Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0589/14
Data do Acordão:06/18/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:PARECER PRÉVIO
PARECER VINCULATIVO
PARQUE NATURAL DA ARRÁBIDA
DEMOLIÇÃO DE OBRA
Sumário:I - Ainda que no processo de licenciamento tenha faltado o parecer vinculativo do PNA e, em virtude desse facto, os actos impugnados serem, efectivamente actos nulos, tal não significa que o artº 106º, nº 2 do RJUE não deva ter aplicação, no âmbito de eventual processo de legalização [A demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou objecto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração], pois, apesar da declaração de nulidade dos actos impugnados, que fez com que a obra ficasse desprovida de licença [como se fosse clandestina], a mesma ainda poderá ser legalizada, desde que, no processo próprio, surja o referido parecer, que forçosamente terá de ser positivo.
II - A demolição constitui o ultimo reduto, pelo que se impõe sempre averiguar da possibilidade de legalizar a obra, antes de proceder à demolição da mesma, dado que o processo de licenciamento de obra constitui um procedimento completamente diferente do procedimento de legalização.
Nº Convencional:JSTA00069260
Nº do Documento:SA1201506180589
Data de Entrada:09/12/2014
Recorrente:MUNICÍPIO DE SESIMBRA, A... E MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL - REC PRINCIPAL
NEGA PROVIMENTO - DEMAIS RECURSOS
Área Temática 1:DIR URB - ÁREAS PROTEGIDAS
Legislação Nacional:CPA ART134 ART133
CPC07 ART668 N1 C
CPC13 ART615 N1 C D ART608 N2
PORT 26-F/80 (PLANO DE ORDENAMENTO DO PARQUE NATURAL DA ARRÁBIDA)
DRGU 23/98 ART12 N1 A ART18 ART19 N5
DL 19/93 ART13
DL 622/76
RCM 15/98 (PDM SESIMBRA) ART3 ART7 N3 ART8 ART31
DL 69/90 ART28 N1 N2
DL 791/75 ART62 N1
DL 380/99 ART35 ART42
RJUE ART68 ART106 N2
DL 204/02 ARTUNICO
CPTA ART47 N2 B
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0812/07 DE 2008/09/10; AC STA PROC0667/08 DE 2009/01/28; AC STA PROC098/09 DE 2009/10/28; AC STAPLENO PROC034852 DE 2002/02/21; AC STA PROC046570 DE 2004/06/02; AC STA PROC046862 DE 2005/03/10; AC STA PROC01048/03 DE 2003/07/02; AC STA PROC01047/03 DE 2003/07/16
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLV PAG140-143
ANTUNES VARELA - RLJ ANO122 PAG112
RODRIGUES BASTOS - NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VOLIII (1972) PAG228
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

Da decisão proferida no TACS, em 21/11/2013, no âmbito da presente acção administrativa especial, intentada pelo Ministério Público contra o Município de Sesimbra e, em que é contra interessado, A…………………, que decidiu:

«conceder provimento ao recurso; declarar a nulidade da sentença; julgar a acção parcialmente procedente (i) declarando a nulidade da licença de construção no âmbito do processo de obras nº 359/03 (ii) determinando a demolição do que foi construído e a reposição do terreno no seu estado anterior, em 90 dias após o prazo a seguir fixado; (iii) se se não obtiver nova licença de construção à luz da legislação, então aplicável, após parecer vinculativo favorável do PNA, tudo no prazo global de 6 meses»,

foram interpostos os seguintes recursos:

a) pelo Município de Sesimbra, que concluiu as suas alegações da seguinte forma:

«1. O Plano de Ordenamento do PNA (Portaria 26-F/80 e Decreto Regulamentar 23/98) tinha à data dos atos em causa, a natureza de plano sectorial por não ter sido reconvertido em plano especial nos termos dos artigos 34º da LBOTU e 154º do RJIGT;

2. O mesmo Plano não vinculava os particulares, à mesma data, por não ter sido, no prazo de dois anos da entrada em vigor da LBOTU, reconduzido ao tipo de instrumento de gestão territorial que se revelasse mais adequado ao tipo legalmente estabelecido (al. c), do nº 2, do artigo 34º da LBOTU);

3. A alínea a) do artigo 12º do Decreto Regulamentar 23/98 remete para a noção de perímetro do aglomerado urbano, definido na Lei dos Solos, e não para a de perímetro urbano, definida no Decreto-Lei 69/90;

4. O Plano Diretor Municipal de Sesimbra não define, nem delimita, o perímetro dos aglomerados urbanos, mas apenas, indiretamente, o perímetro urbano: os urbanos/urbanizáveis;
5. Na falta de definição e delimitação dos perímetros dos aglomerados urbanos estabeleceu-se a prática, consensual entre o Município e o PNA, de se entender incluídos nos perímetros urbanos os espaços de transição definidos e delimitados no PDM de Sesimbra.
6. As questões a apreciar, neste recurso – de natureza jurídica do Plano de Ordenamento do PNA e da definição do perímetro do aglomerado urbano, a que se reporta o Decreto Regulamentar 23/98 - são de importância fundamental e necessária a uma melhor aplicação de direito».

*
b) pelo contra interessado A……………., que concluiu as suas alegações da seguinte forma:

«A. A…………… vem interpor recurso de revista ao abrigo do artigo 150.º, n. 1 do CPTA, do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 22.11.2013, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto Ministério Público, declarou a nulidade da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 07.07.2010, e julgou parcialmente procedente a acção administrativa especial intentada pelo Ministério Público por referência a actos de licenciamento proferidos pela Câmara Municipal de Sesimbra;

B. No que respeita à verificação dos pressupostos ou requisitos de que depende a admissibilidade de interposição do presente Recurso de Revista, tem o Recorrente a dizer que tal recurso deve ser admitido tendo em vista, quer uma melhor aplicação do direito, quer porque estamos perante quatro questões que, pela sua relevância jurídica e social, revestem uma importância fundamental, para a qual a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo mostra-se absolutamente imprescindível;

C. A 1.ª Questão consiste em saber qual é a natureza jurídica do Plano (preliminar) de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (decorrente da Portaria n.º 26-F/80, de 9 de Janeiro e do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14 de Outubro), nomeadamente se o mesmo assume a natureza de plano especial de ordenamento do território (PEOT), vinculando de forma directa e imediata os particulares;

D. A 2.ª Questão prende-se com a necessidade de dilucidar se os espaços de transição consagrados no Regulamento do Plano Director Municipal (PDM) de Sesimbra integram o respectivo perímetro urbano;

E. 3.ª Questão: reporta-se à questão de saber se, tendo em vista os princípios da confiança, segurança jurídica e proporcionalidade, são oponíveis a um contra-interessado de boa fé os efeitos de uma declaração de nulidade de um licenciamento de construção quando à data da aquisição do prédio pelo mesmo já tinha sido aprovado, pelos órgãos camarários competentes, o respectivo projecto de arquitectura na sequência de procedimento urbanístico iniciado por terceiro;

F. A 4.ª Questão consiste em esclarecer se um Tribunal administrativo pode, no âmbito de uma acção administrativa especial, cumulativamente com a declaração de nulidade de uma licença de construção, de edificações já construídas, condicionar a respectiva não demolição à obtenção de nova licença de construção, com emissão de determinado parecer vinculativo, fixando para o efeito um impreterível prazo global de 6 meses;

Sobre a 1.ª Questão:

G. A natureza do Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA tem sido debatida, na medida em que, correspondendo a uma regulamentação legal introduzida em data anterior à entrada em vigor do RJIGT (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro) e, mesmo, anterior ao estabelecimento da Rede Nacional de Áreas Protegidas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 19/93, de 23 de Janeiro) – o Decreto-Lei n.º 622/76, de 28 de Julho, criou e delimitou o PNA, enquanto a Portaria n.º 26-F/80, de 9 de Janeiro, aprovou o respectivo Regulamento;

H. A solução dada pelo Tribunal a quo à questão aqui em causa participa de um manifesto erro de julgamento, porquanto se mostra violadora do disposto no artigo 34.º, n.ºs 1 e n.º 2, alínea c) da LBOTU, assim como do artigo 154.º, n.º 4 do RJIGT, conforme desenvolvido, infra. Se assim não se entender, dever-se-á, ainda assim, considerar que o tratamento que tem vindo a ser dada a esta questão pelas instâncias e jurisprudência é pouco consistente e revela, inclusivamente, graves incoerências, de tal modo que é manifesta a necessidade de intervenção deste presente Supremo Tribunal, enquanto órgão de cúpula da justiça administrativa, tudo no sentido de dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula a situação;

I. No que diz respeito aos dois acórdãos mencionados pelo próprio Tribunal a quo, isto é, o Acórdão STA, de 07.06.2005, Proc. n.º 405/05, assim como o Acórdão TCAS, de 28.02.2008, Proc. 01404/06, os mesmos não se mostram pertinentes, bem pelo contrário, para sustentar a tese do Tribunal a quo, pois, não perpassa daqueles que o Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA reveste a natureza de um PEOT, vinculando de forma directa e imediata as entidades públicas e privadas (o Acórdão do TCAS, de 28.02.2008, Proc. 01404/06, reconhece ao Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA a natureza de plano sectorial);

J. Com particular relevância, o Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão, de 26.06.2008, Proc. 0505/08, em sede de admissão de um recurso de revista, versando sobre o Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA, admitiu que «saber se normas constantes de um Plano não tipificado face à Lei de Bases de Ordenamento do Território (LBOT) – Lei 48/98 -, enquanto não transpostas para Plano municipal de ordenamento do território ou plano especial de ordenamento, podem ser invocados pela Administração para recusar a aprovação de projectos que não se conformem com os mesmos, tendo, designadamente, em conta os arts. 11º e 13º da LBOT – é, efectivamente, uma questão jurídica complexa, de especial melindre, e susceptível de ser recolocada em litígios futuros, numa matéria – o urbanismo e ordenamento do território – que envolve grande relevância para os interesses da comunidade. Questão que não se mostra ter sido expressamente tratada pela jurisprudência deste STA, e, por isso, também, justificativa de uma reflexão aprofundada por parte deste Supremo Tribunal» (sublinhado nosso), não tendo sido prolado Acórdão final sobre o fundo da questão atenta a ulterior constatação da existência de uma nulidade processual (Acórdão STA, de 12.11.2009, Proc. 0505/08);

K. Em acórdão subsequente, veio o Tribunal a quo julgar que a Portaria n.º 26-F/80, de 9 de Janeiro, corresponde a um regulamento enquadrável na epígrafe “Outros Planos”, nos termos e para efeitos do Artigo 34.º, da LBOTU, não possuindo eficácia directa e imediata para os particulares (Ac. TCAS, de 03.02.2011, Proc. 01404/06);

L. Do excurso pelo decidido pelas instâncias e na (pouca) jurisprudência conhecida poder-se-á concluir que o estudo da mesma revela inequívocas inconsistências e até posições contraditórias quanto à questão de saber qual a natureza jurídica do Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA (Portaria 26-F/80 e Decreto Regulamentar 23/98), nomeadamente no sentido de saber se o mesmo corresponde a um PEOT;

M. Deve ser tida em conta a manifesta capacidade de expansão que reveste a presente controversa, tendo o presente Supremo Tribunal considerado, em momento anterior, que a mesma corresponde a «uma questão jurídica complexa, de especial melindre» é «susceptível de ser recolocada em litígios futuros» (cfr. o já mencionado Ac. STA, 26.06.2008, Proc. 0505/08);

N. De salientar a existência de um conjunto alargado de litígios em torno da execução do POPNA e do anterior Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA. Nesse sentido, refira-se que um requerimento recente, de 21.05.2013, foi dirigido por Deputados à Exma. Senhora Presidente da Assembleia da República, no sentido de ser promovida a obtenção de informações sobre o «grau de litigância» em torno do conjunto muito alargado de controvérsias relacionadas com a execução do POPNA e do regulamento do PNA que o antecedeu (Diário da Assembleia da República II, B, n.º 172/XII/2, de 05.06.2013);

