Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0849/14
Data do Acordão:07/12/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ÂMBITO TEMPORAL
PRESUNÇÃO
Sumário:A determinação do rendimento com base na aquisição de um bem previsto na tabela do nº 4 do art. 89º-A da LGT só pode ser feita uma vez, relativamente ao ano em que se verificou a aquisição ou em qualquer um dos três anos seguintes em que, nos termos do nº 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos.
Nº Convencional:JSTA00070285
Nº do Documento:SA2201707120849
Data de Entrada:07/08/2014
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CONST05 ART13 ART104 N1.
LGT98 ART73 ART89-A N1 N2 N3 N4.
L 53-A/06 DE 2006/12/29.
Jurisprudência Nacional:AC TC N43/14 DE 2014/01/09.; AC STA PROC01562/14 DE 2015/01/21.; AC STA PROC0418/14 DE 2014/06/18.; AC STA PROC0400/14 DE 2014/04/23.; AC STA PROC01203/13 DE 2013/07/24.; AC STA PROC0433/13 DE 2013/04/17.
Referência a Doutrina:JOÃO SÉRGIO RIBEIRO - ALGUMAS NOTAS ACERCA DAS MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA IN ESTUDOS EM MEMÓRIA DO PROFESSOR DOUTOR JL SALDANHA SANCHES VOLV PAG208-210.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. O Director de Finanças do Porto recorre da sentença que, proferida pelo TAF do Porto, julgou procedente o recurso interposto, nos termos do disposto nos n.ºs 6 e 7 do art. 89°-A da LGT e nº 5 do art. 146°-B do CPPT, por A…………, com os demais sinais dos autos, contra a decisão que fixou o rendimento tributável, para efeitos de IRS nos anos de 2009, 2010 e 2011, por recurso à utilização de métodos indirectos no valor de € 66.280,00, para cada um daqueles anos, no valor global de € 198.840,00.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A. Vem o presente recurso interposto contra a douta sentença de 14/05/2014, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que entendeu ser de proceder o recurso interposto por A………… e concomitantemente, determinou a anulação do despacho de fixação de rendimentos padrão nos anos de 2009, 2010 e 2011, por referência à aquisição ocorrida em 2008.
B. Foi dado como provado que em 05.05.2006, a Recorrente, A…………, celebrou um contrato de compra e venda, de um imóvel pelo preço de € 456.400,00 e que a aquisição deste imóvel foi formalizada no ano de 2008.
C. Não tendo entregue declaração de rendimentos Mod. 3/IRS para o ano em causa, foi desencadeado o procedimento de avaliação indirecta do rendimento colectável, em virtude de se ter verificado uma desproporção entre o rendimento declarado de 2008, que foi nulo e o rendimento padrão de € 91.280,00, resultante da aplicação da tabela constante do art. 89º-A da LGT.
D. No âmbito do procedimento de avaliação indirecta a Recorrente não demonstrou a origem da verba aplicada na aquisição do imóvel, em consequência procedeu-se à fixação do rendimento para o ano de 2008, incrementos patrimoniais (Categoria G) o montante de € 91.280,00 esta correcção não foi contestada, consolidando-se no ordenamento jurídico.
E. Em 10/07/2013, a Recorrente foi notificada do projecto de decisão referente a manifestações de fortuna, referentes a IRS e relativas ao ano de 2009, 2010 e 2011, para efeito do disposto na alínea d) do nº 1 e 5 do art. 60º da LGT, tendo exercido o seu direito de audição, verificou-se que, apesar de todos os elementos trazidos ao processo, efectivamente só fez prova do valor de € 125.000,00.
F. A aquisição dos bens patrimoniais de per si é uma evidência da capacidade contributiva do contribuinte para a realização de despesas na ordem de grandeza evidenciada, capacidade essa que não está harmonizada com os rendimentos declarados pelo contribuinte.
G. Nos termos do disposto no nº 3 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, competia aos recorridos a prova de que os rendimentos por eles declarados correspondem à realidade ou que os acréscimos de património ou de despesa exibidos provêm de fonte não sujeita a tributação em Portugal ou não sujeita a declaração.
H. A ausência desta prova justifica a sujeição a tributação indirecta nos termos que constam do acto controvertido em primeira instância.
I. A douta sentença objecto do presente recurso considera e bem que, no ano de 2008 a Recorrente, ora Recorrida, evidenciou uma manifestação de fortuna não justificada tendo sido devidamente corrigido o seu rendimento e tendo a mesma sido devidamente tributada.
J. Não ficando demonstrada a origem da totalidade da verba aplicada na manifestação de fortuna evidenciada na aquisição do referido imóvel, verificaram-se preenchidos os pressupostos legais para o procedimento de avaliação indirecta da matéria tributável e fixado o rendimento tributável nos três anos posteriores, nos termos do nº 4 do art. 89º-A da LGT do qual foi proferido o despacho que foi objecto de recurso em primeira instância.
