Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0904/15
Data do Acordão:04/14/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
SUPLEMENTO REMUNERATÓRIO
Sumário:I - O direito dos magistrados do MP ao suplemento remuneratório estabelecido pelo art.º 63.º, n.º 6, do EMP, só se constitui se a acumulação de funções que pressupõe derivar de um acto enquadrável no tipo legal previsto nos nºs. 4 e 5 do mesmo preceito.
II - Se a alegada acumulação de funções adveio de sucessivos provimentos alheios ao condicionalismo referido nos nºs. 4 e 5 daquele art.º 63.º, não ocorreu o antecedente legalmente indispensável para que se constituísse o direito mencionado no n.º 6 do mesmo artigo.
III - Faltando o direito, inexiste também qualquer obrigação que lhe fosse correlativa, designadamente, a do Ministro da Justiça fixar o suplemento remuneratório por acumulação de funções.
Nº Convencional:JSTA000P20378
Nº do Documento:SA1201604140904
Data de Entrada:10/02/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:MJ
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:



1. A……………, Procuradora-Adjunta, intentou, no TAF do Porto, contra o Ministério da Justiça, acção administrativa especial para condenação à prática do acto administrativo devido, pedindo a condenação da entidade demandada “a praticar os actos de fixação à A. da remuneração suplementar devida nos termos dos nºs. 4 e 6 do art.º 63.º e n.º 4 do art.º 64.º do Estatuto do Ministério Público na redacção então vigente”, por ter acumulado as suas funções nos Juízos Criminais ……….., onde fora colocada, com outras funções próprias do DIAP da mesma cidade.

