Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0858/14
Data do Acordão:11/06/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
REQUISITOS
RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA
INCIDENTE
DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA
ACTO DE EXECUÇÃO INDEVIDA
Sumário:I - O juízo de «evidência» exigido na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA é tributário duma ideia de clareza, dum caráter inequívoco para um qualquer jurista, realidade essa de que são nítido exemplo as três situações nele previstas [ou seja, a existência de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo, a aplicação de norma já anteriormente anulada e o ato manifestamente ilegal].
II - O mesmo consubstancia critério excecional que abrange apenas situações em que o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na ação administrativa principal se revela, no caso, como patente, notório, visível e com forte ou intenso grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê da semelhança ou paralelo com os julgados invalidatórios anteriores e, bem assim, da natureza ostensiva/grosseira da ilegalidade cometida.
III - O carácter manifesto da ilegalidade não se compadece com aturados trabalhos de análise e de subsunção jurídica que é trazida a juízo pelas partes, nem pode derivar duma análise aprofundada de várias posições doutrinais ou jurisprudenciais que as partes tragam aos autos para fazer valer a sua pretensão.
IV - Quando está em causa a adoção de uma providência conservatória, o critério legal de decisão relativamente ao requisito da aparência do bom direito previsto no art. 120.º, n.º 1, al. b) CPTA, é um critério largo, bastando, para o efeito, que não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão a formular no processo principal.
V - Ainda que estejam verificados os requisitos exigidos pelo art. 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA, o tribunal não deve decretar a providência, quando feita a ponderação prevista no art. 120.º, n.º 2 do mesmo diploma, entender que os danos que resultariam para o interesse público da concessão da medida cautelar se mostram superiores aos danos que podem resultar para o requerente da recusa da providência.
VI - A resolução fundamentada não é objeto de impugnação autónoma desligada da existência de atos concretos de execução, sendo inadmissível que o requerente do incidente reaja contra tal resolução peticionando a declaração de ineficácia de eventuais e futuros atos de execução.
Nº Convencional:JSTA000P18196
Nº do Documento:SA1201411060858
Data de Entrada:07/09/2014
Recorrente:MUNICÍPIO DE LISBOA
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. “MUNICÍPIO DE LISBOA” [doravante e abreviadamente «ML»], devidamente identificado nos autos, instaurou neste Supremo Tribunal a presente providência cautelar contra o CONSELHO DE MINISTROS [«CM»] e os contrainteressados “A……………, SA” [«A…»], “ÁGUAS DE PORTUGAL, SA”, “PARPÚBLICA - PARTICIPAÇÕES PÚBLICAS (SGPS), SA”, [«PARPÚBLICA»], “B………….., SA” [«B….»], “MUNICÍPIO DE LOURES” [«MdL»], “MUNICÍPIO DE AMADORA” [«MA»], “MUNICÍPIO DE ODIVELAS”, [«MO»] “MUNICÍPIO DE VILA FRANCA DE XIRA”[«MVFX»],“ASSOCIAÇÃO …......” [«….»], “C…., SA” [«C….»], “D………, SA” [«D….»], “E…….” e AGRUPAMENTO EMPRESAS “F…………...…,SA”/“G….…….., SA”/“H………., SA” [«AGRUPAMENTO F………..…»], nos termos e com a motivação aduzida no requerimento inicial de fls. 01/68 dos autos [ paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], sustentando estarem verificados os requisitos exigidos no art. 120.º, n.ºs 1, als. a) e b) e 2 do CPTA, pelo que peticiona que se adote a requerida providência cautelar de “suspensão de eficácia do ato administrativo” formalizado “através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 08 de abril, publicada no n.º 69 da I série do Diário da República, que aprovou o caderno de encargos e determinou a abertura do concurso público para alienação das ações da A………….., SA”.

1.2. Por despacho de fls. 314 foi determinada a citação dos requeridos nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 117.º e 118.º do CPTA [cfr. fls. 314 e segs.].

1.3. O «CM», nos termos e para os efeitos previstos no art. 128.º, n.º 1 do CPTA, aprovou a resolução fundamentada [cfr. fls. 335/342 que aqui se dá por integralmente reproduzida], na qual reconhece que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.

1.4. O mesmo requerido deduziu oposição [cfr. fls. 390/449] na qual se defende por impugnação, respondendo, ponto a ponto, à argumentação do requerente, invocando, em resumo, que o ato suspendendo não enferma de qualquer das ilegalidades que aquele lhe imputa e que não estão verificados os requisitos do fumus boni iuris previstos nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, bem como que não há periculum in mora [manifesta ausência deste requisito] e que, de todo o modo, deve recusar-se a providência requerida, uma vez que, ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.

1.5. Dos demais requeridos apenas se pronunciaram:
- «PARPÚBLICA»/«AP»/«A……..»/«B……….» deduzindo oposição [fls. 348/380], articulado esse no qual formularam defesa por impugnação, contraditando a argumentação do requerente, porquanto o ato suspendendo não enferma de qualquer das ilegalidades que aquele lhe imputa, não estando verificados os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora previstos nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, na certeza de que sempre deverá ser recusada a providência requerida à luz da ponderação de interesses inserta no n.º 2 do art. 120.º do CPTA;
- «MA», mediante articulado no qual o mesmo se pronuncia sobre a pretensão cautelar deduzida sustentando, todavia, a sua decretação [fls. 669/689];
- «MO» e «MVFX», se limitado a juntar requerimento e respetivo instrumento forense de representação [cfr. fls. 388/389 e fls. 661/662].

1.6. Notificado da resolução fundamentada referida em 1.3) o requerente «ML» veio, por um lado, pronunciar-se sobre aquela resolução deduzindo oposição [cfr. fls. 562/577 - sustenta serem inexatas e improcedentes as razões que fundaram aquela resolução, pelo que termina que “sejam julgadas improcedentes as razões em que a Resolução Fundamentada do Requerido se fundamenta por falta de fundamento nos termos previstos no artigo 125.º do CPA e que o deferimento da execução do ato suspendendo não é gravemente prejudicial para o interesse público, assim se mantendo a suspensão da execução do ato suspendendo”] e, por outro lado, deduzir incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida nos termos do art. 128.º, n.º 4 do CPTA [cfr. fls. 600/614 v. - relativamente aos seguintes atos: a) resolução aprovada em 24.07.2014 que determinou que a “totalidade das ações, alienadas no âmbito do concurso público de reprivatização da A………….., fica sujeita ao regime de indisponibilidade por um período de cinco anos a contar da data de produção de efeitos do contrato de venda de ações”; b) atos desenvolvidos no quadro das reuniões das equipas que representam o Estado no processo de reprivatização com os concorrentes que apresentaram propostas não vinculativas; c) indeferimento dos pedidos dos concorrentes de prorrogação do prazo para apresentação de propostas vinculativas já que não existe da parte do Governo “qualquer intenção de fazer uma alteração àquilo que está estipulado no caderno de encargos, que é o prazo de 31 de julho para a apresentação de propostas firmes”; pelo que peticiona que “sejam julgadas improcedentes as razões em que a Resolução Fundamentada do Requerido se fundamenta por falta de fundamento nos termos previstos no artigo 125.º do CPA e que sejam consequentemente considerados indevidos os atos de execução realizados pelo Requerido …, bem como quaisquer outros atos que entretanto tenham sido ou venham a ser realizados, sendo declarada a sua ineficácia”], incidente este cujo pedido foi objeto de ampliação [cfr. fls. 779/782 - quanto ao ato praticado pelo Requerido em 18 de setembro de 2014 através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 55-B/2014, publicada no Diário da República, I.ª série, n.º 181, que seleciona o vencedor do concurso].

1.7. Notificado do incidente e da ampliação do respetivo pedido aludidos no número anterior, o «CM» veio, ao abrigo do disposto no art. 128.º, n.º 6 do CPTA, pronunciar-se sobre o incidente, defendendo o seu indeferimento, “por não se verificarem os vícios imputados à resolução fundamentada, designadamente o de deficiente fundamentação” [cfr. fls. 717/741] e as contrainteressadas «PARPÚBLICA»/«AP»/«A…….»/«B……….» aderindo, quanto ao incidente, à posição assumida na resposta pelo «CM» e, quanto à ampliação do respetivo pedido, concluindo no sentido da sua improcedência [cfr. fls. 796/797].

1.8. Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. e) e 2 do CPTA, cumpre apreciar e decidir em Conferência.


