Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0645/11
Data do Acordão:11/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
MATÉRIA DE FACTO
JUÍZO DE FACTO
Sumário:I - Para determinação da competência hierárquica, à face do preceituado nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF de 2002 e artigo 280.º, n.º 1, do CPPT, o que é relevante é que o recorrente, nas alegações de recurso e respectivas conclusões, suscite qualquer questão de facto ou invoque, como suporte da sua pretensão, factos que não foram dados como provados na decisão recorrida.
II - Os juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto ou sua omissão indevida) só podem ser apreciados pelos tribunais com poderes no domínio da fixação da matéria de facto.
Nº Convencional:JSTA00067223
Nº do Documento:SA2201111020645
Data de Entrada:06/28/2011
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PONTA DELGADA
Decisão:INCOMPETÊNCIA
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB
Legislação Nacional:ETAF02 ART26 B ART38 A
CPPTRIB99 ART280 N1 ART18 N2 N3
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC324/11 DE 2011/05/11; AC STA PROC738/09 DE 2009/12/16; AC STA PROC189/10 DE 2010/04/21
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 - RELATÓRIO
A…, S.A., com sede na Av. …, n°… a …, 9500-…Ponta Delgada, veio ao abrigo do disposto nos artigos 99° e sgs do Código de Procedimento e de Processo Tributário, intentar impugnação judicial das liquidações adicionais de n.ºs 2992201004001182 (liquidação adicional de IRC), 201000000000917 (liquidação de juros compensatórios) e 201000000021607 (demonstração de acerto de contas), todas referentes ao exercício fiscal de 2007, no montante de 167.765,16 €, requerendo a anulação das mesmas, com restituição à impugnante da quantia indevidamente paga, acrescida dos respectivos juros indemnizatórios.
A impugnação foi julgada improcedente.
Não se conformando recorreu para este STA apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1ª A sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pelo ora Recorrente contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do exercício de 2007, por entender que os custos, no montante de € 167.765,16, por aquele contabilizados com referência a “extravio, roubo e utilização indevida de cartões e cheques” não são fiscalmente dedutíveis;
2ª Na base daquela decisão esteve o facto de o Tribunal a quo ter considerado que os referidos custos se consubstanciam em indemnizações pagas conexas com o extravio, roubo, e utilização indevida de cartões e cheques resultantes de risco segurável, as quais não seriam, assim, dedutíveis à luz do disposto no artigo 23°, n.° 1, do Código do IRC, mormente da sua alínea j), a contrario sensu, invocando ainda que tal entendimento se coaduna com o disposto no artigo 42.°, n.° 1, alínea e) do Código do IRC, bem como com a norma do artigo 20°, n.° 1, alínea g) do mesmo Código;
Incorreu o Tribunal recorrido em erro de julgamento porquanto o suporte fundamentador da sua decisão consistiu na consideração errada de que os custos em análise se reportam a indemnizações as quais não são dedutíveis em virtude de resultarem de risco segurável;
4ª Ora, tal fundamento afigura-se completamente distinto da fundamentação do acto tributário sub judice, na qual se desconsideram os custos em apreço com base no entendimento de que os mesmos não são indispensáveis à luz do disposto no proémio do n.°1 do artigo 23.° do Código do IRC;
5ª Deste modo, o Tribunal a quo tomou em consideração na decisão recorrida factos não constantes da fundamentação do acto impugnado, logo, factos não alegados pelas partes e dos quais não podia conhecer oficiosamente, incorrendo em violação do princípio do dispositivo consagrado no artigo 264.° do CPC, aplicável ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT, o que consubstancia erro de julgamento;
6ª Com referência ao preceito legal consagrado no artigo 20°, n.º 1, alínea g) do Código do IRC, também invocado na sentença recorrida, importa referir que o mesmo não tem qualquer conexão com a questão sub judice, porquanto se reporta ao conceito de proveitos ou ganhos, nele se enquadrando as indemnizações auferidas, enquanto o que se discute nos autos é o conceito de custos, em particular a sua dedutibilidade;
7ª Também no que respeita aos fundamentos que efectivamente estão na origem do acto tributário não assiste razão à administração tributária, na medida em que os referidos custos, incorridos no âmbito e por força da actividade empresarial do Recorrente, se afiguram indispensáveis não sendo admissível a interpretação conferida pela administração tributária ao n.° 1 do artigo 21° do Código do IRC, no sentido de que apenas seria indispensável para a realização dos proveitos um custo “(...) impeditivo da obtenção futura de proveitos (...)“ e que “(...)ponha em causa a manutenção da fonte produtora (...)“;
