Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0963/22.5BELRA
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE O SECTOR ENERGÉTICO
INCIDÊNCIA
Sumário:Prevendo-se em sede de incidência objectiva que a CESE incide sobre o valor dos elementos do activo dos sujeitos passivos que respeitem a activos intangíveis, com excepção dos elementos da propriedade industrial (artigo 3.º, n.º 1, al. b) do Regime da CESE), e estando preenchidos os critérios de identificabilidade, controlo sobre um recurso e existência de benefícios económicos futuros para que o goodwill seja reconhecido como activo intangível, como foi pela Impugnante na sua contabilidade, embora em conta separada, não existe fundamento legal para o mesmo não seja relevado para efeitos de determinação da CESE.
Nº Convencional:JSTA000P31895
Nº do Documento:SA2202402070963/22
Recorrente:A... - SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1 “A... – Sociedade Unipessoal, Lda.”, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra as liquidações adicionais da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), n.º 2022 ... e n.º 2022 ..., referentes, respectivamente, aos anos de 2019 e de 2020, interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Nas alegações de recurso formulou, a final, as seguintes conclusões:

«1. Delimitação da questão, dos argumentos das partes e decisão do Tribunal a quo

A) A impugnante, ora recorrente, apresentou duas razões para a sua conclusão de que o goodwill não está coberto pela incidência da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético:

i) Uma primeira razão, de ordem geral e aplicação generalizada a todo o goodwill: ele não é um activo intangível, e isso resulta expressamente do nosso (e da UE) actual normativo contabilístico, entrado em vigor em 2010.

ii) A segunda razão é de ordem particular ou específica: não estando o valor, o custo de aquisição, das participações financeiras/sociais, sujeitas à CESE, conclusão que ninguém disputa, não faz sentido, é contraditório e produz arbitrariedade na aplicação da CESE, entender, ignorando-se esse enfático dado normativo, que uma parte desse custo de aquisição da participação social, o contabilizado em goodwill, estaria sujeito à CESE, e esta conclusão encontra apoio no próprio texto legal da CESE.

B) Com respeito em especial à segunda razão, é pacífico que a contribuição especial criada não se aplica às participações sociais. Isso é directamente suportado pelo teor literal da norma de incidência objectiva.

C) Pelo que nenhuma razão teleológica e sistemática há para que parcela do seu custo de aquisição contabilizada sob a denominação contabilística de goodwill ser, em contradição com, e ao arrepio de esta clara direcção do regime legal do tributo, sujeita à contribuição.

D) A sentença recorrida, porém, entendeu da mesma forma que a AT: resolvida a questão de saber se o goodwill é um activo intangível, está resolvida a questão, o mesmo fica sujeito a CESE, nada mais havendo que integrar na equação jurídica (cfr. págs. 24 in fine a 32 da sentença).

E) A sentença recorrida adere à pronúncia do STA sobre esta matéria no acórdão de 02.02.2022 proferido no processo n.º 353/19.7BESNT.

F) E isso nada tem de condenável, pelo contrário, é salutar procurar-se uniformidade na jurisprudência, sobretudo com a jurisprudência do tribunal superior.

G) Mas essa uniformidade não significa imutabilidade, nem impede o tribunal superior de, olhando às razões apresentadas, reapreciar a matéria.

H) Esse é, em última análise, o objectivo principal do presente recurso: apresentar da forma mais chã e clara que for possível, as razões pelas quais se está convencido de que o entendimento da sentença recorrida e do acórdão do STA por si seguido, (i) não é a melhor leitura da lei do ponto de vista da sua teleologia e da interpretação sistemática, (ii) nem tão-pouco é a única leitura possibilitada pela letra ou texto da lei.

I) E mais se está convencido que a leitura normativa da sujeição à CESE também do goodwill de participações sociais, é inconstitucional (mais sobre isso infra).

2. Em particular o goodwill de participações sociais

J) Dúvida não há que a CESE pretende onerar unicamente activos do sector energético.

K) É pacífico, uma vez que isso resulta da letra da lei, que a CESE não incide sobre participações sociais, e isso resulta directamente da letra da lei (artigo 3.º, n.º 1, da CESE).

L) O que, olhando agora ao espírito ou teleologia da CESE, se percebe de imediato porquê: as participações sociais não são activos utilizados no exercício das actividades (no sector energético) que se quer onerar.

M) É, pois, pacífico que o legislador, a letra da lei (artigo 3.º, n.º 1, da CESE), afastou as participações sociais da incidência da CESE, e é perfeitamente compreensível a razão por que o fez: estas não são o seu alvo, o seu alvo são os activos utilizados numa actividade no sector energético prosseguida pela empresa licenciada para tal.

N) Independentemente desse custo de aquisição se concentrar todo numa conta de investimentos financeiros (ou outra apropriada para participações), ou de se repartir entre esta e uma conta de goodwill.

O) Porque quando se reparta também por uma conta de goodwill, o valor e custo de aquisição daquele activo único, a participação social, é dado também por essa parcela. O activo não passa a ser dois, mantém-se uno, uma participação social.

P) Com a única particularidade de o seu valor, uno ele também, se repartir por uma conta de investimentos financeiros e por uma conta de goodwill.

Q) Se se vender esse activo único, o custo de aquisição a considerar é uno também, a soma do registado em investimentos financeiros com a soma do registado em goodwill.

R) Não se pode vender a participação social e não vender, e manter, o goodwill registado quando da sua aquisição, com base no seu custo de aquisição. Da mesma forma que não se pode vender a participação social e dar baixa apenas do goodwill, mantendo o valor inscrito na conta de investimentos financeiros.

S) Este goodwill e restante custo de aquisição, são ambos expressão do valor do activo que é a participação social.

T) Não são, ambos, incluindo o goodwill, expressão de valor de qualquer outro activo.

U) O valor do goodwill, tal como o valor restante inscrito em conta de investimentos financeiros, não subsistem fora da existência do activo adquirido, pela razão simples de que são ambos o valor da participação social, e de nada mais, e nada mais representam para lá disso.

V) A propósito desta total ausência de autonomia do goodwill relativamente ao activo uno (in casu uma participação social) de que representa uma parcela da sua valorização e custo de aquisição, veja-se a Norma Contabilista e de Relato Financeiro 14 (NCRF 14) nos parágrafos 32 a 35, publicada sob o aviso n.º ...09, publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 173 — 7 de Setembro de 2009, p 36260 e, em especial, p 36271 e ss..

W) Tudo, conta de investimentos financeiros e conta de goodwill, contém apenas e nada mais, registo do valor da participação social.

X) E referem-se, e a nada mais, a essa participação social.

Y) Donde que, sendo inequívoco que a CESE não tributa participações sociais (cfr. o seu artigo 3.º), tem assento na letra da lei, isto é, na letra do regime da CESE, a não tributação dos valores inscritos na contabilidade referentes a participações sociais, a saber, valor inscrito em conta de investimentos financeiros (ou outra para registo de participações) e valor inscrito em conta de goodwill referente também a essa participação (e a nada mais referente).

Z) Esta conclusão com assento no texto da lei, de não incidência da CESE sobre participações sociais, não é ponderada pela sentença recorrida.

AA) Prosseguindo, temos então as seguintes proposições em confronto:

a) Resulta do teor literal da CESE que as participações sociais não são de sujeitar a este imposto;

b) Resulta do teor literal da CESE que os activos intangíveis são de sujeitar a este imposto;

c) O goodwill é simultaneamente (i) parte do valor das participações sociais que não são de sujeitar à CESE e, alegadamente, (ii) activo intangível também.

BB) É de resolver esta aparente colisão sujeitando-o à CESE porque (alegadamente) é activo intangível, ou não o sujeitando à CESE porque é mera parcela do valor de uma participação social, elemento patrimonial este não sujeito à CESE?

CC) Não pode haver dúvida, julga-se, que quer a teleologia da CESE, quer a interpretação sistemática da incidência objectiva da CESE, quer a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artigo 9.º do código civil), quer ainda a perspectiva de resolução desta aparente colisão projectando “norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema” (artigo 10.º, n.º 3, do código civil),

DD) apontam, todos e todas, para a resolução desta aparente colisão dando primazia à qualidade (e essência) do goodwill de parcela do valor da participação social (é da sua essência ser isso e nada mais do que isso) sobre o acidente de (alegadamente) ser tido também como activo intangível.