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
Com interesse para a decisão a proferir, considera-se como assente o seguinte quadro factual:
I) No Diário da República, I.ª Série, n.º 69, de 08.04.2014, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, datada de 03.04.2014 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, donde se extrai, nomeadamente, o seguinte:
O Governo aprovou, através do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, o processo de reprivatização do capital social da participação detida pela AdP - Águas de Portugal, SGPS, S.A., no capital da A………….., S.A. (A……….).
O referido diploma determinou que o processo de reprivatização se faria através de um concurso público, a realizar nos termos previstos na Lei n.º 11/90 (…) e do referido decreto-lei, e ao qual não se aplica o disposto no Código dos Contratos Públicos.
O caderno de encargos que agora se aprova regula o referido concurso público de modo a assegurar todas as garantias de transparência, igualdade e concorrência que caracterizam um procedimento desta natureza, e a permitir ao Governo a escolha da proposta que melhor se conforme com os objetivos da reprivatização, assegurando -se que o adquirente da A………. estará dotado dos requisitos de idoneidade, e capacidade financeira e técnica indispensáveis à sua gestão, assegurando a qualidade do serviço público prestado às populações.
(…) O Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, concedeu, no âmbito do processo de reprivatização, direito aos municípios de alienação das participações sociais por eles detidas no capital das entidades gestoras de sistemas multimunicipais nas quais a A………. é acionista, alienação essa sujeita ao exercício de direito de preferência por parte de municípios que detenham participações no capital da mesma entidade gestora e que tenham decidido não alienar as respetivas ações. Mais estabeleceu que tais direitos seriam exercidos nos termos e condições, designadamente de prazo e de preço, a fixar no caderno de encargos, pelo que se vem agora proceder a essa regulamentação.
Fixa-se em 5% do capital social da A…… o montante das ações que são reservadas para aquisição pelos trabalhadores da A………., direito esse previsto no artigo 12.º do referido decreto-lei, em linha com o estabelecido na Lei n.º 11/90 (…).
(…) Assim:
Nos termos do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, e das alíneas c) e g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Determinar que são alienadas 100% das ações da A……………., S.A. (A…..) e que o concurso público previsto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, tenha por objeto ações representativas de 95 % do capital social da A……….
2 - Aprovar o caderno de encargos do concurso público, constante do anexo I à presente resolução, da qual faz parte integrante, no qual se estabelecem os termos e condições específicos a que obedece o concurso público previsto no número anterior.
3 - Aprovar os termos do exercício pelos municípios da opção de alienação das participações sociais por aqueles detidas no capital das entidades gestoras de sistemas multimunicipais nas quais a A………….. é acionista, bem como do exercício do direito de preferência pelos restantes municípios da mesma entidade gestora, relativamente à referida alienação, os quais constam do caderno de encargos a que se refere o número anterior.
4 - Determinar a abertura do concurso público previsto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 45/2014 (….) através do envio para publicação do anúncio no Jornal Oficial da União Europeia e no Diário da República.
5 - Aprovar, no anexo II à presente resolução, da qual faz parte integrante, algumas condições da oferta pública de venda de ações da A……….., dirigida exclusivamente a trabalhadores da A………, no âmbito da qual os referidos trabalhadores podem adquirir ações representativas de 5% do capital social da A………….
6 - Determinar que as ações que não sejam vendidas a trabalhadores, assim como aquelas cuja transmissão não se concretize, acrescem automaticamente às ações a adquirir pelo vencedor do concurso público, obrigando-se este a adquirir tais ações pelo preço por ação constante da sua proposta vinculativa.
7 - Determinar que ao abrigo do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 45/2014 (…) compete à Ministra de Estado e das Finanças, com faculdade de subdelegação no Secretário de Estado das Finanças, aprovar o convite e todos os aspetos que, nos termos do caderno de encargos, devam ser fixados no mesmo.
8 - Constituir uma comissão especial nos termos do artigo 20.º da Lei n.º 11/90, (…), a qual é composta por três membros a nomear por despacho do Primeiro - Ministro.
9 - Determinar que, nos termos do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 45/2014 (…), o Governo, através da PARPÚBLICA, coloca à disposição do Tribunal de Contas toda a documentação que integra o processo de venda, incluindo os pareceres e relatórios previstos na lei que regula estes processos.
10 - Determinar que a presente resolução entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”;
II) No Diário da República, II.ª Série, n.º 71, de 10.04.2014, foi publicado o Anúncio de Procedimento n.º 1988/2014 relativo ao “Concurso público para a reprivatização da A…………….., SA” e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
III) O presente processo cautelar deu entrada em juízo no dia 08.07.2014 [cfr. fls. 01 dos presentes autos];
IV) No dia 17.07.2014, o Conselho de Ministros aprovou a “Resolução Fundamentada” [cfr. fls. 336/342 dos autos e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido], donde se extrai, nomeadamente, o seguinte:
… O município de Lisboa apresentou requerimento inicial de providência cautelar no Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª Secção (processo n.º 858/14), em que deduz, contra o Estado - Conselho de Ministros, pedido de suspensão de eficácia «do ato administrativo formalizado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, publicada no n.º 69 da I série do Diário da República, que aprovou o Caderno de Encargos e determinou a abertura do concurso público para alienação das ações da A……………, SA».
Os «atos» cuja suspensão de eficácia se requer nos presentes autos são parcialmente coincidentes com os que foram objeto das providências cautelares pendentes no Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª secção, sob os números 725/14 e 799/14, bem como da providência cautelar sob o número 561/14, indeferida pelo Supremo Tribunal Administrativo. Neste contexto, entende-se que se mantêm as razões de interesse público já anteriormente invocadas no âmbito das resoluções fundamentadas juntas aos processos referidos.
Com efeito, a suspensão da execução daquelas disposições implicaria a suspensão do processo de privatização da A…………, em especial do concurso público em curso, que tem por objeto a alienação de 95% das ações representativas do capital daquela empresa, o que seria gravemente prejudicial para o interesse público nos termos que a seguir se expõem:
1. A A…………….., S.A. (adiante A………..) é uma sociedade de capitais integralmente públicos, sub-holding da Águas de Portugal, S.A. no setor do tratamento e valorização de resíduos urbanos (RU).
2. A gestão dos sistemas de tratamento e valorização de resíduos urbanos é feita através de 11 empresas concessionárias, constituídas em parceria com os municípios servidos, que processam anualmente cerca de 3,7 milhões de toneladas de resíduos urbanos, produzidas em 174 Municípios, servindo cerca de 60% da população de Portugal, que corresponde a 6,4 milhões de habitantes.
3. O Programa do XIX Governo Constitucional estabeleceu como objetivo a promoção da sustentabilidade da política e do sistema de gestão e tratamento de resíduos, e a autonomização deste sector no seio do Grupo Águas de Portugal.
4. O Governo preparou, assim, a alteração do quadro legal aplicável ao setor, designadamente um novo enquadramento regulatório, de modo a garantir-se o cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental, a acessibilidade das populações servidas aos serviços de resíduos, mediante a adequação das tarifas à respetiva capacidade económica, a equidade territorial, fomentando a convergência tarifária e a promoção de soluções de maior eficiência e eficácia económica que assegurem a prestação aos utilizadores dos sistemas de um serviço público de excelência e, em última análise, a sustentabilidade económico-financeira dos sistemas.
5. Nos termos da Lei n.º 11/90, de 5 de abril - Lei-Quadro das Privatizações - o Governo tem competência exclusiva na decisão, organização e execução do processo de reprivatização. O processo de reprivatização da A…….. foi cuidadosamente preparado ao longo de um ano, tendo o Governo procurado envolver os municípios no mesmo. (…).
6. Em tal procedimento foi também envolvida a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), agora entidade independente e com novas competências nesta matéria, num processo que conduziu à aprovação do Regulamento Tarifário, que tem como uma das caraterísticas fundamentais a universalidade, ou seja, está preparado para ser aplicado a todas as entidades do setor, quaisquer que sejam as fases da cadeia de valor em que intervenham ou o modelo de governo que adotem - gestão direta, gestão delegada, incluindo parceria, ou gestão concessionada -, independentemente da natureza pública ou privada da entidade gestora.
7. Paralelamente, e no cumprimento das exigências decorrentes da integração europeia, foi preparado um novo Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2020), instrumento base da política de gestão de resíduos, atualmente em fase de Avaliação Ambiental Estratégica, que se segue à discussão pública promovida pelo Conselho Consultivo da ERSAR, ocorrida no dia 12 de junho de 2013, na qual a ANMP tem assento. O novo PERSU tem em vista o cumprimento das metas e da estratégia europeias para a prevenção, reciclagem e valorização do resíduo como recurso e, em sequência, visa uma minimização da deposição em aterro, de acordo com os seguintes objetivos: até 31 de dezembro de 2020, um aumento mínimo global para 50% em peso relativamente à preparação para a reutilização e a reciclagem de resíduos urbanos, incluindo o papel, o cartão, o plástico, o vidro, o metal, a madeira e os resíduos urbanos biodegradáveis, bem como a garantia de reciclagem de, no mínimo, 70% em peso dos resíduos de embalagens; até julho de 2020, os resíduos urbanos biodegradáveis destinados a aterro devem ser reduzidos para 35% da quantidade total, em peso, dos resíduos urbanos biodegradáveis produzidos em 1995. Simultaneamente, pretende garantir-se a necessária compatibilização das ações a preconizar com o próximo período de financiamento comunitário 2014-2020, bem como assegurar a sustentabilidade dos sistemas de gestão e tratamento de resíduos urbanos, maximizando a eficiência destes, numa lógica de uso eficiente de recursos. Qualquer atraso na execução das disposições suspendendas da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, poderá inviabilizar a obtenção do financiamento comunitário indispensável a assegurar uma evolução tarifária mais favorável aos cidadãos. Os próximos anos serão anos exigentes para a A………., bem como para as empresas por ela participadas, tendo em conta este novo enquadramento e as novas metas ambientais, prevendo-se investimentos acumulados de EUR 327 milhões e de EUR 645 milhões até 2020 e 2034, respetivamente. Estes investimentos têm em vista o cumprimento das metas ambientais acordadas com a Comissão Europeia no âmbito do Acordo de Parceria (Portugal 2020) e refletidas no PERSU, bem como o cumprimento dos objetivos de serviço público propostos pelos Municípios que serão vertidos no diploma das bases da concessão.