8ª Incorrem ainda os serviços da administração tributária num outro erro interpretativo, na medida em que depois de reconhecerem que as perdas em causa têm “conexão com a actividade bancária”, o que é suficiente para as considerar indispensáveis, operam uma distinção, sem qualquer acolhimento na lei, doutrina ou jurisprudência, entre actividade normal/principal e actividade marginal/acessória para afirmar que as perdas com fraude não são fiscalmente dedutíveis por não se inserirem na actividade normal do Recorrente;
9ª Ora, a partir do momento em que a administração tributária qualifica os referidos custos como conexos com a actividade bancária comprova de imediato a sua indispensabilidade à luz do disposto no artigo 23.° do Código do IRC, porquanto o conceito de indispensabilidade dos custos se traduz, precisamente, na sua conexão com a actividade desenvolvida pela empresa, não havendo que distinguir entre custos “normais” e custos “acessórios”;
10ª O citado artigo 23.º do Código do IRC permite a desconsideração fiscal tão-só dos custos extra-empresariais, conforme vem entendendo a doutrina e jurisprudência, pelo que os custos em análise, assumindo-se como um risco próprio da actividade bancária desenvolvida pelo Recorrente não poderão deixar de considerar-se indispensáveis e, em consequência, ser fiscalmente aceites;
11ª No que respeita à afirmação da administração tributária constante do relatório de inspecção de que “(...) caso o sujeito passivo tenha subscrito uma apólice de seguro para cobrir as perdas resultantes de fraudes, apenas será aceite fiscalmente o montante coberto pelo seguro”, nem sequer se invoque que lhe estaria subjacente o fundamento posteriormente explanado na sentença recorrida no sentido de que “(...,) as indemnizações pagas conexas com extravio, roubo e utilização indevida de cartões e cheques” não são dedutíveis, na medida em que resultem de risco segurável;
12ª Com efeito, não pode sequer considerar-se implícito àquela afirmação da administração tributária o fundamento de que o acto tributário teve na sua origem a circunstância de a presente situação colher enquadramento na previsão do artigo 42°, n.° 1, alínea e) do Código do IRC (actual artigo 45.°), isto é, de se estar perante indemnizações pagas pela verificação de eventos cujo risco seria segurável;
13ª Efectivamente, por um lado, aquando da fundamentação do acto impugnado não se invocou e menos ainda se demonstrou que os custos em questão se reportassem a indemnizações e, por outro lado, saliente-se que do citado normativo decorre precisamente o contrário do afirmado pela administração tributária;
14ª Com efeito, resulta do referido preceito legal não serem fiscalmente aceites os custos suportados com indemnizações pagas pela verificação de eventos cujo risco seja segurável. Ora, a administração tributária invoca, em termos abstractos, aliás, que no caso de a Recorrente ter subscrito uma apólice de seguro para cobrir perdas resultantes de fraude será fiscalmente aceite como custo apenas o montante coberto pelo seguro;
15ª Deste modo, enquanto a norma se refere a situações em que determinados custos não são aceites fiscalmente, a administração tributária faz menção aos custos dedutíveis em situações de subscrição de uma apólice de seguro para cobrir perdas resultantes de fraudes;
16ª Acresce que os serviços da administração tributária não averiguaram sequer a natureza dos custos objecto de correcção, designadamente apurando se, se haviam consubstanciado em indemnizações pagas a clientes por danos derivados de fraude, limitando-se à mera análise da conta # 699.8 - Outras perdas Operações Financeiras, constante do balancete, em violação do princípio do inquisitório plasmado nos artigos 58.° da LGT e 6.° do RGIT;
17ª Acresce também que não resultando da mesma afirmação - a vertida na 11ª conclusão supra - a sua motivação e consequência jurídica concreta incorre ainda a administração tributária em ilegalidade por força da violação do dever de fundamentação (cf. artigos 77°, n.° 1 da LGT, 125.° do CPA e 268.°, n.° 3 da CRP;
18ª É também despicienda a alusão constante da decisão da reclamação graciosa sobre a necessidade de constituição de “(...) seguros para os riscos susceptíveis de dar lugar a pagamento de indemnizações (...)”, ao abrigo do disposto no artigo 42.°, n.° 1, alínea e) do Código do IRC, na medida em que não tendo sido esse o fundamento da correcção efectuada e devendo a fundamentação do acto tributário ser sempre contemporânea da emissão da respectiva liquidação, incorrer-se-ia em vício de ilegalidade por fundamentação a posteriori;