K. A fixação do rendimento colectável prevista no nº 4 do art. 89º-A da LGT nos três anos posteriores não constitui uma tributação autónoma mas antes resulta da tributação da manifestação de fortuna evidenciada num determinado ano.
L. A presunção iuris tantum de rendimento que a lei estabelece no nº 4 do art. 89º-A da LGT quanto ao rendimento dos anos seguintes é motivada pela preocupação de fazer um escalonamento do rendimento que originou o acréscimo patrimonial num período de três anos, ao invés de tributar o acréscimo patrimonial verificado todo de uma só vez e num único ano.
M. Não obstante, salienta-se que a fixação do rendimento nos termos em que o foi resultou da omissão da contribuinte em apresentar elementos que justifiquem a fonte da fortuna evidenciada e não da aplicação de qualquer dispositivo legal que não tenha em consideração a situação em concreta de cada sujeito passivo em particular.
N. E porque assim, só estaríamos perante uma situação de violação do princípio da capacidade contributiva, caso o legislador fiscal estabelecesse uma presunção juris et de jure vedando por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, que não se verifica.
O. Não há, pois, motivo para considerar, contrariamente ao que sustenta a decisão recorrida, que a norma em causa viola o princípio da capacidade tributária.
P. Pelo que improcede o entendimento veiculado na sentença recorrida segundo o qual o disposto na alínea a) do nº 2 conjugado com o disposto no nº 4 do art. 89º-A da LGT viola o princípio da capacidade contributiva, quando interpretado no sentido de permitir a consideração com rendimento tributável em IRS o rendimento apurado no ano da manifestação de fortuna nos três anos posteriores.
Q. Logo, resulta de forma clara e evidente que a douta sentença, viola claramente o disposto no art. 89º-A da LGT.
R. Mas viola também o princípio da tipicidade e legalidade tributária pois o legislador, através do Orçamento do estado para 2007 veio definir os anos em que é possível o recurso à avaliação indirecta em sede de IRS, na ausência da prova exigida pelo nº 3 do art. 89º-A da LGT. Deste modo, o legislador alterou o nº 4 do art. 89º-A da LGT, estabelecendo expressamente que se o sujeito passivo não efectuar a prova referida no nº 3 do mesmo artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS a enquadrar na categoria G, no ano em causa e nos três anos seguintes, o rendimento padrão, quando não existam indícios fundados que permitam fixar rendimentos superiores ao mesmo rendimento padrão.
S. Entender que “a presunção de rendimentos do art. 89º-A apenas pode actuar uma vez, ou seja, relativamente ao ano que, nos termos do nº 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos”, é uma interpretação violadora dos princípios da legalidade e tipicidade tributária, que encontra como racional económico a eficácia do instituto como instrumento de combate à evasão fiscal, que de outra forma ficaria seriamente comprometida ou mesmo inviabilizada.
T. Viola ainda o princípio da proporcionalidade, pois o legislador fiscal consagrado um sistema de fixação presuntiva de rendimentos, com vista à sua tributação e consequente redução da margem de evasão fiscal, consagrou também a efectiva possibilidade de elidir a presunção, em toda a sua amplitude temporal, justificando em fase contraditória, sem exigências probatórias de difícil realização, as fontes financeiras que lhe permitiram, lançar-se na aquisição dos bens imóveis e, ao mesmo tempo não declarar quaisquer rendimentos ou declarar rendimentos inferiores ao rendimento padrão.
U. Entender que tendo a Administração Fiscal efectuado a prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação e não tendo a Requerente logrado ilidir a presunção e ainda assim não se permita, nos legais termos, considerar como rendimento tributável em sede de IRS a enquadrar na categoria G, no ano em causa e nos três anos seguintes, o rendimento padrão, quando não existam indícios fundados que permitam fixar rendimentos superiores ao mesmo rendimento padrão, é absolutamente violador do princípio da proporcionalidade.
V. Mais viola esta interpretação o princípio das necessidades financeiras do Estado, pois visando o sistema fiscal, nos termos do art. 103º da CRP “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”, estando em questão um instrumento de combate à fraude e evasão fiscal, através da presunção baseada em desconformidade de rendimentos evidenciada, presunção essa não absoluta entender que “a presunção de rendimentos do art. 89º-A apenas pode actuar uma vez, ou seja, relativamente ao ano em que, nos termos do nº l do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos” é violar este princípio, atacando directamente o sistema fiscal, pondo em causa a sua própria subsistência.
X. Não se encontra, assim, nesse sentido normativo, solução de fixação de rendimento presumido ilógica, desrazoável ou incompatível com o pressuposto económico erigido como objecto do imposto, sendo certo que a capacidade contributiva encontra expressão, para além do rendimento, também na utilização dos bens e no património acumulado.
Termina pedindo a procedência do recurso.

1.3. Em contra-alegações, a recorrida A………… concluiu:
— pela suspensão da instância, nos termos do nº 1 do art. 272º do CPC, até ao trânsito em julgado da decisão do processo 603/13.3BEPRT onde foi proferida sentença de que foi interposto recurso jurisdicional para este STA;
— pela ilegalidade da aplicação do disposto no nº 4 do art. 89º-A da LGT.