Considerando que, por determinação hierárquica, a A. exercera funções que iam para além do conteúdo funcional do seu cargo quando acumulara o serviço próprio do Juízo onde fora colocada com o serviço próprio dos Magistrados do MP do DIAP ……….., o TAF proferiu acórdão, onde julgou a acção procedente, condenando o R. a, no prazo de 30 dias, fixar-lhe a remuneração suplementar devida nos termos dos nºs. 4 e 6 do art.º 63.º e n.º 4 do art.º 64.º do EMP, na redacção então vigente, variável entre 1/5 e a totalidade do seu vencimento.
O Ministério da Justiça interpôs recurso deste acórdão para o TCAN que lhe concedeu provimento, revogou a decisão recorrida e julgou a acção totalmente improcedente.
A A., a coberto do disposto no art.º 150.º do CPTA, interpôs recurso de revista, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
“A) O presente recurso deve ser admitido ao abrigo do art.º 150.º do CPTA, pois que ocorrem in casu os respectivos pressupostos; com efeito,
B) Está em causa a apreciação de questão que, pela sua relevância social, se reveste de importância fundamental, sendo que a admissão do recurso se evidencia manifestamente necessária, se não mesmo indispensável, para melhor aplicação do direito;
C) A acrescer à circunstância de tal conflitualidade, devidamente demonstrada – em casos pré-existentes e já decididos, em casos pendentes a aguardar decisão – o facto de se situar no contexto jurídico-profissional do exercício de funções de soberania, envolvendo toda uma magistratura;
D) E ainda pela “capacidade de expansão da controvérsia, ditada pela possibilidade ou pela capacidade daquela questão para ultrapassar os limites da situação singular e de se repetir, nos seus traços genéricos, num número indeterminado de casos futuros”
E) Não vislumbra a ora recorrente qualquer razão ou pretexto – ou fundamento – para a revogação do acórdão de Abril de 2013 do TAF do Porto que, por isso mesmo, deve ser integralmente mantido;
F) Nem se vislumbra como pode sustentar-se que “os autos apresentam-se minguados da atinente causa de pedir”;
G) Pois que, tendo em conta os factos provados, tem a recorrente direito a uma remuneração suplementar, uma vez que se demonstra a situação de acumulação de funções ininterrupta e por muito mais do limite imposto de 30 dias, sendo o montante desse valor fixado entre um quinto e a totalidade do vencimento, ouvido o CSMP;
H) Estão reunidos integralmente os pressupostos de facto e de direito para que assim se proceda – nºs. 4 a 6 do art.º 63.º e n.º 4 do art.º 64.º do EMP;
I) Verificando-se assim os pressupostos materiais para o reconhecimento do direito da recorrente, deveria o mesmo direito ser reconhecido pelo Tribunal, em nada sendo esta conclusão contrariada pela falta do parecer pedido pela recorrente, e emitido só aquando de alegações nos presentes autos, e nunca notificado à recorrente;
J) Ademais a recorrente é alheia, como é bom de ver, à demora e ou não pronúncia do Conselho Superior, tal como à omissão do Ministério, e tal como ao parecer a desoras deliberado para “entrar” nos autos;
K) Além disso, cumprindo a recorrente tudo o quanto lhe era exigível, só se pode concluir ter o douto acórdão tomado posição quer quanto à legitimidade das partes e à natureza do parecer emitido pelo CSMP para os casos de fixação de remuneração suplementar em acumulação de funções, ao arrepio da lei e de todas as disposições legais existentes e que regulam a questão em apreço, sendo também contrária a toda a jurisprudência conhecida e publicada em tudo similares ao objecto dos autos;
L) Mais ainda: tal parecer é obrigatório mas nunca vinculativo, razão pela qual tendo sido pedido e verificando-se os pressupostos da formação do direito, cumpria ao ente demandado assumir o seu reconhecimento ou ao Tribunal reconhecer tal direito e impor à entidade administrativa a prática do acto;
M) Por outro lado, é a presente acção o meio adequado à satisfação da pretensão da recorrente, que pretende a condenação do Ministério na prática dos actos de fixação da aludida remuneração, actos esses ilegalmente omitidos, já que tendo requerido ao Sr. Ministro da Justiça a concessão da remuneração a que tem jus, tal pedido nunca foi objecto da decisão administrativa que é legalmente devida;
N) A omissão da prática do acto legalmente devido é inválida, pelas razões materiais que se demonstram, de que resulta quedar insanavelmente inquinada pelo vício de violação de lei;
O) Posto isto, verificando-se, como se verificam, os pressupostos materiais para o reconhecimento do direito da recorrente ao abono de remuneração suplementar por acumulação de funções, deveria o mesmo ter sido reconhecido pelo Tribunal recorrido, não podendo em caso algum obstar a tal questão de uma alegada falta de interesse em agir da recorrente e de inexistência de dever de agir da Administração, o demandado Ministério da Justiça;
P) Aliás, não obstante o pugnado pelo acórdão recorrido, tal posição é manifestamente contrária à lei, pois o parecer que o CSMP emita nos termos dos nºs. 4 a 6 do art.º 63.º e n.º 4 do art.º 64.º do EMP; quer sobre a existência ou não da situação de acumulação, quer sobre o “quantum” da remuneração suplementar a abonar, deverá ser considerado como revestindo-se de natureza meramente consultiva, conforme o previsto no art.º 98.º, n.º 2, do CPA;
Q) Na verdade, não há nenhuma norma, e nem no acórdão recorrido nem a entidade demandada indicam qualquer uma que expressamente afirme que o parecer em questão é vinculativo ou sequer que o CSMP deveria ser parte na presente acção;
R) Parafraseando o Ac. do STA de 19.10.2005 proferido no processo 0785/05, “Não tendo esses pareceres natureza vinculativa, não produzem, por si mesmo, qualquer efeito lesivo na esfera jurídica dos particulares nem determina o sentido da decisão final, não podendo também considerar-se como actos material e horizontalmente definitivos, pois (…) a sua emissão não dispensa a prática de um outro acto procedimental que contenha uma decisão final”;
