Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01374/12
Data do Acordão:04/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:MAIS VALIAS
NÃO RESIDENTE
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:I – O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.
II – O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
III – Julgada incompatível com o direito comunitário a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, porquanto prevê uma limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56. CE, o acto de liquidação que a desaplicou encontra-se ferido de ilegalidade na medida do excesso, devendo ser anulado apenas nessa parte, num caso, como o dos autos, em que a matéria colectável do imposto é constituída exclusivamente pela mais-valia e a taxa aplicável é fixa (25%).
Nº Convencional:JSTA00068239
Nº do Documento:SA22013043001374
Data de Entrada:12/04/2012
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIRS ART72 N1
CIRS ART43 N2
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0298/12 DE 2013/04/10; AC STA PROC05874 DE 1997/07/09; AC STA PROC024101 DE 1999/09/22; AC STA PROC025532 DE 2001/05/16; AC STA PROC01973/02 DE 2003/03/26; AC STA PROC0287/05 DE 2005/09/27; AC STA PROC583/10 DE 2011/01/12
Referência a Doutrina:SALDANHA SANCHES - FISCALIDADE 7/8 JULHO OUTUBRO 2001 PAG63 E SEGS.
CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL 2ED PAG397.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A………………… e marido, B…………….., recorrem para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 17 de Abril de 2012, na parte em que julgou apenas parcialmente procedente a impugnação judicial por eles deduzida do indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS relativa a 2004, com o n.º 2005 5004254752, condenando a Fazenda Pública a proceder à anulação parcial da liquidação (…) considerando a exclusão de tributação de 50% da mais valia tributável, procedendo ao reembolso do montante de imposto pago em excesso e pagando juros indemnizatórios sobre tal montante desde 07/10/2009 até á emissão da nota de crédito.
Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. O âmbito do presente recurso circunscreve-se apenas à questão da anulação parcial do acto impugnado;
B. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento dado que deveria ter decretado a anulação total do acto impugnado;
C. Ao decretar-se a anulação parcial do acto impugnado, preteriu-se a estrutura basilar do contencioso tributário;
D. Concretamente, o contencioso de mera anulação;
E. E bem assim o princípio de separação de poderes constitucionalmente consagrado;
F. O contencioso tributário no âmbito do processo de impugnação judicial caracteriza-se por ser um contencioso de mera anulação.
G. O Meritíssimo Juiz “a quo”, não podia substituir-se à Administração Tributária e condenar a Administração a proferir novo acto tributário;
H. O qual, se encontra no âmbito das competências da Administração Tributária;
I. No âmbito do processo de impugnação judicial o Tribunal tem de limitar-se a aferir se o acto impugnado padece ou não do vício de violação de lei;
J. Uma vez verificado esse vício tem de limitar-se a anular o acto tributário impugnado;
K. Assentando a liquidação impugnada em erro sobre os pressupostos de direito, mormente, violação do artigo 56.º do TCE quando aplicado no sentido de conferir tratamento desigual a não residentes, impugna-se a respectiva anulação;
L. E anulação total;
M. Compete à Administração Tributária, enquanto entidade constitucionalmente incumbida da prossecução do interesse público, aquilatar da necessidade e decidir da prática ou não dos actos administrativos que tal prossecução exige;
N. Existindo acto lesivo para os particulares, e sendo este anulado por ilegal, é à Administração e apenas a ela que cabe decidir praticar ou não novo acto com a fundamentação que ao tribunal se afigura como a correcta;
O. O Juiz “a quo”, deveria ter decretado a anulabilidade total do acto impugnado por enfermar este de vício de violação de lei.
P. Ulteriormente, a Administração Tributária, no uso dos seus poderes vinculados, poderá emitir novo acto tributário;
Q. Apenas se a caducidade do direito de liquidação a tal não obstar.
R. A posição defendida pelos Impugnantes, ora Recorrentes, é a que se coaduna na íntegra com a doutrinada no âmbito do Aresto proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 0439/06, de 16 de Janeiro de 2008, o qual versa sobre questão em tudo similar à dos autos e no qual se decretou, e bem, a anulação total do acto impugnado;
S. O Meritíssimo Juiz a quo deveria ter decretado a anulação total do acto impugnado, não o tendo feito incorre em erro de julgamento, devendo por isso a sentença recorrida ser revogada.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser:
Deve ser revogada a decisão recorrida por padecer de erro de julgamento e proferida nova decisão de mérito, favorável à Recorrente, que declare a anulação total do acto tributário recorrido.