EE) E para a mesma solução desta aparente colisão aponta a máxima de que norma especial derroga geral.

FF) Os activos intangíveis em geral são sujeitos à CESE, excepto se forem mera parcela do valor de um outro activo não sujeito ele mesmo à CESE, sem cuja existência não subsistam, do qual dependam totalmente na sua existência.

GG) E mais ainda, para aquela mesma solução desta aparente colisão aponta a máxima de que o acessório segue o principal.

HH) A participação social é o principal, o quid que existe e sem cuja existência o goodwill da participação social nenhuma existência teria.

II) Pelo que o que faz sentido é que o regime de tributação em CESE do acessório ou totalmente dependente do principal na sua existência, que é o goodwill, siga o regime de tributação da essência ou principal que é a participação social da qual aquele goodwill é mera parcela do seu custo de aquisição e valorização.

JJ) No mesmo sentido aponta a teleologia de CESE (expressamente reconhecida pela AT): tributar activos de actividades licenciadas no sector energético.

KK) É por causa desta teleologia que as participações sociais não são sujeitas à CESE.

LL) Sendo essa a inequívoca letra e espírito da CESE, a aparente colisão supra referenciada tem de ser solucionada dando-se primazia à natureza do goodwill aqui em causa, de mera parcela do valor de uma participação social, sobre a sua (alegada) qualificação também como activo intangível.

MM) Alegada qualificação esta também como activo intangível que, aliás, insiste-se, nada tem de essência, que em nada resulta da natureza das coisas, ao contrário da pertença do goodwill aqui em causa ao custo de aquisição e de valorização da participação social (isso é que o goodwill aqui em causa é de certeza, isso é que é da essência do goodwill aqui em causa).

NN) Ademais, a conclusão contrária, a conclusão de que a aparente colisão se haveria de resolver dando primazia à alegada qualificação como activo intangível do goodwill de participações sociais, sobre a sua pertença a uma participação social (representação de fracção do seu valor / custo de aquisição), gerará resultados arbitrários e discriminatórios, incompatíveis com os princípios constitucionais da igualdade, da justa medida ou da proibição de excesso, e do estado de direito, como supra se mostrou abundantemente.

OO) Donde também que seja inconstitucional a norma que se extraia do artigo 3.º, n.º 1, no seu todo, do regime da CESE, ou que se extraia (abstraindo do que resulta da totalidade desse n.º 1, isto é, abstraindo que as participações sociais não são sujeitas a CESE), do artigo 3.º, n.º 1, alínea b), do regime da CESE, de sujeição do goodwill de participações sociais à CESE, por violação dos princípios constitucionais da igualdade (proibição de tratamentos diferenciados arbitrários ou infundadamente discriminatórios) e da proporcionalidade, incluindo o princípio da capacidade contributiva (artigos 2.º, 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição e, como manifestação constitucional do princípio da capacidade contributiva, o artigo 103.º, n.º 1 e o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição).

PP) Em conclusão, incorre em erro e ilegalidade a sentença ora recorrida, quando ignorou a total dependência e pertença do goodwill de participação social à participação social (sem a qual não existe, e da qual representa parte do seu custo de aquisição e valor), por sua vez elemento patrimonial não sujeito à CESE.

3. Adicionalmente: conceito de activo intangível vs goodwill

QQ) A sentença recorrida, tal como a AT, pôs todos os ovos no conceito de activo intangível:

determinado este, e mais especificamente determinado se o goodwill é ou não um activo intangível, está resolvida a questão, sendo irrelevante distinguir entre (i) goodwill de participações sociais e (ii) goodwill de parques eólicos ou de outras unidades de exercício de actividade no sector energético (ou até, presume-se, embora isso já ultrapasse os factos do caso, sendo irrelevante distinguir também o goodwill de outras actividades de produção, comércio ou serviços sem conexão alguma com o sector energético).

RR) Concentremo-nos, pois, agora, na questão mais estreita do conceito de activo intangível vs goodwill, na qual repousou toda a fundamentação dos actos tributários em crise.

SS) Simplesmente não é verdade que no actual sistema de normalização contabilística (SNC doravante), em vigor desde 2010, o goodwill seja um exemplar de activo intangível.

TT) Para o que aqui interessa – saber se o goodwill é ou não um activo intangível -, prescreve o seguinte a “NCRF 6 Activos intangíveis”:

Identificabilidade (parágrafos 11 e 12)

11 — A definição de um activo intangível exige que o mesmo seja identificável para o distinguir do goodwill. O goodwill (...) benefícios económicos futuros de activos que não sejam capazes de ser individualmente identificados e separadamente reconhecidos (...)”

UU) Não há dúvida, pois, que o goodwill não é ele próprio um activo intangível, é a Norma Contabilística dos activos intangíveis que o diz, no segmento que se acaba de transcrever.

VV) Como prescreve enfaticamente este normativo contabilístico dedicado aos activos intangíveis, “[a] definição de um activo intangível exige que o mesmo seja identificável para o distinguir do goodwill”.

WW) Pelo que incorre em erro e ilegalidade a sentença ora recorrida (págs. 31 e 32 da mesma), quando conclui que o goodwill é um activo intangível.

XX) É de notar ainda que o goodwill não passa a ser identificável pelo facto de ser registada uma quantia certa numa conta autónoma da contabilidade designada de goodwill.

YY) A quantia é certa porque resulta de uma operação matemática: o que paguei menos justo valor dos activos identificáveis.

ZZ) E a sobra resultante dessa operação matemática é justamente isso, uma sobra que se não consegue alocar a um activo em concreto medido ao justo valor.

AAA) Não há identificabilidade, e não há controlo (outra das incorrectas imputações da sentença recorrida ao goodwill): não se pode vender ou arrendar, ou ceder para exploração, o goodwill.

BBB) E não se pode, pela razão simples de que ele é apenas parcela do preço de aquisição de uma participação social, ou de uma unidade produtiva, ou de comércio e serviços,

CCC) parcela essa que sobra porque se não consegue alocá-la (sem arbitrariedade) a nenhum dos activos concretos, identificáveis, estes sim juridicamente objecto de aquisição e, estes sim, dentro do comércio, passíveis de ser vendidos, cedida a sua exploração, explorados economicamente, etc.

DDD) Vejamos novamente a exclusão do goodwill dos activos intangíveis pela “NCRF 6 Activos intangíveis”:

“33 — De acordo com a NCRF 14 — Concentrações de Actividades Empresariais, se um activo intangível for adquirido numa concentração de actividades empresariais, o custo desse activo intangível é o seu justo valor à data da aquisição. (...) um adquirente reconhece na data da aquisição, separadamente do goodwill, um activo intangível da adquirida se o justo valor do activo puder ser fiavelmente mensurado (...) Isto significa que o adquirente reconhece como um activo, separadamente do goodwill, um projecto de pesquisa e desenvolvimento em curso da adquirida caso o projecto corresponda à definição de activo intangível e o seu justo valor possa ser fiavelmente mensurado.

EEE) Mais uma vez: se identificável o activo, e sê-lo-á se for mensurável ao justo valor (o que também significará que será susceptível de entrar no comércio, será vendável), então é um activo intangível e não goodwill.

FFF) O valor de registo do goodwill não resulta da sua mensuração ao justo valor, mas de uma subtracção: preço de aquisição menos justos valor dos activos identificáveis/mensuráveis separadamente ao justo valor.

GGG) O goodwill é o que sobra. Emerge por exclusão de partes.

HHH) Depois de nada mais se conseguir mensurar a justo valor, o que sobra, e sobra porque justamente nada mais foi possível identificar e mensurar ao justo valor, é o goodwill. Vejamos novamente a “NCRF 6 Activos intangíveis”:

“67 – (...) O item seja adquirido numa concentração de actividades empresariais e não possa ser reconhecido como um activo intangível. Neste caso, o dispêndio (incluído no custo da concentração de actividades empresariais) deve fazer parte da quantia atribuída ao goodwill”.