Sobre a 2.ª Questão

O. O Recorrente, tal como a Entidade Demandada Município de Sesimbra, entendem e têm defendido que os mencionados «espaços de transição» integram o perímetro urbano do PDM de Sesimbra, pelo que não era necessária a obtenção de parecer do PNA para efeitos de licenciamento da construção em causa (artigo 12.º, alínea a), do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14 de Outubro). Porém, as duas instâncias precedentes tiveram o entendimento oposto, tendo considerado que os «espaços de transição», identificados no PDM de Sesimbra, não integram o respectivo perímetro urbano;

P. Estamos perante uma questão complexa, na medida em que a mesma convoca uma interpretação integrada de diversos conceitos jurídicos indeterminados, constantes das disposições do Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA conjugados com o Regulamento do Plano Director Municipal (PDM) de Sesimbra, aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 15/98, de 2 de Fevereiro, a levar a cabo à luz do diploma anterior ao actual Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro - RJIGT), isto é, no âmbito do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março;

Q. Verificou-se um erro de julgamento assinalável no Acórdão recorrido, o qual ignorou a necessidade de proceder a uma adequada interpretação e aplicação das disposições do Regulamento do PDM de Sesimbra (Resolução de Conselho de Ministros n.º 15/98, de 30 de Dezembro), em concreto, os seus artigos 8.º, n.º 9; 35.º, n.º 2 e 109.º do Regulamento do PDM de Sesimbra; assim como o teor do artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, que admitiu, que as classes de espaços podiam abranger diversas categorias;

Sobre a 3.ª Questão:

R. A temática referente aos efeitos das declarações de nulidade perante contra-interessados de boa fé, a qual convoca a aplicação de diversos princípios com assento constitucional e legal, como seja, os princípios da confiança e da segurança jurídica, assim como do princípio da proporcionalidade, revestindo também a natureza de princípios gerais de direito, corresponde a uma questão jurídica complexa;

S. Por outro lado, também para efeitos de admissibilidade do presente recurso de revista, importa notar que se verificou um erro de julgamento assinalável no Acórdão recorrido, o qual violou os princípios da confiança e da segurança jurídica (artigos 2.º, 9.º, alínea b), 18.º e 266.º da CRP e artigo 6.º-A do CPA), assim como o princípio da proporcionalidade (artigos 3.º, 62.º e 65.º da CRP e 6.º-A e 134.º do CPA), levantando-se, assim, uma questão com capacidade de expansão, que ultrapassa o presente caso concreto, assim como, de resto, os próprios contenciosos relacionados com o PNA;

Sobre a 4.ª Questão:

T. No caso concreto, na parte decisória do Acórdão Recorrido, após a declaração de nulidade da licença de construção, julgou-se que deveria ser obtido uma nova licença de construção, com emissão de parecer vinculativo favorável do PNA, «tudo no prazo global de seis meses»;

U. O precitado prazo de seis meses, além de levantar uma nova questão complexa, viola frontalmente os princípios, com assento constitucional e legal, da proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2 da CRP e artigo 5.º, n.º 2 do CPA) e da tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP; artigo 2.º do CPTA e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem);

V. Em síntese, estamos em presença: (i) De quatro mencionados ostensivos erros judiciários – ou se assim não se entender, no que diz respeito à primeira questão, a existência de inconsistências e contradições decorrentes das instâncias e jurisprudência anterior por parte do Tribunal Central Administrativo Sul; (ii) De quatro questões que revelam uma inegável capacidade de expansão da respectiva controvérsia; (iii) Que trata-se de questões de direito complexas, que importa dirimir com recurso à válvula de segurança do sistema;

W. Fica assim, devidamente demonstrado, que a admissão do presente Recurso de Revista se afigura claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (artigo 150.º, n.º 1, in fine, do CPTA), pelo que é necessária a intervenção e clarificação do presente órgão de cúpula;

X. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que deverá o presente recurso ser admitido pelo preenchimento do requisito da importância fundamental das quatro questões colocadas, também nos termos do n.º 1, do artigo 150.º do CPTA;

Y. Trata-se de questões com complexidade jurídica superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar e do enquadramento normativo aplicável - inclusivamente com recurso a regimes jurídicos pretéritos -, exigindo ao intérprete e ao julgador complexas operações jurídicas, carecendo, por isso, de clarificação jurisdicional superior;

Z. São questões susceptíveis de ressurgir em casos futuros, sendo manifesta a possibilidade das questões em causa ultrapassarem os limites da situação singular e se repetirem, nos seus traços teóricos, num número indeterminado de casos, seja futuros, seja inclusive presentes, uma vez que, neste momento, correm vários processos em torno da execução do POPNA e do Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA, os quais se revelarão, muito provavelmente, análogos aos presentes autos;

AA. São questões que têm grande utilidade jurídica, possuindo características de generalização e com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapassa claramente os limites da situação singular, sendo susceptíveis de se repetirem num número indeterminado de situações abrangendo todo o universo indeterminado de particulares tendo obtido o licenciamento de construções na área do PNA – seja no presente, seja no futuro -, pelo que a utilidade da decisão sobre as mesmas extravasa os limites do caso concreto;

BB. São questões que estão relacionadas com interesses comunitários especialmente relevantes e particularmente sensíveis, como seja a protecção do valor ambiental e paisagístico do PNA, na observância do direito constitucional de propriedade de particulares e princípio da confiança, revelando assim especial capacidade de repercussão social, atentos os elevados interesses em jogo, não apenas num plano meramente teórico, mas em termos práticos;

CC. São questões que não se confinam a interesses meramente particulares, seja do A., seja de outros proprietários de imóveis no PNA – presentes ou futuros -, mas que podem conflituar com interesses de índole difusa, abrangendo a necessidade de levar a cabo ponderações complexas em torno do interesse público subjacente à ponderação e salvaguarda dos valores ambientais e paisagísticos do PNA.

Dos fundamentos do Recurso de Revista

Questões prévias:

DD. Tendo o Tribunal de primeira instância alicerçado a sua teia argumentativa no sentido de defender que, in casu, quanto muito, verificar-se-ia um simples vício procedimental, logo, não susceptível de acarretar – como não acarretou – a declaração de nulidade dos actos impugnados em primeira instância. Na sequência deste raciocínio não existe qualquer contradição, conclui-se que improcede a nulidade da Sentença do Tribunal de primeira instância decidida pelo Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC;

EE. Tendo o Tribunal de 1.ª instância entendido, conforme supra referido, que estava em causa um mero vício procedimental, o conhecimento do 2.º pedido do Ministério Público (eventual demolição e reposição do solo) encontrava-se prejudicada, nos termos e para efeitos do artigo 660.º, n.º 2 do CPC, na medida em que essa mesma decisão julgara improcedente o pedido de declaração de nulidade dos actos impugnados, pelo que a Sentença do Tribunal de primeira instância não padecia de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos dos artigos 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC, pelo que não podia o Tribunal a quo declarar a respectiva nulidade;

FF. Reitera-se e dá-se por integralmente reproduzida, a arguição de nulidade, apresentada, pelo ora Recorrente, no seu requerimento do passado dia 05.12.2013, nos termos dos artigos 195.º e 616.º do NCPC, aplicáveis ex vi dos artigos 140.º e seguintes do CPTA, devendo ser declarada a nulidade do acórdão deste douto Tribunal, de 21.11.2013, ordenando-se a convolação do recurso interposto em reclamação e a remessa do presente processo ao Tribunal a quo, para apreciar em conferência do respectivo mérito (v. artigo 27.º, n.º 2 do CPTA), caso se verifiquem os demais requisitos e pressupostos legais;

2) Do erro de julgamento do Acórdão recorrido quanto à natureza jurídica do Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA:

GG. A qualificação do Plano de ordenamento (preliminar) do PNA levada a cabo pelo Tribunal a quo – enquanto PEOT – consubstancia um manifesto erro de julgamento porquanto a referida qualificação viola as disposições legais seguintes: i) Artigos 2.º, n.º 1 e 18.º, n.º 1 da Portaria 26-F/80, de 9 de Janeiro; ii) Artigo 18.º, n.º 3 do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14 de Outubro; iii) Artigos 9.º, 11.º, 34.º, n.ºs 1, n.º 2 b) e c) da LBOTU; iv) Artigo 154.º, n.º 4 do RJIGT;

HH. A Portaria n.º 26-F/80, de 9 de Janeiro estabeleceu um mero plano preliminar de ordenamento, conforme resulta do respectivo artigo 2.º, n.º 1 e artigo 18.º, n.º 1, pelo que conclui-se que o Tribunal a quo violou essas referidas disposições ao considerar que o Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA reveste a natureza jurídica de PEOT;

II. Resulta do próprio Decreto Regulamentar n.º 23/98, que vigorou no PNA um mero plano de ordenamento preliminar (artigo 18.º, n.º 3), devendo o respectivo plano de ordenamento do território ser elaborado, no prazo máximo de 3 anos à contar da publicação desse mesmo diploma (artigo 18.º, n.º 1). Assim, também se conclui que o Tribunal a quo violou essas referidas disposições do Decreto-Regulamentar, ao considerar que o Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA reveste a natureza jurídica de PEOT;

JJ. O Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA não beneficia, nos termos do artigo 34.º da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo, aprovada pela Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto (LBOTU) e no RJIGT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, de uma recondução directa à figura dos planos especiais de ordenamento do território (plano de ordenamento das áreas protegidas), designadamente pelo facto de a tramitação procedimental a que foi sujeito não ter equiparação com as exigências de publicitação, participação dos interessados e de cooperação entre entidades públicas dispostas naqueles diplomas (entre os quais, os artigos 48.º e 49.º do RJIGT), assim como as exigências legais referentes ao conteúdo material e documental dos PEOT (artigos 44.º e 45.º do RJIGT);

KK. A Portaria n.º 26-F/80 e Decreto Regulamentar n.º 23/98, não consubstanciam qualquer plano face ao princípio da tipicidade imposto pela LBOTU, conforme resulta dos artigos 9.º, 11.º e 34.º, n.º 1 da LBOTU;

LL. O Plano de Ordenamento do PNA, só passou a assumir a natureza jurídica de PEOT com a aprovação e publicação do POPNA, resultante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 141/05, publicada em 23 de Agosto 2005, para cuja elaboração foram seguidos os parâmetros legais e procedimentos previstos no RJIGT;

MM. Decorrido o prazo de adaptação previsto no artigo 154.º do RJIGT, os instrumentos de planeamento que não sejam adequados ao novo regime em vigor, convertem-se em planos sectoriais: foi precisamente o que sucedeu relativamente ao Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA, na medida em que não ocorreu, no prazo legal de dois anos (previsto no artigo 34.º, 2, alínea c) da LBOTU), qualquer conversão do mesmo à luz do artigo 34.º da LBOTU e artigo 154.º do RJIGT, o que tem por consequência a perda de eficácia directa daquele relativamente aos particulares;

NN. Ao entender que o Plano (preliminar) de Ordenamento do PNA correspondia a um PEOT, o Tribunal a quo violou as disposições legais constantes no artigo 34.º, n.º 2, b) e c) da LBOTU e artigo 154.º, n.º 4 do RJIGT;

OO. No momento da prolação dos actos administrativos de licenciamento, objecto do processo judicial que culminou no Acórdão recorrido, aquele instrumento de planeamento e as suas prescrições não eram oponíveis ao ora Recorrente no caso em apreço, por não assumir a natureza de PEOT, mas antes de plano sectorial, o qual é desprovido de eficácia plurisubjectiva;

PP. O Tribunal a quo violou o artigo 68.º, n.º 1, alínea a) do RJUE, ao ter julgado que as disposições constantes do Plano (preliminar) de ordenamento de PNA, face à ausência de parecer do PNA, acarretam a nulidade dos actos de licenciamento em causa;

3) O erro de julgamento referente à não integração dos «espaços de transição» no âmbito do perímetro dos aglomerados urbanos do PDM de Sesimbra