E pede, subsidiariamente, na hipótese de proceder o recurso interposto pela AT, que a decisão de fixação recorrida seja revogada, com a consequente anulação do despacho de fixação do rendimento tributável por métodos indirectos, quer por violação do direito de audiência consagrado no art. 60º da LGT, quer por falta de fundamentação.

1.4. No seguimento foi proferido, em 10/9/2014 (fls. 225 a 228) despacho a suspender a instância até à decisão da impugnação nº 603/13.3BEPRT.
Considerou-se o seguinte:
— A seguir-se o entendimento jurisprudencial afirmado nos acórdãos do STA, de 17/4/2013, proc. 0433/13, de 24/7/2013, proc. 01203/13 e de 8/1/2014, proc. 01281/13, no sentido de que a lei só permite a utilização do método indirecto num dos anos (ou no ano da aquisição ou num dos anos seguintes), então deveria suspender-se a instância pois que seria essencial saber se se mantinham ou não a liquidação e a correspondente avaliação da matéria colectável relativas ao ano de 2008: seguindo-se aquela tese, a anulação implicaria, por si só, a alteração da sentença recorrida, dada a susceptibilidade da anulação parcial do acto tributário – cfr. acórdão do Pleno da Secção do CT de 10/4/2013, proc. 0298/12. Ou seja, neste condicionalismo, deveria suspender-se a presente instância.
— A suspensão da instância, só não se justificaria, caso se adoptasse o entendimento de que a avaliação indirecta do rendimento colectável pode ser utilizada no ano em que se verificou a manifestação de fortuna e nos três anos seguintes (como defende a recorrente Fazenda Pública): só nesse caso seria indiferente para a decisão da presente causa o desfecho que viesse a ter o processo 603/13.3BEPRT.

1.5. Proferida que foi, entretanto, em 10/3/2017, decisão (transitada em 4/5/2017 - cfr. informação do TAF do Porto, a fls. 312 e cópia da sentença, a fls. 313 a 325) no aludido processo de impugnação nº 603/13.3BEPRT (que viera a ser convolada para a forma processual de recurso previsto nos arts. 89º-A da LGT e 146º-B do CPPT) em que se sindicava o acto de fixação da matéria tributável por métodos indirectos, do ano de 2008 e tendo cessado, consequentemente, a suspensão da presente instância, veio a recorrida requerer a extinção dessa mesma instância, por inutilidade superveniente da lide, dado que ali se julgou totalmente procedente o recurso e, consequentemente, se determinou a anulação daquele mesmo acto recorrido.
E desse requerimento foi a recorrente (AT) notificada, não tendo, porém, emitido pronúncia.

1.6. O MP emite Parecer nos termos seguintes, além do mais:
«O Tribunal Constitucional a pretexto desta questão decidiu no acórdão 43/2014, de 9 de Janeiro (disponível no sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt) pela não inconstitucionalidade da norma contida no artigo 89°-A/2/ a)/4 da LGT, na interpretação de que a manifestação de fortuna revelada pelo contribuinte permite à AT a correção do rendimento, para efeitos de IRS, em qualquer dos três anos seguintes ao ano em que se verifica, não se mostrando violados os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, estatuídos nos artigo 13° e 104º/1 da CRP.
O STA, em obediência ao decidido nesse acórdão do TC, decidiu nesse mesmo sentido no acórdão de 18 de Junho de 2014, proferido no recurso n° 0418/14 (processo onde havia, apenas, sido suscitada a inconstitucionalidade e disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Não obstante a referida decisão do T. Constitucional, o STA, em decisões posteriores a tal acórdão, nomeadamente, no acórdão 23 de Abril de 2014, proferido no recurso n° 0400/14, vem entendendo que a mesma manifestação de fortuna apenas pode fundamentar a tributação por métodos indiretos num único ano e não em três anos consecutivos, seguindo, aliás, a argumentação vazada nos acórdãos do STA, de 2013.04.17 e de 2013.07.24, proferidos nos recurso números 0433/13 e 01203/13.
No acórdão do STA de 17 de Abril de 2013, em que se aderiu à tese de JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, quanto à aplicação do n° 4 do artigo 89°-A da LGT (Tributação Presuntiva do Rendimento - Um contributo para Reequacionar os Métodos Indiretos de Determinação da Matéria Coletável, Almedina, Abril 2010, páginas 305 a 309 e Algumas Notas Acerca das Manifestações de Fortuna, Estudos em do Professor Doutor JL Saldanha Sanches, volume V, páginas 197 a 210) esgrimem-se poderosos argumentos, que aqui se dão por reproduzidos, no sentido de que a presunção de rendimentos nos termos do estatuído no artigo 89°-A da LGT só pode ser feita uma vez, no ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes.