III) Exactamente a mesma definição de que activo intangível é uma coisa que o goodwill não é, emana da NCRF 14 Concentrações de actividades empresariais”:

1 - a adquirente reconhece os activos, passivos e passivos contingentes identificáveis da adquirida pelos seus justos valores à data de aquisição, e reconhece também o goodwill (...)

9 - Goodwill: corresponde a benefícios económicos futuros resultantes de activos que não são capazes de ser individualmente identificados e separadamente reconhecidos (...)

27 – (...) a adquirente reconhece separadamente um activo intangível da adquirida à data da aquisição apenas se esse activo satisfizer a definição de activo intangível da NCRF 6 — Activos Intangíveis e se o seu justo valor puder ser mensurado com fiabilidade. Isto significa que a adquirente reconhece como um activo separadamente da goodwill um projecto de pesquisa e desenvolvimento em curso da adquirida caso o projecto corresponda à definição de activo intangível e o seu justo valor possa ser fiavelmente mensurado (...)

32 – (...) (b) Inicialmente mensurar esse goodwill pelo seu custo, que é o excesso do custo da concentração de actividades empresariais acima do interesse da adquirente no justo valor líquido dos activos, passivos e passivos contingentes identificáveis (...)

33 — O goodwill adquirido numa concentração de actividades empresariais representa um pagamento feito pela adquirente em antecipação de benefícios económicos futuros de activos que não sejam capazes de ser individualmente identificados e separadamente reconhecidos.”.

JJJ) É avassaladora a conclusão que se retira da normalização contabilística em vigor em Portugal desde 2010, que activo intangível não é goodwill e goodwill não é activo intangível.

KKK) A diferente conclusão que a sentença ora recorrida pretende assentar nas “NCRF 6 Activos intangíveis” e “NCRF 14 Concentrações de actividades empresariais” é incorrecta e expressamente excluída pelas próprias.

LLL) E como corolário destas normas contabilísticas, os modelos de demonstrações financeiras para as diferentes entidades que aplicam o SNC, aprovados pela Portaria n.º 220/2015 e que constam do seu Anexo I, arruma o goodwill fora dos activos intangíveis, como o tertium genus que ele efectivamente é, e em coerência com as (e como corolário das) normas contabilísticas supra referenciadas.

MMM) Acrescenta ainda a sentença recorrida (tal como a AT) que a codificação das contas, actualmente constante da Portaria n.º 218/2015, isto é, a atribuição de um número a cada espécie ou família de activos, passivos, capital próprio, rendimentos, gastos e resultados, incluiu o goodwill na família dos activos intangíveis.

NNN) Mas, assim sendo, no máximo temos uma colisão entre por um lado as normas contabilísticas, designadamente a “NCRF 6 Activos intangíveis” e “NCRF 14 Concentrações de actividades empresariais”, onde se prescreve que activo intangível não é goodwill e vice versa, e os modelos de demonstrações financeiras que como corolário disto confirmam essa prescrição,

OOO) e do outro lado a atribuição de códigos de contas que em contradição com estes normativos, arruma o goodwill, via atribuição de número de conta (e sem nada mais dizer), na família dos activos intangíveis.

PPP) Ora, à recorrente parece claro que a arrumação numérica no grupo de activos intangíveis vale apenas para os específicos e limitados efeitos de organização numérica dos registos contabilísticos, e nada mais.

QQQ) Porque essa é o único propósito da Portaria n.º 218/2015 de atribuição de códigos numéricos, que aliás nada mais diz, e nada mais faz, do que atribuir códigos numéricos às diversas realidades contabilísticas.

RRR) Ao contrário das normas contabilísticas, cujo propósito é definir e explicar o que são e como se definem as diversas realidades e ocorrências contabilísticas, estabelecendo-lhes as fronteiras delimitativas (conceptuais) e o modo de movimentação das contas respectivas, como sucede com as “NCRF 6 Activos intangíveis” e “NCRF 14 Concentrações de actividades empresariais”.

SSS) Pelo que a colisão é meramente aparente: não se dá, ou é irrelevante, dados os diferentes níveis em que operam as normas.

TTT) Mas há mais de jurídico a dizer sobre esta aparente colisão.

UUU) Com efeito, há uma norma de grau superior, a lei habilitante, a lei delegante, que distribui as diversas tarefas de desenvolvimento do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) por diversos actores, separando-as.

VVV) Essa lei, designada como Sistema de Normalização Contabilística (SNC), tem a força de um Decreto-Lei, aprovada que foi como anexo ao Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, e estabelece que por um lado temos as NCRF, as Normas Contabilísticas que instituem o normativo contabilístico: normas relativas a conceitos e definições de activos diversos, passivos, gastos e rendimentos, reconhecimentos dos mesmos como tal, mensuração dos mesmos, etc. (ver no SNC, publicado em anexo ao citado Decreto-Lei 158/2009, de 13 de Julho, as trinta e tal referências às NCRF e correspondente indicação da sua função e papel normativo central no SNC).

WWW) O procedimento de criação das NCRF é o mais complexo, exigindo a intervenção cumulativa de duas entidades/órgãos: são concebidas e propostas pela CNC (Comissão de Normalização Contabilística) e homologadas pelo Ministro das Finanças.

XXX) Pelo contrário, o processo de criação do código de contas é mais simples e abreviado, exigindo apenas a intervenção do Ministro das Finanças, e é atribuída competência neste âmbito e através deste processo, para aprovação apenas dos códigos de contas. E nenhuma competência é atribuída neste âmbito e por meio deste distinto processo, para definir conceitos ou estabelecer fronteiras conceptuais entre realidades contabilísticas.

YYY) Dito de outro modo, aquele processo mais simples e abreviado está autorizado pelo SNC aprovado pelo Decreto-Lei 158/2009, de 13 de Julho, a criar o código de contas,

ZZZ) que não a interferir com as definições, conceitos e critérios de reconhecimento de activos das NCRF, matéria sujeita pelo mesmo SNC aprovado pelo Decreto-Lei 158/2009, de 13 de Julho, a um processo de criação normativa mais complexo e exigente.

AAAA) Donde que a arrumação em sede código de contas atribuída ao goodwill permite apenas concluir que para efeitos de código de contas o legislador, que nalgum lado tinha que arrumar o goodwill, optou por não criar uma classe de código de contas nova, e arrumou-o antes onde o arrumou.

BBBB) E ilegal e inválido seria que a Portaria 218/2015 de criação dos códigos de contas, alterasse as definições e conceitos das NCRF, porquanto a lei habilitante da mesma (e das NCRF) tal não lho autorizou, antes autorizou apenas a criação dos códigos de contas, reservando a outras entidades e processo a criação das normas contabilísticas, o processo de criação das definições e conceitos contabilísticos (que seguem aliás esmagadoramente as normas contabilísticas da UE – mais sobre isso infra).

CCCC) Em síntese, a colisão entre “NCRF 6 Activos intangíveis” e “NCRF 14 Concentrações de actividades empresariais” de um lado, e Portaria de criação dos códigos de contas n.º 218/2015, é aparente e não real, porquanto operam em planos diferentes.

DDDD) E se assim não se entendesse, teria então de concluir-se no sentido da prevalência das “NCRF 6 Activos intangíveis” e “NCRF 14 Concentrações de actividades empresariais” na definição de activos intangíveis e exclusão do goodwill de tal definição e conceito.

EEEE) Com efeito, o SNC, parte integrante do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, separou as competências e modo processual de criação de NCRF por um lado (definições e conceitos contabilísticos), e de criação de códigos de contas por outro,

FFFF) estando viciado de ilegalidade a alteração ou revogação de definições e conceitos contabilísticos constantes das NCRF pela entidade e através do meio processual autorizados apenas (pela mesma lei habilitante) a criar códigos de contas para o SNC.

GGGG) Em suma, (i) resulta expressamente das “NCRF 6 Activos intangíveis” e “NCRF 14 Concentrações de actividades empresariais” que o goodwill não um activo intangível, (ii) os modelos de demonstrações financeiras adoptados por lei retiram daí as devidas consequências separando o goodwill dos activos intangíveis, e (iii) o facto de na atribuição de códigos de contas isso não ser feito não altera nem pode alterar o que emana das normas contabilísticas criadas pelo processo legalmente previsto e por quem tem competência para as fazer.