8. De facto, a concretização das metas do PERSU implica um esforço de investimento cujo financiamento depende de Fundos Comunitários Europeus e da captação de recursos pelos acionistas das empresas concessionárias. A alienação da A……… tem em vista contribuir para a viabilização do esforço financeiro associado ao cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental, promover soluções de maior eficiência e eficácia económicas que asseguram a prestação aos utilizadores dos sistemas de um serviço público de excelência e, em última análise, a sustentabilidade económico-financeira dos sistemas, para além de dotar a A……… das melhores práticas no domínio ambiental e de um projeto estratégico adequado aos objetivos de desenvolvimento da economia nacional.
9. Num quadro, de todos conhecido, marcado pela necessidade de contenção do défice orçamental, designadamente através da redução da despesa pública, obrigando a que o Estado redefina o seu papel e se reforme, a abertura da gestão do setor dos resíduos a capital privado constitui um imperativo de interesse nacional que ao Governo cumpre constitucionalmente assegurar. A privatização da A………. constitui um passo importante na garantia da sustentabilidade do setor neste exigente quadro nacional e europeu.
10. A privatização da A……. encontra-se prevista no Programa de Assistência Económica e Financeira que envolve a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, no quadro das medidas a adotar com vista à promoção do ajustamento macroeconómico nacional.
11. Desta forma, no cumprimento do programa do Governo e das exigências decorrentes do Memorando de Entendimento, o Conselho de Ministros decidiu abrir, no passado dia 8 de abril, o concurso público de reprivatização da A……….., tendo expirado o prazo de apresentação de propostas não vinculativas no passado dia 20 de maio.
12. O concurso ocorre num momento de viragem de ciclo da nossa economia, no qual, a par com a estabilidade orçamental, o crescimento económico é uma prioridade indeclinável. Trata-se de um momento crucial, marcado pela crescente confiança dos investidores, nacionais e estrangeiros, na economia nacional. Neste sentido, não pode ficar em risco todo o esforço feito pelos portugueses ao longo destes últimos anos com as medidas de austeridade.
13. A entrega das propostas no passado dia 20 de maio veio confirmar o elevado interesse que a privatização da A………. tem para os investidores, assim como a crescente confiança dos mesmos na economia nacional, materializados na entrega de sete propostas, por quatro concorrentes estrangeiros e três nacionais.
14. A providência requerida, que tem em vista defender os interesses dos municípios numa das entidades gestoras de sistemas multimunicipais - a B………………, S.A. -, tem um alcance muito mais extenso do que o respeitante aos interesses do requerente, pois implica a paralisação de todo o processo de privatização da A……….., a qual é uma empresa detentora de dez entidades gestoras para além da B……………, envolvendo 174 municípios, e constituindo um instrumento ao serviço do interesse nacional no setor dos resíduos urbanos.
15. A paralisação, neste momento, do concurso de privatização da A………., desde logo pelo tempo necessário para o processo cautelar, é suscetível de defraudar o interesse legítimo dos municípios que já declararam formalmente aderir à opção de venda nas mesmas condições de venda da participação do Estado, traduzido na possibilidade de venda das suas ações em condições extremamente favoráveis e com impacto direto nas respetivas receitas, nos termos do artigo 42.º do Caderno de Encargos.
16. Acresce que, com toda a probabilidade, também poderia acarretar gravíssimos prejuízos para os investidores que já incorreram em custos na preparação das propostas não vinculativas, uma vez que destruiria a confiança que os mesmos depositaram no processo, gerando um risco muito sério de os mesmos desistirem de apresentar propostas vinculativas no momento em que o processo fosse retomado.
17. A suspensão do concurso causaria uma situação de incerteza sobre o desfecho do mesmo, a qual não é compatível com o clima de confiança incutido nos investidores, que importa, em nome do interesse nacional, defender.
18. A suspensão do concurso poderia significar o seu fim e mesmo a inviabilização da privatização da A……… - não apenas do presente processo, mas da própria possibilidade de alguma vez a levar a cabo -, pois implicaria não só que os investidores desistissem de apresentar propostas vinculativas neste concurso, como certamente que se desinteressassem de qualquer eventual processo de reprivatização do capital desta empresa - já que ninguém quererá investir num quadro marcado por tão elevado grau de incerteza.
19. Ficaria, assim, em perigo a própria privatização da A……….., o que, nos termos expostos, acarretaria o incumprimento de uma obrigação constante do Memorando de Entendimento pondo ainda em risco a política de sustentabilidade do setor dos resíduos adotada pelo Governo e, nessa medida, o interesse dos cidadãos.
20. As condicionantes do programa de apoios comunitários Portugal 2020 impõem a necessidade de um novo modelo de gestão que favoreça a sustentabilidade económica dos sistemas e infraestruturas existentes no setor, o qual, conforme referido anteriormente, também ficaria em causa com a inviabilização da privatização da A………
21. Acresce que o clima de incerteza traduzido pela eventual suspensão do concurso não afetaria apenas a sua viabilidade, alastrando os seus efeitos negativos a outros setores da economia, com um enorme potencial de destruição da confiança dos investidores e dos mercados na Economia Nacional. Ora, esse é um risco que Portugal não pode correr.
22. O interesse público nacional que ao Governo cumpre defender sairia gravemente prejudicado pela paralisação neste momento, e por tempo indeterminado, do processo de privatização da A……….., pelo que se adota a presente resolução.
Assim, através desta resolução fundamentada, reconhece-se que existe grave prejuízo para o interesse público no diferimento da execução das disposições suspendendas, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 128.°, n.º 1, do CPTA.
Esta resolução fundamentada foi aprovada por deliberação do Conselho de Ministros do dia 17 de julho de 2014 …”;
V) No Diário da República, I.ª Série, n.º 109, de 06.06.2014, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 36-A/2014, datada de 05.06.2014 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, donde se extrai, nomeadamente, o seguinte:
… O n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, estabelece que a privatização da A…………., S.A. (A……), se efetua através de um concurso público e de uma oferta pública de venda dirigida a trabalhadores da A…….., a realizar nos termos previstos na Lei n.º 11/90, de 5 de abril, alterada pelas Leis n.ºs 102/2003, de 15 de novembro, e 50/2011, de 13 de setembro, e do referido decreto-lei.
Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, o Conselho de Ministros determinou nomeadamente a abertura do concurso público de alienação de um lote indivisível de 10 640 000 ações da A………., mediante a publicação de um anúncio no Jornal Oficial da União Europeia e no Diário da República, e aprovou o respetivo caderno de encargos.
(…) O concurso público desenrola-se em três fases: a primeira de entrega de propostas não vinculativas por investidores nacionais ou estrangeiros que demostrem possuir capacidade técnica e de gestão e a dimensão e solidez financeiras indispensáveis à gestão da A……….., a segunda de apresentação de propostas vinculativas pelos concorrentes selecionados na fase anterior, e a terceira de escolha do vencedor, que pode ser precedida por negociações com um ou mais concorrentes.
O prazo de apresentação de propostas não vinculativas terminou no passado dia 20 de maio, às 18 horas, tendo sido recebidas sete propostas não vinculativas.
Nos termos previstos no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março e no artigo 14.º do caderno de encargos, aprovado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, são selecionados para a fase de apresentação de propostas vinculativas todos os concorrentes que preencham os requisitos de idoneidade e capacidade técnica e financeira, e que apresentem um projeto estratégico adequado para a A……… tendo em vista os objetivos da reprivatização, em especial o desenvolvimento da economia nacional e a garantia da prestação da atividade pela A………….. de acordo com os objetivos de serviço público exigidos para o setor, atentos os itens abrangidos pelo projeto estratégico constantes do anexo ao caderno de encargos, e que apresentem um preço adequado para a aquisição das ações.
Determina o artigo 17.º do caderno de encargos aprovado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, que a Parpública - Participações Públicas (SGPS), S.A. (PARPÚBLICA), e a AdP - Águas de Portugal, SGPS, S.A. (AdP), elaboram um relatório fundamentado com a apreciação de cada um dos concorrentes, e das respetivas propostas, propondo quem deve passar à fase seguinte, competindo ao Conselho de Ministros adotar a decisão de admissão à fase de propostas vinculativas.
Nos termos do referido relatório conclui-se fundamentadamente que todos os concorrentes preenchem integralmente os critérios de seleção estabelecidos, propondo-se, em consequência, a admissão de todos os concorrentes à fase de apresentação de propostas vinculativas.
De modo a reforçar a absoluta transparência do processo de privatização da A………….,, o Governo, através da PARPÚBLICA, decide colocar à disposição do Tribunal de Contas todos os elementos informativos respeitantes ao mesmo.
Assim:
Nos termos do artigo 17.º e do n.º 2 artigo 19.º do caderno de encargos aprovado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, do n.º 3 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, e da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Determinar que sejam admitidos a participar na fase de apresentação de propostas vinculativas do concurso público de alienação de um lote indivisível de 10 640 000 ações da A…………., S.A. (A………) todos os concorrentes que apresentaram proposta não vinculativa, ou seja, os seguintes concorrentes:
a) Agrupamento constituído pelas empresas I……. e J………. Limited;
b) C………, S.A.;
c) Agrupamento constituído pelas empresas L…………… S.A. e M……….;
d) D…………….., S.A.;
e) E……………..;
f) Agrupamento constituído pelas empresas N……………., S.A. e O………….., S.A.;
g) Agrupamento constituído pelas empresas F……………., S.A., G………., S.A, e H……….., S.A..
2 - Autorizar a Parpública - Participações Públicas (SGPS), S.A. (PARPÚBLICA), a proceder ao envio a todos os concorrentes selecionados do convite previsto no n.º 1 do artigo 20.º do caderno de encargos anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, aprovado nos termos do n.º 7 da referida resolução, iniciando-se dessa forma a fase de apresentação de propostas vinculativas.
3 - Determinar que o Governo, através da PARPÚBLICA, coloca à disposição do Tribunal de Contas toda a documentação que integra o processo de venda, incluindo os pareceres e relatórios previstos na lei que regula estes processos.
4 - Determinar que a presente resolução produz efeitos a partir da data da sua aprovação …”;
VI) No Diário da República, I.ª Série, n.º 125, de 02.07.2014, foi publicado o DL n.º 108/2014, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo-se procedido no mesmo à alteração do DL n.º 68/2010, de 15.06 [diploma que havia criado o sistema multimunicipal de triagem, recolha seletiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos das regiões de Lisboa e do Oeste, constituindo a entidade gestora do referido sistema multimunicipal e aprovando os seus estatutos] e dos estatutos da sociedade “B………………., SA” [«B………., SA»] [estatutos esses aprovados em anexo ao referido DL n.º 68/2010];