Na verdade, a melhor interpretação parece ser, de facto, a que considera que o inciso «e no caso das alíneas a) e b) do n° 2, nos três anos seguintes», resultante da redação introduzida pela Lei 53-A/2006, de 19 de Dezembro, teve por único escopo harmonizar essa norma com estatuído nas alíneas a) e b) do nº 2, no que concerne à possibilidade de a presunção de rendimento operar no ano de aquisição do bem e nos três anos seguintes.
Nos termos do disposto no artigo 73° da LGT, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.
Ora, a aceitar-se a tese da AT, o sujeito passivo não pode ilidir, relativamente a cada um dos três anos seguintes àquele em que se verificou a aquisição do bem que a lei releva com a manifestação de fortuna, a presunção de rendimentos resultantes dessa manifestação de fortuna e de provar que os rendimentos declarados em cada um desses anos correspondem à verdade.
E, de facto, parece estarmos perante novas presunções quanto a esses anos e não perante o mero fracionamento das consequências tributárias de uma única presunção, pois, a ser assim esta só poderia e deveria ser ilidida na sua origem.
Note-se que o TC, no formulado juízo de não inconstitucionalidade parte do pressuposto de que o sujeito passivo tem a efetiva possibilidade de ilidir a presunção “em toda a sua amplitude temporal e efeito acumulado”.
É o ano em que se deteta o desfasamento declarativo que é alvo da presunção de rendimento.
Ora, face à já referida anulação da decisão de determinação da matéria tributável por métodos indiretos no ano de 2008, decorrente de manifestação de fortuna, por via da demonstração feita de que, apesar de ter nacionalidade portuguesa, a recorrida não residia em Portugal, nem aqui auferiu rendimentos, pelo que não tinha a obrigação legal de declaração de rendimentos, não se verificando, pois, os pressupostos de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, é axiomático que a decisão de determinação da matéria tributável por métodos indiretos sindicada nos presentes autos, relativa a 2009, 2010 e 2011, que teve na sua génese a mesma manifestação de fortuna a aquisição do mesmo imóvel, em 2008, não se poderá manter na ordem jurídica, por manifesta carência de apoio legal.
Termos em que, pelas razões apontadas, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.»

1.7. Com dispensa de Vistos, dada a natureza (urgente) do processo, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. Em 05.05.2006, a Recorrente, A…………, celebrou, com a sociedade B…………, S.A., um contrato promessa de compra e venda, de um imóvel pelo preço de € 456.400,00 – cfr. contrato promessa de compra e venda constante de fls. 33 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
2. Nesse mesmo contrato convencionou-se que o preço seria pago do seguinte modo:
▪ A quantia de € 100.000 (cem mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento, que será paga por transferência bancária a efectuar pela primeira Outorgante, no prazo de 3 dias a contar desta data;
▪ A quantia de € 100.000 (cem mil euros), a título de reforço de sinal, que será paga a partir de 23.07.2006 até 30.07.2006;
▪ O restante do preço, no montante de € 256.400 (duzentos e cinquenta e seis mil e quatrocentos euros), com financiamento e em simultâneo com a celebração da escritura de compra e venda.
- cfr. cópia do contrato promessa de compra e venda constante de fls. 33 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
3. Em 30 de Julho de 2006 a Recorrente entregou à promitente vendedora, B…………, S.A., “a título de reforço de sinal, a importância de € 100.000 (cem mil euros), referente à promessa de compra a venda de uma habitação T4, nº 2º G entrada 4 (..) do edifício ………. O primeiro outorgante dá quitação da importância recebida.” - cfr. declaração de reforço de sinal constante de fls. 38 do Processo Administrativo apenso aos autos, para o qual se remete e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
4. A Recorrente contraiu, em 21.10.2008, junto da Caixa Geral de Depósitos um crédito pessoal no valor de € 125.000, pelo prazo de 11 meses, o qual foi liquidado em 21.09.2009 – cfr. declaração emitida pela Caixa Geral de Depósitos e que se encontra junta ao Processo Administrativo apenso aos autos a fls. 32 do mesmo, para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
5. A aquisição deste imóvel (identificado em 1) foi formalizada no ano de 2008, pelo valor ali indicado de € 456.400, na sequência da qual foi desencadeada pela Direcção de Finanças do Porto “o procedimento de avaliação indirecta do rendimento colectável, em virtude de se ter verificado uma desproporção entre o rendimento declarado em IRS no ano de 2008, que foi nulo, uma vez que não entregou declaração de rendimentos Mod. 3/IRS para o ano em causa e o rendimento padrão de € 91.280, resultante da aplicação da tabela constante do art. 89º-A da Lei Geral Tributária (€ 456.400 X 20%), conforme notificação da fundamentação da decisão (...)” – cfr. informação elaborada pela Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e da Despesa, constante de fls. 45 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos, para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