QQ. No âmbito do PDM de Sesimbra, não foram delimitados os perímetros urbanos, contudo, o próprio Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, no seu artigo 28.º, n.º 1, admitiu o desdobramento das classes de solo em várias categorias, sem que as haja identificado, o que potenciou esta tarefa de planeamento pelo PDM de Sesimbra (desdobramento que o actual RJIGT já não permite). Ora, o Tribunal a quo violou a referida disposição legal ao ter ignorado a referida possibilidade legal de desdobramento das categorias de espaço urbanos ou urbanizáveis e não ter considerado que os «espaços de transição» consagrados no Regulamento do PDM de Sesimbra devem integrar o perímetros dos seus aglomerados urbanos;

RR. O PDM de Sesimbra, amalgamando os conceitos de classes e categorias de solo, identifica, «classes» que, claramente, se destinam a finalidades essencialmente urbanísticas e não de ordenamento rural; da análise do referido PDM conclui-se que não é necessário que toda uma área se encontre urbanizada e dominantemente edificada para integrar o perímetro urbano, sendo suficiente que a mesma esteja vocacionada e apta a receber tal destino urbanístico;

SS. Esta é a teleologia que corresponde às zonas de transição, que englobam, nos termos previstos no n.º 9 do artigo 8.º, as áreas agrícolas / residenciais, de povoamento disperso e as áreas residuais, envolventes ou adjacentes dos «espaços urbanos / urbanizáveis». Qualquer uma destas áreas é caracterizada pela sua ligação a uma finalidade urbana ou a um espaço urbano e não dominantemente a um uso rural, o que é confirmado pelo facto de, ao longo do PDM de Sesimbra, a entidade planeadora se ter preocupado apenas e só, para as referidas áreas, em definir edificabilidade e não em limitar usos compatíveis com afectações rurais dominantes do solo (cfr. os artigos 28.º, 35.º, 42.º, 48.º, 53.º, 58.º do Regulamento do PDM de Sesimbra, que remetem para as tipificações de ordenamento previstas nos artigos 109.º a 111.º do Regulamento do PDM de Sesimbra);

TT. Resulta das disposições conjugadas do artigo 31.º e 35.º, n.º 2 do Regulamento do PDM de Sesimbra, que os «espaços de transição» localizados na UOPG do Parque Natural da Arrábida, apresentam a possibilidade construtiva definida nos artigos 109.º e 111.º desse mesmo regulamento, não sujeitando a mesma às disposições previstas na Portaria n.º 26-F/80 de 9 de Janeiro, o que só ocorre, conforme consta do artigo 32.º, n.º 2, relativamente aos «Espaços naturais» da referida UOPG, pelo que verifica-se que o Tribunal a quo violou o disposto no mencionado artigo 35.º, n.º 2 do Regulamento do PDM de Sesimbra;

UU. O artigo 109.º do mencionado Regulamento estipula apenas que o índice de construção máximo aplicado à totalidade da propriedade é de 0,04, o número de fogos é de dois por propriedade e o número de pisos máximo é igualmente de dois, não definindo o PDM, em momento algum, medidas de salvaguarda para a ocupação rural dos solos, como sucederia se exigisse que o proprietário exercesse uma actividade agrícola na área não edificada, tendo sido precisamente ao abrigo deste artigo 109.º do Regulamento do PDM de Sesimbra, que foi licenciada a moradia do ora Recorrido;

VV. Esta preocupação com a definição de regras urbanísticas mostra, claramente, que estamos perante zonas com vocação urbana, ainda que mitigada, já que a intenção do ente planeador foi a de criar zonas de amortecimento urbano, de modo a permitir uma melhor adequação à imagem rural dos espaços circundantes; o que se pretendeu foi, essencialmente, que não haja uma transição abrupta entre solo urbano e rural, pelo que nestas áreas a edificabilidade é limitada em termos do seu impacte urbanístico;

WW. Para a «Área urbana» aqui em causa – espaço de transição –, em conformidade com a Portaria 26-F/80 (cfr. artigo 14.º, n.º 1, alínea d), vieram a ser consagrados os parâmetros urbanísticos constantes dos artigos 109.º a 111.º do PDM de Sesimbra. A licença de construção foi emitida em conformidade com os parâmetros aplicáveis, isto é, os previstos no artigo 109.º, nºs 1, 2 e 3 do PDM de Sesimbra, tendo sido diferido o licenciamento para uma construção com uma área muito abaixo do legalmente permitido;

XX. O Regulamento do PDM de Sesimbra foi, nos termos legais, ratificado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 15/98, de 30 de Dezembro de 1997, publicado no Diário da República I.ª Série, de 2 de Fevereiro de 1998, sem que tenha sido apontada uma qualquer desconformidade com a Portaria 26-F/80, de 9 de Janeiro (as desconformidades existentes constam na parte preambular da mencionada RCM que ratifica o Regulamento do PDM);

YY. Tendo em conta que os parâmetros estabelecidos no PDM para os «espaços de transição» ultrapassam aqueles admitidos pela Portaria n.º 26-F/80, de 9 de Janeiro, isso mostra que os «espaços de transição» se incluem em «perímetro urbano» (ou no «perímetro dos aglomerados urbanos», atenta a formulação do artigo 12.º, alínea a) do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14 de Outubro), tal entendimento é partilhado pela própria Comissão Técnica de Acompanhamento do POPNA, no Relatório Síntese, de 2000;

ZZ. Aliás, nesta mesma ordem de ideias, em 2003 e 2004 - anos durante os quais foram desenvolvidos e concluídos os procedimentos de licenciamento da Moradia -, o então ICN tinha publicitado a sua proposta de Regulamento do POPNA. Na altura, era proposta no Regulamento do POPNA, incluindo na sua planta de síntese, que fossem contempladas áreas de «Protecção Complementar III coincidentes em termos de incidência territorial e de parâmetros urbanísticos com as áreas para-urbanas e com os espaços de transição tal como definidos nos PDM de Setúbal e Sesimbra»;

AAA. Em conclusão, os «espaços de transição» inserem-se dentro do conceito jurídico de perímetro dos aglomerados urbanos, sendo tal conclusão confirmada se cotejarmos as normas do PDM de Sesimbra com as regras imperativas definidas pela Portaria 26-F/80, de 9 de Janeiro, para as áreas rurais, diploma regulamentar que se encontrava plenamente vigente na altura da elaboração, aprovação, ratificação e entrada em vigor daquele Plano;

BBB. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por ter violado as disposições constantes do artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março; o artigo 8.º, n.º 9, artigo 35.º, n.º 2 e artigo 109.º do Regulamento do PDM de Sesimbra, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 15/98, assim como o artigo 12.º, alínea a) do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14 de Outubro, ao ter julgado que os licenciamentos de edificações localizadas em «espaço de transição», à luz do PDM de Sesimbra, careciam de parecer vinculativo do PNA;

4) O erro de julgamento referente à violação dos princípios da confiança, segurança jurídica e proporcionalidade

CCC. À cautela, ainda que sem conceder, subsidiariamente e para o caso de se entender que bem andou o Tribunal a quo ao declarar a nulidade dos actos impugnados, sempre haveria que verificar que o Acórdão recorrido padece de erro de julgamento por violação dos princípios da confiança, segurança jurídica e proporcionalidade, sob pena de violação dos artigos 2.º, 9.º, alínea b), 18.º e 266.º da CRP e do artigo 6.º-A do CPA;

DDD. Contrariamente ao decidido no Acórdão recorrido, os efeitos da eventual declaração de nulidade dos actos sub judice – que in casu nem sequer se verifica ou justifica –, sempre seriam inoponíveis ao contra-interessado e teriam de ser restringidos, maxime face à consideração dos princípios da boa fé, confiança e segurança jurídica (v. artigo 2.º, 9.º, alínea b), 18.º e 266.º da CRP e artigos 6.º-A e 134.º do CPA);

EEE. No caso em análise verifica-se que o contra-interessado só adquiriu o prédio em causa, em 2004.07.20 (v. n.º 5 dos FP), após a aprovação do respectivo projecto de arquitectura pelos órgãos do Município de Sesimbra (v. n.º 6 dos FP), cujo licenciamento foi anteriormente promovido por terceiros, através do Proc. Cam. 359/03 (v. n.º s 1 e 2 dos FP), o contra-interessado, ora Recorrente, limitou-se assim a conformar as suas actuações e a realizar um investimento significativo, confiando na legitimidade e efeitos de prévias «decisões de entidades públicas verosimilmente válidas»;

FFF. Nesta conformidade, é manifesto que não podem ser impostos ao contra-interessado os efeitos lesivos da actuação de entidades públicas e de terceiros a que não deu causa e é totalmente alheio (v. artigos 2.º, 9.º e 18.º da CRP; cfr. artigo 6.º-A do CPA), tanto mais que a pretensa omissão verificada – falta de consulta ao Parque Natural da Arrábida –, não lhe pode ser imputada, competindo tal consulta aos órgãos do Município de Sesimbra;

GGG. Aliás, no presente processo provou-se que o referido procedimento correspondeu à prática generalizada, reiterada e corrente do Município de Sesimbra, até 2005, conforme foi expressamente reconhecido pelos respectivos órgãos (v. n.º s 8 e 9 dos FP), pelo que o contra-interessado nunca poderia agora suportar prejuízos acrescidos e injustificados, em consequência de actuações que não lhe são imputáveis e a que não deu causa (v. artigos 2.º, 9.º, e 18.º da CRP; cfr. artigo 6.º-A do CPA);

HHH. Registe-se ainda que, devidamente autorizado pelas entidades públicas competentes, o contra-interessado, ora Recorrente, realizou investimentos significativos com a construção da moradia de que é proprietário, plenamente legitimados pelos actos administrativos de aprovação e licenciamento previamente concedidos, pelo que in casu nunca poderiam deixar de ser ponderados os princípios da boa fé, confiança e segurança constitucionalmente consagrados;

III. Do exposto resulta claramente que, contrariamente ao decidido no douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21.11.2013, no caso em análise sempre se deverá restringir os efeitos de eventual declaração de nulidade dos actos em causa, maxime face à consideração dos princípios gerais de direito da boa fé, confiança e segurança jurídica sob pena de violação dos artigos 2.º, 9.º, alínea b), 18.º e 266.º da CRP e do artigo 6.º-A do CPA;

5 ) O erro de julgamento decorrente da ilegal imposição de um prazo global de seis meses para obtenção de nova licença de construção, com obtenção de parecer vinculativo do PNA

JJJ. À cautela, mas sem conceder, em termos meramente subsidiários, apenas para a eventualidade de não vir a ser considerada procedente a impugnação da parte decisória do Acórdão recorrido, que declarou a nulidade das licenças de construção impugnadas, examinar a parte dispositiva do Acórdão recorrido através da qual foi ilegalmente imposto, sob pena de demolição, um prazo global de seis meses para obtenção de nova licença de construção, com obtenção de parecer vinculativo favorável do PNA;

KKK. Em termos de delimitação objectiva do recurso (artigo 635.º, n.º 2 do NCPC) o que está aqui em causa é, apenas, o segmento decisório em que impõe que tudo esteja concluído no referido prazo global de seis meses (para efeitos da referida obtenção de nova licença, com parecer vinculativo favorável do PNA);

LLL. É entendimento do Recorrente que o referido prazo de seis meses deveria, para ser legal, reportar-se, apenas, à instauração do procedimento tendente à referida obtenção (de nova licença de construção, com parecer vinculativo do PNA);

MMM. Em primeiro lugar, o segmento decisório correspondente à imposição de um prazo global de seis meses, para concluir a obtenção de nova licença de construção (com parecer vinculativo do PNA) viola o princípio da proporcionalidade, com assento constitucional (artigo 266.º, n.º 2 da CRP) e legal (artigo 5.º, n.º 2 do CPA);

