Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01004/17
Data do Acordão:06/27/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:Não havendo entre o acórdão arbitral recorrido e o acórdão fundamento contradição sobre a mesma questão fundamental de direito não deve o recurso ser admitido.
Nº Convencional:JSTA000P23461
Nº do Documento:SAP2018062701004
Data de Entrada:09/20/2017
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
*
1.1. A…………, Lda. vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável por força do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal da decisão arbitral proferida em 28/06/2017, no processo n.º 411/2016-T CAAD, por alegada contradição com o decidido no acórdão do TCAS de 26/01/2017 processo n.º 06853/13.
*
1.2. A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«1. O artigo 88.º, n.º 3 do Código do IRC carece de interpretação restritiva, no sentido de não se permitir a sujeição a tributação autónoma das despesas suportadas pelas empresas com motociclos transportadores de mercadorias utilizados na atividade de distribuição desenvolvida por esses mesmos sujeitos passivos, pelo que as tributações autónomas a que a Recorrente foi sujeita não se deviam aplicar;
2. Ainda que tal não se considerasse e se entendesse que a Recorrente, para obstar à aplicação das tributações autónomas, tinha de ilidir a presunção de “empresarialidade parcial” das despesas em causa que se encontra ínsita no n.º 3 do artigo 88.º C.IRC., a Recorrente fez prova bastante e concludente da empresarialidade integral das despesas, ao provar que os motociclos eram insuscetíveis de ser utilizados a título pessoal, tanto pelas suas caraterísticas (pois incluem uma caixa de transporte de mercadorias fixa e na qual estão apostas as insígnias da Recorrente), como em virtude de tal comportamento consubstanciar uma infração disciplinar à luz do Manual de Procedimentos interno de utilização dos motociclos;
3. A decisão desse Tribunal Arbitral (o Centro de Arbitragem Administrativa ou CAAD), no sentido de que não teria a ora Recorrente logrado ilidir a presunção de “empresarialidade parcial” supra referida por não ter conseguido provar, de forma absoluta, que os motociclos não foram nunca utilizados a título pessoal encontra-se em oposição com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos, bem como com jurisprudência do próprio CAAD;
4. Com efeito, o mesmo Tribunal Arbitral, num caso em todo paralelo – o processo n.º 553/2016-T –, proferiu decisão oposta, tendo defendido que o artigo 88.º n.º 3 do Código do IRC carecia de interpretação restritiva nos termos já aqui defendidos pela Recorrente, tendo concluído que “o texto do n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, ao aludir genericamente a motociclos, não reflete adequadamente a intenção legislativa que está subjacente a esta norma, que não inclui a tributação autónoma de veículos vocacionados para o transporte de carga”.
5. O Acórdão recorrido encontra-se em oposição com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26/01/2017 (Proc. n.º 06853/13), na medida em que este aplicou o princípio in dubio contra fiscum em defesa do contribuinte, argumentando que este princípio “leva a que o interesse substancial da justiça domine o atual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado”, uma vez que o mesmo propugna que, em caso de dúvida sobre a aplicabilidade de um tributo, a decisão deve sempre reverter a favor do contribuinte.
6. Ao exigir uma prova absoluta, que vá além da dúvida razoável, e embora a Recorrente entenda que a prova que produziu ia bastante além da dúvida razoável, o Acórdão recorrido encontra-se, também, em oposição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/11/2010 (Proc. n.º 0441/09), na parte em que o mesmo defendeu a desnecessidade de a prova atingir uma “certeza férrea e absoluta”, bastando “um grau de certeza menor desde que o conjunto das circunstâncias apuradas permita concluir, com a necessária segurança e para além de toda a dúvida razoável, que esse facto existiu.”
7. Acresce que o Tribunal Arbitral nunca colocou qualquer dúvida quanto à prova existente, nem procurou diligenciar pela obtenção de mais prova (se dúvidas restavam sobre a certeza da insusceptibilidade de utilização dos motociclos a título pessoal), pelo que o Acórdão recorrido se encontra em oposição com jurisprudência anterior do Tribunal Central Administrativo Sul, mais concretamente, o Acórdão de 21/11/2006 (Proc. n.º 00264/04), onde este Tribunal afirmou que “[O impugnante] não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida «a existência e quantificação do facto tributário». Cabe-lhe [ao impugnante] o ónus da prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los. Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se pelo fundamento daquela dúvida.” Tal conclusão foi justificada pelo conteúdo da norma do artigo 13.º n.º 1 do Código do Procedimento e Processo Tributário, que prevê que os juízes dos tribunais tributários devem “realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.”