VII) No quadro do procedimento foram praticados atos no âmbito das reuniões das equipas que representam o Estado no processo de reprivatização com os concorrentes que apresentaram propostas, tendo sido indeferidos pedidos dos concorrentes de prorrogação do prazo para apresentação de propostas vinculativas;
VIII) No Diário da República, I.ª Série, n.º 142, de 25.07.2014, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 47-B/2014, tomada em 24.07.2014, que aqui se dá por integralmente reproduzida, donde se extrai, nomeadamente, o seguinte:
… O Governo aprovou, através do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, o processo de reprivatização de até 100% do capital social da A…………., S.A. (A……..), através da realização de um concurso público tendo em vista a alienação de um lote indivisível de 10.640.000 ações da A……….., representativas de 95% do seu capital social e de uma oferta pública de venda de ações representativas de 5% do capital social da A…………..,, dirigida a trabalhadores que preencham os requisitos previstos no artigo único do anexo II do caderno de encargos, aprovado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril.
De acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, e no n.º 1 do artigo 50.º do caderno de encargos, aprovado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, as ações adquiridas no âmbito do concurso podem ser sujeitas a um regime de indisponibilidade por um prazo máximo de cinco anos a contar da data de produção de efeitos do contrato de compra e venda de ações, nos termos e condições a fixar em resolução do Conselho de Ministros em momento anterior à data estabelecida para a apresentação das propostas vinculativas de aquisição das aludidas ações, o que importa agora concretizar.
Assim:
Nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, do n.º 1 do artigo 50.º do caderno de encargos, aprovado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, e das alíneas c) e g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Determinar que o regime de indisponibilidade previsto no n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, que aprova o processo de reprivatização da A………….., S.A. (A………….), se aplica à totalidade das ações representativas do capital social adquiridas no âmbito do concurso público, de acordo com os termos e as exceções que venham a ser definidos nas versões finais dos instrumentos jurídicos, cujas minutas são aprovadas pelo Conselho de Ministros nos termos do n.º 3 do artigo 30.º do caderno de encargos, aprovado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril.
2 - Determinar que as ações objeto do concurso público no âmbito do processo de alienação do capital social da A……….. estão sujeitas ao regime de indisponibilidade referido no número anterior por um período de cinco anos a contar da data de produção de efeitos dos instrumentos jurídicos que concretizam a venda das ações, cujas minutas são aprovadas pelo Conselho de Ministros nos termos do n.º 3 do artigo 30.º do caderno de encargos, aprovado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, de acordo com o âmbito e com respeito pelos termos e respetivas exceções.
3 - Determinar que a presente resolução produz efeitos a partir da data da sua aprovação …”;
IX) No Diário da República, I.ª Série, n.º 181, de 19.09.2014, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 55-B/2014, datada de 18.09.2014 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, donde se extrai, nomeadamente, o seguinte:
… Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, a alienação das ações representativas de até 100 % do capital social da A……….., S. A. (A…….), efetua-se através de um concurso público e de uma oferta pública de venda dirigida a trabalhadores da A……….., a realizar nos termos previstos na Lei n.º 11/90, de 5 de abril, alterada pelas Leis n.ºs 102/2003, de 15 de novembro, e 50/2011, de 13 de setembro, e no referido decreto-lei.
Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, o Conselho de Ministros determinou a abertura do concurso público de alienação e aprovou no anexo I o respetivo caderno de encargos (caderno de encargos), onde se determina que o referido concurso é relativo à alienação de um lote indivisível de 10.640.000 ações da A……….., detidas pela AdP - Águas de Portugal, S.A. (AdP), mediante o envio para publicação de um anúncio no Jornal Oficial da União Europeia e no Diário da República.
(…) Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, o concurso público desenrola-se em três fases: a primeira de apresentação de propostas não vinculativas por investidores nacionais ou estrangeiros que demonstrem possuir capacidade técnica e de gestão e a dimensão e solidez financeiras indispensáveis à gestão da A………., a segunda de apresentação de propostas vinculativas pelos concorrentes selecionados na fase anterior, e a terceira de escolha do vencedor, que pode ser precedida por negociações com um ou mais concorrentes.
Através da Resolução do Conselho Ministros n. º 36-A/2014, de 6 de junho, foram admitidos para a fase de propostas vinculativas os sete concorrentes que apresentaram proposta não vinculativa, tendo sido enviado a todos o convite para apresentação de proposta nos termos previstos no n.º 1 do artigo 20.º do caderno de encargos.
No passado dia 31 de julho, data limite de entrega das propostas vinculativas, foram apresentadas quatro propostas.
Determina o n.º 1 do artigo 29.º do caderno de encargos que a Parpública - Participações Públicas (SGPS), S.A. (PARPÚBLICA), e a AdP, após a avaliação das propostas, elaboram um relatório fundamentado com a respetiva avaliação, propondo a hierarquização dos concorrentes por aplicação dos critérios previstos no artigo 21.º do caderno de encargos, e propondo a escolha imediata da proposta vencedora ou a realização de uma fase de negociações.
No dia 29 de agosto, a Parpública e a AdP, nos termos do n.º 2 do artigo 29.º do caderno de encargos, enviaram a todos os concorrentes o relatório que elaboraram para efeitos de audiência prévia.
No âmbito da audiência prévia, dois concorrentes apresentaram as suas pronúncias, que foram ponderadas pela Parpública e pela AdP, tendo sido pelas mesmas elaborada uma versão final do relatório, nos termos do n.º 3 do artigo 29.º do caderno de encargos.
O relatório final foi ainda submetido à comissão especial para o acompanhamento do processo de reprivatização da A………., constituída ao abrigo do disposto artigo 57.º do caderno de encargos e cujos membros foram nomeados pelo Despacho do Primeiro-Ministro n.º 8118/2014, de 12 de junho, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 23 de junho de 2014, a qual elaborou o seu parecer para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 29.º do caderno de encargos.
No dia 16 de setembro, a referida comissão especial de acompanhamento emitiu parecer a respeito da regularidade, imparcialidade e transparência observada no concurso público, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 29.º do caderno de encargos.
Após a análise do relatório apresentado pela PARPÚBLICA e pela AdP, e do parecer emitido pela comissão especial de acompanhamento, verifica-se que a apreciação dos concorrentes e das respetivas propostas vinculativas em face dos critérios estabelecidos no artigo 21.º do caderno de encargos conduz à seleção de um dos concorrentes, atento o mérito da respetiva proposta.
De modo a reforçar a absoluta transparência e concorrência do processo de reprivatização, o Governo decide colocar à disposição do Tribunal de Contas todos os elementos informativos respeitantes aos procedimentos adotados no âmbito do referido processo.
Assim:
Nos termos do n.º 3 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 30.º do caderno de encargos aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, e da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Selecionar o concorrente F……./G………./H……./P……../F…….. (Esposende), doravante abreviadamente designado por Agrupamento F……… ou concorrente vencedor, como vencedor do concurso público de reprivatização da A……….., S.A. (A……), aberto pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, para proceder à aquisição das ações representativas de 95 % do capital social da A…….. que constituem objeto do referido concurso público, atendendo a que, tal como se conclui no relatório de avaliação das propostas vinculativas, apresenta a melhor classificação no critério hierarquizado como prioritário relativo ao preço vinculativo apresentado para a aquisição das ações representativas do capital social da A……, bem como do preço total proposto para a aquisição das ações da A……. e para as ações que resultem do exercício da opção de venda dos Municípios, tratando-se de uma proposta que satisfaz amplamente todos os critérios em causa, nomeadamente no que se refere à qualidade do projeto estratégico, bem como os objetivos da reprivatização.
2 - Aprovar os instrumentos jurídicos a celebrar entre a AdP - Águas de Portugal, S.A. (AdP), o concorrente Agrupamento F…………., selecionado nos termos do número anterior, e a sociedade a constituir pelo mesmo, nomeadamente a minuta de contrato de compra e venda.
3 - Solicitar à Parpública - Participações Públicas (SGPS), S.A. (PARPÚBLICA), que proceda ao envio para o concorrente vencedor da minuta do contrato de compra e venda aprovado nos termos do número anterior para confirmação da respetiva aceitação e à respetiva notificação para comprovar, até à data da celebração desse contrato, a realização do pagamento da prestação pecuniária inicial fixada pelo Despacho da Ministra de Estado e das Finanças n.º 9456-A/2014, de 18 de julho, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 21 de julho de 2014, e a prestação de garantia ou garantias bancárias, nos termos e para os efeitos do Despacho da Ministra de Estado e das Finanças n.º 9456-B/2014, de 18 de julho, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 21 de julho de 2014, bem como os demais elementos previstos no n.º 3 do artigo 34.º do caderno de encargos aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril.
4 - Autorizar a AdP a celebrar com o concorrente vencedor, selecionado nos termos do n.º 1, e com a sociedade a constituir pelo mesmo, o contrato de compra e venda a que se refere o n.º 2, ficando o respetivo original arquivado na sede da AdP.
5 - Estabelecer que as condições a que fique subordinada a produção de efeitos do contrato de compra e venda a celebrar com o concorrente vencedor, selecionado nos termos do n.º 1, e com a sociedade a constituir pelo mesmo devem verificar-se até nove meses após a assinatura do contrato de compra e venda, nos termos e com as exceções previstas na respetiva minuta aprovada nos termos do n.º 2, sendo o pagamento integral do correspondente preço da alienação, deduzido do montante da prestação pecuniária inicial a que se refere o n.º 3, efetuado uma vez preenchidas as referidas condições e nos termos previstos na minuta de contrato de compra e venda aprovada nos termos do n.º 2.
6 - Determinar que as situações em que não é aplicável o regime de indisponibilidade das ações a alienar no âmbito do Concurso Público, a que se refere a Resolução do Conselho de Ministros n.º 47-B/2014, de 25 de julho, são as estabelecidas no contrato de compra e venda, cuja minuta é aprovada nos termos do n.º 2.
7 - Determinar que todos os elementos informativos respeitantes ao processo de reprivatização da A…….. são colocados à disposição do Tribunal de Contas, por um período de cinco anos.
8 - Determinar que a presente resolução produz efeitos a partir da data da sua aprovação …”.