NNN. Qualquer que seja o nível de análise em que nos situemos – portanto, qualquer que seja o teste de aplicação do princípio da proporcionalidade –, teremos sempre de firmar a notória desproporcionalidade da referida ilegal imposição, no Acórdão recorrido, de um prazo global de seis meses, caso assim não se entenda, no entanto sem conceder, sempre haveria que considerar que encontra-se, no caso em apreço, violado o princípio da proporcionalidade na vertente decorrente do subprincípio da necessidade;

OOO. Não pode ficar condicionada a não demolição ao cumprimento da referida obtenção no precitado prazo global de seis meses, quando é sabido que a tramitação e conclusão do procedimento administrativo em causa (obtenção de nova licença de construção com parecer vinculativo do PNA), não depende do ora Recorrente;

PPP. Sob pena de violação do princípio constitucional da proporcionalidade in totum – ou, pelo menos, da sua vertente correspondente ao subprincípio da necessidade -, não podem ser assacadas responsabilidades ao ora Recorrente em caso de delonga, para além do prazo de seis meses, na conclusão de um novo procedimento de obtenção de nova licença de construção, com parecer vinculativo do PNA;

QQQ. Por outro lado, a fixação do prazo de seis meses para a conclusão integral do procedimento viola, em termos manifestos, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, com consagração constitucional (artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP) e legal (artigo 2.º do CPTA), assim como o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH);

RRR. A ilegal imposição do mencionado prazo global de seis meses, para obtenção de nova licença de construção (com parecer vinculativo do PNA) mostra-se de natureza a impedir, caso venha a ser proferida algum acto administrativo inválido no âmbito do respectivo procedimento administrativo, que o ora Recorrente possa obter, em tempo útil, uma decisão jurisdicional, transitada em julgado, evidenciando a respectiva invalidade e colocando o ora Recorrente ao abrigo da demolição;

SSS. Resulta que a imposição da obtenção de nova licença de construção (com parecer vinculativo do PNA), no prazo global de seis meses, consubstancia uma restrição inconstitucional do direito constitucional de propriedade do ora Recorrente (artigo 62.º da CRP) e coloca em causa o seu direito subjectivo, constitucionalmente relevante, a uma tutela jurisdicional efectiva;

TTT. Deve ser revogado, na parte dispositiva do Acórdão recorrido, o segmento decisório do Acórdão recorrido correspondente ao trecho «tudo no prazo global de 6 meses», sendo o mesmo substituído pelo trecho seguinte «procedimentos a instaurar no prazo global de 6 meses», em observância dos mencionados princípios constitucionais da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva»

Termina pedindo:

«Deve o presente Recurso de Revista ser admitido e tramitado e as presentes alegações consideradas procedentes por provadas e, em consequência ser revogado o Acórdão em presença, determinando-se a sua substituição por outro:

i) Que não conceda provimento ao Recurso interposto pelo Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul;

ii) Que não declare a nulidade da Sentença proferida em 1.ª instância pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada;

iii) Que julgue totalmente improcedente a acção administrativa especial,

Caso assim não se entenda, e venha a ser mantida a declaração de nulidade das licenças de construção impugnadas:

i) Que, contrariamente ao decidido no Acórdão recorrido, sejam restringidos os efeitos da referida declaração de nulidade, atendendo aos princípios gerais de direito da boa fé, confiança e segurança jurídica sob pena de violação dos artigos 2.º, 9.º, alínea b), 18.º e 266.º da CRP e do artigo 6.º-A do CPA;

ii) Que seja revogada, na parte dispositiva do Acórdão recorrido, o segmento decisório do Acórdão recorrido correspondente ao trecho «tudo no prazo global de 6 meses», sendo o mesmo substituído pelo trecho «procedimentos a instaurar no prazo global de 6 meses», em observância dos mencionados princípios constitucionais da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva»


*

Em resposta a estes dois recursos, veio o recorrido Ministério Público contra alegar, concluindo da seguinte forma:

«1. Por sentença de 7-7-2010, o TAF de Almada decidiu não declarar a nulidade dos actos impugnados, bem como condicionar o decidido ao facto do Município de Sesimbra requerer, em 10 dias, o Parecer ao PNA;

2. Desta sentença interpôs, o MMP junto do TAF de Almada, recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), invocando a nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão e excesso de pronúncia, e ainda a revogação da sentença por erro nos pressupostos de facto e de direito;

3. Por douto acórdão deste TCAS de 21-11-13 foi concedido provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo MP, declarando-se a nulidade da sentença, julgando-se a acção parcialmente procedente e declarando-se a nulidade da licença das construções aqui impugnadas;

4. Para além disso, determinou, ainda, o douto acórdão recorrido, a demolição das edificações e a reposição do terreno no seu estado anterior em 90 dias se, após 6 meses, o contra-interessado não obtiver nova licença de construção à luz da legislação então aplicável, após parecer vinculativo favorável do PNA;

5. As questões a relevar, neste recurso, reconduzem-se a saber se as construções em análise ficam dentro ou fora do perímetro do aglomerado urbano ou do perímetro urbano e se o prévio parecer do PNA era ou não obrigatório à data da prática do acto de licenciamento em análise;

6. Estas questões, para além de já terem sido tratadas pela jurisprudência do STA (embora em situações de facto específicas), são condicionadas, em absoluto, também neste processo, pela específica matéria de facto provada documentalmente, não sendo susceptíveis, por esse motivo, de se repetirem;

7. Na matéria aqui impugnada pelos recorrentes, decidida no acórdão recorrido – declaração de nulidade e fixação do prazo de seis meses para a conclusão de novo processo de licenciamento – não se verifica qualquer erro evidente na interpretação do direito ou na sua aplicação aos factos;

8. O recebimento destes recursos depende, no entanto, da decisão desse Alto Tribunal sobre a sua admissibilidade, caso se considerem verificados os pressupostos do nº 1 do artº 150º do CPTA;

9. Existe contradição entre os fundamentos e a decisão da sentença, no sentido de não declarar a nulidade dos actos impugnados, pelo que o acórdão recorrido não merece qualquer censura ao considerar procedente a nulidade da invocada pelo MMP com este fundamento;

10. Existe nulidade da sentença por omissão de pronúncia, na medida em que não conheceu do 2º pedido formulado pelo MMP na petição, pelo que o acórdão recorrido não merece qualquer censura ao considerar procedente esta nulidade;

11. Não se verifica a nulidade do acórdão recorrido, por não ter rejeitado o recurso jurisdicional para este TCAS interposto pelo MMP da sentença, com fundamento em que da sentença cabia, previamente à respectiva interposição, reclamação para a conferência nos termos do nº 2 do artº 26º do CPTA;

12. Improcedem, assim, as questões prévias suscitadas pelo 2º recorrente;

13. Para aferir da nulidade dos actos em apreciação, a distinção entre “perímetro de aglomerado urbano”, e “perímetro urbano” é irrelevante já que a “zona de transição” em que estão inseridas as construções, nos termos do PDM de Sesimbra, fica fora quer de um, quer de outro;

14. O PDM de Sesimbra não delimita o perímetro de aglomerado urbano, porque apresenta outro esquema de divisão dos solos sem que, contudo, tivesse deixado de vigorar o Decreto Regulamentar nº 23/98, de 14-10 que reclassificou o Parque Natural da Arrábida como zona protegida, devendo considerar-se para efeito da sua aplicabilidade que as construções em análise ficam fora de aglomerado urbano/ perímetro urbano, tal como a zona de transição em que estão inseridas (artº 8º/9)/a) do PDM de Sesimbra aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros nº 15/98, de 2-2, e docs de fls 13 e 112);

15. Nos termos do PDM de Sesimbra, o PNA integra uma unidade operativa de planeamento e gestão, que corresponde, na sua maior parte, a um espaço natural (artº 7º /3º);

16. As construções estão inseridas num “espaço de transição” por oposição ao “espaço urbano/urbanizável” (artº 8º /9)/2), artº 31º do PDM de Sesimbra);

17. Só os espaços urbanos/ urbanizáveis é que integram o perímetro urbano (artº 28º nº 2 do DL 69/90, de 2-3, alterado pelo DL nº211/92, de 8-10);

18. O “perímetro de um aglomerado urbano” integra apenas os espaços urbanos, caracterizados por elevados níveis de infra-estruturas e concentração de edificações onde o solo se destina predominantemente à construção [alíneas a) e b) do nº 1 do artº 28º do DL 69/90 e artº 62º nº 1 do DL nº 791/75 de 5-11 (Política dos Solos)].

19. As construções em análise, estavam inseridas em zona de transição nos termos do PDM de Sesimbra, não estavam inseridas em espaço urbano ou urbanizável, situando-se portanto, fora de aglomerado ou perímetro urbano, pelo que estavam sujeitas a parecer vinculativo do PNA, nos termos da alínea a) do artº 14º do DR nº 23/98.

20. O Plano de Ordenamento do PNA tem natureza de Plano Especial de Ordenamento, pelo menos, desde a vigência do DL n° 151/95, de 24/06.

21. Os Planos de Ordenamento das Áreas Protegidas são Planos Especiais de Ordenamento do Território (artº 33° da Lei nº48/98, de 11-8 Bases da Política do Ordenamento do Território), pelo que vinculam de forma directa e imediata, as entidades públicas e privadas (art° 42° do DL nº 380/99 de 22-9)”.

22. Ainda que se considerasse que a Portaria nº 26-F/80, de 9-1, e o Decreto Regulamentar nº 23/98, de 14/10, não se podem classificar como Plano Especiais de Ordenamento do PNA, tal não implicaria a desnecessidade de parecer do PNA antes do licenciamento das construções.

23. Aquando da prolação do acto de licenciamento, em 9-9-204, ainda se encontrava em pleno vigor o artº 12º, alínea a), do DR nº 23/98, de 14-10, bem como o artº 14º, da Portaria nº 26-F/80, de 9-1, por força dos nºs 1 e 2 do artigo único do DL nº 204/02, de 1/10 (cfr. o Ac. do STA de 16-7-03 P 01047/03, bem como o acórdão do STA, proferido no processo nº 01048/03, de 2-7-03).

24. Não tendo, a licença de construção, sido precedida de parecer vinculativo do PNA, é nula e de nenhum efeito, nos termos nomeadamente, do artº 19º nº5 do DR 23/98, artº 68º do RGUE e 133º do CPA.

25. São oponíveis a um interessado de boa-fé, os efeitos de declaração de nulidade de um licenciamento de construção mesmo se, à data da aquisição do prédio, já tivesse sido aprovado, pelos órgão camarários competentes, o respectivo projecto de arquitectura, na sequência de procedimento urbanístico iniciado, já que a obrigatoriedade do pedido de parecer vinculativo e respectiva nulidade do licenciamento, em caso da respectiva omissão, resultam de lei expressa, tendo, apenas, como pressuposto, a localização do prédio fora de aglomerado urbano, perímetro urbano ou espaço urbano.

26. Sendo essa declaração de nulidade, em direito do urbanismo, um acto vinculado, não se pode chamar à colação os princípios da confiança, segurança jurídica e proporcionalidade, considerando-os violados, dado que se pressupõe que o legislador teve em conta todos esses princípios ao elaborar a lei que determina a nulidade dos actos nos casos na mesma previstos (cfr ac do STA de 26-6-2013, in procº nº 01356/12).

27. É patente a inaplicabilidade, à situação dos autos, do nº 4, do artº 134º, do CPA uma vez que, no caso vertente, não se verifica o decurso do tempo necessário para a atribuição de certos efeitos jurídicos a situação de facto decorrente do acto nulo, único pressuposto exigido por este normativo.

28. O tribunal pode fixar um prazo global de seis meses para obtenção de nova licença de construção e obtenção do parecer do PNA, caso se venha a considerar legítima a substituição do pedido, formulado pelo MMP, de “demolição das construções e reposição do terreno no estado anterior às construções”, por aqueles procedimentos, no recurso subordinado interposto pelo MP.

29. Seria de resto, intolerável, a não fixação de qualquer prazo para a obtenção da nova licença, como aconteceria se se estabelecesse apenas um prazo para o 2º R solicitar nova licença, como este pretende.