8. Pelo que o douto Acórdão recorrido merece censura e deve ser revogado com todas as consequências daí decorrentes, maxime condenando-se a AT a restituir a peticionada quantia de € 404.732,88 (quatrocentos e quatro mil, setecentos e trinta e dois euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida dos juros indemnizatórios correspondentes.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, o douto Acórdão arbitral recorrido revogado, com todas as consequências legais daí resultantes, com o que será feita Justiça!».
*
1.3. A recorrida contra-alegou terminando as alegações com o seguinte quadro conclusivo:
1.ª Mesmo olvidando a circunstância de a Recorrente (i) não ter procedido na sua juntada, a junção dos três “acórdãos fundamento” e (ii) não ter alegado e, menos ainda, demonstrado o trânsito em julgado dos três “acórdãos fundamento”, considera-se que não estão preenchidos os dois primeiros requisitos cumulativos de que está dependente a tomada de conhecimento do Recurso Por Oposição de Acórdãos;
2.ª Confrontando o circunstancialismo subjacente a decisão arbitral sub judice com as situações de facto atinentes aos três “acórdãos fundamento” resulta evidente a ausência de identidade em matéria de facto, porquanto (i) apenas o primeiro “acórdão fundamento” se reporta a IRC; (ii) nenhum dos três “acórdãos fundamento” se relaciona minimamente com tributações autónomas, (iii) nenhum dos três “acórdãos fundamento” se relaciona minimamente com qualquer questiúncula relativa a tributação de frota automóvel adstrita ao desenvolvimento da atividade comercial do sujeito passivo, e (iv) nenhum dos três “acórdãos fundamento” tem por base um sujeito passivo com uma atividade comercial minimamente próxima com a da ora Recorrente;
3.ª Confrontando questão fundamental de direito subjacente a decisão arbitral (maxime tributação autónoma dos encargos suportados com veículos – artigo 88.º n.º 3 do Código do IRC) com as questões subjacentes aos três “acórdãos fundamento”, resulta evidente que a falta de identidade com a questão fundamental de direito subjacente, uma vez que nenhum daqueles arestos provindos de tribunais superiores analisou qualquer problemática atinente: (i) à ilisão, de presunções; (ii) tributações autónomas; ou (iii) à “empresarialidade” de encargos com viaturas automóveis;
4.ª Não só a questão fundamental de direito não foi minimamente aflorada nos três “acórdãos fundamento”, como, mais importante até, tal questão não foi até hoje tratada pelos nossos tribunais superiores portugueses, conforme resulta das pesquisas realizadas nas Bases Jurídico-Documentais acessíveis em www.dgsi.pt;
5.ª Ainda que assim não se entendesse, o presente Recurso Por Oposição de Julgados continuar a não produzir o efeito almejado pela Recorrente;
6.ª Em primeiro lugar, porque sob a capa de Recurso Por Oposição de Acórdãos aquilo que a Recorrente verdadeiramente pretende obter é uma (ilegal) reapreciação da causa por (alegado) erro de julgamento;
7.ª Efetivamente, lendo e relendo o articulado recursório (designadamente os seus artigos 120 e ss), a conclusão que dele se retira é que, sob o véu de Recurso Por Oposição de Acórdãos, aquilo que Recorrente pretende é que o STA sirva de 2.ª instância para reapreciação de um pretenso erro de julgamento que, na sua ótica, incorreu o Tribunal Arbitral Coletivo em torno da apreciação da prova que foi produzida;
8.ª Por outro lado, as escassas referências aos “acórdãos fundamento” invocados pela Recorrente e os respigos que esta ultima deles extrai estão muito longe de constituir uma verdadeira demonstração da existência de uma contradição (ou mais) entre a decisão arbitral e os “acórdãos fundamento” quanto à mesma questão fundamental de direito;
9.ª Os respigos realizados pela Recorrente ao longo do seu articulado não passam de transcrições descontextualizadas e de meros argumentos destinados a reforçar a subretícia questão do alegado erro de julgamento na apreciação da prova, não evidenciando qualquer contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito;
10.ª Em segundo lugar, a decisão arbitral sub judice não padece de qualquer erro de julgamento, seja quanto à matéria de facto seja ainda quanto à (boa) interpretação da lei;
11.ª Se alguma censura merece a decisão ora sob escrutínio, tal censura há-de centrar-se precisamente no facto de ela ter admitido a existência de uma presunção suscetível de ilisão.
12.ª Efetivamente, o artigo 88.º do Código do IRC não contém qualquer presunção suscetível de ilisão como advoga determinada linha jurisprudencial nada no CAAD, sendo que a tese da “presunção de empresarialidade” não encontra qualquer respaldo no artigo aqui em causa, como, aliás, salienta SÉRGIO VASQUES.
Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso ser julgado improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.».