«*»

2.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação da procedência ou não da pretensão cautelar deduzida pelo requerente, sendo que vamos, previamente, conhecer do incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida deduzido na sequência da resolução fundamentada aprovada pelo «CM» e inserto nos autos a fls. 600/614 v..

*

2.2.1. DO INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DOS ATOS EXECUÇÃO INDEVIDA [art. 128.º CPTA]

I. Alega, em suma, o requerente «ML» [cfr. fls. 562/577, 583/599, 600/614 v. e 779/782], que a resolução fundamentada que foi produzida e junta aos autos pelo «CM» se revela como ilegal porquanto os motivos aduzidos na mesma, que impugna, não constituem “fundamentos legais ou legítimos abarcados pelo conceito legal enunciado no n.º 1 do art. 128.º do CPTA” de “situação de urgência grave que urja acudir até à prolação da decisão cautelar”, não resultando “demonstrado pelo Requerido nem a gravidade nem o prejuízo para o interesse público e, consequentemente, (…) demonstrada a atuação urgente necessária que tivesse justificado a prolação da Resolução Fundamentada”, termos em que, conclui, no sentido de que “sejam julgadas improcedentes as razões em que a Resolução Fundamentada do Requerido se fundamenta por falta de fundamento nos termos previstos no artigo 125.º do CPA e que sejam consequentemente considerados indevidos os atos de execução realizados pelo Requerido [identificados nos pontos 02 a 04 do requerimento de fls. 600/614 v. e do identificado na ampliação de fls. 779/782], bem como quaisquer outros atos que entretanto tenham sido ou venham a ser realizados, sendo declarada a sua ineficácia”.
Vejamos.

II. Resulta do art. 128.º do CPTA, sob a epígrafe de “proibição de executar o ato administrativo”, a proibição da Administração executar um ato administrativo uma vez interposta que seja contra ele uma providência cautelar de suspensão de eficácia.

III. Pretende-se com o mesmo assegurar que, uma vez interposta uma providência cautelar com aquele alcance, a autoridade administrativa a partir do momento em que receba o duplicado do pedido de suspensão fique impedida de iniciar ou prosseguir a execução desse ato, estando obrigada a impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados levem a cabo tal execução, a menos que, no prazo de 15 dias, mediante resolução fundamentada afirme que a execução é urgente porque o seu diferimento “seria gravemente prejudicial para o interesse público”.