2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
(…)
Está em causa a decisão proferida e o entendimento tido em que, embora reconhecendo a falta de compatibilidade do previsto no art. 43.º, n.º 2 do CIRS, quanto à diferente forma de tributação das mais valias previstas quanto a residentes e não residentes em Portugal, mas que fossem ainda residentes no espaço comunitário, em face da incompatibilidade que resultava em face do art. 56.º do tratado que instituiu a Comunidade Europeia (actual artigo 63.º do T.F.U.E.), se decidiu ainda condenar a Administração tributária (A.T.) na anulação parcial do acto de tributação praticado.
Alega os recorrentes violação do princípio da separação de poderes.
Analisemos.
Entendeu-se que a liquidação efectuada consubstanciava ilegalidade, que justificava a anulação (artigo 135.º do C.P.A.).
Apesar disso, entendeu-se condenar a A.T. na anulação apenas parcial da liquidação, com o fundamento da decisão “não poder ir além da que deriva da consideração do disposto no artigo 43.º, n.º 2, na parte que limita aos residentes a consideração a consideração apenas a 50% do saldo das mais-valias”.
Ora, se é certo que o acto de liquidação enquanto acto administrativo é divisível e susceptível de anulação parcial, a anulação parcial só é juridicamente admissível quando o fundamento da anulação valer apenas em relação a uma parte do acto, que não a todo ele, como foi o caso, em que se decidiu que a liquidação assentou em fundamento jurídico incompatível com norma comunitária.
Assim sendo, não é possível a condenação que foi ainda decretada com base na legislação fiscal prevista para os residentes em Portugal, havendo de se reconhecer ter-se invadido a área de competência da administração tributária.
Com efeito, no contencioso administrativo e tributário, a plena jurisdição só é de aceitar em relação a actos que não impliquem para o juiz, afronta ao núcleo essencial da função administrativa, pelo que é de reconhecer a ofensa do princípio que se invoca.
Aliás, a prática, sem mais, do dito acto, privaria o destinatário da possibilidade de discutir a legalidade, no caso de vir a ser praticado, sendo que quanto ao mesmo são de reconhecer todos os meios de impugnação administrativa e contenciosa previstos na lei.
Neste sentido, decidiram em casos semelhantes os acórdãos do S.T.A. de 22-3-11 e de 10-10-12, proferidos nos processos 01031/10 e 0533/12, cuja fundamentação tal como consta em www.dgsi.pt é de adoptar.
Concluindo, parece ser de julgar o recurso como provido, revogando-se o decidido, e declarando-se a anulação total do acto praticado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -


4 – Questão a decidir
É a de saber se bem andou a sentença recorrida em julgar apenas parcialmente procedente a impugnação, condenando a Administração tributária à anulação parcial do acto de liquidação sindicado ou se, como alegado, se impunha a anulação total do acto de liquidação, por vício de violação de lei, por incompatibilidade com o direito comunitário.

5 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:
A) Em 31/03/2005, a representante fiscal dos Impugnantes procedeu à entrega da declaração de IRS - Modelo 3, respeitante ao ano de 2004, apresentando o Anexo G respeitante às mais-valias imobiliárias obtidas com alienações de imóveis realizadas.
B) Em 24/09/2005 foi emitida em nome dos Impugnantes a liquidação de IRS do ano de 2004 com o nº 2005 5004254752, no montante de 212.047,74€, equivalente a 25% do montante de 848.190,93€, matéria colectável correspondente à mais-valia apurada (cfr. fls. 3 do PA).
C) A liquidação mencionada na alínea antecedente foi paga em 28/10/2005 (cfr. fls. 4 do PA).
D) Em 07/10/2008, os Impugnantes apresentaram no Serviço de Finanças de Lisboa 7 pedido de revisão do acto tributário de liquidação mencionado em C), invocando que a liquidação se materializou em erro imputável aos serviços, por errónea interpretação da Lei (cfr. doc. de fls. 56 e ss do PA).
E) Em 24/04/2009, o Substituto Legal do Director-Geral dos Impostos determinou o envio do pedido de revisão oficiosa mencionado na alínea antecedente ao CEF (cfr. doc. de fls 49 do PA).
F) Em 24/07/2009 o foi elaborado o parecer nº 52/09 do CEF, onde constam as seguintes conclusões:
“EM CONCLUSÃO:
I. O pedido de parecer solicitado a este Centro de Estudos por parte da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares incide sobre a análise ao requerimento de revisão do acto de liquidação de IRS, relativo ao ano fiscal de 2004, no que diz respeito à aplicação do artigo 78.º, nº 1 da LGT e do n.º 4 do mesmo artigo à situação em apreço, bem como no que concerne à tributação das mais-valias imobiliárias de não residentes face ao entendimento decorrente do Acórdão do TJCE de 11.10.2007.