S) Depois, é de conhecimento público que a própria entidade demandada reputa os pareceres do Conselho Superior em questão nos autos, como meramente consultivos, conforme se pode verificar in http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ministerio;
T) Aqui chegados, e face aos factos provados, cumpre perguntar quais os normativos que foram violados pela primeira instância. Ora nem o acórdão ora recorrido no local próprio os transcreve ou sequer os invoca expressamente nessa parte da decisão, quiçá por não ter a conclusão e decisão a que chegaram qualquer suporte legal, pois pese embora a audição tenha sido há muito pedida como resulta da matéria de facto, o parecer emitido não é vinculativo, nem substitui o acto a praticar pelo órgão da administração, o Ministério demandado.
U) Ora, como referido, sendo o parecer obrigatório mas não vinculativo, tendo o mesmo sido pedido e verificando-se no caso os pressupostos legais para a formação do direito a remuneração suplementar deveria a entidade demandada ter reconhecido e fixado aquela. Como não o fez, no prazo legal que a lei lhe impunha, deveria o Tribunal reconhecer o direito da recorrente (aliás como se fez na primeira instância) ao abono de remuneração suplementar e condenado a entidade demandada a praticar o acto de fixação à ora recorrente a remuneração suplementar devida conforme peticionado na petição inicial;
V) Para além disso, e como decorre dos factos provados pelas instâncias, certo é que a recorrente se encontra (encontrou) em situação de acumulação de funções (pese embora o parecer do CSMP); tem interesse em agir e é parte legítima; e o ora recorrido, o Ministério da Justiça, é a única parte legítima passiva nos presentes autos, tendo quanto a esta questão ficado pacificamente assente no douto despacho saneador, pelo que errou o douto acórdão recorrido ao concluir como concluiu, ao arrepio da jurisprudência e contra a lei;
X) Como ficou dito, inexistem argumentos válidos que possam afastar a legitimidade e o interesse em agir da recorrente, pois o douto acórdão recorrido, nem sequer os invoca ou sequer fundamenta tal decisão com suporte legal e ou jurisprudencial para ter concluído e decidido nos moldes em que o fez em contradição com a matéria de facto provada e como decorre da decisão nos pontos 1 a 18 da fundamentação de facto;
Z) Na verdade, o douto acórdão recorrido ignora por completo os elementos documentais juntos pela recorrente aos autos, bem como as peças processuais apresentadas pela A. (nomeadamente as suas alegações quanto ao parecer do CSMP que foi junto já no decurso dos autos – e sobre o qual tomou posição), bem como, com a fundamentação e conclusão a que chegou violou frontalmente a lei, designadamente os normativos do EMP, bem como do CPA, CPTA e sobre a legitimidade o disposto no CPCivil; e ainda os entendimentos expostos no Parecer n.º 499/2000 de 16.06.2004 e no Parecer n.º 156/2004, de 16.02.2006, ambos do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República e o estatuído no Regulamento de Movimentos dos Magistrados do Ministério Público aprovado pela Deliberação 720/2009, do CSMP, publicado no DR, 2.ª Série, de 13.03.2009 e ao fazê-lo limita e restringe irremediavelmente o direito da recorrente;
AA) Com efeito, e a título exemplificativo, escreveu-se no acórdão desse douto Tribunal de 1/10/2014, proferido no processo 0466/14, citando doutrina a qual ao mesmo se adere: “O recurso jurisdicional tem como objecto a decisão judicial recorrida e pode ter por fundamento qualquer vício de forma ou de fundo que o recorrente entenda que afeta a decisão recorrida. Em regra, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, ou seja, questão que não tenha sido objecto da sentença, pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais (cf. art.º 676.º, n.º 1, do CPC, ficando assim vedado ao Tribunal de Recurso conhecer questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e não o foram);
AB) Por outro lado, não tendo sido em momento algum directamente invocada ou suscitada pelo Ministério da Justiça a questão da legitimidade activa ou passiva das partes nem anteriormente à interposição do recurso ter sido suscitada a questão, sendo esta uma questão nova, já decidida por despacho saneador transitado em julgado, não poderia o Tribunal a quo concluir da forma como o fez na decisão recorrida, sob pena de violação do previsto no art.º 87.º n.º 1 e 2 do CPTA;
AC) Relacionada também com a questão colocada com a interposição do presente recurso e em sentido diverso podem ler-se as decisões do Ac. do TCAN de 28/06/2013, proferido no processo 00501/10.2BEPRT; e no Ac. do TCAS de 19/12/2007, proferido no processo 06018/02 e de 24/01/2008, proferido no processo 06007/02 – nos quais não se concluiu não ser o Ministério da Justiça a parte legítima e os colegas, magistrados do MP também partes legítimas, bem como a respectiva causa de pedir idónea à procedência da acção e do pedido;
AD) Sendo certo, que a jurisprudência conhecida vai justamente no sentido de que o Tribunal pode condenar a Administração, nos termos peticionados pela recorrente nestes autos, conforme se pode ver nos Acs. do TCAS de 19/12/2007, proferido no processo 06018/02, e de 24/01/2008, proferido no processo n.º 06007/02;
AE) Face aos argumentos supra expostos e tendo em consideração os elementos documentais que foram juntos aos autos pela recorrente, bem como a matéria de facto provada e aplicação do direito aos factos provados, deve o acórdão recorrido ser anulado e, em sua substituição, deve ser proferida decisão condenatória do ente demandado a praticar os actos de fixação da remuneração devida à recorrente, confirmando-se a decisão da primeira instância;
AF) Isto porque tal conclusão é o que resulta e se impõe com a aplicação do disposto nos nºs. 4 a 7 do art.º 63.º e n.º 4 do art.º 64.º do EMP, razão pela qual deve manter-se inalterada a condenação do Ministério da Justiça”.