HHHH) Finalmente, é de recordar ainda que o nosso SNC na sua esmagadora maioria transpõe, assumidamente, os conceitos e definições contabilísticas do direito da União Europeia, e que as normas internacionais de contabilidade adoptadas pela UE, designadamente a IAS n.º 38 e a IFRS n.º 3, fontes das nossas NCRF, prescrevem o mesmo que estas a respeito dos activos intangíveis e de o goodwill não ser um activo intangível:

i) O goodwill é o que sobra após mensuração de todos os activos identificáveis;

ii) É identificável aquilo susceptível de ser mensurado em si mesmo (por oposição a resultar de subtração de duas outras realidades – mera sobra) e susceptível de ser vendido, locado, trocado, etc., coisa que evidentemente o goodwill não é (vender o goodwill seria o absurdo de vender o excesso pago em relação ao justo valor dos activos e passivos adquiridos);

iii) E o activo intangível é um activo identificável, coisa que o goodwill não é (isso resulta da sua própria definição como o que sobra depois de identificado tudo o passível de ser identificado, e é expressamente afirmada a distinção entre activo intangível e goodwill pelas citadas normas de contabilidade adoptadas pela UE).

IIII) E se dúvida ainda assim persistisse, não obstante não se ver como, pode ser efectuado reenvio prejudicial para o TJUE, atento o facto de as nossas normas contabilísticas seguirem e transporem as normas internacionais de contabilidade adoptadas pela UE, e o facto de não haver sinal de que na questão em concreto “activo intangível vs goodwill” tenham adoptado soluções diferentes as nossas normas de contabilidade e as da UE.

4. Os juros compensatórios

JJJJ) Decidida pela sentença a questão do imposto sobre goodwill de (i) participações sociais e de (ii) parques eólicos, no sentido da sua legalidade, decidiu esta também que as outras questões tinham ficado prejudicadas.

KKKK) Discorda-se que tenha ficado prejudicada a questão dos juros compensatórios, autonomizada na PI por se entender haver razões para a sua anulação independentes da questão da legalidade da liquidação de imposto.

LLLL) Pelo que sobre esta questão adicional, suscitada a propósito dos juros compensatórios, haverá no mínimo omissão de pronúncia com a consequente nulidade da sentença a este respeito, e a assim não entender-se há imediata e directamente, erro de direito.

MMMM) Como se desenvolveu supra, mesmo que se venha a concluir que a parte do valor das participações sociais que é o goodwill está sujeita à CESE, e que o goodwill é um activo intangível (no que se discorda frontal e fundamentamente, conforme supra exposto), a divergência de entendimento entre a AT e o contribuinte é perfeitamente compreensível, e mais do que aceitável, pelo que não há que censurar a posição do contribuinte na liquidação de imposto que por encargo legal tem de fazer ele próprio, onerando-o juntamente com liquidação adicional de imposto, com liquidação de juros compensatórios também.

NNNN) Acresce ainda que na liquidação de juros estão ausentes os elementos básicos da base de incidência, taxa aplicada e período de contagem, pelo que há uma ausência radical de fundamentação quanto a estes elementos essenciais (cfr. o Doc. n.º 1 e o Doc. n.º 2 da PI), invocação da PI em primeira instância (seu artigo 249º) que se crê igualmente não ter sido apreciada na sentença recorrida.

OOOO) Pelo que devem ser anuladas as liquidações de juros compensatórios, não apenas como consequência da anulação do imposto subjacente,

PPPP) mas também pela razão autónoma da ausência de culpa ou censurabilidade na divergência de critérios aqui recordada, e pela razão autónoma de ausência de fundamentação dos elementos essenciais básicos da liquidação de quaisquer juros aqui recordada também,

QQQQ) e ser a AT condenada a reembolsar o imposto e a pagar juros indemnizatórios não só sobre o montante de imposto indevidamente pago adicionalmente, mas também sobre o montante de juros compensatórios pagos pela ora recorrente.

1.3. Não houve contra-alegações.

1.4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento parcial ao recurso interposto apenas na parte relativa aos juros compensatórios, defendendo que, pese embora não haja omissão de pronúncia, por ter sido expressamente declarado que ficava prejudicada, nada obstar a que se conheça da mesma enquanto erro de julgamento de direito e verificado o vício suscitado, julgada procedente nesta parte a Impugnação.

1.5. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à Conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, as questões a decidir são as seguintes:

1) É nula a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal a quo não conheceu de questão da ilegalidade imputada à liquidação de juros compensatórios?

2) A sentença objecto de recurso padece de erro de julgamento de direito por, não sendo o goodwill um activo intangível, não estar abrangido pelo elemento objectivo de incidência da Contribuição Extraordinária

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

A) A Impugnante é uma sociedade unipessoal por quotas constituída em 13/12/2005 e tem como atividade principal a consultoria, investimento e preparação de estudos ou projetos no setor das energias renováveis; a identificação, investigação, avaliação, desenvolvimento, construção, operação, reparação, venda e locação de sistemas, negócios, projetos ou estudos no âmbito da produção desse tipo de energia; a venda e distribuição de eletricidade proveniente de sistemas de energia renovável e a gestão por conta própria de carteira de investimentos em ações e outros valores mobiliários e produtos financeiros, assim como a assistência financeira a essas empresas – cf. DOC. n.º 11, junto com a petição inicial (PI) a fls. 295 do SITAF;

B) A Impugnante é proprietária e explora os seguintes parques eólicos:
... Com uma potência instalada de 18,4MW
... Com uma potência instalada de 12MW
... Com uma potência instalada de 111MW
... Com uma potência instalada de 10MW
... Com uma potência instalada de 4MW
... Com uma potência instalada de 16,1MW
... Com uma potência instalada de 11,5MW
(cf. DOC. n.º 11, junto com a PI a fls. 295 do SITAF);

C) Em 28/10/2019 foi apresentada a declaração modelo 27-Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) pela Impugnante referente ao ano de 2019 declarando no quadro 5.4- Outros ativos aplicáveis o valor dos ativos fixos tangíveis de €133.229.071,24, bem como o valor dos ativos fixos intangíveis de €387.695,46, apurando no quadro 6-Demonstração da liquidação da contribuição o total da contribuição extraordinária a pagar de €1.135.742,52 por aplicação ao valor dos ativos da taxa de 0,85% – cf. DOC. n.º 5 junto com a PI a fls. 129-130 do SITAF;

D) Em 29/10/2019 foi emitido um documento pelo Banco 1..., designado “Nota de Lançamento” no qual se informou a Impugnante que foi efetuada na conta à ordem n.º ...02 a operação de pagamento da autoliquidação da CESE, referente ao ano de 2019, no montante de €1.135.742,52 – cf. DOC. n.º 5 junto com a PI a fls. 131 e 158 do SITAF;

E) Em 31/12/2019 constava das notas às demonstrações financeiras da Impugnante que:

«(…)

[IMAGEM]

(…)»

(cf. DOC. n.º 11 junto com a PI a fls. 297 do SITAF);

F) Em 31/12/2019 a Impugnante registou no balanço os seguintes investimentos em participações financeiras pelo método de equivalência:

«(…)

[IMAGEM]

(cf. DOC. n.º 11, junto com a PI a fls. 307 do SITAF);

G) Em 16/10/2020 foi apresentada a declaração modelo 27-Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) pela Impugnante referente ao ano de 2020 declarando no quadro 5.4- Outros ativos aplicáveis o valor dos ativos fixos tangíveis de €115.178.040,35, bem como o valor dos ativos fixos intangíveis de €387.695,46, apurando no quadro 6-Demonstração da liquidação da contribuição o total da contribuição extraordinária a pagar de €982.308,75 por aplicação ao valor dos ativos da taxa de 0,85% – cf. DOC. n.º 6 junto com a PI a fls. 171-172 do SITAF;

H) Em 26/10/2020 foi emitido um documento pelo Banco 1..., designado “Nota de Lançamento” no qual se informou a Impugnante que foi efetuada na conta à ordem n.º ...02 a operação de pagamento da autoliquidação da CESE, referente ao ano de 2020, no montante de €982.308,75 – cf. DOC. n.º 6 junto com a PI a fls. 173-174 do SITAF;