II. Tendo em conta que o STA tem proferido Acórdãos no sentido de conceder a possibilidade do sujeito passivo solicitar a revisão de actos tributários, ao abrigo do art.º 78.º, n.º 1, 2ª parte da LGT, cumpre analisar o sentido do segmento normativo “erro imputável aos serviços” bem como esclarecer se a situação sub judice poderia ser subsumida a um “erro de direito imputável aos serviços”.
III. Neste sentido, salienta-se a jurisprudência do STA que se pronunciou, abundantemente sobre o âmbito material da expressão “erro imputável aos serviços”, para efeitos do art. 78.º, n.º 1 da LGT, tendo fixado o entendimento de que tal conceito também abarca erros de direito, onde se inclui a ilegalidade com base em aplicação de norma do direito nacional contrário às regras do Direito Comunitário.
IV. Sublinha-se, no entanto, que a situação fáctica em apreço no presente parecer apresenta contornos diversos da factualidade constante da jurisprudência citada no ponto anterior. Deste modo, na situação que está na base do pedido sub judice, os serviços respectivos procederam à emissão da nota de liquidação de IRS, em 2005, i.e., em data anterior ao Acórdão do TJCE de 11 de Outubro de 2007 (Processo C-443/06) que veio a considerar o art. 43.º, n.º 2 do CIRS violava o art. 56.º do TCE, pelo que na liquidação de IRS não se vislumbra a existência de qualquer erro de facto ou de direito praticado pelos serviços.
V. Mesmo concedendo, na esteira da posição que o STA tem uniforme e reiteradamente afirmado, que o erro imputável aos serviços não se restringe aos chamados erros materiais mas também aos erros de direito, é de toda a evidência que, no caso sub judice, não se verificou nem erro de facto, nem erro de direito, uma vez que o TJCE só emitiu pronúncia em data posterior à liquidação.
VI. Assim, perante a inexistência de fundamento em erro de direito imputável aos serviços no caso em apreço, propõe-se, salvo melhor opinião, o indeferimento do pedido de revisão do acto de liquidação de IRS.
VII. No que diz respeito à eventual aplicação do art. 78.º, nº 4 e n.º 5 da LGT à situação em apreço, cumpre atender ao entendimento que resulta do Parecer n.º 109/04, de 29.11.2004, deste Centro de Estudos, no sentido de que “a revisão excepcional ao abrigo do n.º 3 [actual n.º 4 do art. 78.º], também pressupõe que a matéria tributável tenha sido apurada ilegalmente: i.e., estamos a referir-nos à ilegalidade no sentido amplo em que é actualmente entendida, de bloco de legalidade (…)”. Ora, recorrendo à argumentação apresentada nos pontos IV e V, considera-se que no caso em análise não se verificou, segundo a nossa opinião, qualquer ilegalidade, cuja consequência seja a injustiça grave ou notória.
VIII. Pelos fundamentos acima expostos, conclui-se que a situação sub judice não qualifica como injustiça grave ou notória, nos termos dos nºs 4 e 5 do art. 78.º da LGT, pelo que se considera que ao caso em apreço não seria de aplicar o entendimento decorrente do Acórdão do TJCE de 11 de Outubro de 2007.”
(cfr. doc. de fls. 43 e ss do PA).

G) Em 05/08/2009 foi elaborada informação pela Divisão de Administração II da Direcção de Serviços do IRS propondo o indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos Impugnantes, tendo recaído despacho da Directora de Serviços determinando a notificação daqueles do projecto de despacho de indeferimento para efeitos do disposto no art. 60º da LGT (cfr. doc. de fls. 38 a 42 do PA).

H) Através do ofício nº 22537 de 02/09/2009 foi comunicado aos Impugnantes o teor da informação e despacho mencionados na alínea antecedente (cfr. doc. de fls. 36 e 37 do PA).
I) Em 04/11/2009, foi elaborada a informação complementar nº 2720/09 pela Divisão de Administração II da Direcção de Serviços do IRS, propondo o indeferimento definitivo do pedido de revisão oficiosa dos Impugnantes, tendo sido proferido despacho de indeferimento em 23/12/2009 pelo Substituto Legal do Director Geral dos Impostos (cfr. doc. de fls. 34 e 35 do PA).
J) Através do ofício nº 14383 de 19/02/2010 foi comunicado aos Impugnantes o teor da informação e despacho mencionados na alínea antecedente, tendo o aviso de recepção sido assinado em 23/02/2010 (cfr. fls. 31 e 32 do PA).
K) Os Impugnantes são residentes em França. (doc. de fls. 13 dos autos).