O recorrido, Ministério da Justiça, contra-alegou, tendo, no que concerne ao mérito do recurso, concluído o seguinte:

“12) Cabe ao Ministro da Justiça fixar em definitivo o montante da remuneração, entre 1/5 e a totalidade do vencimento do magistrado, e proferir despacho nesse sentido. Não lhe cabe, nem tem meios para o efeito, determinar em cada caso se se verifica ou não uma situação de acumulação de funções;
13) O recorrente nunca poderia ser condenado ao pagamento, sob pena de o tribunal se substituir a órgão que nem sequer é parte nos autos e neles não foi ouvido;
14) E para a prática desse ato, o CSMP não exerce um poder vinculado, mas antes um poder discricionário, desde logo porque não foi autorizada a situação de acumulação. Igual pendor discricionário tem o ato de fixação de remuneração, da competência do Ministro da Justiça;
15) E assim foi recentemente decidido pelo TCA Norte, no Proc. 2920/11.8BEPRT-Braga;
16) No caso dos autos não havia ainda sido proferido Parecer aquando da entrada da ação em juízo, mas veio a sê-lo no decurso da mesma. Todavia, tal Parecer concluiu pelo não reconhecimento da situação de acumulação;
17) Ora, como bem decidiu o acórdão em recurso, “A decisão sob recurso acolheu, assentando como provado, o facto de ter sido, já na pendência da acção, emitida pronúncia pelo CSMP que concluiu pelo não reconhecimento da situação de acumulação. Sem discurso dirimente ou fundamentação que afastasse essa pronúncia do CSMP ou os seus efeitos, ao decidir condenar o Réu a fixar à Autora a remuneração suplementar que entendeu ser devida, a decisão recorrida afrontou os apontados normativos em sua violação e, como tal, deve ser revogada”;
18) Sobre este excurso decisório, a recorrente quase nada diz, centrando toda a argumentação na defesa de existência de acumulação;
19) Ora, como o acórdão acolhe, cabe aos Conselhos Superiores decidir se e quando se verificam situações da acumulação;
20) O CSMP decide se existe ou não acumulação de funções – a lei é expressa “os procuradores da república que acumulem funções; considerando que existe acumulação, o CSMP propõe uma remuneração; o Ministro da Justiça atribui a remuneração de acordo com os elementos decisórios que julgar pertinentes, atendendo, designadamente à proposta remuneratória do CSMP – diz a lei “têm direito a uma remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça”;
21) Com já decidiu o TCAN, “exatamente para que possa ser confirmada a situação de acumulação e porventura mensurada a correspondente remuneração, é que a lei impõe a emissão de parecer prévio por parte do CSMP” (Ac. de 17/4/2015, Proc. 2920/11.8BEPRT-Braga);
22) Mas, ao contrário do que pretende a recorrente, esta não exerceu funções que vão para além do conteúdo funcional do seu cargo de Magistrado do Ministério Público;
23) Não se verifica um só dos requisitos previstos na lei para que a situação possa ser considerada de acumulação, designadamente: atribuição de funções correspondente a outro cargo; por razões excecionais e transitórias e por período de tempo ilimitado;
24) Conforme resulta do Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 74/2005, homologado em 21/2/2006, o regime de acumulação de funções e sua remuneração é marcado pela excecionalidade e transitoriedade, o que não se compagina com a situação concreta do tribunal e da recorrente;
25) Segundo o mesmo Parecer, “A acumulação de funções (…) supõe, com efeito, um acréscimo de trabalho motivado pelo exercício de tarefas que não são próprias do cargo”. E é essa circunstância, como se salienta no Parecer n.º 519/2000, “que justifica uma compensação remuneratória de carácter excepcional”;
26) A acumulação de funções é um instrumento de gestão com natureza excepcional, usada em três tipos de situações: extinção de pendências atrasadas; substituição de magistrados temporariamente impedidos; auxílio de magistrados com volume elevado de pendências;
27) A acumulação de funções é distinta daquela situação em que o magistrado do MP, colocado em determinada comarca, desenvolve o serviço que lhe foi distribuído pelo superior hierárquico, serviço esse que se contém no âmbito das funções próprias, integrando o conteúdo da respetiva prestação funcional;
28) No caso presente, não nos encontramos perante uma situação de acumulação de funções, mas antes e tão-somente de desempenho de funções abrangidas pelo conteúdo funcional do cargo em que a recorrente se encontra provida, que inclui a direção de inquéritos e o exercício da ação penal quanto a determinados crimes;
29) Diferentemente do que acontece com os magistrados judiciais que exercem funções nos tribunais de 1.ª instância, as funções dos magistrados do MP não correspondem, tão só e necessariamente, ao serviço de determinada unidade organizativa; pelo contrário, o seu concreto conteúdo funcional pode ser definido em função de outros critérios que não o da competência material da específica unidade orgânica onde se encontra integrado;
30) O cargo da recorrente não fica definido com a sua afectação aos Juízos Criminais da Comarca ……….., sendo em razão desse cargo que são definidas as suas funções em relação às funções dos demais procuradores colocados noutros serviços do MP ou departamentos, sob pena de violação do art.º 64.º, n.º 3 do EMP;
31) Quando a recorrente iniciou funções no tribunal onde as exerce, já aos magistrados deste estavam cometidos processos de inquérito sobre determinados crimes. Na comarca …………, a direção e o exercício da ação penal de determinados inquéritos esteve a cargo dos magistrados do MP em funções em tribunais de julgamento da área criminal desde pelo menos 1994;