I) Em 31/12/2020 a Impugnante a Impugnante registou no balanço os seguintes investimentos em participações financeiras pelo método de equivalência:

«

[IMAGEM]

(cf. DOC. n.º 12, junto com a PI a fls. 360 do SITAF);

J) Em 31/12/2019 constava das notas às demonstrações financeiras da Impugnante que:

«(…)

[IMAGEM]

(…)»

(cf. DOC. n.º 12 junto com a PI a fls. 367 do SITAF);

K) Em 26/01/2021 foi determinado através da ordem de serviço n.º ...18 a realização de um procedimento de inspeção interno à Impugnante que incidiu sobre a CESE do ano de 2019 - cf. DOC. n.º 3 junto com a PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 84 do SITAF;

L) Em 26/01/2021 foi determinado através da ordem de serviço n.º ...19 a realização de um procedimento de inspeção interno à Impugnante que incidiu sobre a CESE do ano de 2020 - cf. DOC. n.º 4 junto com a PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 107 do SITAF;

M) Em 09/07/2021 foi elaborado relatório final de inspeção tributária pela Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras I, da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) que incidiu sobre a CESE do ano de 2019 no qual foi proposta a correção à CESE do ano de 2019 no montante de €679.774,56 e no qual pode ler-se:

«(…)

[IMAGEM]

(…)»

(cf. DOC. n.º 3 junto com a PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 78-100 do SITAF);

N) Em 09/07/2021 foi proferido despacho sobre o relatório final de inspeção tributária referido na alínea anterior, pelo Chefe de Divisão da Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras I, da UGC, de concordância com a proposta de correção da CESE do ano de 2019 no montante de €679.774,56 – cf. DOC. n.º 3 junto com a PI a fls. 78 do SITAF;

O) Em 09/07/2021 foi elaborado relatório final de inspeção tributária pela Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras I, da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) que incidiu sobre a CESE do ano de 2020 no qual foi proposta a correção à CESE do ano de 2020 no montante de €610.954,33 no qual pode ler-se:

«(…)

[IMAGEM]

(…)»

(cf. DOC. n.º 4 junto com a PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 103-123 do SITAF);

P) Em 09/07/2021 foi proferido despacho sobre o relatório final de inspeção tributária referido na alínea anterior, pelo Chefe de Divisão da Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras I, da UGC, de concordância com a proposta de correção da CESE do ano de 2020 no montante de €610.954,33 – cf. DOC. n.º 4 junto com a PI a fls. 103 do SITAF;

Q) Em 12/07/2021 foi enviado à Impugnante o ofício n.º ...12 pela Unidade dos Grandes Contribuintes-UG, que foi recebido em 14/07/2021, informando-a sobre o despacho e correção da CESE do ano de 2019 resultante do relatório final de inspeção tributária e dando conhecimento que «A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.»– cf. ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e comprovativos CTT e aviso de receção a fls. 446-448 do SITAF;

R) Em 12/07/2021 foi enviado à Impugnante o ofício n.º ...13 pela Unidade dos Grandes Contribuintes-UG, que foi recebido em 14/07/2021, informando-a sobre o despacho e correção da CESE do ano de 2020 resultante do relatório final de inspeção tributária e dando conhecimento que «A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.»– cf. ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e comprovativos CTT e aviso de receção a fls. 505-507 do SITAF;

S) Em 09/06/2022 foi emitida a liquidação adicional da CESE n.º 2022 ..., referente ao ano de 2019, em nome da impugnante, no montante a pagar de €1.815.517,08 que foi enviada à Impugnante, em 15/06/2022, através de correio registado pelo serviço VIACTT para a caixa postal eletrónica da Impugnante a qual foi acedida em 22/06/2022– cf. DOC. n.º 1 junto com a PI a fls. 66-67 do SITAF;

T) Em 09/06/2022 foi emitida a liquidação adicional da CESE n.º 2022 ..., referente ao ano de 2020, em nome da impugnante, no montante a pagar de €1.593.263,08 que foi enviada à Impugnante, em 15/06/2022, através de correio registado pelo serviço VIACTT para a caixa postal eletrónica da Impugnante a qual foi acedida em 22/06/2022– cf. DOC. n.º 2 junto com a PI a fls. 73-74 do SITAF;

U) Em 14/06/2022 foi emitida a demonstração de acerto de contas n.º ...49, em nome da Impugnante, referente à liquidação adicional da CESE do ano de 2019, no montante a pagar de €679.774,56 que foi enviada à Impugnante, em 15/06/2022, através de correio registado pelo serviço VIACTT para a caixa postal eletrónica da Impugnante a qual foi acedida em 22/06/2022 – cf. DOC. n.º 1 junto com a PI a fls. 68-69 do SITAF;

V) Em 14/06/2022 foi emitida a demonstração de acerto de contas n.º ...50, em nome da Impugnante, referente à liquidação de juros compensatórios da liquidação adicional da CESE do ano de 2019, no montante a pagar de €70.920,04 que foi enviada à Impugnante, em 15/06/2022, através de correio registado pelo serviço VIACTT para a caixa postal eletrónica da Impugnante a qual foi acedida em 22/06/2022 – cf. DOC. n.º 1 junto com a PI a fls. 70-71 do SITAF;

W) Em 14/06/2022 foi emitida a demonstração de acerto de contas n.º ...51, em nome da Impugnante, referente à liquidação adicional da CESE do ano de 2020, no montante a pagar de €610.954,33 que foi enviada à Impugnante, em 15/06/2022, através de correio registado pelo serviço VIACTT para a caixa postal eletrónica da Impugnante a qual foi acedida em 22/06/2022 – cf. DOC. n.º 2 junto com a PI a fls. 75-76 do SITAF;

X) Em 14/06/2022 foi emitida a demonstração de acerto de contas n.º ...52, em nome da Impugnante referente à liquidação de juros compensatórios da liquidação adicional da CESE do ano de 2020, no montante a pagar de €39.101,07 – cf. DOC. n.º 2 junto com a PI a fls. 77 do SITAF;

Y) Em 24/08/2022 foi emitido um documento pelo Banco 1..., designado “Nota de Lançamento” no qual se informou a Impugnante que foi efetuada na conta à ordem n.º ...02 a operação de pagamento da liquidação adicional da CESE, referente ao ano de 2019, no montante de €679.774,56 – cf. DOC. n.º 13 junto com a PI a fls. 379 do SITAF;

Z) Em 24/08/2022 foi emitido um documento pelo Banco 1..., designado “Nota de Lançamento” no qual se informou a Impugnante que foi efetuada na conta à ordem n.º ...02 a operação de pagamento da liquidação de juros compensatórios referentes à liquidação adicional da CESE, do ano de 2019, no montante de €70.920,04 – cf. DOC. n.º 13 junto com a PI a fls. 330 do SITAF;

AA) Em 24/08/2022 foi emitido um documento pelo Banco 1..., designado “Nota de Lançamento” no qual se informou a Impugnante que foi efetuada na conta à ordem n.º ...02 a operação de pagamento da liquidação adicional da CESE, referente ao ano de 2020, no montante de €610.954,33 – cf. DOC. n.º 14 junto com a PI a fls. 382 do SITAF;

BB) Em 24/08/2022 foi emitido um documento pelo Banco 1..., designado “Nota de Lançamento” no qual se informou a Impugnante que foi efetuada na conta à ordem n.º ...02 a operação de pagamento da liquidação de juros compensatórios referentes à liquidação adicional da CESE, do ano de 2020, no montante de €39.101,07 cf. DOC. n.º 14 junto com a PI a fls. 383 do SITAF;

CC) Em 10/11/2022 foi prestada informação pela UGC-Unidade dos Grandes Contribuintes propondo a manutenção dos atos de liquidação adicional da CESE dos anos de 2019 e de 2020 impugnados nos presentes autos - cf. informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, constante a fls. 439-443 do SITAF;

DD) Em 25/11/2022 foi proferido despacho de concordância com a informação referida na alínea anterior pelo Diretor da UGC-Unidade dos Grandes Contribuintes – cf. DOC. n.º 3 junto com a PI a fls. 388 do SITAF.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. O presente recurso, como resulta dos vários pontos que antecedem, vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leira que julgou totalmente improcedente a Impugnação Judicial das liquidações de CESE dos anos de 2019 e 2020.