19ª Cumpre referir ainda que a sentença recorrida não se pronunciou quanto ao vício da deficiente fundamentação do acto tributário invocado na impugnação judicial, incorrendo em omissão de pronúncia, cuja consequência é a sua nulidade, nos termos do disposto nos artigos 666.°, n.° 2 e 668°, n.° 1, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT;
20ª Atentos os fundamentos acima descritos, resulta inequívoco que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao apoiar-se em fundamento não invocado pela administração tributária, bem como em omissão de pronúncia, na medida em que não se pronunciou sobre questão suscitada pelo Recorrente, pelo que se impõe a revogação da decisão recorrida e, em consequência, a anulação do acto tributário em apreço, devendo ao Recorrente ser restituída a quantia indevidamente paga por este, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 41° da LGT e artigo 61.° do CPPT.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, a anulação do acto tributário em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Ministério Público junto deste STA emitiu parecer do seguinte teor:
Recorrente: A…, SA
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial apresentada contra decisão de indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra liquidação adicional de IRC (exercício de 2007) no montante de € 46 718,94
FUNDAMENTAÇÃO
1.As conclusões das alegações delimitam o âmbito e o objecto do recurso (art.684°n°3 CPC/art.2° al. e) CPPT)
A 3ª conclusão contraria o juízo conclusivo fáctico expresso na fundamentação da sentença recorrida, segundo a qual os custos desconsiderados pela administração tributária (de onde resultou o acréscimo da matéria colectável e a liquidação adicional controvertida) se reportam a indemnizações pagas por risco segurável
A 10ª conclusão igualmente contraria a proposição fáctica inscrita no probatório, segundo a qual aquelas indemnizações não resultam de um risco directamente associado à actividade bancária do sujeito passivo
Neste contexto o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito sendo o STA-SCT incompetente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento e competente o TCA Sul-SCT (arts. 26° al. b) e 38° al. a) ETAF 2002; art.280° n°1 CPPT)
2. O interessado poderá requerer, oportunamente, o envio do processo para o tribunal declarado competente (art. 18º n° 2 CPPT).
O Ministério Público tem legitimidade para a suscitação da incompetência absoluta do tribunal em processo judicial tributário (art. 16° n°2 CPPT)
A competência dos tribunais da jurisdição fiscal é de ordem pública; o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art.13° CPTA/ art.2° al. c) CPPT)
CONCLUSÃO
O STA - secção de Contencioso Tributário é incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, sendo competente o TCA Sul-SCT
Notificado que foi o recorrente do teor do parecer do Ministério Público reagiu apresentando os seguintes articulados:
A…, S.A., Recorrente no processo à margem referenciado, notificado do parecer de fls. 134 e 135, apresentado pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, vem ao abrigo do disposto no n.° 3 do artigo 3.° do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 2.°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), expor e requerer o seguinte:
1.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público alude, no seu douto parecer, que “(...) As conclusões das alegações delimitam o âmbito e o objecto do recurso (...).
2.
Seguidamente, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público que “A 3ª conclusão contraria o juízo conclusivo fáctico expresso na fundamentação da sentença recorrida, segundo a qual os custos desconsiderados pela administração tributária (...) se reportam a indemnizações pagas por risco segurável “.
3.
Invoca ainda o Exmo. Magistrado do Ministério Público que “A 10ª conclusão igualmente contraria a proposição fáctica inscrita no probatório, segundo a qual aquelas indemnizações não resultam de um risco directamente associado à actividade bancária do sujeito passivo”.
4.
Conclui, assim, o Exmo. Magistrado do Ministério Público que “Neste contexto o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito sendo o STA-SCT incompetente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento e competente o TCA Sul-STC (...)”.
5.
Não procede, contudo e salvo o devido respeito, o invocado pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, na medida em que o recurso sub judice tem exclusivamente por fundamentos questões de direito, conforme adiante de demonstra.