L) A presente impugnação foi apresentada em 31/03/2010 (cfr. fls. 2 dos autos).

6 – Apreciando
6.1 Da anulação meramente parcial ou total do acto de liquidação impugnado (IRS de 2004)
A sentença recorrida, a fls. 66 a 83 dos autos, julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pelos ora recorrentes contra liquidação de IRS relativa a 2004, condenando a Fazenda Pública a proceder à sua anulação parcial, considerando a exclusão de tributação de 50% da mais-valia tributável, procedendo ao reembolso do montante de imposto pago em excesso e pagando juros indemnizatórios sobre tal montante desde 07/10/2009 até á emissão da nota de crédito. (cfr. sentença recorrida, a fls. 82 dos autos).
Fundamentou-se o decidido nos seguintes termos (fls. 78 a 80 dos autos):
«(…) conclui-se, assim, existir efectivo vício de violação de lei na liquidação efectuada aos impugnantes com referência ao IRS do ano de 2004 na medida em que foi aplicada a taxa de 25% sobre a totalidade (100%) da mais-valia imobiliária obtida, e, consequentemente considera-se a existência de erro de direito imputável aos serviços na acepção dos nºs 1 e 3 do artigo 78º da LGT, que conduz à ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
Cumpre, no entanto, aferir se aquela ilegalidade deve conduzir à anulação total da liquidação em questão, como pedido pelos Impugnantes, ou se deve, ao invés, ser apenas anulada parcialmente nos termos propugnados pela Fazenda Pública, ou seja, anulação apenas na parte que excede o montante devido em sede de IRS por tributação de mais-valias, por residentes em território português, considerando-se 50% da mais-valia tributável à qual seria aplicável a taxa de 40% conforme o disposto no artigo 68º do CIRS, ou seja, taxa aplicável aos residentes em território nacional.
Como antes se viu a ilegalidade do acto tributário de liquidação efectuado aos Impugnantes respeita exclusivamente à não aplicação aos Impugnantes da limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, por aqueles serem sujeitos passivos não residentes em território nacional.
E assim sendo, encontrando-se restringida àquele ponto a ilegalidade do acto de liquidação, a decisão a proferir nos presentes autos não pode ir além da que deriva da desconsideração do disposto no artigo 43º, nº 2 do CIRS na parte em que limita aos residentes a consideração apenas de 50% do saldo das mais-valias.
Consequentemente, será de anular a liquidação apenas na parte que fez incidir a taxa especial de 25%, prevista no actual artigo 72º, nº 1 do CIRS, sobre 50% das mais-valias apuradas como tributáveis, o que significa que a mais-valia tributável dos Impugnantes apenas pode perfazer o valor de 424.095,46€ (848.190,93€ X 50%).
Pelos motivos antes expostos, não pode proceder o pedido de anulação integral da liquidação formulado pelos Impugnantes.
Quanto à posição da Fazenda de que deverá considerar-se a aplicação da taxa de 40% estabelecida no artigo 68º do CIRS, dir-se-à que a pretensão formulada de que por sentença judicial se aplique ao caso a legislação fiscal prevista para os residentes em Portugal, no seu todo, o que implica a utilização da tabela de taxas gerais prevista no artigo 68º do CIRS, é pretensão que não pode aceitar-se, atenta a natureza meramente anulatória da impugnação judicial.
Com efeito, reconhece-se que, em virtude da julgada incompatibilidade do artigo 43º, nº 2 do CIRS com o artigo 56º do TCE, os não residentes comunitários em regra acabam por ser, a final, discriminados positivamente em relação aos residentes no que à tributação das mais-valias imobiliárias respeita, pois que acabam por beneficiar igualmente daquela limitação à tributação, mas a taxa de imposto que lhes é aplicável é a de 25% prevista no nº 1 do artigo 72º do CIRS, e não a que de acordo com a tabela prevista no nº 1 do artigo 68º seria aplicável no caso de tais rendimentos serem auferidos por residentes em Portugal, isto, não obstante aquela não poder ser uma conclusão imediata atento estar dependente do valor de rendimentos tributáveis do sujeito passivo.
Aliás, o legislador, por via da Lei nº 67º-A/2007, de 31 de Dezembro (OE/2008), procurou obviar a esse tratamento de favor dos não residentes comunitários, ou do espaço económico europeu, que obtivessem em Portugal mais-valias imobiliárias, permitindo-lhes a opção pela tributação desses rendimentos em condições similares às aplicáveis aos residentes em Portugal (cfr. o aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8, actuais números 8 e 9 após a renumeração operada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/09, de 23 de Setembro).
