Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0813/09
Data do Acordão:02/03/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
DÍVIDA
JUROS DE MORA
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Os juros de mora de dívida não tributária (de natureza civil) têm prescrição de cinco anos – nos termos da alínea d) do artigo 310.º do Código Civil.
II - Porém, «a prescrição interrompe-se pela citação», de acordo com o n.º 1 do artigo 323.º do mesmo Código Civil.
III - Assim, não se verifica a prescrição de juros de mora vencidos há menos de cinco anos para aquém da data da citação.
Nº Convencional:JSTA000P11430
Nº do Documento:SA2201002030813
Recorrente:INST FINANCIAMENTO AGRICULTURA E PESCAS (IFAP, IP)
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 “Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IFAP, IP”, nestes autos de oposição à execução fiscal, em que é oponente A…, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que julga «a oposição procedente quanto à dívida de juros os quais se declaram prescritos».
1.2 Em alegação, a entidade recorrente formula as seguintes conclusões.
1. É de cinco anos o prazo de prescrição dos juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, interrompendo-se a prescrição com a citação do executado (arts. 310º, al. d) e 323º, nº 1, ambos do CCIV).
2. Está provado nos autos que o executado foi citado em 23.01.2006, para os termos da execução.
3. Afigura-se ao IFAP, I. P., que estão prescritos os juros que se venceram mais de cinco anos antes da citação, isto é, os juros que se venceram antes de 23.01.2001 e que não prescreveram os juros que se venceram menos de cinco anos antes da citação de 23.01.2006, ou seja, que se venceram após 23.01.2001, até efectivo reembolso (porquanto a citação do executado interrompeu a prescrição).
4. São, pois devidos ao IFAP, I. P., para além do capital, os juros legais de mora que se venceram após 23.01.2001, até efectivo reembolso.
5. Ao decidir que não são devidos juros de mora, o Exmo. Juiz recorrido violou o disposto nos arts. 310°, al. d) e 323º, n° 1, ambos do CCIV).
Nestes termos, deve dar-se provimento ao presente recurso, com as consequências legais.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
A questão objecto do presente recurso prende-se com a contagem do prazo de prescrição dos juros legais previsto no artº 310º, al. d) do Código Civil.
Alega a entidade recorrente que, tendo a citação para os termos da execução ocorrido em 23.01.2006, estão prescritos os juros de mora que se venceram mais de cinco anos antes da citação, ou seja antes de 23.01.2001, e não estão prescritos os juros que se venceram após aquela data até efectivo reembolso.
Fundamentação:
Afigura-se-nos que assiste razão à entidade recorrente.
Como sublinham Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil anotado, vol. I, pag. 200, «o prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306º, a partir da exigibilidade da obrigação. Pode acontecer, nas dívidas de juros, que não haja prazo estabelecido para o seu pagamento. É o que acontece quanto aos juros legais. Neste caso, os juros vão-se vencendo dia-a-dia, pelo que devem considerar-se prescritos os que se tiverem vencido para além dos últimos cinco anos».
Não se verifica, pois, a prescrição dos juros que se venceram nos últimos cinco anos anteriores à data da citação.
Termos em que somos de parecer que o recurso merece provimento, devendo revogar-se o julgado recorrido.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, a questão que aqui se coloca é a de saber se ocorre, ou não, a prescrição dos juros de mora em causa.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
1. Foi instaurada contra o oponente execução fiscal por dívida ao IFADAP na importância de € 34.279,70 (fls. 23);
2. Serve de base à execução a certidão de dívida que constitui fls. 14, emitida pelo IFADAP, em 24/06/2005, que damos aqui por integralmente reproduzida, dela constando, nomeadamente, que a dívida de capital é de € 14.076,08 a que acrescem juros de mora na importância de € 18.796,01 e o adicional de 10% sobre o montante das ajudas recebidas, na importância de € 1.407,61;
3. O oponente foi citado em 23/01/2006 (certidão de citação a fls. 27 e informação de fls. 28);
4. Deduziu oposição em 16/02/2006 (fls. 3).
2.2 Para julgar decorrido o prazo de prescrição, é necessário fazer-se a prova de um facto positivo: o de se ter escoado o lapso de tempo fixado na lei para a prescrição.
