Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0113/08
Data do Acordão:05/21/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA
HIPOTECA
PREFERÊNCIA
Sumário:I – Nos termos do artigo 688.º, n.º 1, do Código Civil, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
II – Se a hipoteca, a favor da reclamante, foi registada em 1 de Setembro de 1993 e a penhora de uma fracção autónoma, a favor da Fazenda, por dívidas de contribuição autárquica, relativa aos anos de 1992 a 1994, o foi em 25 de Agosto de 1998, quanto a esta fracção o crédito hipotecário goza de preferência no pagamento.
Nº Convencional:JSTA00065052
Nº do Documento:SA2200805210113
Data de Entrada:02/07/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional:CCIV66 ART688 N1 ART733 ART822 N1.
CCA88 ART24 N1.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, com sede em Mafra, veio nos presentes autos de verificação e graduação de créditos, interpor recurso para este Supremo Tribunal da sentença proferida no TAF de Lisboa 2.
Formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso:
1. Embora precedida de fundamentação de facto e jurídica inatacável (excepção feita ao que diz respeito ao crédito da Segurança Social) veio a ordenação das prioridades dos créditos a ser efectuada por forma errada. De facto,
2. Tendo-se como certo, e no "Enquadramento Jurídico" constante da decisão assim ficou expresso, que gozando os créditos de Contribuição Autárquica de privilégio imobiliário especial, deveriam ser graduados em primeiro lugar,
3. Logo seguidos do crédito da ora Recorrente que goza da garantia hipotecária registada com anterioridade ao registo da penhora, e dos juros, a ele respeitantes e relativos a três anos,
4. Veio a ser graduado em primeiro lugar e, consequentemente, antes do crédito de Contribuição Autárquica e do crédito da ora Recorrente, o crédito exequendo que não goza de qualquer privilégio imobiliário especial nem de qualquer garantia real registada com anterioridade em relação ao registo da hipoteca que garante o crédito da ora Recorrente.
5. Tal errada ordenação dos créditos ofende o disposto nos artºs 604, n. 2, 686°, n. 1, 693° nºs 1 e 2 e 744°, todos do Código Civil,
6. Pelo que deverá ser anulada a douta sentença de graduação de créditos assim posta em crise e substituída por outra que ordene os créditos a pagar por formam que em primeiro lugar seja pago o crédito da Fazenda Nacional relativo a Contribuição Autárquica e respectivos juros, seguido do crédito da ora Recorrente e respectivos juros, e em terceiro lugar a quantia exequenda seguida dos restantes créditos reclamados.
Não houve contra-alegações.
Neste STA, o EPGA defende que deve ser ordenada a ampliação da matéria de facto.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. No tocante à matéria de facto, decidiu a 1ª instância:
1 - Em 1/9/1993, foi registada definitivamente uma hipoteca a favor da reclamante "A…", incidente sobre a fracção autónoma C uma das descritas no auto de penhora de fls.5 do processo de execução, com vista à garantia de empréstimo no montante de € 27.433,88, juro anual até 24% e despesas emergentes do contrato de mútuo (cfr. cópia contrato de abertura de crédito garantido por hipoteca junta a fls.7 a 13 dos presentes autos; certidão junta a fls.24 a 26 do processo de execução);
2 - Em 30/6/1998, foi efectuada penhora de 1/4 das fracções autónomas descritas no auto de fls.5 do processo de execução principal de que o presente constitui apenso, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;
3 - Em 25/8/1998, a penhora identificada no n°.2 foi registada a favor da Fazenda Nacional, tudo conforme certidões da C.R.P. juntas a fls. 17 a 41 do processo de execução principal;
4 - Em 14/1/1999, foi autorizada a venda judicial de 1/4 das fracções autónomas A e C penhoradas, pelo preço respectivamente de € 5.237,38, tudo conforme auto de adjudicação de fls.71 e 72 do processo de execução principal, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;
5 - Em 3/3/1999, foi aceite a venda através de negociação particular de 1/4 das fracções autónomas D, E, F, G e H penhoradas, pelo preço total de € 9.975,96, tudo conforme despacho de aceitação de proposta exarado a fls.88 do processo de execução principal, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;
6 - O executado é devedor à Fazenda Nacional de créditos de contribuição autárquica, incidentes sobre as fracções autónomas penhoradas e vendidas no processo de execução, inscritos para cobrança nos anos de 1996 a 1998, no montante global de € 332,50, acrescido de juros de mora computados a partir das datas constantes das certidões juntas aos presentes autos (cfr. certidões juntas a fls.28 a 34 dos presentes autos);
7 - O executado é devedor à Fazenda Nacional, enquanto responsável subsidiária de firma, de crédito da Segurança Social, no montante de € 8.782,20, acrescido de juros de mora computados a partir das datas constantes da certidão junta aos presentes autos (cfr.certidão junta a fls.36 dos presentes autos);
8 - O executado é devedor à Fazenda Nacional, enquanto responsável subsidiária de firma, de crédito referente a I.R.C., inscrito para cobrança em 1997, no montante de € 637.730,62, acrescido de juros de mora computados a partir das datas constantes da certidão junta aos presentes autos (cfr.certidão junta a fls.36 dos presentes autos);
9 – O executado é devedor à reclamante “A…”, de crédito no montante de € 27.433,88, acrescido de juros de mora e despesas judiciais (cfr. documentos juntos a fls. 7 a 13 e 15 a 26 dos presentes autos).
3. Está em causa a graduação do crédito reclamado pela recorrente, que, em seu entender, deve ser graduado em 2º lugar.
Vejamos então.