6. Relativamente ao ano de 2008 foi apurado “por métodos indirectos, nos termos do nº 2 do art. 65º do CIRS e da alínea d) do art. 87º e nº 4 do art. 89º da Lei Geral Tributária, por remissão do art. 39º do CIRS, o conjunto dos rendimentos líquidos relativamente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares do ano de 2008, no montante de € 91.280” – cfr. notificação de apuramento de rendimentos líquidos remetida à Reclamante, constante de fls. 47 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
7. Na sequência desta aquisição foi desencadeado na Direcção de Finanças do Porto procedimento de avaliação indirecta do rendimento colectável “em virtude de se ter verificado uma desproporção entre o rendimento declarado em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares no ano de 2008, que foi nulo, porque não entregou declaração de rendimentos Mod. 3/IRS para o ano em causa e o rendimento padrão de € 91.280, resultante da aplicação da tabela constante do art. 89º-A da Lei Geral Tributária (€ 456.400 x 20%)” – cfr. Informação lavrada pela Direcção de Finanças do Porto constante de fls. 45 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
8. No âmbito do procedimento de avaliação indirecta a Recorrente não demonstrou “a origem da verba aplicada na aquisição do imóvel (...). Em consequência, esta Direcção de Finanças, procedeu à fixação do rendimento para o ano de 2008, incrementos patrimoniais (categoria G) o montante de € 91.280 (€ 456.400 x 20%) (...). Esta correcção originou a liquidação nº 5355031677 de 05.22.1012” - cfr. informação elaborada pela Direcção de Finanças do Porto, constante de fls. 45 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;
9. Em 10.05.2013 a Recorrente foi notificada do projecto de decisão referente a manifestações de fortuna, referentes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e relativas aos anos de 2009, 2010 e 2011, para “efeito do disposto na alínea d) do nº 1 e 5 do art. 60º da Lei Geral Tributária, para no prazo de 15 dias, (...), se pronunciar do projecto de decisão de aplicação de métodos indirectos para a determinação do rendimento sujeito a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, dos anos de 2009, 2010 e 2011, nos termos seguintes:
Na sequência da aquisição, pelo valor de € 456.400, de um prédio urbano (...) foi desencadeado nesta Direcção de Finanças o procedimento de avaliação indirecta do rendimento colectável, em virtude de se ter verificado uma desproporção entre o rendimento declarado em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares no ano de 20089, que foi nulo, uma vez que não entregou declaração de rendimentos (...) para o ano em causa e o rendimento padrão de € 91.280, resultante da aplicação da tabela constante do art. 89º-A da Lei Geral Tributária (€ 456.400 X 20%), conforme notificação da fundamentação da decisão enviada através do ofício nº 51396, de 14.08.2012.
(…)
Confrontados os elementos constantes do cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), nomeadamente os valores declarados em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares dos anos de 2009, 2010 e 2011, verifica-se que, relativamente a esses anos, o contribuinte não entregou as respectivas declarações de rendimentos (...), considerando-se, por conseguinte, persistir a desproporção
Nestes termos, persistindo a divergência enunciada relativamente a cada um dos referidos anos, mantêm-se as condições legais para, de acordo com a tabela a que se refere o nº 4 do art. 89º-A da Lei Geral Tributária, e na sequência da avaliação indirecta efectuada ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares do ano de 2008, tornada definitiva, se proceder à fixação do rendimento no montante de € 91.280, relativamente a cada um dos três anos seguintes ao ano de 2008, conforme prevê aquele preceito legal (...)”.
- cfr. fls. 5 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos, para as quais se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais;
10. A Recorrente exerceu o seu direito de audição, alegando ter procedido ao pagamento do preço do imóvel adquirido, com recurso ao crédito e a poupanças próprias acumuladas no Brasil, pelo que não existiu qualquer omissão de rendimentos tributáveis em Portugal. Argumentou ainda que, ao adquirir este imóvel em Portugal, não se apercebeu que seria declarada residente no nosso país onde ficaria sujeita às obrigações fiscais declarativas correspondentes, tanto mais que nunca cá auferiu qualquer rendimento. Insurge-se ainda contra a aplicação do mecanismo do art. 89º-A nº 4 da Lei Geral Tributária, tanto no ano da aquisição, como nos três anos subsequente – cfr. petição do exercício do direito de audição constante de fls. 23 e seguintes do Processo Administrativo, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais;
11. Analisados os argumentos trazidos pela Reclamante em sede de direito de audição, a Direcção de Finanças do Porto – Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e Despesa, lavrou informação com o seguinte teor:
“(…) verifica-se que, apesar de todos os elementos trazidos ao processo, efectivamente só fez prova do valor de € 125.000, referente ao empréstimo contraído na Caixa Geral de Depósitos. Quanto às verbas utilizadas para esse fim, não foi feita prova.
Conclusão
(...) a contribuinte A………… era, à data de 31.12.2008, residente em Portugal, situação que mantém na presente data (...). Assim sendo, era a mesma, obrigada a declarar neste país, a totalidade dos seus rendimentos, quer os obtidos no estrangeiro quer os obtidos em Portugal, facto que nunca aconteceu.