IV. Para a legalidade e eficácia da emissão duma resolução fundamentada exige-se que a mesma seja proferida ou emitida tempestivamente [cfr. prazo de 15 dias referido no n.º 1 do art. 128.º do CPTA], por órgão administrativo competente e que na mesma sejam enunciadas as razões ou motivos integradores do preenchimento em concreto do pressuposto/requisito do diferimento da execução ser gravemente prejudicial para o interesse público a ponto de não poder sustar-se tal execução até à prolação da decisão judicial cautelar.

V. Quanto a este último requisito ou pressuposto temos que na explicitação motivadora não devem aceitar-se como válidas referências de tal modo genéricas e conclusivas que não habilitem os interessados e, por último, o próprio Tribunal, a entenderem e a aperceberem-se das razões que terão motivado a emissão da resolução fundamentada em questão.

VI. Deriva, por conseguinte, do exposto que a emissão por parte da Administração duma resolução fundamentada faz impender sobre a mesma especiais deveres/ónus de avaliação/ponderação da concreta situação e de fundamentação/motivação daquela sua decisão, das premissas e razões concretas que justificam o prossecução da execução do ato suspendendo por a sua sustação gerar grave prejuízo para o interesse público prosseguido, tanto para mais que só assim se permite e se possibilita a sua adequada impugnação pelo requerente cautelar e o seu controle jurisdicional.

VII. O tribunal, no momento em que decide sobre a eficácia ou ineficácia dos atos de execução praticados ao abrigo da resolução fundamentada não tem de tomar em consideração o periculum in mora, o fumus boni iuris, nem sequer tem de proceder a uma ponderação dos interesses em questão, mas, apenas, deve verificar se aquela resolução existe, se a mesma foi emitida dentro do prazo legal e se está fundamentada no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução [que é a regra geral] seria gravemente prejudicial [e não apenas maçador, inconveniente ou até simplesmente prejudicial] para o interesse público.

VIII. Toda a suspensão da eficácia de ato administrativo prejudica, por definição, o interesse público que ele prossegue já que a paralisação provisória dos efeitos do ato afeta inevitavelmente, ao menos «ratione temporis», os resultados a que ele se incline.

IX. Nessa medida, a emissão da resolução fundamentada por parte da Administração constitui o exercício duma prerrogativa que apenas faz sentido ser utilizada na medida em que seja indispensável para dar resposta a situações de especial urgência, sendo que estribada na mesma a Administração pode, dessa forma, prosseguir com a execução do ato, possibilidade que a mesma goza até que venha a ser proferida decisão judicial de procedência no âmbito do incidente de declaração de ineficácia dos atos praticados ao abrigo daquela resolução ou no âmbito do processo cautelar de suspensão de eficácia, situação que gera a automática caducidade da resolução fundamentada [cfr. Ac. do STA/Pleno de 05.06.2012 - Proc. n.º 0900/11 consultável in: «www.dgsi.pt/jsta»].

X. Frise-se que a permissão de execução do ato administrativo não obstante a propositura duma providência cautelar constitui um mecanismo excecional, pontual, apenas admissível e legítimo para aquelas situações em que se verifique grave prejuízo para o interesse público com a imediata suspensão da execução do ato e que reclamam urgência naquele prosseguimento, tanto mais que, por vezes, é o próprio interesse público que pode conduzir à suspensão de molde a evitar a consolidação de situações irreversíveis, a lesão de liberdades públicas ou direitos fundamentais do requerente e/ou de contrainteressados.

XI. É que com a proibição de execução do ato suspendendo decorrente da propositura da ação cautelar visa-se assegurar a manutenção do efeito útil à própria tutela cautelar de molde a evitar que quando o julgador tome posição sobre aquele litígio essa sua decisão ainda faça sentido ou tenha utilidade à luz mormente dos direitos e interesses que o requerente queria ver acautelados.

XII. Importa ter presente que a resolução fundamentada não é objeto de impugnação autónoma desligada da existência de atos concretos de execução.

XIII. Presentes o quadro factual supra fixado [cfr. n.ºs III), IV), V), VI), VII), VIII) e IX)], o quadro legal convocado e os considerandos antecedentes sobre o mesmo tecidos, resulta não poder proceder o incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida formulado pelo «ML».

XIV. Explicitando as razões deste juízo de improcedência do incidente temos, desde logo, que tal resolução não é passível de ser objeto de impugnação autónoma no quadro deste incidente de modo desgarrado e sem que seja por referência a atos concretos de execução, porquanto, de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal [cfr., entre outros, o acórdão de 24.09.2009 (Proc. n.º 0821/09) - acolhido e reiterado pelos acórdãos deste Supremo de 09.07.2014 (Proc. n.º 0561/14) e de 25.09.2014 (Proc. n.º 0799/14) - todos consultáveis no mesmo sítio], a “circunstância de a Administração emitir uma resolução fundamentada nos termos do art. 128.º, n.º 1, do CPTA não possibilita, «ipso facto», a dedução do incidente que a acometa; e compreende-se que assim seja, pois o que fere os interesses do requerente da suspensão não é a mera presença dessa pronúncia administrativa, mas os atos de execução que porventura se lhe sigam. Aliás, é óbvio que importa distinguir o pedido incidental dos seus fundamentos: à luz do art. 128.º, o único alvo a atacar pelo requerente da suspensão consiste em «atos de execução»; já os fundamentos desse ataque consistem numa «execução indevida» - e «indevida» porque os atos não foram precedidos de uma resolução qualquer ou, tendo-o embora sido, porque ela não foi capazmente fundamentada”.

XV. Assim, o requerente tendo vindo impugnar autonomamente a resolução fundamentada e sem referência a quaisquer atos de execução através do requerimento de fls. 562/577 e de fls. 583/599 dos autos fez naufragar o pedido impugnatório que ali deduziu apenas quanto àquela resolução que, desta feita, improcede sem necessidade de outros considerandos.

XVI. Por outro lado, quanto ao incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida igualmente sob apreciação e deduzido no requerimento inserto a fls. 600/614 v. dos autos, temos que, também, a argumentação expendida pelo requerente improcede.

XVII. Na verdade, a resolução fundamentada em questão contém, de forma clara e suficiente, a explicitação das razões pelas quais ocorreria prejuízo grave para o interesse público decorrente do impedimento da prática de atos de execução do ato suspendendo, sendo que a discordância por parte do requerente cautelar quanto às motivações nela aduzidas, mormente, da sua não real e efetiva demonstração ou verificação, não geram uma falta de fundamentação da mesma e a infração do quadro normativo invocado.

XVIII. Com efeito, lida a resolução fundamentada que se mostra reproduzida sob o n.º IV) da factualidade apurada temos que da mesma consta a enunciação dum conjunto de factos, ou juízos de valor sobre factos [que se reconduzem, no essencial, assim: ao carácter essencial da prossecução do interesse público nacional na concretização do procedimento concursal em questão para efeitos da promoção da sustentabilidade da política e do sistema de gestão de tratamento de resíduos em cumprimento de programa governo e das metas ambientais nacionais e europeias acordadas com a Comissão Europeia materializadas, mormente, no acordo de parceria «Portugal 2020» e refletidas no novo «PERSU 2020», bem como do aproveitamento dos investimentos com recurso imperioso e necessário aos Fundos Comunitários Europeus num contexto de difícil situação financeira do País e num quadro de grandes restrições ao nível da despesa pública; ao quadro de contenção do défice orçamental que exige do Estado a redefinição do seu papel e a sua reforma, assumindo-se a privatização da «A…….» como um passo na garantia da sustentabilidade do setor e na promoção do ajustamento macroeconómico nacional no âmbito das obrigações assumidas pelo País no Programa de Assistência Económica e Financeira que envolve a Comissão Europeia, «FMI» e «BCE»; à prossecução/relevância do interesse público nacional, dos interesses dos concorrentes e dos interesses dos municípios que declararam a opção de venda na prossecução do concurso setor dos resíduos], que a levam a concluir que o “interesse público nacional que ao Governo cumpre defender sairia gravemente prejudicado pela paralisação neste momento, e por tempo indeterminado, do processo de privatização da A………….”.

XIX. Tal enunciação permite, pois, concluir que na resolução fundamentada em questão se mostram contidos fundamentos factuais - perfeitamente claros e congruentes - e de direito bastantes que permitem aos seus destinatários, e por maioria de razão, ao Tribunal, perceber por que razão a Administração pretendeu prosseguir com a execução do concurso em causa.