32) Estas tarefas não são acrescidas, pois não estavam atribuídas a outro magistrado ao qual corresponda um lugar no respetivo quadro, como exige o Parecer n.º 499/2000, do CC da PGR;
33) Segundo o Parecer do CC da PGR n.º 519/2000, “todos os magistrados que fazem parte da mesma comarca, departamento ou serviço têm igual competência para exercer funções que estejam cometidas a esse escalão hierárquico”;
34) O serviço desenvolvido pela recorrente ocorreu dentro da mesma área, que era a criminal, cumpridas as tarefas dentro do tempo e no local normal de trabalho, não se identificando o “plus” que justifique acréscimos remuneratório;
35) Nada na lei obriga a que a direção de inquéritos de todos os crimes cometidos na área da comarca ………. apenas possa integrar o conteúdo funcional dos magistrados adstritos ao DIAP;
36) E a recorrente não alegou que as tarefas denominadas de “acrescidas” estavam distribuídas o outro magistrado com lugar no quadro que por qualquer forma provocou a vaga do lugar, ou, se em exercício de funções, tinha serviço acumulado que tinha de ser recuperado com recurso a outro magistrado;
37) Outros requisitos da acumulação falham aqui, como a decisão pelo procurador-geral distrital, com prévia comunicação ao CSMP, e observância dos preceitos legais relativos à verificação da conformidade legal e da regularidade financeira da despesa inerente;
38) É incontornável a ponderação de normas que enformam transversalmente as relações de trabalho subordinado no sentido da possibilidade de atribuição ao trabalhador de funções, não expressamente mencionadas, que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas (n.º 3 do art.º 43.º da Lei 12-A/2008, de 27/2 e art.º 118.º do C. do Trabalho);
39) Tal alteração de funções pode decorrer, designadamente, de alterações legislativas, como aconteceu no presente caso, como claramente decorre do provimento 7/2008: “Decorridos que são 7 meses sobre a entrada em vigor das alterações ao Código Penal e Processo Penal, já é possível analisar o impacto que as mesmas tiveram no volume de processos distribuídos a cada uma delas, sendo certo que as secções genéricas foram as mais penalizadas, tendo em conta que a elas cabe a investigação do maior número de inquéritos distribuídos”;
40) E assim foi reconhecido no voto de vencido já acima referido “O serviço das 7ª e 8ª secções do DIAP ……….. foram reduzidos drasticamente com as sucessivas alterações legislativas, em particular com o DL n.º 316/97, de 19.11. Face a estas alterações legislativas – bem como na sequência e de acordo com um provimento emitido em 1994 – os Procuradores Gerais-Adjuntos encarregados da coordenação dos serviços do Ministério Público …………., foram determinando novas distribuições de serviço de forma a obter uma distribuição mais equitativa do serviço”;
41) Sufragar um pedido da recorrente, mais de 3 anos volvidos sobre o início do exercício de funções, exercício que se prolongou por todo esse tempo nos mesmos exatos moldes, e sem oposição daquela, violaria o princípio da confiança, constitucionalmente consagrado, e que não vale apenas para os particulares;
42) Tivesse a situação sido equacionada de imediato e não vários anos após o seu início e poderiam ser tomadas medidas de distribuição de serviço e racionalização de custos bem diferentes;
43) Num período de forte contenção orçamental e de rígida austeridade, a condenação em causa importa relevantes custos para o erário público, em nítido prejuízo da melhor racionalização de meios públicos;
44) E assim se entendeu já no TCAN. Como bem salienta o desembargador Rogério Martins: “Sem reacção dos destinatários e, em concreto, da autora que exerceu as funções que lhe foram determinadas a título tendencialmente definitivo sem requerer qualquer acréscimo de retribuição e sem questionar a caducidade das determinações hierárquicas, face ao disposto no n.º 6 do art.º 63.º do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, beneficiando de um acréscimo de retribuição indefinido no tempo, ao contrário do que a lei prevê e sem dar ao Ministério da Justiça a possibilidade de, em coordenação com o CSMP, encontrar uma solução mais económica para o erário público”;
45) O TCAN qualificou situação idêntica de abuso de direito;
46) Segundo acórdão de 22/5, no Proc. 2919/11.4BEPRT: “É de todo evidente que o normal modo de desempenho de uma situação de acumulação se processa com transitoriedade; (…) Nada autorizava a que, na própria óptica do autor, este os pudesse encarar com o fito de uma acumulação, e com participação do seu assentimento à renovação (…). Mas, ao longo do tempo, sucedendo-se o mesmo tipo de situação (…), nada requereu em bom tempo, até que dilatadamente no último mês de 2010 deu a conhecer da pretensão relativamente ao serviço pretérito (e só este alcança o âmbito da presente acção), e a todo ele, em contrário à aparência do estado de coisas. Em circunstâncias que, segundo os ditames da boa-fé, esse exercício se torna inesperado, pretendendo benefício não expectável pela sua própria inacção, de forma que fere clamorosamente o equilíbrio suposto no instituto”;
47) A aceitação da pretensão da recorrente violaria ainda o princípio da igualdade, ao atribuir apenas a uma magistrada uma remuneração acrescida, deixando sem perceber tal remuneração todos os outros magistrados que, desde 1994, desempenharam funções no mesmo Tribunal, nos mesmos exatos moldes”.
A revista foi admitida pela Formação de Apreciação Preliminar a que alude o art.º 150.º do CPTA.
O Digno Magistrado do MP, notificado nos termos do art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.