30. O andamento do processo do novo licenciamento não é só da responsabilidade do 2º R, ficando o 1º R também vinculado a tal prazo, ficando, ainda, o 2º R, vinculado a apresentar o pedido, de modo a aquele prazo poder ser cumprido.

31. Em tudo o mais, dão-se aqui por reproduzidos, para todos os efeitos legais, os fundamentos de facto e de direito invocados, quer na petição inicial e de mais peças processuais elaboradas pelo MMP, quer no acórdão recorrido.

32. Improcedem, assim, todas as questões suscitadas pelos recorrentes, uma vez que o acórdão recorrido, na parte por estes impugnada, fez correcta interpretação jurídica dos normativos aplicáveis e correcta aplicação, dos mesmos, aos factos provados.

33. Termos em que, deverão os dois recursos de revista improceder, mantendo-se o acórdão recorrido na parte impugnada pelos recorrentes».


*

Foi ainda interposto recurso subordinado por parte do Ministério público, recurso este que terminou com as seguintes alegações:

«1. O Ministério Público intentou acção administrativa especial contra o Município de Sesimbra (1º R) e contra o contra-interessado, A…………. (2º R), proprietário de um prédio rústico sito no ………., Freguesia ………………., Sesimbra, bem como de uma moradia e muro no mesmo construída - com vista à declaração de nulidade dos despachos do Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra de 9-9-2004, que licenciou a construção, e de 29-12-03 que determinou a passagem do respectivo alvará, bem como, com vista à condenação da entidade demandada a demolir a obra e repor o solo nas condições em que se encontrava antes da implantação da morada e muros.

2. Por sentença de 7-7-2010, o TAF de Almada decidiu não declarar a nulidade dos actos impugnados, bem como condicionar o decidido ao facto do Município de Sesimbra requerer, em 10 dias, o Parecer ao PNA.

3. Desta sentença interpôs, o MMP junto do TAF de Almada, recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), invocando a nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão e excesso de pronúncia, e ainda solicitando a revogação da sentença por erro nos pressupostos de facto e de direito.

4. Por douto acórdão deste TCAS foi concedido provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo MP, declarando-se a nulidade da sentença, julgando-se a acção parcialmente procedente, declarando-se a nulidade da licença de construção aqui impugnada, bem como dos actos consequentes.

5. Para além disso, o douto acórdão recorrido, determinou também a demolição das edificações e a reposição do terreno no seu estado anterior, em 90 dias se, após 6 meses, o contra-interessado não obtiver nova licença de construção à luz da legislação então aplicável, após parecer vinculativo favorável do PNA.

6. Da parte deste acórdão que declarou a nulidade dos actos impugnados vem interposto, pelos demandados, recurso de revista, sendo o presente recurso ao mesmo subordinado e destina-se a invocar nulidades e a impugnar o acórdão de 21-11-2013 por na parte em que faz depender a demolição das edificações, de prévio parecer negativo do PNA.

7. O presente recurso é de importância jurídica fundamental para uma apreciação global do acórdão impugnado, uma vez que os dois pedidos formulados na petição, são indissociáveis entre si e não podem ser desvirtuados com decisão que condena em objecto diverso, como aconteceu no caso vertente.

8. A parte do acórdão recorrido, que determinou a execução de acto nulo, para além do que foi solicitado pelo autor, e sem ter conhecido de factos relevantes por este alegados e de parecer do PNA entretanto por este junto parece-nos, salvo o devido respeito, que está a invadir a competência da entidade demandada, uma vez que é a esta que compete determinar os termos da execução ou a eventual causa legítima de inexecução.

9. A apreciação do acórdão, na parte em que decide dar a possibilidade ao 2º R, de pedir nova licença à luz do direito aplicável à data da sua prolação, com vista à emissão de parecer vinculativo do PNA, enquanto viola o nº 3 do artº 95º, a alínea b) do nº 2 do artº47º, ambos do CPTA, é fundamental para uma melhor aplicação do direito.

10. Assim, deverão considerar-se verificados os pressupostos contidos no nº 1 do artº 150º do CPTA, para admissão do recurso subordinado.

11. O acórdão recorrido é nulo por contradição entre os fundamentos e a decisão (alínea c) do nº1 do artº 615º do CPC dado que começa por considerar que a legalização das edificações é impossível e, não obstante, decide, com base no estipulado no nº 2 do artº 106º, do Regime Jurídico do Urbanismo e Edificação, aprovado pelo DL nº 555/99 de 16-12, conceder a possibilidade dessa legalização caso venha a obter parecer favorável do PNA.

12. O acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia (alínea d) do nº1 do artº 615º do NCPC), por ter condenado em objecto diverso do pedido, ao sujeitar o segundo pedido a uma condição prévia de parecer desfavorável do PNA e consequente indeferimento do licenciamento, violando o nº 1 do artº 609º do NCPC que proíbe expressamente essa condenação.

13. O acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia (alínea d) do nº1 do artº 615º do NCPC) dado que o MMP recorrente da sentença, invocou nas suas alegações, a impossibilidade da legalização da obra, baseando-se no parecer do PNA consubstanciado no ofício n° 15704/2010/PNARR do Departamento de Gestão das Áreas Classificadas I Litoral de Lisboa e Oeste, do ICNB, IP. Junto com as citadas alegações como doc nº 1 (cfr. fls 253 e segs), não tendo o acórdão apreciado este parecer nem os factos no mesmo contidos, decisivos para a decisão sobre o pedido de demolição.

14. O Venerando TCAS considerou improcedente a nulidade por excesso de pronúncia invocada pelo EMMP no recurso que interpôs da sentença, com fundamento em que a correcção do procedimento aí determinado - também no sentido de pedido parecer ao PNA a posteriori - excedia o pedido de demolição formulado na petição.

15. A referida nulidade deveria ter sido considerada procedente, pelas razões de facto e de direito explanadas na alínea a), do ponto A, do capítulo III, destas alegações.

16. A instauração de um novo processo de licenciamento, com emissão de parecer vinculativo a posteriori, não está previsto na lei, nem sequer no citado artº 106º do RJUE, o qual se destina a legalizar obras já executadas sem licença, as denominadas obras clandestinas, da exclusiva competência camarária.

17. Assim, ao aplicar o citado artº 106º do REJUE ao caso vertente, fez, salvo o devido respeito, incorrecta interpretação do mesmo.

18. Existe manifesta impossibilidade de legalização da obra em análise, como resulta do parecer do PNA junto a fls 253 e segs dos autos, uma vez que, nos termos do diploma aplicável a essa legalização, o terreno, situado em Área de Protecção Complementar Tipo I, não tem capacidade edificatória, por não atingir a área mínima exigida de 10 ha, uma vez que a área do terreno é de 3,9 ha (cfr artº 19º nº3 alínea a), i) da RCM 141/2005 de 23-8, que aprovou o Plano de Ordenamento do PNA).

19. Para além disso a área de construção é de 368 m2 quando a área máxima permitida é de 200 m2 pelo que o índice de construção não é aqui aplicável pois a construção já excede o máximo permitido. A área de construção tem a ver com as características das construções de natureza ligeira e removíveis (cf alíneas a) e d) do nº2 do artº 19º citado).

20. Assim, verificando-se que o parecer do PNA de 11-8-2010, emitido a posteriori é negativo, deveria ter-se, sem mais, decidido a demolição imediata da obra.

21. Termos em que, em face do exposto, deverão ser consideradas procedentes as nulidades invocadas e revogado o acórdão por violação dos artºs 609º nº 1 do NCPC e 106º do RGEU e artº 19º nºs 2 alíneas a) e d) e nº3 alíneas a) e i) do POPNA, devendo ser considerado procedente o pedido de demolição e reposição do terreno, sem qualquer condicionante.

22. Deve, pois, ser revogado o acórdão recorrido na parte em que considerou de ouvir o PNA antes da demolição das construções em análise, concedendo-se provimento ao presente recurso subordinado».


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Nenhum dos demais intervenientes processuais apresentou contra alegações, relativas ao recurso subordinado.

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O recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 10.07.2014.

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Após despacho de fls. 551, foram os autos remetidos ao TCAS para cumprimento do disposto no artº 617º, nº 5 do novo CPC, tendo, por acórdão proferido em 06/11/2014 sido sustentado o decidido e julgado que não se verificavam nenhumas das nulidades suscitadas.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

Factualidade provada:

Na decisão recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

«1. No âmbito do processo de obras n° 359/03, foi licenciada pelo Município de Sesimbra a construção de uma Moradia e Muros para o espaço de transição delimitado no Plano Director Municipal de Sesimbra, titulado pelo alvará 761/04 (cfr. doc. 1 PI);

2. O referido licenciamento incide sobre o prédio misto sito no ……, freguesia …………., concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n° 11562, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 246 e na matriz predial sob o artigo 21 da Secção F2 (cfr. doc. 2, PI);

3. O prédio em questão situa-se em “Espaço de transição” do ..……………., tal como definido no PDM de Sesimbra (por acordo);

4. O Contra-interessado adquiriu o Prédio já com o projecto de arquitectura da Moradia e Muros deferido pela Câmara Municipal de Sesimbra;

5. O Contra-interessado adquiriu o Prédio a B……………., através da celebração de escritura pública de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, celebrada em 20.07.2004 (cfr. doc 3 PI);

6. Em 27.02.2004, foi proferido despacho de aprovação condicionado a parecer técnico do projecto de arquitectura da Moradia e Muros, notificado ao anterior proprietário, B……….., através de ofício de notificação, do então Presidente da Câmara, de 01.03.2004, sob o assunto “Processo de obras n.º 359/03 - Req n° 36357 de 2003/11/28 - Construção de Moradia e Muros - Aldeia do ……… - Projecto e Arquitectura - Aprovação”, na qual se refere:
Para conhecimento de V. EXª cumpre-me informar que o processo acima referenciado mereceu o seguinte despacho, datado de 2004/02/27:

DEFERIDO CONDICIONADO AO PARECER TÉCNICO, no uso da competência delegada em deliberação de 14/01/02, ao abrigo do nº 1 do artigo 65° da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro” (cfr. fIs 69 do Processo de Licenciamento - processo instrutor);

7. A edificação controvertida encontra-se edificada há mais de dois anos, tendo resultado da demolição de três edificações preexistentes no local (por acordo);

8. A Câmara Municipal de Sesimbra informou o aqui Autor, em 8 de Julho de 2006, que “até à actual Presidência do Parque Natural da Arrábida, era prática, mutuamente aceite, não enviar para parecer do Parque as construções a erigir em áreas classificadas como de transição do PDM de Sesimbra” (cfr. fls. 41 Proc. físico).

9. Através de ofício nº 3498 de 17.02.2005, a Câmara Municipal de Sesimbra informou o Presidente da Comissão Directiva do Parque Natural da Arrábida, por referência ao processo de licenciamento aqui em apreço, do seguinte:
“Ora, no caso concreto, e tendo-se verificado que a moradia proposta se inseria dentro do denominado Espaço de Transição (Plano Director Municipal) do ………., não foi aquela entidade consultada, conforme procedimento adoptado em situações análogas” (cfr. fls. 287 do Processo de Licenciamento - Processo Instrutor).

10. A presente Acção Administrativa Especial deu entrada no então Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada em 29 de Novembro de 2007 (cfr. fls. 2 e sg SITAF)».


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2.2. O DIREITO

Antes de mais, importa tornar claro que na presente acção administrativa especial, intentada pelo Ministério Público contra o Município de Sesimbra e o contra-interessado, proprietário de um prédio rústico sito no ………., Freguesia …………….., Sesimbra, bem como de uma moradia no mesmo construída, o autor visa a declaração de nulidade dos despachos do Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra de 09-09-2004 que licenciou a construção e, de 29-12-04 que determinou a passagem do respectivo alvará, bem como a condenação da entidade demandada a demolir a obra e repor o solo nas condições em que se encontrava antes da implantação da moradia e muros.