A aplicação pura e simples do prazo prescricional conduziria à extinção do direito sobre que a prescrição opera logo que se verificasse o completo decurso daquele prazo. Como assim, na base do instituto da suspensão e da interrupção da prescrição está a ideia de que, não obstante as necessidades de certeza e de segurança, a atitude passiva do credor se justifica em virtude das especiais circunstâncias em que se encontra. A lei impede que o tempo exerça a sua eficácia destrutiva sobre o direito durante todo o período por que duram as causas justificativas daquela passividade: dá-se uma suspensão ou interrupção do prazo. A suspensão, ou interrupção, da prescrição traduz-se assim no aparecimento dum facto ou duma qualidade que retira ao prazo a sua relevância prescricional durante todo o tempo da sua duração. Uma vez desaparecida esta qualidade impeditiva, o prazo volta a correr, e na sua contagem inclui-se aquele que decorreu antes do aparecimento da causa suspensiva com o que vai decorrer após a sua cessação – cf. José Dias Marques, Prescrição Extintiva, Coimbra Editora, Limitada, 1953, pp. 94 e 95.
Nos termos da alínea d) do artigo 310.º do Código Civil, prescrevem no prazo de cinco anos, inter alia, «os juros convencionais ou legais».
E «A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente», de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 323.º do mesmo Código Civil.
2.3 No caso sub judicio – e consoante está assente no probatório –, a execução fiscal, a que pelos presentes autos foi deduzida oposição, corre seus termos, além do mais, por «juros de mora».
A dívida de capital não está em causa – até por que, em relação a ela, foi julgado que não ocorre a prescrição, por isso que, nessa parte, a oposição à execução fiscal foi julgada improcedente.
É a prescrição da obrigação dos respectivos juros de mora que está em causa no presente recurso.
A sentença recorrida considerou que o prazo de vinte anos de prescrição da dívida principal de capital não está decorrido, mas decorreu o prazo de prescrição dos juros de mora, pois que «o prazo de prescrição da obrigação principal não coincide com o prazo de prescrição da obrigação acessória dos juros, que é mais curto».
A razão, no entanto, está do lado da entidade recorrente.
Com efeito, sobre determinado capital em dívida, que não foi pago na data do vencimento, vence-se, todos os dias, um valor de juros; e cada valor diário prescreve 5 anos depois de se ter vencido, de tal modo que, no último dia do 5.º ano de contagem de juros, se vence um valor que só prescreve 5 anos depois; e no 1.º dia do 6.º ano se vence um valor de juros que, também ele, prescreve 5 anos depois. Mas os juros vencidos há menos de cinco anos para aquém da data da citação, e os vincendos até integral reembolso são sempre devidos ao credor, acrescendo ao valor de capital.
Na verdade, e como lembra o Ministério Público neste Tribunal – citando Pires de Lima, e Antunes Varela, in Código Civil Anotado em anotação ao artigo 310.º – «o prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306º, a partir da exigibilidade da obrigação. Pode acontecer, nas dívidas de juros, que não haja prazo estabelecido para o seu pagamento. É o que acontece quanto aos juros legais. Neste caso, os juros vão-se vencendo dia-a-dia, pelo que devem considerar-se prescritos os que se tiverem vencido para além dos últimos cinco anos».
Está provado que o executado/oponente, ora recorrido, foi citado em 23-1-2006 para os termos da execução.
Assim, no presente caso, estão efectivamente prescritos os juros que se venceram antes de 23-1-2001 (mais de cinco anos anteriormente à citação, em 23-1-2006); e os juros que se venceram menos de cinco anos antes da citação de 23-1-2006 não prescreveram, como diz, e bem, a ora recorrente, até efectivo reembolso, porquanto a citação do executado interrompeu a prescrição, nos termos da lei.
Estamos deste modo a concluir, e em resposta à questão decidenda, que não ocorre a prescrição dos juros de mora em causa – pelo que, em tal medida, terá de ser revogada a sentença recorrida que assim o não entendeu.
E, então, havemos de convir, em síntese, que os juros de mora de dívida não tributária (de natureza civil) têm prescrição de cinco anos – nos termos da alínea d) do artigo 310.º do Código Civil.
Porém, «a prescrição interrompe-se pela citação», de acordo com o n.º 1 do artigo 323.º do mesmo Código Civil.
Assim, não se verifica a prescrição sobre os juros de mora vencidos há menos de cinco anos para aquém da data da citação.
3. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e revogar a sentença – que no demais se mantém – na parte em que se decide pela prescrição, que não se verifica, dos juros de mora vencidos desde 23-1-2001, julgando-se improcedente a oposição (também) nesta parte.
Custas na instância, pelo oponente, na medida do seu decaimento, não sendo devidas no STA (pois que não houve contra-alegação).
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010. – Jorge Lino (relator) – Casimiro Gonçalves – Dulce Neto.