6.
Com efeito, a questão decidenda em sede de impugnação judicial é a de aferir da indispensabilidade dos custos contabilizados nas subcontas 69901.2 e 69911.0 com referência a “extravio, roubo e utilização indevida de cartões e cheques”, na medida em que o fundamento na origem do acto tributário no qual aqueles custos foram desconsiderados consubstanciou-se na sua alegada falta de indispensabilidade, ao abrigo do artigo 23.° do Código do IRC.
7.
De facto, no entendimento da administração tributária os custos em apreço não preencheriam os dois requisitos previstos no proémio do n.° 1 do citado artigo 23.º do Código do IRC, quais sejam: o de que “(...) a fraude praticada seja motivo impeditivo da obtenção futura de proveitos (...)“e o de que “(...) a fraude ponha em causa a manutenção da fonte produtora (...)”, motivo pelo qual os considerou como fiscalmente indedutíveis.
8.
Não obstante a fundamentação do acto tributário, o Tribunal a quo decidiu na sentença recorrida com base em fundamento de Direito distinto daquele que motivou o acto tributário, suportando a sua decisão na alínea j) do n.° 1 do artigo 23º e na alínea e) do n.° 1 do artigo 42.°, ambos do Código do IRC.
9.
Deste modo, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento de direito, porquanto no contencioso de mera legalidade o tribunal tem de limitar-se a sindicar a legalidade do acto tal como emitido.
10.
Ora, é precisamente o referido erro que se pretende ver apreciado por esse Tribunal e que se encontra ínsito na 3ª conclusão das alegações de recurso.
11.
Com efeito, o Recorrente não controverte naquela conclusão nem em qualquer das demais a realidade fáctica concreta respeitante à natureza dos custos sob análise, uma vez que tal não releva para a apreciação da legalidade do acto tributário impugnado tal como foi emitido.
12.
Efectivamente, o Recorrente nunca procurou discutir a natureza dos custos, pois independentemente de se tratarem de custos com extravio, roubo e utilização indevida de cartões e cheques ou indemnizações a clientes, a ilegalidade originária da liquidação persiste e não se sana, ou seja, a errónea interpretação do conceito de indispensabilidade dos custos.
13.
Deste modo, o que se aponta ao Tribunal a quo é o erro de julgamento em que este incorreu ao sustentar a legalidade do acto tributário com base em preceitos legais que não estiveram na sua origem.
14.
O que se evidencia é, tão-só, que se o fundamento do acto tributário não foi a disposição do artigo 42.°, n.° 1, alínea j) do Código do IRC não podia o Tribunal recorrido tomar em consideração tal fundamento surgido “a posteriori” em sede de reclamação graciosa.
15.
Ora, o erro apontado é, pois, manifestamente atinente a matéria de direito.
16.
Acresce que também no que respeita à 10.ª conclusão, e contrariamente ao alegado pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, o Recorrente não contraria qualquer proposição fáctica inscrita no probatório, também aqui apontando um vício de direito.
17.
Ao invés do que se invoca não se pretende questionar se os custos com “extravio, roubo e utilização indevida de cartões e cheques” constituem riscos próprios da actividade bancária.
18.
Na referida 10ª conclusão o que está em causa é antes a sindicância da interpretação jurídica do conceito de “indispensabilidade” vertido no artigo 23.° do Código do IRC, pretendendo-se que o Tribunal julgue se tal conceito abrange todos os custos inerentes à actividade ou apenas os directamente associados àquela actividade, propugnando o Recorrente a primeira das duas interpretações.
19.
Uma vez mais estando em análise uma questão jurídica, qual seja a interpretação de um preceito legal - o proémio do artigo 23.°, n.° 1, do Código do IRC -, e não qualquer facto.
20.
Em face do exposto, resulta evidente que o recurso tem exclusivamente por fundamentos questões de direito.
21.
Termos em que se conclui pela improcedência do invocado pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, devendo decidir-se pela competência, em razão da hierarquia, do Supremo Tribunal Administrativo - Secção de Contencioso Tributário para o recurso sub judice.