Por sentença de 7-7-2010, o TAF de Almada decidiu não declarar a nulidade dos actos impugnados, bem como condicionar o decidido ao facto do Município de Sesimbra requerer, em 10 dias, o Parecer ao PNA.

Interposto recurso desta sentença pelo Ministério Público, com invocação de nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão e excesso de pronúncia, bem como erro de julgamento, de facto e de direito, veio a ser proferido em 21/11/2013, o acórdão recorrido que declarou nula a sentença do TAF de Almada e julgou a acção parcialmente procedente, declarando a nulidade da licença de construção, bem como a demolição do que foi construído e a reposição do terreno no seu estado anterior, e se não for obtida nova licença de construção à luz da legislação então aplicável, após parecer vinculativo favorável do PNA, tudo no prazo global de 6 meses.

E é deste acórdão que vêm interpostos os recursos principal e subordinado.

Feita esta breve resenha, impõe-se, ainda, esclarecer que o requerimento apresentado pelo contra interessado após notificação do acórdão recorrido, em que peticiona a nulidade do acórdão, se mostra decidido, com transito em julgado, mediante o despacho de indeferimento que constitui fls. 503 [cfr. conclusão FF].

Por outro lado, as conclusões apresentadas pelo contra interessado que constituem as alíneas A) a CC), por apenas se circunscreverem à alegação dos fundamentos de admissão do recurso de revista, não serão objecto de análise nesta sede recursiva, por já o terem sido no acórdão proferido em 10/07/2014, nos autos, por este Supremo Tribunal, na formação a que alude o nº 5 do artº 150º do CPTA.

De seguida e, atendendo ao seu conhecimento prioritário, impõe-se o conhecimento das nulidades assacadas ao acórdão recorrido, deduzidas no recurso apresentado pelo contra interessado [cfr. conclusões DD) e EE)]:

DAS NULIDADES DO ACORDÃO RECORRIDO

A decisão de 1ª instância considerou ocorrer in casu a nulidade dos actos impugnados, de licenciamento e de concessão do alvará, mas entendeu não a declarar, fazendo operar o disposto no nº 3 do artº 134º do CPA [que contempla a possibilidade de atribuição de alguns efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos por força do decurso do tempo, em conformidade com os princípios gerais de direito], pelo que, neste segmento, o acórdão recorrido entendeu ter-se verificado uma nulidade por contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, por força do disposto no artº 668º, nº 1, al. c) do CPC.

Alega o recorrente contra interessado que o acórdão recorrido andou mal ao declarar a nulidade da sentença de 1ª instância com base nestes fundamentos e, cremos que, lhe assiste razão.

Com efeito, e independentemente do valor jurídico da declaração desta nulidade, que como veremos é inócua para a decisão a proferir, a verdade é que aquela decisão não declarou os actos nulos, precisamente porque fez operar o disposto no nº 3 do artº 134º do CPA, logo, inexiste qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida, sem prejuízo do erro de julgamento que manifestamente procede.

Quanto à alegada omissão de pronúncia entendeu-se no acórdão recorrido que a mesma se verificava pelo facto do juiz de primeira instância não ter emitido pronúncia sobre o 2º pedido formulado pelo autor na petição inicial, qual seja a condenação do réu a demolir a obra e a repor o solo nas condições em que se encontrava antes da implantação da moradia e muros.

Mais uma vez, andou mal o acórdão recorrido ao ter declarado esta nulidade, uma vez que, como supra referimos, tendo a decisão de 1ª instância optado pela não declaração de nulidade dos actos impugnados, por força do disposto no nº 3 do artº 134º do CPA, obviamente que neste raciocínio lógico-jurídico, o conhecimento do 2º pedido formulado pelo autor, ficou completamente prejudicado.

Atento o exposto, procede, neste segmento o recurso interposto pelo recorrente contra interessado.


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De seguida, impõe-se a apreciação das nulidades imputadas ao acórdão recorrido no âmbito do recurso subordinado deduzido pelo Ministério Público [cfr. por todos, sobre a prioridade deste conhecimento, o Ac. proferido neste STA, em 26/05/2010, in rec. nº 09/10].

DAS NULIDADES DO ACORDÃO RECORRIDO [recurso subordinado intentado pelo Ministério Público]

· Nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão (alínea c) do nº 1 do artº 615º do CPC

O acórdão recorrido considera que a legalização da edificação em causa é impossível, referindo para o efeito o seguinte: «desde já se deve atender a que a legalização em sentido normal é aqui logicamente impossível, porque a lei exige um parecer prévio favorável. Tal antecedência é obviamente aqui impossível. Como já vimos, está em causa a omissão da consulta ao PNA e a inexistência do seu prévio parecer vinculativo (favorável)».

No entanto, e fazendo apelo ao nº 2 do artº 106º do Regime Jurídico do Urbanismo e Edificação, aprovado pelo DL nº 555/99 de 16/12, o acórdão recorrido decidiu conceder a possibilidade dessa legalização, caso se venha a obter parecer favorável do PNA.

E face ao assim decidido, entende o Ministério Público que existe contradição entre os fundamentos e a decisão.

Não, cremos, porém, que assim seja.

Com efeito, o acórdão recorrido é claro ao referir que a “legalização em sentido normal é aqui logicamente impossível porque a lei exige um parecer prévio favorável (…) tal antecedência é aqui impossível pois está em causa a omissão da consulta ao PNA e a inexistência do seu prévio parecer vinculativo (favorável)” Depois, o apelo ao nº 2 do artº 106º do RJUE, segundo as palavras feitas constar do acórdão recorrido “Este aponta para o que gostamos de chamar o postulado aplicativo da proporcionalidade”, bem como, no entender do acórdão recorrido o parecer exigido no artº 12º, nº 1, a) do DR nº 23/98 poder eventualmente ser tardiamente emitido [ou seja, deixando de ser prévio e passando a ser à posteriori].

Ora, tal argumentação/fundamentação e decisão, não está em contradição, pelo menos, nos termos previstos na al. c), do nº 1, do artº 615º do CPC, ou seja, não existe nenhuma incongruência lógica ou jurídica, nem nenhum vício lógico de raciocínio [cfr. Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Vol V; Coimbra, 1964, pág. 141, Antunes Varela, Manual de Processo Civil pág. 690].

Na verdade, o acórdão recorrido ao falar em legalização em sentido normal, apenas se estava a referir ao licenciamento da obra; Ora, nenhuma oposição existe entre a afirmação de que tal licenciamento é nulo e a conclusão de que importa ainda averiguar se a demolição pode ser evitada, por a obra ser, porventura, legalizável, ao abrigo do disposto no nº 2 do artº 16º do RJUE [que expressamente prevê que a demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou objecto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração].

O que, pode ocorrer é um erro de julgamento quando na situação concreta se faz apelo ao artº 106º, nº 2 do RJUE e se interpreta o artº 12º, nº 1, al. c) do DR 23/98 no sentido de ser possível, no caso concreto, obter um parecer à posteriori.

Mas como bem refere Alberto dos Reis, in ob. citada: “a contradição entre os fundamentos e a decisão nada tem a ver, (…) seja com o erro de julgamento – decisão errada, mas voluntária, quanto ao enquadramento legal ou quanto à interpretação da lei; o erro material e o erro de julgamento não geram a nulidade da sentença, como sucede com a oposição entre os fundamentos e a decisão, mas, tão-só, e apenas, a sua rectificação ou a eventual revogação em via de recurso”.

Não se inclui, pois, na nulidade de sentença o eventual erro de julgamento, nem a eventual não conformidade da sentença com o direito substantivo aplicável, a existir.

Atento o exposto, inexiste a imputada nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão.


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· Nulidade por excesso de pronúncia (alínea d), do nº 1, do artº 615º do CPC

Na petição inicial foram formulados dois pedidos, a saber (i) declaração de nulidade dos actos impugnados e (ii) condenação da entidade demandada a demolir a obra e a repor o solo nas condições em que se encontrava antes da implantação da moradia e muros.

Entende o recorrente Ministério Público que o acórdão recorrido condenou em objecto diverso do pedido, ao sujeitar o segundo pedido, a uma condição prévia de emissão de parecer desfavorável do PNA e, consequente, indeferimento do licenciamento, violando o nº 1 do artº 609º do NCPC que proíbe expressamente essa condenação, bem como o artº 47º, nº 2, alínea b) do CPTA, que estabelece os pedidos a formular em caso de nulidade dos actos exequendos.

Mas, mais uma vez não lhe assiste razão neste segmento recursivo, uma vez que, a solução alcançada e transposta para a decisão, apenas consistiu no desenvolvimento lógico-jurídico acolhido na fundamentação, ou seja, resultou da aplicação pelo tribunal recorrido do disposto no nº 2 do artº 16º do RJUE.

E acima de tudo, não lhe assiste razão porque tendo o autor, Ministério Público, pedido a demolição em singelo e tendo a decisão recorrida decretado a demolição, mas sob uma condição, é manifesto que a condenação decretada no acórdão recorrido constituiu um «minus» relativamente ao que havia sido peticionado. Logo, não há qualquer excesso de pronúncia na condenação efectivada.

Assim, não existe nulidade por excesso de pronúncia.


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· Nulidade por omissão de pronúncia (alínea d) do nº 1 do artº 615º do CPC

Determina a alínea d), do nº 1, do artigo 615º do NCPC, no seguimento do anteriormente estipulado, que a sentença é nula quando: “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Esta norma deve ser compaginada com a primeira parte do nº 2, do artigo 608º do CPC, onde expressamente se refere: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

É entendimento pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, que só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), pág. 140, e, entre muitos outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 10.09.2008, rec. 0812/07, de 28.01.2009, rec. 0667/08, de 28.10.2009, rec. 098/09, de 21.02.2002, rec. nº 034852 (Pleno), de 02.06.2004, rec. nº 046570, e de 10.03.2005, rec. nº 046862.

Temos, pois, por assente que a nulidade só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie questões suscitadas e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697º e 608º do NCPC; isto, porque, o juiz não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas apenas fundamentar suficientemente em termos de facto e de direito a solução do litígio.

E questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes - cfr. Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, pág. 112 - não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão - cfr. Alberto dos Reis, obra citada, pág. 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, pág. 228).

Feito este breve intróito, neste último segmento, alega o recorrente Ministério Público que invocou nas suas alegações de recurso para o TCAS a impossibilidade da legalização da obra, tendo por base o parecer do PNA, consubstanciado no ofício n° 15704/2010/PNARR do Departamento de Gestão das Áreas Classificadas I Litoral de Lisboa e Oeste, do ICNB, IP – cfr. fls. 253 e 254 dos autos – designadamente:

«O prédio, em causa, situa-se na ………. do PNA, logo subordinado ao regime jurídico especial, com ordenamento tipificado (Port nº 26-F/80 (artºs 8º a 14º, então em vigor e DR nº23/98), se mais não fosse “ex vi” dos artºs 109º a 111º do RPDMS;

Estão sujeitas a Parecer vinculativo do PNA, a realização de obras de construção civil, a alteração do uso e morfologia do solo para edificações, fora do perímetro dos aglomerados urbanos, tal como definidos nos Planos Municipais” - artº12º al) a) do DR nº 23/98

À luz destes, a área máxima da casa patronal é de 200ms2, com índice de 0,004.

Ora, o prédio rústico “subjudice” tem uma área de 39 000 m2, a edificação, a de 368ms2, estando em muito ultrapassado a máxima permitida.

Nos termos do artº 19º da RCM nº 141/05, de 23/08, o terreno não tem sequer capacidade edificatória, sendo insusceptível de legalização (ref doc).

Nem o POPNA, nem a legislação, que o precedeu, consentem o deferimento do questionado licenciamento, não podendo os actos subsistir na Ordem Jurídica».

E não obstante esta alegação, o acórdão recorrido não emitiu qualquer pronúncia sobre esta questão, tendo, porém, condicionado a não declaração de nulidade dos actos impugnados à emissão de um parecer a solicitar pela Câmara Municipal de Sesimbra.