Na parte dispositiva da sentença, o Mm. Juiz a quo decidiu a graduação dos créditos do seguinte modo:
1º. Crédito exequendo;
2°. Crédito reclamado pela Fazenda Nacional, no montante de € 332,50, relativo a contribuição autárquica e respectivos juros vencidos e vincendos até à data da venda;
3°. Crédito reclamado pela "A…";
4°. Crédito reclamado pela Fazenda Nacional, no montante de € 8.782,20, de que é titular a Segurança Social e respectivos juros vencidos e vincendos até à data da venda.
A questão dos autos é, apenas, a de saber se o crédito da recorrente deve, ou não, ser graduado à frente dos créditos exequendos.
Aquele, no montante de € 27.433,88, acrescido de mora e despesas judiciais – cfr. ponto 9 do probatório -, está garantidos por hipoteca, registada em 1 de Setembro de 1993, sobre a fracção autónoma C do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Encarnação, sob o artigo 2640, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número 1172, da freguesia da Encarnação – cfr. ponto 1 do probatório -, correspondente ao “Rés-do-chão direito, para estabelecimento comercial, com um compartimento amplo e dois sanitários, possuindo também um logradouro com a superfície de 54 metros quadrados. É ainda do uso exclusivo desta fracção um pequeno terraço coberto, existente no lado sul do prédio” – cfr. a descrição da fracção a fls. 11 do processo de execução fiscal n.º 1546-95/100957.5.
Estes, exigidos no mesmo processo de execução fiscal instaurado pela Fazenda Nacional no Serviço de Finanças de Mafra, contra B…, por dívidas de contribuição autárquica, relativa aos anos de 1992 a 1994, e custas processuais, no montante global de € 12.969,54 – cfr. primeiro parágrafo da sentença ora em crise, a fls. 63 dos autos.
Tais créditos estão garantidos, como resulta do ponto 3 do probatório, pelas penhoras efectuadas em 30 de Junho de 1998, e registadas a 25 de Agosto do mesmo ano, de ¼ das fracções autónomas A, C, D, E, F, G e H do dito prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Encarnação, sob o artigo 2640, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número 1172, da freguesia da Encarnação. (Na certidão de teor das descrições e de todas as inscrições em vigor, a fls. 17 e seguintes do apenso do processo executivo citado, vê-se que cada uma das penhoras garante a quantia exequenda de Esc. 2.600.160$00 (os ditos € 12.969,54), sendo exequente a Fazenda Nacional e executada B….)
Sendo que estas dívidas de contribuição autárquica foram inscritas para cobrança antes de 1996 – cfr. as certidões de relaxe presentes nos processos executivos apensos: ao dito processo n.º 1546-95/100957.5, relativo a contribuição autárquica de 1992, corresponde a certidão n.º 51429/95, sendo o ano de cobrança 1993; ao processo n.º 1546-96/101903.1 corresponde a certidão n.º 189905/96, relativa à contribuição autárquica de 1993, inscrita para cobrança em 1994; e ao processo n.º 1546-96/101595.8, correspondem as certidões n.º 61160/96 e 61161/96, relativas à contribuição autárquica de 1994, inscritas para cobrança em 1994.
Ora, nos termos do artigo 688.º, n.º 1, do Código Civil, “a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
Ou seja, pelo valor da venda da hipotecada fracção C, a recorrente deve ser paga com preferência sobre os demais credores, desde que estes não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Dispõe o artigo 24.º, n.º 1, do Código da Contribuição Autárquica, que este imposto “goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial”, sendo que este diploma estatui – artigo 744.º, n.º 1 – que “os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição”.
Deste modo, tendo a penhora da fracção sido efectuada em 1998, os créditos de contribuição autárquica só gozariam deste privilégio creditório – “faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros” – artigo 733.º do Código Civil – se tivessem sido inscritos para cobrança nesse ano ou nos dois anteriores. O que, como se viu, não sucedeu.
Assim, os créditos exequendos – por dívidas de contribuição autárquica, relativa aos anos de 1992 a 1994, e custas processuais, no montante global de € 12.969,54 – preferem à hipoteca se, nos preditos termos, gozarem de prioridade de registo, o que também resulta do n.º 1 do artigo 822.º do Código Civil: “ salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior”.
Mas, uma vez que a hipoteca, a favor da Recorrente, foi registada em 1 de Setembro de 1993 e a penhora da dita fracção C, a favor da Fazenda, o foi em 25 de Agosto de 1998, quanto a esta fracção o crédito hipotecário goza de preferência no pagamento.
E como a recorrente não tem outra garantia que não a predita hipoteca sobre a fracção C, não pode o seu crédito prevalecer sobre os restantes créditos exequendos garantidos com as penhoras de outros bens imóveis.
Pelo que, apenas com atinência à fracção C hipotecada, o crédito da recorrente garantido pela hipoteca deve ser efectivamente graduado antes dos créditos exequendos garantidos por penhora registada posteriormente, mantendo-se, no mais, a graduação da instância que não vem atacada em qualquer outro ponto.
4. Termos em que se acorda conceder provimento parcial ao recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que, no que concerne à fracção C, não graduou o crédito hipotecário à frente dos créditos exequendos – pois que aquele deve ser graduado à frente destes –, mantendo-se a sentença no demais.
Custas pela recorrente, na proporção do vencido, com procuradoria de 50%.
Lisboa, 21 de Maio de 2008. – Lúcio Barbosa (relator) – Jorge Lino - Brandão de Pinho.