XX. Para além disso, temos que os factos, os juízos emitidos sobre eles e as suas consequências jurídicas mostram-se como plausíveis, consubstanciando grave violação do interesse público a paralisação do procedimento em questão em decorrência da manutenção do efeito suspensivo decorrente da admissão da providência cautelar deduzida até à sua decisão.

XXI. Ao apreciar as razões vertidas na resolução fundamentada não pode o Tribunal, por um lado, entrar na análise da bondade e legalidade substancial do ato suspendendo, nem, por outro lado, invadir aquilo que são as margens da decisão política, das suas opções e critérios que a norteiam, e, bem assim, invadir aquilo que é margem de livre decisão da Administração, os poderes discricionários de que a mesma dispõe para valorar a melhor forma de prosseguir o interesse público e a oportunidade da decisão suspendenda no seu contexto e tempo.

XXII. Daí que as críticas do requerente que se situam nesse plano à referida resolução mostram-se insubsistentes, impondo-se o seu desatendimento, na certeza de que o Tribunal no quadro de apreciação deste incidente, como vimos, não pode esmiuçar as razões invocadas, escrutinando da sua conveniência, da sua maior ou menor importância ou razoabilidade e legalidade, ou de ser mais ou menos forte a gravidade.

XXIII. Resulta, por outro lado, que não é este juízo um juízo de valoração ou de ponderação relativamente às razões invocadas na resolução fundamentada, mas da constatação da sua existência no seu confronto com a realidade a ponto desta não as desmentir, pelo que, tal como considerou este Supremo no seu acórdão de 25.08.2010 [Proc. n.º 0637/10 consultável no mesmo sítio], “a «resolução fundamentada» só é justificável quando a referida lesão for grave” e “as «razões» demonstrativas dessa gravidade hão-de constar da «resolução»”, na certeza de que “esta não deverá operar os seus efeitos típicos se as «razões» absolutamente faltarem, forem irreais ou não se concatenarem logicamente à conclusão afirmativa do grave prejuízo para o interesse público”.

XXIV. Ora a resolução fundamentada enuncia «razões» dotadas de substrato e credibilidade ou de compreensibilidade, que logicamente se articulam com a inferência de que, a diferir-se o início e realização do procedimento concursal de reprivatização da «A………..», o interesse público em questão receberia um sério golpe a ponto de mesmo o poder inviabilizar a curto e médio prazo, com as implicações ou consequências económicas e financeiras relatadas, bem como no clima de confiança interna e externa.

XXV. De referir, por fim, que o pedido deduzido no segmento relativo aos eventuais futuros atos de execução “não tem arrimo legal, já que tende à condenação num «non facere», quando a lei prevê a emissão de uma pronúncia declarativa sobre atos singulares anteriormente praticados” [cfr. Acs. deste Supremo de 24.09.2009 - Proc. n.º 0821/09, de 09.07.2014 - Proc. n.º 0561/14 e de 25.09.2014 - Proc. n.º 0799/14 consultáveis no mesmo sítio].

XXVI. Pelo exposto, não sendo tal resolução censurável, é imperioso concluir pela improcedência do incidente sub specie deduzido nos termos do art. 128.º do CPTA pelo requerente «ML».
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2.2.2. DA PRETENSÃO CAUTELAR DO REQUERENTE À LUZ DOS CRITÉRIOS DECISÃO DO ART. 120.º CPTA

XXVII. Estriba o requerente a sua pretensão numa alegada verificação, no caso em presença, dos pressupostos legais que se mostram exigidos pelos critérios de decisão constantes do art. 120.º, n.ºs 1, als. a) e b) e 2 do CPTA, pelo que conclui pela procedência do pedido cautelar deduzido.
Analisemos, percorrendo a ordem definida pelo citado preceito.

XXVIII. É comummente aceite e sabido que o legislador através da reforma operada pelo CPTA procurou evitar que o tardio julgamento do processo principal pudesse determinar a inutilidade da sua decisão ou fosse responsável pela colocação do interessado numa situação de facto consumado ou numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilizasse a possibilidade de reverter à situação que teria se a ilegalidade não tivesse sido cometida.

XXIX. Daí que e de molde a evitar a verificação ou produção de tais perigos, assegurando dessa maneira a utilidade da sentença, veio no art. 112.º do CPTA a consagrar-se ou a autorizar-se o decretamento de medidas cautelares enquanto medidas destinadas a garantir que a decisão a proferir no processo principal possa produzir os efeitos que lhe são próprios e, dessa forma, repor a legalidade ofendida.

XXX. Previu e exigiu o legislador, todavia, que o decretamento de tais providências esteja sujeito ao preenchimento dos pressupostos fixados no art. 120.º do mesmo código, mormente, o da al. a) do n.º 1 do citado preceito aqui desde logo em questão face aos termos da invocação feita pelo requerente [cfr., nomeadamente, os arts. 52.º a 222.º do requerimento inicial].

XXXI. Neste normativo do CPTA autonomizam-se as situações de providências dirigidas contra atos/normas manifestamente ilegais, por si ou por referência a atos/normas idênticos já anteriormente anulados, declarados nulos ou inexistentes e contra atos de aplicação de normas já anulados.

XXXII. E o seu decretamento é quase automático na medida em que assenta em requisitos objetivos, fazendo apelo a um critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público [sob a forma do princípio da legalidade - a Administração não deve praticar tais atos] e a tutela dos interesses privados [particular tem direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada].

XXXIII. O critério legal definido na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA centra-se ou tem seu cerne na expressão “evidente procedência da pretensão” enquanto reportada à invocada posição jurídica subjetiva alegada ou a alegar no processo principal, sendo que o julgador cautelar é convocado para a emissão dum juízo procedência ou concludência sobre mesma sem que isso envolva, ainda assim, uma decisão sobre o mérito da causa.

XXXIV. Se é certo que, por regra, a demonstração do bonus ius em termos cautelares se basta com o fumus, enquanto juízo de verosimilhança a obter de modo sumário [summaria cognitio], o que ocorre é que neste critério de decisão o legislador, ao introduzir e exigir ao juízo cautelar o atributo qualificado da evidência da “procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal”, acaba por aproximar o juízo cautelar do juízo de mérito da ação principal.

XXXV. Nessa medida, face ao tipo de juízo cautelar em questão temos que pelo grau de exigência colocado na sua decretação, mercê dum “aproximar” a decisão cautelar da decisão principal quanto a um juízo de mérito, dúvidas não temos de que só em casos extremos e excecionais será possível afirmar-se, com segurança, que a procedência da ação principal é de tal modo evidente que não há razão para deixar de conceder a providência.

XXXVI. Tal juízo de «evidência» é, assim, tributário duma ideia de clareza, dum caráter inequívoco para um qualquer jurista, realidade essa de que são nítido exemplo as três situações enunciadas na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA [ou seja, a existência de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo, a aplicação de norma já anteriormente anulada e o ato manifestamente ilegal], consubstanciando as mesmas situações em que o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na ação administrativa principal se revela ou se afirma, no caso, como patente, notório, visível e com forte ou intenso grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê da semelhança ou paralelo com os julgados invalidatórios anteriores e, bem assim, da natureza ostensiva/grosseira da ilegalidade cometida.

XXXVII. Estamos, nessa medida, como referimos na presença de critério excecional que abrange apenas as situações em que é mais do que provável que a pretensão do requerente venha a ser julgada procedente, de situações de nulidade evidente ou de ilegalidade grosseira, em que se impõe e exige, sem a necessidade de aferição de quaisquer outros requisitos, a decretação da tutela cautelar enquanto meio de reposição, ainda que provisório, da legalidade e, mais latamente, do Direito.

XXXVIII. Note-se, por outro lado, que nesta sede quanto à situação de manifesta ilegalidade a aferição da evidente procedência da pretensão/ação administrativa principal terá de ser efetuada quando estamos em presença de pretensões impugnatórias à luz das ilegalidades que se mostram assacadas ao ato administrativo em crise tal como se mostra alegado no requerimento inicial do processo cautelar e da prova de factualidade que as integre ou preencha.

XXXIX. O carácter manifesto da ilegalidade não se compadece, assim, com aturados trabalhos de análise e de subsunção jurídica que é trazida a juízo pelas partes, nem pode derivar duma análise aprofundada de várias posições doutrinais ou jurisprudenciais que as partes tragam aos autos para fazer valer a sua pretensão.