3.2.2. A Recorrente imputa a este julgamento dois vícios. Um, relativo à própria validade intrínseca da sentença, que entende ser nula por o julgador não ter conhecido uma questão que submeteu na petição inicial à sua apreciação na petição inicial, afirmando que não existem razões que justifiquem o seu não conhecimento e decisão. O segundo vício prende-se com o julgamento de direito no que respeita à qualificação do goodwill, cujo valor a Administração Tributária incluiu para efeitos de quantificação da CESE que entendeu exigível e de cuja qualificação como activo intangível a Recorrente discorda.

3.2.3. Sem razão. Nem a sentença é nula, nem a Meritíssima Juíza errou no julgamento da única questão de direito que apreciou, ainda que, como veremos, a sentença, nos termos e com os fundamentos aduzidos, não possa subsistir integralmente na ordem jurídica.

Explicitemos.

3.2.4. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Nos termos do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) cujo teor é praticamente ao consagrado nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, constituem causas de nulidade da sentença «a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.».

É precisamente neste último segmento do normativo transcrito, isto é, na inexistência de pronúncia sobre questão que o juiz tinha o dever de apreciar e decidir, no caso, a questão da ilegalidade do acto de liquidação relativo a juros compensatórios por falta de fundamentação, que a Recorrente sustenta a declaração de nulidade, alegando, o que se mostra assaz pertinente para a decisão, que o Tribunal a quo não conheceu da questão porque a julgou prejudicada pela resposta previamente dada a outra que decidira.

Como é doutrinal e jurisprudencialmente pacifico, só ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 125.º do CPPT (e, concomitantemente, nos termos do artigo 615.º do CPC), quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, não indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.

Ora, embora não subsistam dúvidas, face aos elementos constantes dos autos, designadamente face ao teor da petição inicial, quanto a ter a ora Recorrente suscitado a questão da legalidade dos actos de liquidação dos juros compensatórios, a qual, de resto, foi equacionada como questão a decidir na sentença recorrida, certo é que, após apreciar o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o Tribunal declarou expressamente que, atento o julgamento realizado quanto à única questão decidida, as demais ficavam prejudicadas (“Concluiu-se que a presente impugnação judicial deverá ser considerada totalmente improcedente por não provada, julgando-se prejudicada, face ao disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, a apreciação das demais questões suscitadas”).

Ou seja, o Tribunal a quo justificou a razão ou o motivo pelo qual não apreciaria qualquer outra questão, pelo que, à luz do enquadramento legal, doutrinal e jurisprudencial realizados, não há fundamento para que se julgue verificada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Há no entanto duas outras questões, apesar de distintas da questão da nulidade que nos foi colocada, que devemos equacionar. A primeira é a de saber se apesar de não estarem verificados os pressupostos legalmente exigíveis para que se julgue existir omissão de pronúncia, devemos entender que há na sentença, nesta parte, um erro de julgamento e que esse erro de julgamento também foi invocado pela Recorrente. A segunda, sendo afirmativa a resposta àquela primeira questão, saber se pode este Supremo Tribunal substituir-se ao Tribunal a quo no julgamento das questões que foram julgadas prejudicadas.

À primeira questão respondemos afirmativamente. Na verdade, a leitura das alegações e conclusões de recurso permitem-nos facilmente apreender que a Recorrente não se quis vincular de modo exclusivo à invocação da nulidade por omissão de pronúncia. A par da opção pela invocação deste vício intrínseco da sentença, a Recorrente não deixou, simultaneamente, de criticar o julgamento de prejudicialidade (seja por estar consciente de que a nulidade arguida se não verificava, seja por ter entendido que desta forma mais ampla melhor exerceria o seu direito a recorrer), atacando os pressupostos em que aquele julgamento se louvou, salientando a autonomia da questão relativamente à que imediatamente a precedera e o erro em que o Tribunal a quo incorrera ao estabelecer o julgamento de que «as demais» questões ficavam «prejudicadas». Concluindo, aliás, que, nestas circunstâncias há, «no mínimo», «omissão de pronúncia».

Em suma, a forma como o objecto do recurso foi nesta parte substanciado impõe que este Supremo Tribunal afira se houve ou não erro de julgamento na parte em que se decidiu pela prejudicialidade de conhecimento da questão de ilegalidade dos actos de liquidação dos juros compensatórios e demais questões suscitadas.

Sendo assim e enfrentando já este erro de julgamento, confirmamos, como defende a Recorrente acompanhada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, que a sentença nesta parte tem que ser revogada.

Na verdade, uma singela leitura da petição inicial permite-nos concluir que a Recorrente elegeu como objecto desta Impugnação Judicial as liquidações da CESE e as liquidações relativas aos respectivos juros compensatórios, cuidando de autonomizar claramente os vícios imputados a umas e outra.

No que respeita à liquidação de juros compensatórios, além de alegar que não se verificava o pressuposto de censurabilidade (fortemente sustentado na alegação de erro na qualificação do goodwill como activo intangível), a Recorrente alegou ainda que essa liquidação padece totalmente de falta de fundamentação, por dela não constarem «os elementos básicos da base de incidência, taxa aplicada e período de contagem» (cfr., artigos 234.º a 255.º da petição inicial).

Ora, este vício, pelo objecto e forma como foi suscitado, constitui um vício próprio do acto de liquidação de juros compensatórios que pode e deve ser apreciado por referência aos normativos específicos que regem a liquidação de juros compensatórios independentemente do julgamento quanto à questão da liquidação da CESE. E desse julgamento, reconhecida a falta de fundamentação, resultará a anulação da liquidação de juros compensatórios e, consequentemente, o eventual julgamento de procedência parcial da Impugnação Judicial (incluindo o pedido de restituição do indevidamente pago e os eventuais juros indemnizatórios que lhe respeitem).

Em suma, o vício de falta de fundamentação imputado ao acto de liquidação de juros compensatórios, nos termos de facto e de direito em que foi invocado na petição inicial, não resulta prejudicado na sua apreciação pelo julgamento da questão da legalidade dos actos de liquidação da CESE ou da sua concreta quantificação. A apreciação dessa questão só ficaria prejudicada se os actos de liquidação da CESE tivessem sido integralmente anulados. Só nesta situação de total inexigibilidade de pagamento da CESE seria fundado concluir-se que era inútil apreciar se a liquidação de juros compensatório estava ou não devidamente fundamentada de facto e de direito, uma vez que, fundamentada ou não, a liquidação nunca poderia subsistir por os juros não serem exigíveis.

Não sendo esse o sentido do julgamento, que manteve os actos de liquidação da CESE na ordem jurídica nos exactos termos em que foram emitidos e notificados à Recorrente, é inquestionável que a sentença recorrida nesta parte se não pode manter.

À segunda questão - conhecimento por este Supremo Tribunal das questões que foram julgadas prejudicadas, em substituição do Tribunal a quo, respondemos negativamente. Na verdade, distintamente do que sucede com o julgador de 2ª instância, a quem o legislador cometeu expressamente esses poderes, o Supremo Tribunal não pode substituir-se ao Tribunal a quo nas situações em que este, erradamente, não aprecia uma questão que tem o dever de julgar, por esse conhecimento ou decisão nessas circunstâncias lhe estar legalmente vedado (cfr. artigos 665.º e 679.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 281.º do CPPT).

Daí que, independentemente do julgamento que venha a ser perfilhado quanto à questão de mérito apreciada, sempre se imporá a baixa dos autos para que em 1ª instancie seja apreciada e decidida a questão suscitada e relativa à validade da liquidação de juros compensatórios, o que, a final, se determinará.

3.2.5. Da legalidade das liquidações impugnadas quanto ao âmbito de incidência do goodwill para efeitos de determinação da CESE.