*
1.4. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«1. DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO
I. 1. Inconformada, veio a Requerente A…………, Lda., interpor recurso para uniformização de jurisprudência da Decisão Arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo, em 28/06/2017, no âmbito do Processo n. 411/2016-T, invocando, para o efeito, o disposto no artigo 25.º n.º 2 e 3 do Decreto-Lei n. 10/2011, de 20 de Janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (cfr. o requerimento de interposição do recurso e as respetivas alegações, juntos de fls. 3 a 24 do processo em suporte físico, de ora em diante designado como p. f.)
Em ordem à admissão do presente recurso, a Recorrente veio invocar a oposição entre a citada decisão arbitral, ora recorrida, e os doutos Acórdão deste Colendo STA - Secção do CA, tirado em 11/11/2010, no âmbito do Processo n.º 0441/09 e do Venerando TCA Sul - Secção do CT, de 26/01/2017 e de 21/11/2006, nos Processos n.º 06853/13 e n.º 00264/04, respetivamente, que foram indicados como acórdãos fundamento (todos consultáveis em www.dgsi.pt tal como os que iremos mencionar de futuro, sem que lhes seja aposta a menção expressa à respetiva proveniência).
Examinado o processado, constata-se que, por força do douto despacho do M.mo Juiz Conselheiro Relator, proferido em 24/11/2017, em virtude de o presente recurso versar sobre uma única questão de direito, a Recorrente foi, expressamente, convidada a vir indicar qual, de entre os três citados arestos, deveria figurar como acórdão fundamento, sob pena de se considerar apenas o mais recente (cfr. fls. 40 do p. f.)
Na sequência dessa notificação, a Recorrente votou-se ao silêncio, razão por que haverá que ser dado como assente que, no presente recurso, o acórdão fundamento é o do Venerando TCA Sul - Secção do CT, de 26/01/2017, prolatado no Processo n.º 06853/13, por ser, precisamente, o mais recente.
Aliás, a latere, o Ministério Público não estranha o facto de a Recorrente se ter quedado inerte, perante este convite, facto a que não é, seguramente, alheia a dificuldade, senão impossibilidade, de estabelecer um paralelo entre os acórdãos em causa e a decisão arbitral recorrida.
Assim, o mencionado douto aresto de 11/11/2010, da Secção do CA deste Colendo STA, recaiu sobre eventuais erros de julgamento incidentes sobre a matéria de facto, no âmbito de uma ação de responsabilidade civil extracontratual, enquanto o - também citado - Acórdão do TCA Sul, de 21/11/2006, incidiu sobre questões como a fundamentação insuficiente, a preterição do ónus probatório e a violação do princípio do in dubio contra fiscum.
Esta resenha, que se extrai do sumário dos aludidos doutos arestos, consultável no referido sítio, é bem expressiva da circunstância, por demais ostensiva, de os mesmos não terem versado sobre a mesma - ou equivalente - situação fáctica e sobre idêntico enquadramento jurídico do que foi objeto da decisão arbitral recorrida.
De resto, adianta-se, desde já, que a mesma falta de identidade ocorre em relação ao acórdão fundamento, questão de que o Ministério Público curará de seguida.
I. 2. Assim, emitindo pronúncia sobre a problemática da admissibilidade do presente recurso, importa dilucidar, em primeira linha, se ocorre ou não a alegada contradição, entre a decisão do Tribunal Arbitral, ora recorrida, e o mencionado douto acórdão fundamento, tirado pelo Venerando TCA Sul, em 26/01/2017, no Processo n.º 06853/13, relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, apurar se a decisão impugnada estará em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste Colendo Supremo Tribunal Administrativo.
Na verdade, a existência de oposição de julgados depende (i) da ocorrência de contradição quanto a idêntica questão fundamental de direito, no quadro de idêntica situação fáctica e de idêntica regulamentação jurídica, e, outrossim, (ii) da decisão proferida não se mostrar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada, de harmonia com o preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 284.º do CPPT, 27.º, n.º 1, alínea b), do ETAF e 152.º, n.º 1, alínea a) e 3, do CPTA.
Na verdade, no que tange à admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, o regime legal aqui aplicável tem sido objeto de inúmeros e exaustivos arestos deste Colendo STA, dos quais citamos, por todos, o douto acórdão do Pleno desta Secção do CT, de 16/03/2016, no Recurso n.º 0880/15 (Aí se exarou que “A admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade das questões suscitadas e resolvidas, perante quadro legal substancialmente idêntico e substancial identidade das situações fácticas. (...)”.).
I.3. Ora, examinados, de um lado, a decisão arbitral recorrida e, do outro, o citado acórdão fundamento, o Ministério Público considera que não ocorre divergência, muito menos inconciliável, entre ambos.
Efetivamente, não apenas são diversas e, ademais, dissemelhantes as situações de facto subjacentes aos dois mencionados arestos, como, ainda, não se regem pelas mesmas disposições legais, e daí que sejam merecedoras de um diverso tratamento jurídico.