2- FUNDAMENTAÇÃO:
A decisão de 1ª Instância deu como assente a seguinte matéria de facto:
FACTOS
A prova dos factos que infra se narram decorre do acordo sobre os mesmos que resulta dos articulados, bem como da análise dos documentos juntos e do constante do processo administrativo apenso
Na sequência de inspecção tributária à contabilidade da impugnante e com fundamento nas conclusões desta, a matéria colectável de IRC do exercício do ano de 2007 foi objecto de correcção, tendo sido efectuadas as liquidações adicionais n.°2992201004001182 (liquidação adicional de IRC), 201000000000917 (liquidação de juros compensatórios) e 201000000021607 (demonstração de acerto de contas), no montante de 167.765,16 €, por força da desconsideração como custos directamente associados à actividade bancária da impugnante as perdas relacionadas com extravio, roubo e utilização indevida de cartões e cheques.
A impugnante efectuou o pagamento da referida quantia.
3- DO DIREITO
O EMMP neste Supremo Tribunal Administrativo, entendeu que a matéria do presente recurso não era exclusivamente de direito por, no seu entender, na 3ª e 10ª conclusões das alegações do recorrente, contrariarem o juízo conclusivo fáctico expresso na fundamentação da sentença recorrida, ao que o banco recorrente se opõe nos termos supra destacados.
Vejamos. Como se decidiu no Ac. deste STA de 11/05/2011, tirado no recurso nº 0324/11, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas conclusões do respectivo recurso se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (v., entre outros, os acórdãos do STA de 16/12/2009 e de 21/04/2010, proferidos nos recursos n.ºs 738/09 e 189/10, respectivamente).
No caso em apreço, como destaca o EMMP, o recorrente afirma na conclusão 3ª “Incorreu o Tribunal recorrido em erro de julgamento porquanto o suporte fundamentador da sua decisão consistiu na sua consideração errada de que os custos em análise se reportam a indemnizações as quais não são dedutíveis em virtude de resultarem de risco segurável.” E seguidamente na 4ª refere “Ora, tal fundamento afigura-se completamente distinto da fundamentação do acto tributário sub judice, na qual se desconsideram os custos em apreço com base no entendimento de que ao mesmos não são indispensáveis à luz do disposto no proémio do nº 1 do artigo 23º do código do IRC” e conclui na 5ª “Deste modo, o Tribunal a quo tomou em consideração na decisão recorrida factos não constantes da fundamentação do acto impugnado, logo, factos não alegados pelas partes e dos quais não podia conhecer oficiosamente (...)”.
Ou seja, entende portanto o recorrente que o Tribunal a quo considerou factos de que não podia conhecer porque não alegados.
É certo que depois de notificada do teor do parecer do Mº Pº a recorrente vem defender que o recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito com a fundamentação de que:
5 Não procede, contudo e salvo o devido respeito, o invocado pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, na medida em que o recurso sub judice tem exclusivamente por fundamentos questões de direito, conforme adiante de demonstra.
Porém tudo visto e ponderado entende-se que não releva a fundamentação destacada porque, nomeadamente na conclusão 3ª o recorrente refere:
“3ª Incorreu o Tribunal recorrido em erro de julgamento porquanto o suporte fundamentador da sua decisão consistiu na sua consideração errada de que os custos em análise se reportam a indemnizações as quais não são dedutíveis em virtude de resultarem de risco segurável.” E seguidamente na 4ª refere “Ora, tal fundamento afigura-se completamente distinto da fundamentação do acto tributário sub judice, na qual se desconsideram os custos em apreço com base no entendimento de que ao mesmos não são indispensáveis à luz do disposto no proémio do nº 1 do artigo 23º do código do IRC” e conclui na 5ª “Deste modo, o Tribunal a quo tomou em consideração na decisão recorrida factos não constantes da fundamentação do acto impugnado, logo, factos não alegados pelas partes e dos quais não podia conhecer oficiosamente (...)”, entende portanto o recorrente que o Tribunal a quo fixou factos que não podia fixar, logo não pode o recorrente dizer que “resulta evidente que o recurso tem exclusivamente por fundamentos questões de direito.”, pois é ele próprio que na sequência do que refere na conclusão 3ª vem afirmar na conclusão 5ª que o Tribunal a quo tomou em consideração na decisão recorrida factos não constantes da fundamentação do acto impugnado, logo, factos não alegados pelas partes e dos quais não podia conhecer oficiosamente. Questiona portanto a matéria de facto fixada e sobre a qual o tribunal a quo veio a aplicar o direito.