Acerca desta questão, o Acórdão do TCAS que sustentou a inexistência da nulidade, limitou-se a referir que essa questão nunca lhe foi colocada para decisão, motivo pelo qual não foi emitida qualquer pronúncia.

E cremos que, com efeito, a ausência de pronúncia, não acarreta qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

Na verdade, o parecer em causa surge desgarrado do processo administrativo, pois da consulta do PA não se entreviu nenhum pedido formulado pela entidade administrativa competente, que é a Câmara Municipal; ao invés, o que resulta do PA, é um ofício emitido pelo Instituto da Conservação da Natureza dirigido ao Presidente da CMS referindo que a consulta não foi efectuada e, que, por isso, o licenciamento deverá ser revogado – cfr. fls. 285 do PA – que veio a obter a resposta que constitui fls. 287 do PA.

Assim sendo, o parecer junto aos autos pelo Ministério Público, não tem a força probatória que o mesmo lhe pretende assacar, pois que se desconhece quem o requereu e a que título e sobre que pressupostos foi requerido e emitido.

Diferentemente seria, se o parecer em causa surgisse ínsito no procedimento próprio, que é o processo de legalização, pois, é neste processo de legalização que a entidade administrativa competente, na posse de todos os elementos, poderá tomar posição acerca da legalização ou não da obra já edificada, assumindo-se desde já a necessidade de que haja um parecer positivo [sob pena de, em caso contrário, a obra ter de ser demolida].

Face ao exposto, improcede a alegada nulidade.


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Decididas, todas as questões prévias, que podiam obstar ao conhecimento do mérito do recurso, apreciemos, agora, os seus fundamentos, delimitados pelas respectivas conclusões:

O Ministério Público consubstanciou o presente pedido de nulidade dos actos de legalização e alvará de construção, no facto da moradia propriedade do contra interessado ter sido edificada em “espaço de transição” e ter sido omitida a previa consulta obrigatória e vinculativa ao Parque Natural da Arrábida.

O acórdão recorrido sobre o mérito pronunciou-se da seguinte forma:

«B.1) perímetro do aglomerado urbano

O C-I edificou uma moradia com muros num local “espaço de transição”, segundo o PDM de Sesimbra de 1998, contraposto, i.a., a espaços urbanizáveis (v. DOC. 3 da p.i. e art. 9º-9 do RPDM).

Tal espaço, aqui, portanto, é não urbanizável ou não urbano, sendo por isso um lugar situado fora do perímetro do aglomerado urbano de Sesimbra, uma vez que, segundo o art. 28º-2 do DL 69/90 (norma jurídica anterior e superior ao PDM de 1998, bem como o DR 23/98, que reclassificou o PNA), o conjunto do espaço urbano e do espaço urbanizável determina o perímetro urbano.

Tal como o tribunal recorrido explicou, entendemos que o Plano de Ordenamento do PNA, que guia o PDM de Sesimbra/1998, tem natureza de plano especial (v. art. 33º do DL 380/99), o qual vincula de forma directa e imediata as entidades públicas e privadas (v. art° 42° do DL nº 380/99; Ac. STA de 7-6-05, P. nº 405/05; Ac. TCA Sul de 28-2-2008, P. 01404/06), como os demandados nesta AAE.

Por isso mesmo e ao contrário do entendido na 1ª instância, a falta de parecer vinculativo do PNA quanto à edificação do ora C-I, situada fora do perímetro do aglomerado urbano de Sesimbra (v. art. 12º-1-a) do DR 23/98 (Realização de obras de construção civil, a alteração do uso actual ou da morfologia do solo, designadamente para edificações, instalação/ampliação de parques de campismo e caravanismo, empreendimentos turísticos, fora dos perímetros dos aglomerados urbanos como tal definidos nos planos municipais de ordenamento do território) e art. 28º do DL 69/90), como aqui ocorreu (v. arts. 9º-2 e 28º-2 do DL 60/90), é sempre causa objectiva de nulidade da licença, por esta não ter sido precedida de consulta a entidades cujos pareceres vinculativos sejam legalmente exigíveis (v. art. 19º-5 do DR 23/98; e art. 68° do RJUE).

É claro que, ao contrário do referido pelo C-I, o art. 12º-1-a) do DR cit. não põe em causa o direito fundamental social à propriedade privada, pois, como se sabe, o direito de construir resulta apenas do acto administrativo licenciador e não daquele direito social.

Se o acto administrativo é nulo, o tribunal deve declará-lo. Independentemente da boa ou má-fé do particular quando deu origem ou o mote ao acto nulo (…).


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Interpostos recursos do assim decidido quer pelo Município de Sesimbra, quer pelo contra-interessado, pretendem estes ver analisadas as seguintes questões, respectivamente:

Por parte do Município de Sesimbra:

a) Saber se o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (instituído pela Portaria 26-F/80 de 09/01 e Decreto-Regulamentar 23/98, de 14/01) corresponde a um Plano Especial de Ordenamento do Território, ou se, pelo contrário, não tem essa característica.

b) Saber se “o perímetro do aglomerado urbano” a que se refere a alínea a), do DR 23/98, significa o mesmo que o “perímetro do aglomerado urbano” definido na Lei dos Solos (DL nº 794/76, de 5-11) ou se, pelo contrário, se reporta ao “perímetro urbano” definido no DL nº 69/90, de 2-03, que estabelece o Regime Jurídico dos Planos Municipais do Ordenamento do Território. O PDM de Sesimbra não define o perímetro de aglomerado urbano, pelo que, segundo o Município não é necessário o parecer vinculativo a que se reporta a alínea a), do artº 12º do DR 23/98.

Segundo o contra interessado:

«a) Saber se o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (instituído pelas Portarias 26-F/80 de 09/01 e Decreto Regulamentar 23/98, de 14/01) corresponde a um Plano Especial de Ordenamento do Território, ou se, pelo contrário, não tem as características deste.

b) Aferir se os “espaços de transição” consagrados no Plano Director Municipal de Sesimbra, integram o respectivo perímetro urbano;

c) Saber se violam os princípios da confiança, segurança jurídica e proporcionalidade e são oponíveis a um interessado de boa-fé, os efeitos de declaração de nulidade de um licenciamento de construção quando, à data da aquisição do prédio, já tinha sido aprovado, pelos órgão camarários competentes, o respectivo projecto de arquitectura, na sequência de procedimento urbanístico iniciado por terceiro;

d) Saber se o tribunal pode fixar um prazo global de seis meses para obtenção de nova licença de construção, caso obtenha parecer vinculativo favorável».


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Porém, o que verdadeiramente importa clarificar e decidir, sem rodeios desnecessários, com vista ao mérito da causa é (i) saber se a construção da moradia e muros se insere ou não dentro do perímetro do aglomerado urbano ou do perímetro urbano e (ii) se o prévio parecer do PNA era ou não obrigatório à data da prática do acto de licenciamento.

Cremos, pois, não restarem dúvidas que a moradia licenciada pela CMS e propriedade do contra interessado foi edificada num local que segundo o PDM de Sesimbra de 1998, é classificado com um “espaço de transição”, atento a planta junta aos autos com a petição inicial e que constitui doc 3, a fls. 13 e ponto 3 dos factos provados.

Com efeito e atenta a legislação aplicável, há que atentar no DL nº 19/93 de 23/01, que estabeleceu as normas relativas à Rede Nacional de Áreas Protegidas, nela se incluindo o Parque Natural da Arrábida.

Por seu turno, o DL nº 622/76 de 28/07 criou e delimitou o Parque Natural da Arrábida, e a Portaria nº 26-F/80 de 09/01 aprovou o respectivo Regulamento.

O Decreto Regulamentar nº 23/98 de 14/10 reclassificou o Parque Natural da Arrábida, que se passou a denominar Parque Natural, definindo os limites geográficos, interdições/autorizações de determinados actos, regime sancionatório, plano de ordenamento, mantendo-se contudo em vigor o disposto nos artºs 8º a 16º da Portaria nº 26-F/80 de 09 de Janeiro.

E refere-se expressamente na al. a) do nº 1, do artº 12º deste Dec. Reg. nº 23/98 que ficam sujeitos a parecer vinculativo do Parque Natural a «a realização de obras de construção civil, a alteração do uso actual ou da morfologia do solo, (…) fora dos perímetros dos aglomerados urbanos como tal definidos nos planos municipais de ordenamento do território (PMOT)».

Acresce que, o Regulamento do PDM de Sesimbra [cfr. Resolução do Conselho de Ministros nº 15/98, DR, nº 27, de 02/02/1998, I série, que ratificou o PDM] é claro ao caracterizar o território municipal: em unidades operativas de planeamento e gestão em classes de espaço, em função do uso dominante e em estabelecer a estrutura espacial do território através da articulação e regulamentação destes espaços – cfr. artºs 3º e 7º, nº 3 – incluindo-se o PNA nas Unidades Operativas.

E nas classes de espaço definidas no artº 8º, temos entre outras, os espaços urbanos/urbanizáveis destinados predominantemente a habitação (…) – nº 2 – e espaços de transição que englobam áreas agrícolas/residenciais, de povoamento disperso e áreas residuais envolventes ou adjacentes de espaços urbanos/urbanizáveis – nº 9.

Por outro lado, é inequívoco que o PDM de Sesimbra foi elaborado ao abrigo do estatuído no DL nº 69/90 de 02 de Março que regulava, à época, a elaboração, aprovação e ratificação dos planos municipais de ordenamento do território [PMOT], aqui se incluindo os planos directores municipais, os planos de urbanização [que abrangem áreas urbanas e urbanizáveis, podendo também abranger áreas não urbanizáveis intermédias ou envolventes daquelas] e os planos de pormenor.

Dispõe o nº 2 do artº 28º deste DL nº 69/90 que «o conjunto do espaço urbano e do espaço urbanizável determina o perímetro urbano».

Face ao exposto, é inequívoco que a moradia do contra interessado se encontra edificada num “espaço de transição”, de acordo com o PDM de Sesimbra de 1998, por contraposição aos espaços urbanizáveis – artº 8º/9 do RPDM.

Ora, o “espaço de transição” é, como supra vimos e para o que ora nos interessa, um espaço não urbanizável ou não urbano, por se situar fora do perímetro do aglomerado urbano de Sesimbra, por força do disposto no nº 2 do artº 28º do DL 69/90 (que determina que o conjunto do espaço urbano e do espaço urbanizável determina o perímetro urbano), sendo de todo indiferente à discussão, com vista a aferir da nulidade dos actos impugnados, saber se a moradia do contra interessado se encontra edificada fora do “perímetro de aglomerado urbano” ou fora do “perímetro urbano”, uma vez que a zona de transição se encontra fora quer de uma, quer de outra – cfr. ainda a Resolução do Conselho de Ministros nº 15/98 que supra se referiu e de onde resulta claro que a construção em causa se encontra fora do aglomerado urbano e fora do perímetro urbano.

Com efeito, o “espaço de transição” surge por oposição ao espaço urbano ou urbanizável [cfr. artº 8º/9 e artº 31], sendo que, só estes últimos integram o perímetro urbano, por força do disposto no artº 28º, nº 2 do DL nº 69/90 de 02/03, na redacção dada pelo DL 211/92 de 08/10.

Por outro lado, o “perímetro de um aglomerado urbano”, integra apenas os espaços urbanos caracterizados por elevados níveis de infra-estruturas e concentração de edificações onde o solo se destina predominantemente à construção [cfr. als. a) e b) do nº 1 do artº 28º do DL 69/90 e artº 62º, nº 1 do DL nº 791/75 de 05/11 – Política de solos], sendo deste modo, o perímetro urbano mais extenso do que o perímetro do aglomerado urbano.

Acresce que, e mais uma vez, independentemente das prolixas alegações recursivas apresentadas a tentar demonstrar o contrário, resulta inequívoco da legislação aplicável que o Plano de Ordenamento do PNA, que por sua vez orienta o PDM de Sesimbra, assume natureza de plano especial [cfr. artº 35º do DL nº 380/99], que vincula directa e imediatamente as entidades públicas e privadas [cfr. artº 42º do DL nº 380/99], nestas se incluindo a Câmara Municipal e o contra interessado, respectivamente.