Tendo a contribuinte sido notificada para fazer prova da origem dos meios financeiros utilizados para adquirir o prédio em causa, como já se referiu no ponto anterior, na verdade só fez prova do valor de € 125.000, referente a empréstimo contraído junto da Caixa Geral de Depósitos. Quanto às outras verbas utilizadas para esse fim, não foi feita prova. O facto de ter trazido ao processo fotocópia de declaração do Ministério da Fazenda – Imposto de Renda, referente ao ano de 2008, onde, efectivamente, se verifica que a contribuinte auferiu bastantes rendimentos no Brasil, tal documento carece de certificação a ser emitida pelo Ministério da Fazenda.
Assim, em virtude de se verificar a falta de entrega da declaração de rendimentos, por parte do contribuinte em análise e não ficando demonstrada a origem do financiamento no valor de € 331.400 (€ 456.400 - € 125.000), encontram-se reunidas as condições legais para, de acordo com a tabela a que se refere o nº 4 do referido art. 89º-A da Lei Geral Tributária, se proceder à fixação do rendimento colectável, no montante de € 66.280 (€ 331.400 x 20% = € 66.280), para cada um dos anos de 2009, 2010 e 2011, o qual de acordo com a alínea d) do número 1 do art. 9º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, vai ser considerado rendimento da categoria G, incrementos patrimoniais, como foi referido no projecto de decisão enviado ao contribuinte em 30.09.2013” – cfr. informação constante de fls. 45 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
12. Sobre a informação identificada em 11., foi lavrado o seguinte parecer “confirmo. Os elementos trazidos ao processo no direito de audição não são adequados para efectuar a prova prevista no nº 3 do art. 89º-A da Lei Geral Tributária. Propõe-se assim a avaliação indirecta do rendimento colectável para os anos de 2009, 2010 e 2011, considerando como rendimentos padrão o valor de € 66.280, por força do disposto no nº 4 do art. 89º-A da Lei Geral Tributária (…)” – cfr. fls. 45 dos autos;
13. A Directora de Finanças Adjunta lavrou o seguinte despacho: “concordo com a necessidade de aplicação de avaliação indirecta do rendimento para os anos de 2009, 2010 e 2011, nos termos da alínea d), nº 1 do art. 87º e nº 4 do art. 89º-A, ambos da Lei Geral Tributária.” Com o qual concordou o Sr. Director de Finanças – cfr. fls. 45 do Processo Administrativo apenso aos autos, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
14. A Recorrente foi notificada do despacho supra identificado em 18.11.2013 – cfr. fls. 55 a 57 do Processo Administrativo apenso aos autos;
15. Em 28.11.2013 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto o presente recurso de aplicação de métodos indirectos – cfr. carimbo aposto no rosto da Petição Inicial que faz fls. 1 e seguintes dos autos.

3.1. Enunciando como questões a decidir as de saber se o despacho que determinou a avaliação do rendimento tributável por métodos indirectos é ilegal, quer por violação do direito de audição, quer por não estar legalmente fundamentado, quer por ilegal aplicação do disposto no nº 4 do art. 89º-A da LGT no que se reporta ao ano da aquisição e também aos três anos que se lhe seguem, a sentença recorrida, considerando, embora, improcedente a alegação respeitante às ilegalidades decorrentes da violação do direito de audição e da falta de fundamentação do acto (esta parece ter sido implicitamente englobada na apreciação da violação do direito de audiência), acabou por concluir pela procedência do recurso, apelando à jurisprudência constante do acórdão do STA, de 17/04/2013, proc. nº 0433/13 e considerando ter sido ilegal a aplicação do disposto no nº 4 do art. 89º-A da LGT, pois que a lei só permite a utilização daquele método indirecto num dos anos, o da aquisição ou um dos 3 anos seguintes.
E anulou, assim, o acto de fixação da matéria tributável por métodos indirectos do ano de 2008, uma vez que a recorrida não era residente em Portugal nem aqui auferia quaisquer rendimentos e, como tal, não tinha a obrigação de declaração de rendimentos, pelo que a AT não provou a verificação dos pressupostos do recurso a métodos indirectos.