Na verdade, a decisão arbitral em crise firmou o entendimento segundo o qual “(...) haverá que concluir que a presunção de “empresarialidade parcial” em questão, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de ilisão genericamente consagrada no art.º 350.º do Código Civil e 73.º da LGT23, o que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade integral à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.
(...) Neste contexto, mesmo que se admita que a existência daquelas regras de utilização e a previsão de meios de controlo poderá, em medida não determinada, dissuadir utilizações dos motociclos para fins privados, não pode deixar de se concluir que não dissiparam, com segurança exigível a uma decisão jurisdicional, as dúvidas que legislativamente justificam aquelas tributações autónomas.
Em suma, não se pode concluir que as situações em causa se afastem da «linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo» e, sendo assim, mantém-se a aplicação da presunção legislativa de empresarialidade parcial dos encargos em causa.
Termos em que será de considerar não ilidida a presunção do artigo 88.º/3 (alínea a) relativamente ao exercício de 2011) do CIRC - vigente à data dos factos tributários, pelo que, demonstrando-se que os motociclos a que se reportam as despesas sobre as quais incidiu a tributação autónoma em questão no presente processo arbitral não têm um afetação 100% empresarial, deverão os correspondentes gastos ser objeto de incidência daquela tributação.” (o sublinhado é nosso).
Por sua vez, no já aludido acórdão fundamento do Venerando TCA Sul, que versou sobre o ónus da prova no específico domínio das chamadas “faturas falsas”, foi firmada a seguinte doutrina: “O art.º 100.º, n.º 1, do C.P.P.Tributário, constitui uma afloração do princípio “in dubio contra fiscum”, vigente no momento da decisão sobre facto incerto na aplicação da lei e com alcance análogo ao do princípio “in dubio pro reo” no que respeita à apreciação da prova em processo penal. Tal princípio leva a que o interesse substancial da justiça domine o atual processo tributário em detrimento do mero interesse formal ou financeiro do Estado. Este princípio consubstancia uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário enunciada no art.º 74.º, n.º 1, da L.G.T., em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Cânone este também aplicável ao processo judicial tributário. Saber se, perante a prova produzida, há dúvidas sobre a existência ou quantificação de um facto tributário é uma questão essencialmente de facto. Assim, se o Tribunal decidiu dar como provada a existência ou inexistência de um facto tributário não haverá lugar à aplicação desta norma. Só em situações em que não houver a certeza se existe ou não o facto deverá fazer-se aplicação desta regra sobre o ónus da prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus.” (anota-se que o destaque não consta do original, consultável em www.dgsi.pt).
A ser assim, face aos contornos dos casos versados nos arestos alegadamente em oposição, cujo recorte ressuma da respetiva fundamentação de facto e de direito, impõe-se concluir que estamos perante duas situações de facto distintas e, como decorrência, na presença de dois enquadramentos jurídicos também diversos.
Atento o acima exposto, mais não nos resta do que enfatizar que falha, de todo, in casu, um dos pressupostos necessários à admissibilidade do presente recurso, materializado na indispensável identidade das questões que foram suscitadas e decididas nas duas decisões em confronto, ditada pela substancial identidade das situações fácticas versadas e, ainda, pela respetiva subsunção e subsequente aplicação de normas legais substancialmente idênticas.
A ser assim, no caso em presença, imperativo se torna concluir, sem maiores indagações, por supérfluas, que, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento, não se verifica a similitude das situações de facto e, outrossim, das normas jurídicas aplicáveis, que justificaria e/ou imporia a admissão do presente recurso.
Destarte, ao Ministério Público afigura-se que não se encontram reunidos, no caso vertente, todos os pressupostos previstos no já citado artigo 152.º n.º 1, do CPTA, para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência
II. CONCLUSÃO
Em suma, o Ministério Público emite o parecer de que o Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Colendo Supremo Tribunal Administrativo não deverá tomar conhecimento do presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência.».
*
1.5. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
*
1.6. A recorrente foi convidada, por despacho de fls. 40, uma vez que apenas se encontrava suscitada uma questão jurídica fundamental, a escolher um único acórdão fundamento.
Não indicou a recorrente qual dos acórdãos pretende que seja considerado estar em contradição com a decisão do CAAD “sob pena de se considerar apenas o mais recente”.
Sendo o acórdão do TCAS de 26/01/2017, processo n.º 068537/13, o mais recente apenas este será apreciado desconsiderando-se, por isso, as referências da recorrente aos demais acórdãos que inicialmente indicou como acórdãos fundamento.
Será, por isso, este acórdão do TCAS e apenas este o acórdão fundamento que será apreciado nos presentes autos.