2. A matéria de facto pertinente é a que foi considerada provada no acórdão recorrido, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos do n.º 6 do art.º 663.º do C.P.Civil.

3. O acórdão objecto da presente revista fixou, como questões a decidir, as de saber se o aresto recorrido:

a) Violava o disposto nos artºs. 56.º e 58.º, n.º 2, alínea a), do CPTA, por falta de um pressuposto processual que implicava a impossibilidade de impugnação;
b) Violava o disposto no art.º 71.º, n.º 2, do CPTA e se
c) Violava o disposto nos artºs. 63.º e 64.º, ambos do EMP, designadamente por errada qualificação dos atinentes factos como de acumulação de funções, que não apenas de desempenho de funções abrangidas pelo conteúdo funcional do cargo em que a recorrida se encontrava provida;
d) Violava os princípios da igualdade e da confiança.

Após considerar que não era de conhecer da excepção da “impossibilidade de impugnação por via de actos de processamento dos vencimentos não impugnados”, esse acórdão passou a analisar a alegada infracção do art.º 71.º, n.º 2, do CPTA, em conjugação com a violação do disposto nos artºs. 63.º e 64.º, ambos do EMP, nos termos que ficaram descritos nas referidas alíneas b) e c), tendo decidido pela sua verificação e, em consequência, pela total improcedência da acção por, em face do pedido formulado e da causa de pedir invocada, não se poder concluir que o Ministério da Justiça tinha no caso o dever de agir nem que a A. estava legitimada a exigir o acto pretendido.

Decidiu-se, assim, do mérito da acção, absolvendo-se o R. do pedido, com o fundamento que a A. não tinha o direito à prática do acto de fixação da remuneração suplementar.