Não obstante, não pode o Tribunal, nesta sede, determinar a inaplicabilidade da norma vertida no artigo 72º, nº 1 do CIRS, que expressamente contempla a taxa de 25% aplicável aos não residentes, quanto aos rendimentos de mais-valias imobiliárias, já que, como supra se disse, o processo de impugnação é um processo contencioso de mera anulação, pelo que o pretendido pela Fazenda Pública não pode ser legalmente atendido.»
(Fim de citação)
Não obstante a alegação dos recorrentes no sentido de que se impunha a procedência total da impugnação e consequente anulação total da liquidação sindicada, sob pena de subversão do contencioso de mera anulação e do princípio de separação de poderes constitucionalmente consagrado e porque o acto de liquidação estaria viciado de “vício de violação de lei”, importando a sua anulação total, o decidido não merece qualquer censura e, ao contrário do entendimento do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, conforma-se plenamente com o decidido por este Supremo Tribunal em Acórdão datado de 22 de Março de 2011, proferido no recurso n.º 1031/10, onde se confirmou sentença recorrida de teor idêntico à proferida nos presentes autos (de aplicação da taxa prevista para os não residentes - 25% -, a 50% do valor da mais-valia imobiliária apurada, não conhecendo da questão nova suscitada no recurso de aplicação a esse valor das taxas gerais de IRS, como pretendido pela Fazenda Pública).
Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, ainda muito recentemente afirmada pelo Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do STA (cfr. o Acórdão do Pleno de 10 de Abril de 2013, proferido no recurso n.º 298/12) que «(…) o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. É esta, aliás, a posição consensual da doutrina e da jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a qual, para além de apelar a essa divisibilidade (Cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 9/07/1997, no processo n.º 5874; em 22/09/1999, no processo n.º 24101; em 16/05/2001, no processo n.º 25532; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05; e em 12/01/2011, no processo n.º 583/10.), apela, também, à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual (para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária) e ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação (no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa) (Cfr. o Prof. Saldanha Sanches, in Fiscalidade, 7/8, Julho-Outubro de 2001, págs. 63 e segs., e o Prof. Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 2ª ed., pág. 397.). Deste modo, se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira.».
Assim, o critério jurisprudencial para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
Ora, a norma julgada incompatível com o direito comunitário pelo então Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias por Acórdão de 26 de Outubro de 2006 (processo C-345/05) foi a do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, porquanto prevê uma limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56. CE (cfr. o n.º 40 do referido Acórdão), norma esta que, em violação do direito comunitário, da jurisprudência do Tribunal de Justiça e da deste Supremo Tribunal que se lhe seguiu, a Administração tributária desconsiderou na liquidação efectuada aos ora recorrentes – tributando em 100% a mais-valia imobiliária realizada - e que, por isso mesmo, feriu de ilegalidade o acto de liquidação, na medida do excesso julgado incompatível com o direito comunitário.
É que, no caso dos autos, a matéria colectável é constituída exclusivamente pela mais-valia imobiliária e a taxa aplicável é fixa (25%), daí que a anulação parcial da liquidação consubstancia-se numa operação meramente aritmética de subtracção à base tributável de 50% da mais valia apurada.
Como bem se consignou na sentença recorrida, a ilegalidade do acto tributário de liquidação efectuado aos Impugnantes respeita exclusivamente à não aplicação aos Impugnantes da limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, por aqueles serem sujeitos passivos não residentes em território nacional, e assim sendo, encontrando-se restringida àquele ponto a ilegalidade do acto de liquidação, a decisão a proferir nos presentes autos não pode ir além da que deriva da desconsideração do disposto no artigo 43º, nº 2 do CIRS na parte em que limita aos residentes a consideração apenas de 50% do saldo das mais-valias.
É indubitável que mesmo com a anulação meramente parcial da liquidação, e não a anulação total que peticionaram, os recorrentes são beneficiados relativamente aos residentes em território nacional que hajam auferido rendimentos idênticos, pois que a estes se aplicam as taxas gerais progressivas de IRS. Sucede, porém, que não cabia ao tribunal “a quo” assegurar a equiparação de tratamento entre residentes e não residentes, substituindo a taxa de imposto aplicada pelas taxas gerais de IRS, como aliás peticionado pela Fazenda Pública em 1.ª instância, porquanto, como bem julgado na sentença recorrida, a tal obsta a natureza meramente anulatória da impugnação judicial, estando vedado ao juiz substituir a taxa de imposto efectivamente aplicada na liquidação por outra.

Pelo exposto, impõe-se concluir que o recurso não merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 30 de Abril de 2013. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Lino RibeiroDulce Neto.