*
1.7. Cumpre apreciar e decidir se se verificam os pressupostos formais do recurso por oposição de acórdãos.
Depois deverá averiguar-se se existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.
Só posteriormente, se a resposta à questão anterior for positiva, deverá averiguar-se se o acórdão recorrido sofre dos vícios que lhe são imputados.
*
2.1. A decisão arbitral recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1 - No âmbito da Ordem de Serviço OI 201405666/67/68 DIV 4 EQ 42, os SIT procederam a uma acção inspectiva externa de âmbito parcial na esfera da ora Requerente, relativa ao IRC dos períodos de tributação de 2011, 2012 e 2013.
2 - Em resultado desta acção de inspecção, a Requerente foi notificada, em 30 de Setembro de 2015, do Projecto de Conclusões de Inspecção Tributária, o qual veio propor diversas correcções.
3 - Em 15 de Outubro de 2015 a ora Requerente exerceu o direito de audição prévia sobre o Projeto de Conclusões, aceitando algumas das correcções sugeridas – que voluntariamente regularizou – e contestando outras.
4 - Os SIT aceitaram algumas das explicações prestadas pela ora Requerente em sede de Audição Prévia, e rejeitaram outras, e em 30 de Outubro de 2015 apresentaram à uma proposta de correcções ao Projecto de Conclusões, alterando os quadros das correcções inicialmente propostas aos três exercícios considerados, da forma constante do seguinte:

5 - Em 30 de Outubro de 2015 a ora Requerente preencheu e apresentou à Administração Tributária nova declaração de IRC relativa ao exercício de 2011, e em 2 de Novembro de 2015, novas declarações de IRC relativas aos exercícios de 2012 e 2013, em substituição daquelas que já tinha oportunamente apresentado para cada um desses exercícios, e nas quais introduziu as alterações propostas pelos SIT, razão porque o Relatório final da inspecção não encontrou quaisquer incidências a corrigir.
6 - Em função das declarações de substituição apresentadas, as liquidações originais de IRC relativas aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, foram anuladas e:
a. em 4 de Novembro de 2015 a relativa ao exercício de 2011 foi substituída pela liquidação n.º 2015 23104488373;
b. em 16 de Novembro de 2015 a relativa ao exercício de 2012 foi substituída pela liquidação n.º 2015 2310449463, e
c. em 16 de Novembro de 2015 a relativa ao exercício de 2013 foi substituída pela liquidação n.º 2015 2310449463.
7 - Em 19 de Novembro de 2015 a ora Requerente foi notificada da liquidação n.º 2015 23104488373 e em 23 e Novembro de 2015 das liquidações n.º 201523104488373 e n.º 2015 2310449484.
8- Depois de feitas as devidas compensações e acrescentados os juros de mora e compensatórios, os impostos em falta ascenderam a:
a. no exercício de 2011, 97.155,36€;
b. no exercício de 2012, 175.696,61€; e
c. no exercício de 2013, 131.880,91€, num total de 404.732,88€.
9 - Em 15 de Janeiro de 2016 a Requerente procedeu à regularização do montante de impostos em falta, o qual ascendia a 404.732,88 € (montante este que já incluía juros compensatórios).
10 - A Requerente não se conformou com a correcção promovida pelos SIT relativa à tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas, no montante de 404.732,88€, pelo que em 29 de Fevereiro de 2016 deduziu reclamação graciosa contra os actos de autoliquidação de IRC dos exercícios de 2011, 2012 e 2013, na parte correspondente.
11 - Os argumentos apresentados pela ora Requerente não foram acolhidos pela Autoridade Tributária, tendo a Requerente sido notificada, em 29 de Março de 2016, do projecto de indeferimento da reclamação graciosa, tendo exercido o respectivo direito de audição prévia em 07 de Abril de 2016.
12 - Os argumentos da ora Requerente não foram acolhidos, pelo que em 20 de Abril de 2016 a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, na qual a Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal manteve as correcções promovidas pelos Serviços de Inspecção Tributária.
13 - As correcções relativas a tributações autónomas, que os serviços de Inspecção Tributária promoveram e que a Requerente ora contesta, no montante total de 404.732,88 €, são relativas a encargos suportados pela B………… com motociclos nos exercícios de 2011, 2012 e 2013.
14 - No âmbito da prossecução da sua actividade de prestação de serviços de distribuição de produtos alimentares, a B………… é proprietária de diversos motociclos que se encontram devidamente registados na sua contabilidade como activos tangíveis e aos quais se encontram associados diversos encargos, nomeadamente depreciações, seguros, manutenção e conservação e combustíveis.
15 - A B………… tem como actividade a fabricação, transformação, distribuição e comercialização de produtos alimentares.
16 - Para o desenvolvimento da sua actividade de comercialização e distribuição de produtos alimentares, a B………… necessita de colocar ao dispor dos seus funcionários veículos para a entrega dos seus produtos aos clientes.