A recorrente, na presente revista, contesta este entendimento, alegando estar provada a ocorrência de uma situação de acumulação de funções que lhe dava direito à atribuição do suplemento remuneratório previsto no art.º 63.º, n.º 6, do EMP, não obstando ao reconhecimento desse direito a falta de parecer do CSMP – que era obrigatório mas não vinculativo – nem uma pretensa falta de interesse em agir da sua parte ou uma inexistência do dever do Ministério da Justiça em agir.

Vejamos se lhe assiste razão.

A questão de saber se os magistrados do MP colocados nos Juízos Criminais ………. que, por sucessivos provimentos, tiveram de assegurar o serviço em inquéritos penais que normalmente correriam no DIAP estão numa situação de acumulação de funções que confira o direito à atribuição da remuneração suplementar prevista no art.º 63.º, n.º 6, do EMP, não é nova neste STA, tendo sido objecto de decisão pelos recentes Acs. de 10/3/2016 e de 7/4/2016, proferidos, respectivamente, nos Procs. nºs. 1428/15 e 1398/15, que se pronunciaram pela negativa.
Naquele Ac. de 10/3/2016, escreveu-se o seguinte:
“(…)
«Pareceria, pois, que, «ante omnia», haveríamos - decerto por referência aos conteúdos funcionais dos magistrados do MºPº em exercício nos Juízos Criminais e no DIAP - de apurar se aquela afectação de inquéritos à recorrida traduzira uma verdadeira acumulação de funções ou, antes, uma mera distribuição do serviço por imposição legítima da hierarquia. Mas não é exactamente assim, porquanto - e como melhor veremos «infra» - o desfecho da causa não depende, em absoluto rigor, da resolução dessa alternativa.
É certo que o «direito» previsto no art. 63º, n.º 6, do EMP - «direito a remuneração a fixar pelo Ministro da Justiça» - pressupõe que o Procurador-Adjunto haja acumulado funções por período superior a 30 dias (cf. também o art. 64º, n.º 4, do mesmo diploma). Todavia, esse n.º 6 não pode desligar-se dos ns.º 4 e 5, que o antecedem e explicam. Assim, o referido direito não brota de uma qualquer acumulação de funções; é que ele só verdadeiramente se constitui se derivar de um acto enquadrável no tipo legal previsto no art. 63º, ns.º 4 e 5, do EMP.
Estes números dizem-nos o seguinte: a acumulação de funções causal do surgimento do direito do magistrado a uma remuneração acrescente tem de se suportar num acto com as seguintes características: um acto do Procurador-Geral Distrital que atribua ao Procurador-Adjunto «o serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos»; um acto motivado por «acumulação de serviço, vacatura do lugar ou impedimento do seu titular, por período superior a 15 dias»; um acto precedido de «prévia comunicação» ao CSMP; e um acto cuja «medida» não pode vigorar por mais de seis meses.
O condicionalismo legal dos actos desse género existe para protecção dos magistrados, pois não apenas delimita os casos em que pode impor-se-lhes «o serviço de outros círculos, tribunais e departamentos», como configura o modo e o tempo dessa imposição. Mas o dito condicionalismo também existe para salvaguarda do Estado, que só se verá na contingência de custear uma acumulação de funções nos casos - aliás, sempre restringidos no tempo - em que a lei tipicamente preveja que ela se justificaria.
Portanto, o regime da acumulação remunerada de funções opera dentro de um quadro que abrange os ns.º 4, 5 e 6 do art. 63º do EMP. Não é possível cindir o n.º 6 dos anteriores e encarar uma qualquer acumulação de funções como geradora do direito aí previsto. O direito somente emerge de uma acumulação imposta ao magistrado dentro do circunstancialismo dito nos números anteriores - onde precisamente se prevê o tipo legal do acto determinativo da acumulação de funções, acto esse que funciona como causa mediata da constituição do direito à remuneração suplementar. E, no fundo, tudo isto se adequa a uma ideia jurídica geral: a de que é impossível que algum direito subjectivo nasça ou se constitua sem previamente se dar o condicionalismo legal de que ele dependa.
Aliás, o problema «sub specie» não pode ter outra solução satisfatória. Se olharmos o n.º 6 do art. 63º do EMP, logo vemos que a intervenção do CSMP, aí aludida, se restringe à emissão de parecer sobre o «quantum» da remuneração a fixar. Isso deduz-se do pormenor da referência à audição do CSMP estar intercalada dentro da previsão da única pronúncia exigida ao Ministro da Justiça - a qual consiste em fixar a remuneração «entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento». É apenas sobre isso que o CSMP é «ouvido»; o que bem se compreende, visto ser esse órgão quem está nas melhores condições para avaliar a quantidade e a qualidade do trabalho acrescente desempenhado pelo titular do direito, isto é, para fornecer ao Ministro da Justiça os critérios relevantes na concretização do abono.