A questão fulcral apresentada em Juízo, e que se mantém neste recurso, é a de saber se a Recorrente - sociedade unipessoal por quotas que tem como actividade principal a consultoria, investimento e preparação de estudos ou projectos no sector das energias renováveis; a identificação, investigação, avaliação, desenvolvimento, construção, operação, reparação, venda e locação de sistemas, negócios, projectos ou estudos no âmbito da produção desse tipo de energia; a venda e distribuição de electricidade proveniente de sistemas de energia renovável e a gestão por conta própria de carteira de investimentos em acções e outros valores mobiliários e produtos financeiros, assim como a assistência financeira a essas empresas - proprietária de um conjunto de Parques Eólicos e que registou no seu balanço investimentos em participações financeiras pelo método de equivalência que integram o seu goodwill, tem razão ao defender que este (goodwill) não pode ser relevado para efeitos de determinação do valor da CESE. E, consequentemente, decidir se, com esse fundamento, são ilegais as liquidações a cujo pagamento procedeu relativamente aos anos de 2019 e 2020.

Os argumentos que a Recorrente invoca em recurso, como flui da sua motivação, não inovam nem sequer se distanciam dos que por si anteriormente invocados na petição inicial: o goodwill, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea b), do Regime da CESE, não integra o conceito de activo fixo intangível e não faz qualquer sentido sujeitar o valor (maxime o custo de aquisição) do activo financeiro ou investimento financeiro constituído por uma participação social ao regime da CESE; da Norma Contabilista e de Relato Financeiro 6 (NCRF 6) publicada sob o aviso n.º ...09 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 7 de Setembro de 2009), resulta que o goodwill não deve, no âmbito do SNC vigente desde 2010, ser qualificado como activo intangível, só devendo ser como tal qualificados os que possam ser individualmente identificáveis, o que não ocorre com o goodwill, que é, por natureza, um activo indefinido, um conjunto de sobras de valor de activos que individualmente não são passiveis de ser identificáveis na sua relação com outros activos nem na proporção em que essa relação se substancia, podendo, inclusive, suceder que constituam mero resultado de interacção de um conjunto de activos tangíveis, corpóreos, isto é, sem qualquer relação com qualquer activo intangível.

Salientamos desde já que não é a primeira vez que a questão que neste recurso nos vem colocada para apreciação é submetida a julgamento dos nossos Tribunais Superiores e que muito recentemente este Supremo Tribunal Administrativo sobre ela se pronunciou, por acórdão de 2 de Fevereiro de 2022 (proferido no processo n.º 353/19.7BESNT, integralmente disponível em www.dgsi.pt, em que a ora relatora teve intervenção como 2ª Adjunta), não acolhendo no seu julgamento a posição perfilhada pela Recorrente.

Será, pois, tendo por referência o juízo então realizado, que decidiremos, uma vez que os particulares e principais argumentos aduzidos pela Recorrente, muito bem analisados na sentença recorrida, em que foi realizado um rigoroso e exaustivo enquadramento legal da questão e cujo discurso iremos acompanhar na íntegra, sopesados que foram, não nos determinaram a inflectir a nossa posição.

Recordamos o que está em causa: o goodwill é ou não um activo intangível? E deve ou não ser relevado no procedimento de determinação ou quantificação da CESE devida pela Recorrente?

Começando pelo quadro legal, sublinhamos antes de mais, pela sua importância para a resolução do dissídio, que, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Regime da CESE, normativo que regula o âmbito de incidência objectiva do tributo em apreço (CESE), este tributo deve incidir sobre o valor dos elementos do activo dos sujeitos passivos que respeitem, cumulativamente, a activos fixos tangíveis [al. a)], activos intangíveis, com excepção dos elementos da propriedade industrial e activos financeiros afectos a concessões ou a actividades licenciadas nos termos do artigo anterior [al. c)].

Quanto às normas contabilísticas, como bem se fez notar na sentença recorrida, assume especial pertinência para o enquadramento da questão que nos cumpre decidir o Sistema de Normalização Contabilística (SNC) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, composto, nos termos que se encontram previstos no ponto 1.3 do anexo a este diploma, pelos seguintes elementos: i. Bases para a apresentação de demonstrações financeiras (BADF); ii. Modelos de demonstrações financeiras (MDF); iii. Códigos de contas (CC); iv. Normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF); v. Norma contabilística e de relato financeiro para pequenas entidades (NCRF- PE); vi. Norma contabilística e de relato financeiro para entidades do sector não lucrativo (NCRF-ESNL); vii. Norma contabilística para microentidades (NC-ME); viii. Normas interpretativas (NI); ix. A Estrutura conceptual baseada no anexo 5 das «Observações relativas a certas disposições do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002», publicado pela Comissão Europeia em Novembro de 2003.

Por seu turno, consta da Estrutura Conceptual para a Apresentação e Preparação de Demonstrações Financeiras do SNC (doravante Estrutura Conceptual ou simplesmente EC, publicitada através do aviso n.º ...09, no Diário da República, 2ª série, n.° 173, de 7 de Setembro), no parágrafo 80, do capítulo dedicado ao reconhecimento dos elementos das demonstrações financeiras, que o “Reconhecimento” é o processo de incorporar no balanço e na demonstração de resultados um item que satisfaça a definição de um elemento e satisfaça os critérios de reconhecimento estabelecidos no parágrafo 81.

Quanto aos critérios a adoptar para o reconhecimento de um item, tendo em consideração o parágrafo 81 da EC, deverá como tal ser considerado o que satisfaça a definição de uma classe se for provável que qualquer benefício económico futuro associado com o item flua para ou da entidade e o item tiver um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.

É neste contexto que devem ser interpretados os referidos critérios, em conformidade com o parágrafo 87 da EC, que prevê expressamente que «Um activo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o activo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade.»

No que concerne ao conceito de activo, consta dos parágrafo 49 (a) e 55 da EC que «Ativo é um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros» e que embora muitos activos, por exemplo, activos fixos tangíveis, tenham forma física, esta não é essencial à existência de um activo.

No que respeita à Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 6- Activos Intangíveis (publicitada através do aviso n.° ...09, no Diário da República, 2.a série, n.° 173, de 7 de Setembro, que tem por base a Norma Internacional de Contabilidade IAS 38 - Activos Intangíveis adoptada pelo Regulamento (CE) n.º 2236/2004, da Comissão, de 29 de Dezembro (com as alterações do Regulamento (CE) 211/2005, da Comissão, de 4 de Fevereiro e n.º 1910/2005, da Comissão, de 8 de Novembro e a SIC 29 - Divulgações de Acordos de Concessão de Serviços, adoptada pelo Regulamento (CE) n.° 1725/2003, da Comissão, de 21 de Setembro), em que a Recorrente sustenta fortemente a sua pretensão, importa atentar de forma muito especial para os parágrafo 8 e 10. No primeiro o activo surge definido como um recurso controlado por uma entidade como resultado de acontecimentos passados do qual se espera que fluam benefícios económicos futuros para a entidade. E define como activo intangível um activo não monetário identificável sem substância física. No segundo, constam os critérios subjacentes à definição de um activo intangível: identificabilidade, controlo sobre um recurso e existência de benefícios económicos futuros.

Não obstante, como se diz na sentença recorrida, nem todos estes itens se incluem na definição de um activo fixo intangível atentos os critérios de identificabilidade (parágrafos 11 e 12 da NCRF 6), de controlo sobre um recurso (parágrafos 13 a 16 da NCRF 6) e de existência de benefícios económicos futuros (parágrafo 17 da NCRF 6), sendo que nesse caso, como se retira do parágrafo 10 da NCRF 6, se um item que esteja dentro do âmbito desta Norma não satisfizer a definição de um activo intangível, o dispêndio para o adquirir ou gerar internamente é reconhecido, sempre que ocorrer, como um gasto; se o item for adquirido numa concentração de actividades empresariais, faz parte do trespasse (goodwill) reconhecido à data da aquisição.

No caso em apreciação importa ter presente que a NCRF 6 remete no parágrafo 2 (a) para a NCRF 14- Concentrações de Actividades Empresariais (também publicitada através do aviso n.º ...09, no Diário da República de 7 de Setembro), a caracterização e contabilização do goodwill adquirido e gerado numa concentração de actividades empresariais.