17 - Tendo em vista a maximização do número de entregas diárias, a B………… concluiu que os veículos que melhor se adaptariam à sua actividade e que de forma mais efectiva permitiriam aumentar o número de entregas, pela rapidez na sua deslocação, eram os motociclos.
18 - A utilização de viaturas comerciais revelar-se-ia inadequada para a actividade de entrega de produtos ao domicílio, na medida em que dificultaria a circulação dos colaboradores encarregues das entregas, quando comparada com a utilização de motociclos os quais, pela facilidade de circulação, permitem que seja realizado um maior número de entregas em menor tempo, aumentando a facturação.
19 - A opção pela utilização de viaturas comerciais na actividade exercida pela B………… comportaria um aumento significativo de custos com combustível e manutenção das viaturas e dificultaria a circulação dos colaboradores encarregues das entregas, quando comparada com a utilização de motociclos os quais, pela facilidade de circulação, permitem que seja realizado um maior número de entregas em menor tempo.
20 - Segundo o Manual de procedimentos interno, “As motorizadas utilizadas nas Lojas exploradas pela B………… são propriedade desta e destinam-se à realização de entregas ao domicílio”.
21- Cada loja a B………… dispõe de garagem própria/parqueamento de forma a garantir o estacionamento dos motociclos no fim de cada dia de trabalho.
22 - A B………… possui oficinas próprias e exclusivas, destinadas à reparação e manutenção dos motociclos da B…………, certificadas e homologadas por uma marca de motociclos (Honda), beneficiando das mesmas condições que qualquer concessionário da marca usufrui.
23 - O mesmo Manual dispõe que cabe a cada colaborador a quem foi atribuído um motociclo, a cada início e fim de período de trabalho, a responsabilidade pela recolha e estacionamento daquela na garagem ou parqueamentos afectos à Loja em causa, devendo igualmente proceder à devolução à equipa de gerência da Loja, das chaves do veículo e da garagem/estacionamento.
24 - Está também previsto no Manual de Procedimentos que a eventual utilização abusiva dos motociclos (nomeadamente para fins alheios à actividade da Requerente) constitui uma infracção disciplinar.
25 - Analisada a facturação mensal da B………… nos anos de 2011, 2012 e 2013, de acordo com a respectiva contabilidade, a facturação decorrente de entregas ao domicílio tem o peso na facturação exposto nas tabelas infra:



26 – De acordo com a contabilidade da Requerente, facturação nos pontos de venda foi, no mesmo período constante do ponto anterior, a constante da tabela infra:





27 - A percentagem da facturação da B………… relativa a entregas ao domicílio é maximizada pelo facto de aquela mitigar o impacto de factores exógenos como o trânsito na sua actividade, através do uso de motociclos.
28 - A maior parte das instalações da B………… encontra-se vocacionada para os serviços de entrega ao domicílio, sendo que apenas três lojas se encontram exclusivamente vocacionadas para a componente de restaurante.».
*
2.2. Dá-se por reproduzido, para todos os efeitos, o probatório fixado no acórdão fundamento.
*
3.1. O acórdão arbitral recorrido concluiu da forma seguinte:
“Em suma, não se pode concluir que as situações em causa se afastem da «linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo» e, sendo assim, mantém-se a aplicação da presunção legislativa de empresarialidade parcial dos encargos em causa.
Termos em que será de considerar não ilidida a presunção do artigo 88.º/3 (alínea a), relativamente ao exercício de 2011) do CIRC vigente à data dos factos tributários, pelo que, demonstrando-se que os motociclos a que se reportam as despesas sobre as quais incidiu a tributação autónoma em questão no presente processo arbitral não têm um afetação 100% empresarial, deverão os correspondentes gastos ser objeto de incidência daquela tributação.
Face ao exposto, deverá a presente ação arbitral ser julgada improcedente e, consequentemente, manter-se a liquidação objeto do presente processo.
Fica assim prejudicado o pedido da Requerente de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia por si paga na sequência da notificação da liquidação ora anulada.»”.
Entendeu, em síntese, a decisão arbitral que “demonstrando-se que os motociclos a que se reportam as despesas sobre as quais incidiu a tributação autónoma em questão no presente processo arbitral não têm um afetação 100% empresarial, deverão os correspondentes gastos ser objeto de incidência daquela tributação pelo que se deve considerar não ilidida a presunção do artigo 88.º 3 alínea a), relativamente ao exercício de 2011, do CIRC vigente à data dos factos tributários.