E a questão de saber se deveras ocorreu uma acumulação de funções - potencialmente geradora de despesa pública - há-de ser resolvida pelo CSMP. Por isso é que o acto atributivo do «serviço de outros círculos, tribunais ou departamentos», previsto nos ns. 4 e 5 do art. 63º do EMP, tem de ser previamente comunicado ao CSMP. Dando o seu aval, expresso ou tácito, a essa medida, o CSMP automaticamente reconhece que o magistrado referido no acto entrará em acumulação de funções - e obterá o direito à remuneração suplementar correspondente se ela se prolongar por mais de 30 dias. Ao invés, qualquer serviço atribuído pela hierarquia fora do condicionalismo previsto nos ns.º 4 e 5 do art. 63º do EMP não pode assumir-se como um antecedente da consequência dita no n.º 6 do mesmo artigo; é que a lei une incindivelmente as previsões constantes desses números, articulando-os numa relação lógica - em que o «direito» só se segue dessa outra coisa, se anteriormente posta.
Portanto, a acção dos autos perspectivou mal o problema. O Ministério da Justiça não tem de ser convencido de que houve uma acumulação de funções - visto que a intervenção do Ministro se localiza a jusante disso, limitando-se à fixação do «quantum» remuneratório. Com efeito, das duas, uma: ou as coisas se passaram no âmbito dos ns.º 4 e 5 do art. 63º do EMP -ou seja, com prévio reconhecimento, pelo CSMP, de que o magistrado esteve em acumulação - e o direito à remuneração suplementar surge ao fim de 30 dias, restando pedi-la e fixá-la; ou as coisas não se passaram naquele âmbito - e tal direito, pura e simplesmente, não surge nem existe.
Ora, os provimentos que oneraram a autora - bem como outros colegas dela, colocados nos Juízos Criminais - com um acréscimo de trabalho não se inscreveram no tipo legal de acto previsto no art. 63º, ns.º 4 e 5, do EMP.
Na verdade, esse acréscimo resultou de uma reorganização do serviço que não se deveu a uma acumulação transitória de processos - e a exigência dessa transitoriedade acompanha a caducidade, «ao fim de seis meses» (n.º 5), da «medida» prevista no n.º 4 - ou à vacatura de um lugar ou ao impedimento do seu titular. Tais provimentos - com excepção do primeiro, de 4/1/94 - não emanaram do Procurador-Geral Distrital nem foram, face aos dados disponíveis, objecto de «prévia comunicação» ao CSMP. Estas circunstâncias evidenciam imediatamente que os mencionados provimentos não são enquadráveis no tipo de actos impositivos de uma acumulação de funções causal de um direito remuneratório. Donde fatalmente se conclui que o circunstancialismo em que a autora se encontra desde que tomou posse nos Juízos Criminais ………… não configura a precisa acumulação de funções que, segundo os ns.º 4, 5 e 6 do art. 63º do EMP, lhe conferiria o direito patrimonial cuja titularidade invoca.
Portanto, e carecendo a autora e aqui recorrida de tal direito, a acção destes autos está votada à improcedência; pois, na ausência do direito, inexiste também a obrigação correlativa da entidade demandada - a de praticar o acto que a autora crê ser devido e que precisamente consistiria no reconhecimento do direito e na concomitante fixação do «quantum» a pagar.»
Resta dizer que a solução apontada prejudica o conhecimento de outras questões postas na revista, isto é daquelas que só teria sentido enfrentar caso reconhecêssemos à ora recorrida o alegado direito à remuneração acrescente”.

Aderindo a esta jurisprudência, não pode deixar de se concluir que à A. não assiste o direito à atribuição da remuneração suplementar pretendida, o que implica que, tal como decidiu o acórdão recorrido – que, repete-se, não julgou procedente qualquer excepção, seja a ilegitimidade ou a falta de interesse em agir, mas conheceu de mérito -, a acção por ela intentada tenha de ser julgada improcedente.
Assim sendo, não merece provimento a presente revista.

4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente, nas instâncias e neste STA.

Lisboa, 14 de Abril de 2016. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Jorge Artur Madeira dos Santos.