Assim, concentração de actividades empresariais é a junção de entidades ou actividades empresariais separadas numa única entidade que relata, devendo ser contabilizadas pelo método de compra através da identificação de um adquirente, da mensuração do custo de concentração de actividades empresariais e da imputação, à data de aquisição, do custo da concentração de actividades empresariais aos activos e passivos adquiridos e passivos contingentes assumidos, cf. parágrafos 9, 10, 13 a 17, 18 a 24, 28 a 30 e 31 a 34 da NCRF 14).

Por força do critério consagrado no parágrafo 24 da NCRF 14, «A adquirente deve reconhecer separadamente os activos, passivos e passivos contingentes identificáveis da adquirida à data de aquisição apenas se satisfazerem os seguintes critérios nessa data: (a) no caso de um activo que não seja um activo intangível, se for provável que qualquer benefício económico futuro associado flua para a adquirente, e o seu justo valor possa ser mensurado com fiabilidade; (b) No caso de um passivo que não seja um passivo contingente, se for provável que um exfluxo de recursos incorporando benefícios económicos seja necessário para liquidar a obrigação, e o seu justo valor possa ser mensurado com fiabilidade; (c) no caso de um activo intangível ou de um passivo contingente, se o seu justo valor puder ser mensurado com fiabilidade.»

Ainda neste domínio de reconhecimento de um activo intangível consta do parágrafo 27 da NCRF14 que «De acordo com o parágrafo 24, a adquirente reconhece separadamente um activo intangível da NCRF 6 - Activos Intangíveis e se o seu justo valor puder ser mensurado com fiabilidade. (...)».

Ainda com interesse para o que nos cumpre apreciar, consta do preâmbulo da Portaria n.º 218/2015, de 23 de Julho, que aprovou o Código de Contas na vigência do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), que este: «Este instrumento contabilístico, embora inserido no contexto do SNC e de aplicação obrigatória para as entidades a ele sujeitas, poderá, também, ser utilizado pelas entidades que, nos termos do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, apliquem as Normas Internacionais de Contabilidade

A Impugnante, enquanto entidade sujeita ao Código de Contas, contemplou expressamente na conta 44-Ativos intangíveis a subconta 44.1- Goodwill.

Por fim, no que respeita ao conceito de goodwill reafirma-se o que deixámos expresso no acórdão já supra identificado (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Fevereiro de 2022, proferido no processo n.º 353/19): «O valor do "goodwill" de uma empresa estará sempre relacionado com a capacidade de criação de lucros dessa empresa, a qual pode derivar de diversos vectores (v.g. superior capacidade de gestão; marketing e publicidade eficaz; localização estratégica; lista de clientes). Em termos contabilísticos o "goodwill" é caracterizado como um activo intangível que somente é reconhecido quando se verifica uma transacção de compra de uma empresa, através da diferença verificável entre o preço pago e o justo valor dos respectivos activos líquidos. O reconhecimento do "goodwill" pela adquirente radica na exploração de vantagens que esta pode retirar do negócio da empresa adquirida, reconduzindo-se a um valor de difícil mensuração contabilística» (neste sentido, vide, António Martins, Justo valor e Imparidade em Activos Fixos Tangíveis e Intangíveis, Aspectos Financeiros, Contabilísticos e Fiscais, Almedina, 2010, pág.138 e seg.; Tomás Cantista Tavares, IRC e Contabilidade, Da Realização ao Justo Valor, Almedina, 2011, pág.131 e Glória Teixeira, Glossário Fiscal, Almedina, 2021, págs. 34 e 228).

Acresce que, o que importa sublinhar pela pertinência que assume na qualificação do goodwill como activo intangível com que a Recorrente se não conforma, que o legislador fiscal, no artigo 45.º A do Código do IRC, sob a epígrafe «Ativos intangíveis, propriedades de investimento e ativos biológicos não consumíveis» o qualifica como tal, já que aí se dispõe que «É aceite como gasto fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 períodos de tributação após o reconhecimento inicial, o custo de aquisição dos seguintes ativos intangíveis quando reconhecidos autonomamente, nos termos da normalização contabilística, nas contas individuais do sujeito passivo: (…) b) O goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais.».

Ou seja, e sem prejuízo de tudo quanto ficou dito, numa situação exactamente igual, o Código do IRC trata o goodwill expressamente como activo intangível, quando seja reconhecido autonomamente, como é o caso, ao ponto de prever a sua amortização em 20 anos.

Definido o quadro legal, doutrinal e jurisprudencial mais pertinente quanto aos activos intangíveis e a inclusão nesse conceito do goodwill, atentos os critérios de reconhecimento estabelecidos na NCRF-6, importa desde já afirmar, como assertivamente se exarou na sentença recorrida, cuja conclusão aqui se confirma o seguinte: o activo intangível é definido na NCRF 6 como um activo não monetário identificável sem substância física, constando expressamente do seu parágrafo 10 quais os critérios subjacentes a essa definição e que são (i) identificabilidade; (ii) controlo sobre um recurso e (iii) existência de benefícios económicos futuros.

Da concatenação da NCRF 6 com a NCRF 14 resulta precisamente que «a adquirente reconhece separadamente um activo intangível da NCRF 6 - Activos Intangíveis e se o seu justo valor puder ser mensurado com fiabilidade» (conforme determinam os parágrafos 24 e 27 da NCRF 14). Donde, constituindo o goodwill um activo intangível contabilisticamente relevado na conta 44-Ativos intangíveis a subconta 44.1-goodwill, como se prevê no Código de Contas aprovado pela Portaria n.º 218/2015, de 23 de Julho, o seu reconhecimento depende como resulta da NCRF 6 da identificabilidade, controlo sobre um recurso e existência de benefícios económicos futuros.

Daí que, tal como o fez a Meritíssima Juíza a quo, se entende que deve ser acolhida a fundamentação (assaz profunda) que consta dos relatórios finais de inspecção tributária, particularmente quando aí se afirma que «Tal significa que o legislador define claramente que o goodwill, apesar de ser um activo fixo intangível, será evidenciado de forma autónoma na demonstração financeira que relata a situação patrimonial de uma sociedade em determinado momento, considerando que o goodwill, caso exista, constitui um elemento muito significativo do ativo intangível (...)». E que «resulta com toda a clareza da matéria de facto provada nas alíneas E) e J) do probatório que a Impugnante identificou o goodwill, embora separadamente, nas demonstrações financeiras dos anos de 2019 e de 2020 discriminando o mesmo por unidade geradora de caixa e atribuindo a cada uma dessas unidades os respectivos valores em euros. Neste sentido consta igualmente nas páginas 19 dos relatórios de inspecção tributária referentes aos anos de 2019 e de 2020, que «O sujeito passivo em respeito pelos princípios contabilísticos preconizados no SNC, registou como activo intangível o goodwill respeitante às participações financeiras e aos parques eólicos que explora directamente, conforme acima discriminado- cf. factos provados nas alíneas M) e O) do probatório.».

Em conclusão: prevendo-se em sede de incidência objectiva que a CESE incide sobre o valor dos elementos do activo dos sujeitos passivos que respeitem a activos intangíveis, com excepção dos elementos da propriedade industrial (artigo 3.º, n.º 1, al. b) do Regime da CESE), e estando preenchidos os critérios de identificabilidade, controlo sobre um recurso e existência de benefícios económicos futuros, para que o goodwill seja reconhecido como activo intangível, como foi pela Impugnante na sua contabilidade, embora em conta separada, não existe qualquer fundamento legal para o mesmo não seja relevado para efeitos de determinação da CESE.

Donde, há que julgar totalmente improcedentes as alegações de recurso e, em conformidade, nesta parte, improcedente o recurso, o que, a final, se determinará.

4. DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concedendo parcial provimento ao recurso jurisdicional:

- Confirmar integralmente a sentença recorrida na parte em que julgou válidas as liquidações impugnadas da CESE relativa a 2019 e 2020;

- Revogar a sentença recorrida no que respeita ao julgamento de prejudicialidade de apreciação do vício de ilegalidade das liquidações impugnadas relativas aos juros compensatórios, mais se determinando, em conformidade, a baixa dos autos para que seja objecto de julgamento, se a tal nada obstar.

Custas nesta instância pela Recorrente (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).

Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2024. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – Gustavo André Simões Lopes Courinha - Joaquim Manuel Charneca Condesso.