*
3.2. O acórdão fundamento concluiu, na parte relevante para os presentes autos, o seguinte:
“Revertendo ao caso dos autos, como resulta do exame do probatório (cfr. n.º 2 da factualidade provada) no âmbito da acção de inspecção a A. Fiscal concluiu que as facturas identificadas no relatório de inspecção e emitidas pelos diversos sujeitos passivos devidamente reconhecidos no n.º 2 do probatório não correspondem a operações reais. Por outras palavras, a A. Fiscal fundamentou de forma coerente todas as suas correcções e alicerçou os seus juízos nos vários vestígios (v.g. vestígios consistentes de emissão de facturação falsa) que foram por si descritos e se encontram amplamente fundamentados, assim sendo recolhidos indícios sérios de que as facturas encontradas na contabilidade da sociedade recorrente não correspondem a transacções reais e ficando, deste modo, seriamente abalada a presunção de veracidade das operações constantes da contabilidade da sociedade apelante (cfr. art.º 75, n.ºs 1 e 2, al. a), da L.G.T.).
Consequentemente, incumbia ao recorrente o ónus de demonstrar a efectiva prestação dos serviços postos em causa.
Ora, do probatório decorre, linearmente, que o recorrente não fez prova dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de ver considerados os alegados custos suportados com a aquisição de sucata aos ditos fornecedores (v.g. compras realizadas e pagamentos efectuados), como custos para efeitos de apuramento da matéria colectável de I.R.C., quanto aos exercícios de 2005 e 2006.
Desta forma, considera-se que as correcções ao I.R.C. dos exercícios de 2005 e 2006 e que deram origem às liquidações objecto do presente processo são legais, não padecendo de qualquer erro, contrariamente ao defendido pelo recorrente e, nesta medida, se confirmando a decisão recorrida, também quanto a este segmento.

No caso concreto, de acordo com a matéria de facto provada, o impugnante/recorrente não conseguiu fazer prova que gere dúvida, de qualquer espécie, sobre a existência do facto tributário (cfr. n.º 2 da matéria de facto provada). Como a dúvida sobre a existência do facto tributário tem que resultar de prova produzida, ou seja, é uma questão que só se coloca após a produção de prova, não se pode aplicar, no caso “sub judice”, o mencionado princípio “in dubio contra fiscum”.”.
Segundo o acórdão fundamento foram “recolhidos indícios sérios de que as facturas encontradas na contabilidade da sociedade recorrente não correspondem a transacções reais” pelo que ficou “abalada a presunção de veracidade das operações constantes da contabilidade da sociedade apelante” não tendo o recorrente feito “prova dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de ver considerados os alegados custos suportados com a aquisição de sucata aos ditos fornecedores (v.g. compras realizadas e pagamentos efectuados), como custos para efeitos de apuramento da matéria colectável de I.R.C., quanto aos exercícios de 2005 e 2006.”.
*
3.3. Para que ocorra oposição de julgados que permita o recurso para o Pleno da Secção, nos termos do disposto no artigo 25º 2 do RJAMT, 152º 1 a) do CPTA e 27º 1, b) do ETAF, torna-se necessário que os acórdãos considerados em oposição hajam decidido sobre a mesma questão fundamental de direito, aplicando os mesmos preceitos legais de forma diversa a idênticas situações de facto.
É jurisprudência pacífica do Pleno desta Secção que para caraterizar a questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os seguintes critérios:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respetivamente).
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).
A oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).
Torna-se, por isso, necessário determinar se se verificam os indicados pressupostos ou se existe a invocada e exigida oposição de acórdãos.
*
3.4. Questionou a recorrente, tal como consta do probatório, a tributação autónoma incidente sobre os encargos, com viaturas, suportados pela B…………, com motociclos no âmbito da prossecução da sua atividade de prestação de serviços de distribuição de produtos alimentares, em que é proprietária de diversos motociclos que se encontram registados na sua contabilidade como ativos tangíveis relativamente aos quais se encontram associados diversos encargos, nomeadamente depreciações, seguros, manutenção e conservação e combustíveis.
De acordo com o probatório a B………… tem como atividade a fabricação, transformação, distribuição e comercialização de produtos alimentares necessitando a mesma para o desenvolvimento da sua atividade de comercialização e distribuição de produtos alimentares de colocar ao dispor dos seus funcionários veículos para a entrega dos seus produtos aos clientes.
Do probatório resulta que para a maximização do número de entregas diárias, a B………… concluiu que os veículos que melhor se adaptariam à sua atividade e que, de forma mais efetiva, permitiriam aumentar o número de entregas, pela rapidez na sua deslocação, eram os motociclos.
Resulta também do probatório que a percentagem da faturação da B………… relativa a entregas ao domicílio é maximizada pelo facto de aquela mitigar o impacto de fatores exógenos como o trânsito na sua atividade, através do uso de motociclos.
Resulta, ainda, do probatório que a maior parte das instalações da B………… encontra-se vocacionada para os serviços de entrega ao domicílio, sendo que apenas três lojas se encontram exclusivamente vocacionadas para a componente de restaurante.
