquidação adicional de IRS que os recorrentes em devido tempo impugnaram.
E não na informação prestada pela AF em sede de impugnação judicial que mais não visou do que pretender dar um contributo para o esclarecimento cabal da matéria em discussão, a qual nunca poderia servir de fundamentação a uma liquidação já anteriormente efectuada pois tratar-se-ia sempre de uma fundamentação a posteriori e, como tal, nunca poderia ser considerada.
Por outro lado, a fundamentação quer dos custos quer dos proveitos apurados pela AF consta expressamente quer do relatório dos serviços de inspecção quer da acta da CDR, conforme se deixou exarado no probatório, e mostra-se suficiente, clara e precisa.
Acresce que, no caso em apreço, tratando-se da determinação do rendimento tributável de um acto isolado, a AF apenas estava obrigada a deduzir os encargos devidamente comprovados e necessários à obtenção do rendimento bruto, até à sua concorrência e com as limitações previstas no artigo 33.º (artigo 30.º CIRS).
Sendo certo que era aos recorrentes, enquanto sujeitos passivos, que lhes competia o ónus da prova dos custos indispensáveis à obtenção dos proveitos (artigo 23.º CIRC).
Não o tendo feito, e tendo até ao que parece a AF presumido custos que nem sequer estavam documentados, mas que a AF entendeu por bem levar em consideração porque presumivelmente efectuados, a título de deslocações efectuadas, não podem agora os recorrentes vir impugná-los na medida em que tal atitude por parte da AF até os beneficiou.
E do mesmo modo se diga também relativamente ao valor do prédio rústico tido em consideração pela AF pois, nos termos do artigo 45.º CIRS, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações.
E, no caso de afectação de quaisquer bens do património particular do sujeito passivo à sua actividade empresarial e profissional, o valor de aquisição pelo qual esses bens são considerados corresponde ao valor de mercado dos mesmos à data da afectação (n.º 2 do artigo 29.º CIRS).
Ora, sendo o valor de mercado o atribuído pelo sujeito passivo no momento da afectação ou da transferência dos bens, que obviamente pode ser depois corrigido pela AF se, fundamentadamente, considerar que o mesmo não corresponde ao que seria praticado entre pessoas independentes (n.º 4 do artigo 29.º CIRS), nunca os recorrentes indicaram no decurso do procedimento qual o valor do prédio em causa, limitando-se a invocar que ao mesmo fosse atribuído um valor de mercado, que eles não concretizaram, nem mesmo agora em sede de alegações.
Tendo a AF considerado um valor superior ao valor matricial, como resulta do probatório, e, por isso, também aí em claro benefício dos recorrentes, não se vislumbra que estes tenham razão, nem mesmo quando invocam o recurso à avaliação para a determinação desse valor quando a lei não o determina, como vimos.
Por último, dir-se-á ainda que as verbas ora contestadas pelos recorrentes mais não são do que parcelas da verba global apurada como custos, da qual eles foram notificados oportunamente e contra ela reagiram até para a CDR que, contudo, a manteve, sendo que a falta de discriminação inicial dessas verbas, como vimos, em nada prejudicou os interesses dos recorrentes.
Neste contexto, não enferma o acto tributário impugnado também de qualquer erro nos pressupostos de direito, improcedendo, assim, na totalidade as conclusões das alegações de recurso apresentadas.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a procuradoria em 50%.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2007. – António Calhau (relator) – Brandão de PinhoPimenta do Vale.