Acresce referir que não ocorre qualquer dúvida de que o Sr. Juiz de 1ª Instância afirmou a existência de um risco segurável excludente da consideração das indemnizações pagas como custo indispensável (depreende-se que só o seria o prémio de seguro pago). A recorrente não concorda e pretende a consideração como custos do exercício do montante global pago a título de indemnizações por roubos e extravios e utilização indevida de cartões e cheques. Parece-nos que saber se tal risco é segurável ou não, comporta indubitavelmente matéria de facto e embora seja certo que o recorrente afirma ter ocorrido erro de julgamento por o Mº Juiz, na sua óptica, se ter afastado da fundamentação constante do relatório de fiscalização fundamentadora da exclusão dos custos, a verdade é que esse afastamento não é tão evidente como o apresenta o recorrente desde logo porque o relatório aparte a sua expressão interpretativa do art 23º do CIRC, boa ou má não nos interessa agora analisar, salienta que : “(...) No caso em análise e não obstante os referidos encargos terem conexão com a actividade bancária, atendendo à sua natureza, as perdas resultantes das fraudes não se inserem na actividade normal da empresa, pelo que não devem ser consideradas fiscalmente como componente negativa do lucro tributável.
De referir, que caso o sujeito passivo tenha subscrito uma apólice de seguro para cobrir as perdas resultantes de fraudes, apenas será aceite fiscalmente o montante coberto pelo seguro(…) “ .
Ora, independentemente de se analisar a forma e a substância da fundamentação, patenteia-se que a Administração Tributária não centrou a não aceitação de custos somente na sua indispensabilidade para a realização de proveitos.
Cremos que terá sido essa constatação que levou o Banco recorrente a, na sua petição de impugnação deduzir os seguintes articulados:
78.
Mas mesmo que o fundamento da liquidação adicional sub judice assentasse na natureza indemnizatória dos custos e na segurabilidade dos correspectivos riscos, em vez de se reconduzir a falta de indispensabilidade para a realização dos proveitos ao abrigo do artigo 23.° do Código do IRC, sempre se dirá que, de qualquer modo, não assistiria qualquer razão à administração tributária uma vez que os riscos em apreço não são seguráveis.
79.
Com efeito, não bastaria aferir, em abstracto, se a contratação de seguro é legalmente admissível, mas também demonstrar que, na prática, o evento pode ser objecto de seguro, face a natureza dos eventos em questão.
80.
E a verdade e que as aludidas fraudes, apesar de não deixarem de caber no conceito de "risco empresarial", não configuram riscos com relevo ou tipicidade suficientes, mesmo no especifico sector bancário, para que as seguradoras se disponham a fazer o respectivo estudo actuarial e contratar seguros para a sua cobertura.
81.
Nestes termos, também uma tal fundamentação, se invocada, improcederia e conduziria a anulação do acto tributário sub judice.
Em Conclusão: Não obstante a sucinta fundamentação do acto correctivo esta encerra motivações que foram objecto de contestação na petição de impugnação, sendo certo que o Mº Juiz de 1ª Instância julgou improcedente a impugnação na consideração de estarmos na presença de custos por indemnizações cujo risco considerou segurável, não resulta líquido numa simples apreciação por confrontação com o relatório de inspecção e a própria petição de impugnação a ocorrência de erro de julgamento.
Ao invés, temos por seguro que saber se tal risco é segurável é efectivamente matéria de facto.
Assim e pelo exposto, tem de entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito, pelo que o Supremo Tribunal Administrativo é hierarquicamente incompetente para o conhecimento do recurso, e das questões prévias nele solicitadas, cabendo a competência para o conhecimento do mesmo à Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul - artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a) do ETAF de 2002 e artigo 280º, n.º 1, do CPPT.
4- DECISÃO:
Termos em que, face ao exposto, se decide julgar a Secção de Contencioso Tributário do STA incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional, indicando-se, nos termos do art. 18.º, n.º 3, do CPPT., como tribunal que se considera competente o Tribunal Central Administrativo Sul (Secção do Contencioso Tributário), para o qual os recorrentes poderão requerer a remessa do processo, de harmonia com o preceituado no n.º 2 do mesmo artigo.
Custas pelo banco recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 2 UC(s).
Lisboa, 2 de Novembro de 2011. - Ascensão Lopes (Relator) – Casimiro Gonçalves – Pedro Delgado.