3.2. Discordando do decidido a AT alega, no essencial:
— competia à recorrida provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade ou que os acréscimos de património ou de despesa exibidos provêm de fonte não sujeita a tributação em Portugal ou não sujeita a declaração (nº 3 do art. 89º-A da LGT) e que a ausência desta prova justifica a sujeição a tributação indirecta nos termos que constam do acto controvertido;
— não ficando demonstrada a origem da totalidade da verba aplicada na manifestação de fortuna evidenciada na aquisição do questionado imóvel, ficaram preenchidos os pressupostos legais para o procedimento de avaliação indirecta da matéria tributável e para ser fixado o rendimento tributável nos três anos posteriores (nº 4 do art. 89º-A da LGT), sendo que a fixação do rendimento colectável prevista neste normativo relativamente aos três anos posteriores não constitui uma tributação autónoma mas antes resulta da tributação da manifestação de fortuna evidenciada num determinado ano;
— a presunção juris tantum de rendimento que a lei estabelece neste nº 4 do art. 89º-A da LGT quanto ao rendimento dos anos seguintes é motivada pela preocupação de fazer um escalonamento do rendimento que originou o acréscimo patrimonial num período de três anos, ao invés de tributar o acréscimo patrimonial verificado todo de uma só vez e num único ano, sendo que a fixação do rendimento nos termos em que o foi resultou da omissão da contribuinte em apresentar elementos que justifiquem a fonte da fortuna evidenciada e não da aplicação de qualquer dispositivo legal que não tenha em consideração a situação concreta de cada sujeito passivo em particular;
— só estaríamos perante uma situação de violação do princípio da capacidade contributiva caso o legislador fiscal estabelecesse uma presunção juris et de jure vedando por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, o que não se verifica, pelo que a sentença recorrida viola o princípio da capacidade tributária, bem como os princípios da tipicidade e legalidade tributárias, pois o legislador, através do OE para 2007, veio definir os anos em que é possível o recurso à avaliação indirecta em sede de IRS, na ausência da prova exigida pelo nº 3 do art. 89º-A da LGT;
— o entendimento da sentença, no sentido de que «a presunção de rendimentos do art. 89º-A apenas pode actuar uma vez, ou seja, relativamente ao ano que, nos termos do nº 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos», também viola os princípios da proporcionalidade e das necessidades financeiras do Estado.

4.1. Diga-se, desde já, que não obstante a recorrida haver reclamado a extinção da presente instância, por inutilidade superveniente da lide, face ao sentido da decisão proferida no indicado processo nº 603/13.3BEPRT (em que se decidiu anular o acto ali recorrido, ou seja, o acto de fixação da matéria tributável que originou a liquidação de IRS do ano de 2008), não se prefigura tal inutilidade. É que o que foi anulado foi apenas a fixação daquela matéria tributável do ano de 2008, e tal não implica, a nosso ver, a automática anulação da fixação para os anos posteriores.
Importando, assim, conhecer do mérito do recurso.
Vejamos, pois.

4.2. Sob a epígrafe «Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados», dispunha à data o art. 89º-A (na redacção resultante da Lei nº 53-A/2006, de 29/12 – OE para 2007):
«1 - Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no nº 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
2 - Na aplicação da tabela prevista no nº 4 tomam-se em consideração:
a) Os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar;
b) Os bens de que frua no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar, adquiridos, nesse ano ou nos três anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa ou indirectamente, participação maioritária, ou por entidade sediada em território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o titular respectivo.
c) Os suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar.
3 - Verificadas as situações previstas no nº 1 deste artigo, bem como na alínea f) do artigo 87º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados.
4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no nº 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do nº 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:

Manifestações de fortunaRendimento Padrão
Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a 250.000€20% do valor de aquisição
Automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a € 50.000 e motociclos de valor igual ou superior a € 10.000 50% do valor no ano de matrícula com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes
Barcos de recreio de valor igual ou superior a € 25.000Valor no ano de registo com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes
Aeronaves de TurismoValor no ano de registo com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes
Suprimentos e empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a € 50.00050% do valor anual
(…)»



4.3. No caso, como se disse, a sentença recorrida considerou, relativamente à questão que ora releva, que a determinação do rendimento com base numa aquisição concreta de um bem previsto na tabela do nº 4 acima transcrito, só pode ser feita uma vez, relativamente ao ano em que se verificou, ou em qualquer um dos três anos seguintes, em que, nos termos do n° 1 do mesmo normativo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista e não em todos esses anos. Pelo que, nesse entendimento e face à prova de que, relativamente ao ano de 2008, já fora utilizada a avaliação indirecta para determinar o rendimento padrão desse ano, com base na aquisição do mesmo imóvel que fundamentou a fixação do rendimento padrão para os anos de 2009, 2010 e 2011, a sentença conclui pela ilegalidade do acto de fixação da matéria tributável aqui sindicado.
Trata-se de questão que foi já objecto de decisões várias do STA, nomeadamente nos acs. de 17/4/2013 (com voto de vencido), no proc. nº 433/13; de 24/7/2013, (com voto de vencido), no proc. nº 1203/13; de 23/4/2014, no proc. nº 400/14; de 18/6/2014, no proc. nº 418/14; e de 21/1/2015, no proc. nº 1562/14.
E sendo certo que também o Tribunal Constitucional decidiu (no ac. nº 43/14, de 9/1/2014, proc. nº 186/13) não julgar inconstitucional a norma contida no segmento normativo extraído dos n.ºs 2, al. a) e 4 do art. 89º-A da LGT, com o sentido de que a aquisição de imóveis que constitua manifestação de fortuna permite à AT a correção do rendimento do sujeito passivo adquirente, em sede de IRS, no ano em que tenha lugar e nos três anos seguintes, não se mostrando violados os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, estatuídos nos arts. 13º e 104º, nº 1, ambos da CRP, não é menos certo que no acórdão proferido em 18/6/2014, no proc. nº 418/14, o STA estava obrigado a tal sentido de decisão (já que a pronúncia do TConstitucional ocorreu no âmbito desse mesmo processo e no qual apenas tinha sido suscitada essa questão da inconstitucionalidade).