Perante a matéria fatual que, em síntese, se deixou referida concluiu a decisão arbitral recorrida que demonstrando-se que os motociclos a que se reportam as despesas sobre as quais incidiu a tributação autónoma em questão no presente processo arbitral não têm um afetação 100% empresarial, deverão os correspondentes gastos ser objeto de incidência daquela tributação.
Acrescentou que se deve considerar não ilidida a presunção do artigo 88.º nº 3 alínea a), CIRC.
*
3.5. No acórdão fundamento encontra-se estabelecido que do relatório da inspeção consta que o sujeito passivo se encontra coletado na atividade de "comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos" e que o seu sócio-gerente esteve coletado pela mesma atividade como sujeito passivo singular e que, enquanto sujeito passivo singular, verificou-se que recebia os materiais, de uma forma diária e constante, no terreno sito na sede, com proveniência em pequenos operadores, tendo-se constatado que também efetuava a sua própria recolha.
Consta do probatório que se verificou também que, de acordo com os registos contabilísticos, o pagamento àqueles operadores era efetuado em dinheiro e que eram raros os registos relativos a auto-facturação e a emissão de cheques nominativos.
Resulta ainda do probatório que as conclusões das ações inspetivas apontam para a existência de um suporte documental que não corresponde à realidade, nomeadamente que as quantidades descritas nas faturas de compras não podiam ter sido transacionadas por aqueles operadores.
Segundo o acórdão recorrido a A. Fiscal fundamentou de forma coerente todas as suas correções e alicerçou os seus juízos nos vários vestígios consistentes de emissão de faturação falsa.
Refere que as faturas encontradas na contabilidade da sociedade não correspondem a transações reais ficando abalada a presunção de veracidade das operações constantes da contabilidade da sociedade nos termos do artigo 75, n.ºs 1 e 2, al. a), da L.G.T..
Acrescentou que incumbia ao recorrente o ónus de demonstrar a efetiva prestação dos serviços postos em causa e que o mesmo não provou os alegados custos suportados com a aquisição de sucata aos ditos fornecedores.
Concluiu que se considera que as correções ao I.R.C. são legais.
*
3.6. Entende-se que são diversas as situações de facto subjacentes aos dois mencionados arestos.
No acórdão recorrido está em causa uma situação de tributação autónoma sobre encargos relacionados com motociclos enquadrada no artigo 88º 3 do CIRC.
No acórdão fundamento está em causa uma situação relacionada com as denominadas faturas falsas que não corresponderiam a transações reais que levaram a abalar a presunção de veracidade das operações constantes da contabilidade da sociedade, nos termos do artigo 75, n.ºs 1 e 2, al. a), da L.G.T..
Aquele e este acórdão levaram à não anulação da liquidação em crise.
Contudo o acórdão recorrido com o entendimento de que os encargos com a tributação autónoma em questão, no processo arbitral, não têm um afetação 100% empresarial pelo que se deve considerar não ilidida a presunção do artigo 88.º nº 3 alínea a), CIRC.
Já o acórdão fundamento com o entendimento de que as faturas encontradas na contabilidade da sociedade não correspondem a transações reais o que teria abalado a presunção de veracidade das operações constantes da contabilidade da sociedade, nos termos do artigo 75, n.ºs 1 e 2, al. a), da L.G.T. pois que incumbiria ao recorrente o ónus de demonstrar a efetiva prestação dos serviços postos em causa e que o mesmo não provou os alegados custos suportados com a aquisição de sucata aos ditos fornecedores.
Acompanha-se, por isso, o MP quando afirma que não só são diversas as situações de facto subjacentes aos dois mencionados arestos como não aplicaram as mesmas disposições legais o que sempre implicaria um diverso tratamento jurídico.
Do exposto resulta que estamos perante duas situações de facto distintas que conduziram à aplicação de diversos preceitos normativos e, por isso, na presença de enquadramentos jurídicos também diversos.
Não ocorrem, por isso, os pressupostos necessários à admissibilidade do presente recurso, por inexistir a identidade das questões suscitadas e decididas no acórdão fundamento e na decisão arbitral recorrida.
É de concluir que não se encontram reunidos os pressupostos previstos no artigo 152.º n.º 1, do CPTA, para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
Não ocorre, nos termos expostos, antagonismo de soluções jurídicas a que cumpra pôr termo.
*
Não havendo entre o acórdão arbitral recorrido e o acórdão fundamento contradição sobre a mesma questão fundamental de direito não deve o recurso ser admitido.
*
4. Face ao exposto acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do presente recurso.
Custas pela Recorrente.
Comunique-se ao CAAD.
Lisboa, 27 de junho de 2018. – António José Pimpão (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.