É, pois, inequívoco que o espaço de transição se encontra sempre fora de espaços urbanos e urbanizáveis, e assim, qualquer licenciamento estava sujeito a parecer vinculativo do Parque Natural da Arrábida, pelo que neste segmento recursivo, nada há a apontar à decisão recorrida que igualmente concluiu pela nulidade da licença por não ter sido precedida de consulta e parecer vinculativo ao PAR [artº 19º, nº 5 do DR 23/98 e artº 68º do RJUE], sendo despicienda toda a argumentação deduzida mas alegações de recurso com vista a tentar demonstrar o contrário.

Aliás, esta solução foi já sufragada em acórdãos proferidos neste Supremo Tribunal Administrativo, como se pode constatar dos acórdãos proferidos em 02/07/2003 e 16/07/2003, in rec. nº 01048/03 e 01047/03, respectivamente, onde se clarificou o regime legal aplicável, da seguinte forma:

«O DL nº 19/93, de 23/1 veio criar o novo quadro de classificação das Áreas Protegidas Nacionais, desenvolvendo o regime jurídico estabelecido pela Lei nº 11/87, de 7/4 (Lei de Bases do Ambiente), impondo, nos termos do seu artº 13º, a reclassificação do PNA, segundo os critérios aí estabelecidos.

Assim, o referido artº 13º veio estabelecer que a classificação das áreas protegidas fosse efectuada por Decreto Regulamentar onde se definissem os seguintes itens:

a) O tipo e delimitação geográfica da área e seus objectivos específicos;

b) Os actos e actividades condicionados ou proibidos;

c) Os órgãos, sua composição, forma de designação dos respectivos titulares e regras básicas de funcionamento;

d) O prazo de elaboração do plano de ordenamento e respectivo regulamento.

O nº 2 da mesma disposição legal estabeleceu que a classificação de Área Protegida caducava pelo não cumprimento do prazo de elaboração de Plano de Ordenamento e respectivo regulamento.

O Dec. Regulamentar nº 23/98, de 14/10, veio proceder à reclassificação do PNA, definindo os limites, objectivos, órgãos de gestão e suas competências, e interdição de actos e actividades na área do PNA, actos e actividades sujeitos a autorização e a parecer vinculativo, estabelecendo no seu artº 18º que, no prazo máximo de 3 anos a contar da sua publicação, o PNA seria dotado de um Plano de Ordenamento do Território.

Esse prazo esgotou-se em 14 de Outubro de 2001, sem que tivesse sido elaborado e publicado o Plano de Ordenamento do Território do PNA.

Daí que o recorrente sustente que a classificação do PNA como Área Protegida, caducou nos termos do nº 2 do artº 13º do DL 19/93, deixando de ter suporte legal a exigência do referido parecer prévio.

Todavia, para obviar aos inconvenientes daí resultantes, foi publicado o DL nº 204/02, de 1/10, que veio manter em vigor a classificação das áreas protegidas operada pelos diplomas que procederam à sua criação ou à respectiva reclassificação, procurando, como se refere no respectivo preâmbulo, salvaguardar "de imediato, as componentes ambientais naturais que justificam que estas áreas se encontrem sujeitas a um especial estatuto de protecção".

Assim, dispõe o seu Artigo único

1 – Mantém-se em vigor a classificação das áreas protegidas operada pelos diplomas que procederam à sua criação ou à respectiva reclassificação nos termos do Decreto-Lei nº19/93, de 23 de Janeiro.

2 – No prazo de dois anos, a partir da entrada em vigor do presente diploma, devem ser aprovados os planos de ordenamento das áreas protegidas que ainda não disponham de tais instrumentos especiais de gestão territorial.

3 – Os efeitos do presente diploma retroagem ao termo dos prazos fixados nos diplomas mencionados no nº 1 do presente artigo, para elaboração dos planos de ordenamento e respectivos regulamentos".

Resulta claro da disposição transcrita que foi intenção expressa do legislador derrogar, com efeitos retroactivos, para além do mais, a norma que impunha a caducidade da classificação das áreas protegidas.

Assim, tudo está em saber se neste âmbito, é possível a retroactividade da lei.

Ora, a caducidade é um efeito jurídico, nada obstando, em princípio, que o legislador, na sua liberdade de conformação legislativa, possa obstar retroactivamente à produção de tais efeitos, tanto mais, que esse desiderato legal tem por fundamento a protecção de valores ambientais tão caros à comunidade e que têm até expressa consagração constitucional (cfr. artº 66º da CRP)».


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Resulta do exposto, que mesmo que se considerasse que, à data da aprovação do acto de licenciamento [09/09/2004], o Plano de Ordenamento do PNA aprovado pela RCM nº 141/05 de 23/08 ainda não estava em vigor, por ser posterior, e que a Portaria nº 26-F/80 de 09/01 e o Decreto Regulamentar nº 23/98 de 14/19 não podem classificar o PNA como Plano Especial de Ordenamento, tal facto não desobrigava a necessidade de obtenção prévia do referido parecer, por força do disposto no artº 12º, alínea a) do DR nº 23/98 de 14/10, conjugado com o artº 14º da Portaria nº 26-F/80 de 09/01, aplicáveis em virtude dos nºs 1 e 2 do artº único do DL 204/02 de 01/10, determinando-se neste nº 2 que o prazo de dois anos a contar da entrada em vigor do DL nº 204/2002 só terminou no dia 02/10/2004 [os actos impugnados foram proferidos em 09/09/2004].

Assim, por uma via ou por outra, resta-nos, sempre, a conclusão, da necessidade de emissão de parecer vinculativo, o qual não foi pedido nem emitido no âmbito do processo de licenciamento da obra em causa, omissão esta que comina de nulidade os actos impugnados – cfr. artº 19º, nº 5 do DR 23/98, artº 68º do RGUE e artº 133º do CPA.

E atenta a solução a que se chegou, fica prejudicado o conhecimento da alegação do contra interessado no que respeita ao prazo concedido na decisão recorrida para a obtenção de nova licença de construção, após prévio parecer vinculativo do PNA, bem como a alegação do Ministério Público no que concerne à existência de parecer negativo emitido posteriormente ao licenciamento, dado que se desconhecem os pressupostos em que o mesmo foi pedido e emitido [terá de o ser neste específico processo de legalização].


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Quanto à alegação feita pelo recorrente contra-interessado, referente à violação dos princípios da confiança, segurança jurídica e proporcionalidade, importa apenas esclarecer que, assumindo o parecer natureza vinculativa e cominando-se a sua ausência com a nulidade, estamos perante um acto vinculado, no sentido de outro não poder ser praticado por parte da entidade administrativa, pelo que os alegados princípios não podem ter aqui qualquer acolhimento.

Com efeito, a violação destes princípios jurídicos apenas releva autonomamente quando a Administração possui uma margem de autonomia e de discricionariedade na decisão, e já não quando o acto a praticar se assume, por força da lei como vinculado, sem deixar margem de discricionariedade à Administração.

Igualmente não se encontra justificação para os efeitos da nulidade dos actos não serem oponíveis ao contra interessado, pois, independentemente da boa ou má fé do adquirente da moradia, ou de quem participou e, desde quando, activamente, neste processo administrativo de licenciamento, tal não possui a virtualidade de impedir a produção dos efeitos legais, da declaração de um acto nulo, que tem eficácia “erga omnes”, salvo nos casos expressamente previsto na lei, de inoponibilidade a terceiros, que in casu não se verifica, sem prejuízo de eventual acção de responsabilidade civil contra quem deu causa à ilegalidade sob a forma de nulidade decorrente dos actos impugnados.


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Por último, impõe-se uma pronúncia acerca do último segmento da decisão recorrida que, pese embora, ter declarado a nulidade dos actos impugnados, condicionou a demolição à obtenção de uma nova licença dentro de um determinado prazo, fazendo-o ao abrigo do princípio da proporcionalidade.

E contra o assim decidido manifestaram-se o recorrente contra interessado em sede de recurso principal e o Ministério Público em sede de recurso subordinado.

No entanto, é imperioso não confundir processo de licenciamento com processo de legalização, uma vez que constituem procedimentos distintos.

É incontornável que no processo de licenciamento faltou o parecer vinculativo do PNA e, em virtude desse facto, os actos impugnados são efectivamente actos nulos, e assim foram declarados e bem, no acórdão recorrido.

Porém, tal não significa que o artº 106º, nº 2 do RJUE não deva ter aqui aplicação, no âmbito de eventual processo de legalização [A demolição pode ser evitada se a obra for susceptível de ser licenciada ou objecto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração], pois, apesar da declaração de nulidade dos actos impugnados, que fez com que a obra ficasse desprovida de licença [como se fosse clandestina], a mesma ainda poderá ser legalizada, desde que, no processo próprio, surja o referido parecer, que forçosamente terá de ser positivo.

E nem se diga, que tal não pode ocorrer perante a circunstância de não ter existido o parecer no momento próprio em que devia ter sido proferido, uma vez que, constituindo a demolição o ultimo reduto, impõe-se sempre averiguar da possibilidade de legalizar a obra, antes de proceder à demolição da mesma, pois, como supra referimos, o processo de licenciamento de obra constitui um procedimento completamente diferente do procedimento de legalização.

E assim, podemos já concluir, que a decisão do acórdão recorrido, que determinou a demolição, não poderá manter-se, independentemente da sujeição ou não a prazo ou condição.

E isto, porque pese embora, a al. b), do nº 2, do artº 47º do CPTA prever, em sede declarativa, a cumulação de pedidos nos termos em que foi peticionada pelo autor, tal não significa que o pedido de reconstituição da situação hipotética seja unívoco; e quando o não é, ou seja, quando existe outra forma de reconstituir a situação hipotética, para além da que foi peticionada, cabe ao julgador determiná-la antes de partir para a fase executiva.

Assim, no caso dos autos, a nulidade dos actos impugnados, não gera de forma inequívoca a demolição das obras que foram construídas sem emissão do parecer vinculativo, uma vez que existe ainda a possibilidade de abertura de um novo procedimento administrativo, que é o da legalização da obra [o qual se falhar, ou seja, se o parecer for negativo, conduzirá inevitavelmente à demolição].

Assim sendo, o pedido formulado pelo Ministério Público no que respeita à demolição das obras não tem, nesta fase, sustentáculo e, por isso, não pode proceder, uma vez que o mesmo pretende uma extrair uma consequência (a demolição), sem o seu antecedente necessário (um processo de legalização falhado, seja porque nunca foi aberto, seja porque abortou).

Com efeito, a demolição de qualquer obra destituída de título [ab inicio ou porque é nulo o acto que a licenciou] pressupõe sempre um procedimento administrativo em que se avalie da possibilidade de legalização e, essa possibilidade tem sempre de existir.

Daí que, se na presente fase declarativa se estivesse já a determinar a ordem de demolição, com ou sem condição, estar-se-ia a excluir, sem retorno, essa possibilidade, pelo que, resta-nos a conclusão da improcedência do pedido de demolição das obras em causa, mantendo-se o decidido no acórdão recorrido, quanto à declaração de nulidade dos actos impugnados.

Atento o exposto, procede, parcialmente o recurso principal interposto pelo contra interessado e, improcedem com os fundamentos supra expostos, os recursos principal intentado pelo Município de Sesimbra e o subordinado interposto pelo Ministério Público.

3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em, com os fundamentos supra expostos:

-Julgar parcialmente procedente o recurso principal interposto pelo recorrente A…………..

-Julgar improcedente o recurso principal intentado pelo Município de Sesimbra.

-Julgar improcedente o recurso subordinado interposto pelo Ministério Público.

-Confirmar a decisão recorrida no segmento em que declara a nulidade dos actos impugnados e revogá-la quanto ao mais.

-Custas a cargo dos recorrentes principais, em função do decaimento [sendo que o Ministério Público delas está isento.

Lisboa, 18 de Junho de 2015. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.