De todo o modo, não obstante esta referida decisão do TConstitucional, o STA, em decisões posteriores a tal aresto, nomeadamente, nos supra apontados acórdãos de 23/4/2014, no proc. n° 400/14 e de 21/1/2015, no proc. nº 1562/14, continua a entender que a mesma manifestação de fortuna apenas pode fundamentar a tributação por métodos indirectos num único ano e não em três anos consecutivos.
Como bem sublinha o MP, no citado acórdão de 17/4/2013, aderindo à tese sustentada por João Sérgio Ribeiro (Tributação Presuntiva do Rendimento - Um contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Colectável, Almedina, 2010, pp. 305 a 309 e Algumas Notas Acerca das Manifestações de Fortuna, Estudos em do Professor Doutor JL Saldanha Sanches, vol. V, pp. 197 a 210.) quanto à interpretação e aplicação do n° 4 do art. 89°-A da LGT, esgrimem-se argumentos convincentes no sentido de que a presunção de rendimentos nos termos do estatuído no art. 89°-A da LGT só pode ser feita uma vez, no ano em que se verificou a aquisição do bem ou em qualquer um dos três anos seguintes.
Nas palavras do acórdão, cujo sentido aqui também se sufraga, a melhor interpretação da lei continua a ser aquela «que considera que o inciso «e no caso das alíneas a) e b) do nº 2, nos três anos seguintes» resultante da nova redacção dada ao nº 4 do art. 89º-A pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), visou unicamente harmonizar essa norma com o disposto nas alíneas a) e b) do nº 2 no que se refere à possibilidade de a presunção de rendimentos operar relativamente ao ano de aquisição do bem e aos três anos seguintes. Ou seja, nas alíneas a) e b) do nº 2 dizia-se que para efeitos do nº 1 eram considerados os bens adquiridos nesse ano e nos três anos anteriores. Porém, o nº 4, que tratava da determinação da matéria colectável, era omisso quanto ao ano em que podia operar a presunção, omissão que a nova redacção veio colmatar, limitando-se a explicitar quais os anos relativamente aos quais podia ocorrer a determinação da matéria tributável, admitindo-a no ano em que teve lugar a aquisição e em qualquer um dos três anos seguintes, mas apenas uma única vez.
É que, para além do mais já consignado nos Acórdãos deste STA de 17 de Abril de 2013, rec. nº 0433/13 e de 24 de Julho de 2013, rec. nº 1203/13, sabido que é que a lei fiscal não admite presunções de rendimento inilidíveis – cfr. art. 73º («As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário».) –, não se vê como lidar com a circunstância de, na tese da AT, o sujeito passivo não poder ilidir, relativamente a cada um dos três anos seguintes àquele em que se verificou a aquisição do bem que a lei releva como manifestação de fortuna, a presunção de rendimentos resultante dessa manifestação de fortuna e de provar que os rendimentos declarados em cada um desses anos correspondem à verdade, não estando nós convencidos de que, conforme entendeu o Tribunal Constitucional e advoga a recorrente, não se estaria já perante novas presunções, mas apenas perante o fracionamento das consequências tributárias de uma única presunção, porquanto, a ser assim, esta deveria, em coerência, ter de ser ilidida na sua origem (embora o Tribunal Constitucional, no juízo de não inconstitucionalidade formulado, pressuponha que o sujeito passivo tenha efetiva possibilidade de elidir a presunção, em toda a sua amplitude temporal e efeito cumulado).» (fim de citação).
Será, pois, o ano em que se detecta o desfasamento declarativo que é alvo da presunção de rendimento.
Ora, retornando ao concreto caso dos autos, verificando-se que já transitou em julgado a decisão proferida no dito processo 603/13.3BEPRT (que anulou a decisão de determinação da matéria tributável por métodos indirectos no ano de 2008, decorrente de manifestação de fortuna, por via da demonstração feita de que, apesar de ter nacionalidade portuguesa, a recorrida não residia em Portugal, nem aqui auferiu rendimentos, pelo que não tinha a obrigação legal de declaração de rendimentos, não se verificando, pois, os pressupostos de determinação da matéria tributável por métodos indirectos), fica claro que também a decisão de determinação da matéria tributável por métodos indirectos sindicada nos presentes autos (relativa a 2009, 2010 e 2011, mas que teve na sua génese a mesma manifestação de fortuna, ou seja, a aquisição do mesmo imóvel, em 2008), não poderá manter-se na ordem jurídica, por manifesta carência de apoio legal.
Improcede, portanto, o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 12 de Julho de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.