XL. A mesma tem de se apresentar ou como não contestada/aceite pela contraparte, ou, então, de se revelar de forma inequivocamente simples, de modo a que lançando-se mão de conceitos jurídicos igualmente simples se possa concluir pela evidência da pretensão.

XLI. É que a providência cautelar não se destina a definir em termos finais as pretensões que as partes trazem a juízo, mas, ao invés, e, como supra fomos referindo, a acautelar essas pretensões da eventual perda que possa ser originada pela demora da decisão do processo principal, pelo que, nessa medida, a apreciação da pretensão que constitui o objeto do processo principal deve ser feita em termos sumários, meramente perfunctórios, de modo a que se possa proferir uma decisão no mais curto espaço de tempo e sem invadir ou esgotar aquilo que é ou constitui o objeto do processo principal.

XLII. Como se sustentou no acórdão do Pleno deste STA de 11.12.2007 [Proc. n.º 0210/07 consultável no mesmo sítio] “o acento tónico na «evidência» da «procedência da pretensão» formulada ou a formular no processo principal … deve ser notória e visível sem necessidade de qualquer elaborada indagação. Só pode ser considerado evidente, como nele se escreveu, o «que se constata de maneira imediata e manifesta. Há uma diferença irredutível entre captar imediatamente uma evidência e realizar uma demonstração tendente a captá-la, pois esta supõe o recurso a definições, divisões ou argumentações que possibilitem e suportem a captação de uma realidade que não era patente». (…) … o preceito em questão «sugere logo que o deferimento imediato do meio cautelar, aí previsto, há-de resultar de ilegalidades patentes e flagrantes, capazes de convencer primo conspectu, e sem necessidade de um laborioso discurso coadjuvante, da procedência da ação principal»” [cfr., igualmente, Acs. deste Supremo de 24.09.2009 - Proc. n.º 0821/09, de 09.12.2009 - Proc. n.º 0799/09, de 18.03.2010 - Proc. n.º 0105/10, de 25.08.2010 - Proc. n.º 0637/10, de 27.07.2011 - Proc. n.º 0520/11, de 25.09.2012 - Proc. n.º 0588/12, 26.09.2012 - Proc. n.º 0720/12, de 06.11.2012 - Proc. n.º 0855/12, de 30.01.2013 - Proc. n.º 01253/12, de 20.03.2014 - Proc. n.º 0148/14, de 26.06.2014 - Proc. n.º 0500/14, de 25.09.2014 - Proc. n.º 0799/14, de 23.10.2014 - Proc. n.º 0725/14 todos consultáveis no mesmo endereço].

XLIII. Ainda no âmbito da caracterização deste critério afirmou-se no acórdão de 19.12.2012 deste Supremo [Proc. n.º 01053/12 consultável no mesmo sítio] que “é mister que o juízo de prognose se funde em algo já evidente ou manifesto, isto é, em algo que, sem recurso a complexos ou questionáveis esforços argumentativos, se capte quase «de visu». O que, contudo, também não significa que só seja evidente ou manifesto o que se deteta num primeiro olhar, ao modo da intuição sensível. Na verdade, o êxito ou o malogro do processo principal não deixarão de ser evidentes ou manifestos por se concluírem a partir dum discurso argumentativo - pois o exercício do direito faz-se por raciocínios. O que se exige, para que se diga que se atingiu um estado de evidência, é que tal discurso seja claro e sólido, eliminando quaisquer dúvidas. Todavia, há que admitir que a quantidade e a complexidade dos raciocínios utilizados, por aumentarem o risco da insinuação de erros, não são um «iter» muito apropriado à colheita de evidências. Decerto que, para tanto, o essencial é que o processo discursivo que as atinge seja objetivo e seguro; mas é inegável que sê-lo-á tanto mais quanto maior for a sua simplicidade”.

XLIV. E por último atente-se, ainda, na argumentação expendida no acórdão deste Tribunal de 06.12.2012 [Proc. n.º 0913/12 consultável no mesmo sítio] de que uma “coisa evidente é uma coisa que não necessita de demonstração ou, apropriando-nos duma expressão popular, é «uma coisa que entra pelos olhos dentro». E, porque assim, sempre que para se chegar a uma conclusão sejam necessários diversos e complexos raciocínios é porque a mesma não é evidente. Se o fosse, essa evidência seria imediatamente apreensível e tais raciocínios seriam dispensáveis”.

XLV. Cientes dos considerandos de enquadramento quanto ao critério de decisão sob apreciação temos que, presente a alegação efetuada pelo requerente cautelar no seu articulado inicial, mormente, os fundamentos de ilegalidade assacados ao ato suspendendo [01) violação dos princípios da confiança e da autonomia local (arts. 02.º e 235.º, n.º 2 da CRP) quer na frustração das garantias legais e estatutárias quer no plano das regras relativas à alteração dos contratos e do seu próprio equilíbrio económico-financeiro; 02) violação do DL n.º 71/88, de 24.05, e do DL n.º 328/88, de 27.09 (diplomas que estabelecem regime jurídico de alienação de participações sociais por parte de entes públicos); 03) violação das regras relativas ao governo das sociedades participadas pela «A…….», mormente, dos arts. 05.º e 08.º dos Estatutos da «B……..», 165.º, n.º 1, al. u), da CRP, 14.º, n.º 1, 36.º e 38.º, n.º 2 do DL n.º 133/2013, de 03.10, 375.º, n.º 2 e 386.º, n.º 3 do CSC; 04) violação por parte da opção de venda dos municípios daquilo que se dispõe nos arts. 165.º, n.º 1, al. u), 235.º, n.º 2 e 266.º da CRP, 130.º a 154.º do CCP, 61.º, n.º 1 da Lei n.º 50/2012, de 31.08, 05.º e 08.º dos Estatutos da «B……….», 14.º, n.º 1, 36.º e 38.º, n.º 2 do DL n.º 133/2013, 02.º, 07.º, 375.º, n.º 2 e 386.º, n.º 3 do CSC, 61.º, n.º 1 da Lei n.º 75/2013, de 31.08 - cfr., nomeadamente, os arts. 53.º a 222.º do requerimento inicial], importa concluir, sem margem para dúvidas, que inexiste manifesta ou evidente procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.

XLVI. Não estando em causa “ato de aplicação de norma já anteriormente anulada” ou “ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente”, por nada alegado ou provado, restaria, então, aferir se na situação estaríamos em face de “ato manifestamente ilegal”, conclusão essa que não se logra extrair dum juízo sumário sobre os fundamentos de ilegalidade invocados pelo requerente e enunciados no ponto antecedente.

XLVII. Na verdade, não se descortina que o ato suspendendo padeça de ilegalidades que sejam manifestas ou inequivocamente evidentes no sentido de conduzirem à “evidência evidente” da procedência da ação principal, dado além se revelarem controvertidas entre as partes temos que a sua apreciação ou verificação mostra-se complexa, não resultando o juízo de ilegalidade como inequívoco visto envolver, pela natureza das questões em discussão [em termos fácticos/jurídicos], um juízo de perceção ou de “impressão do julgador” cautelar que não é unívoco no seu segmento decisório.

XLVIII. As exigências que in casu se mostram necessárias em termos da tarefa do julgador cautelar de ponderação das ilegalidades em crise à luz do regime jurídico em presença tendentes à emissão dum juízo de evidência da procedência da pretensão principal não são, no caso concreto, compatíveis ou compagináveis com o tipo de juízo decorrente da citada al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, na certeza de que a solução das questões jurídicas em que se estribam os fundamentos de ilegalidade suscitados, estando longe de uma posição pacífica, tem sede própria na ação principal.

XLIX. Assente que se mostra que a adoção de providência cautelar pretendida não tem enquadramento na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA prevêem-se no mesmo normativo e para o segmento da pretensão em presença com carácter conservatório um distinto grupo de condições de procedência que se mostram consagrados nos n.ºs 1, al. b) e 2, aí se enunciando condições de procedência que, embora com diferentes cambiantes, se podem reconduzir: a) A duas condições positivas de decretamento [periculum in mora - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e fumus boni iuris (“aparência do bom direito”) - reportado ao facto de não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou de que inexistam circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito - fumus non malus iuris]; e, b) A um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.

L. Passando, então, à análise dos referidos requisitos importa, neste âmbito, ter em consideração aquilo que foi o julgamento que este Supremo já realizou nos citados acórdãos de 09.07.2014 [Proc. n.º 0561/14], de 25.09.2014 [Proc. n.º 0799/14] e de 23.10.2014 [Proc. n.º 0725/14], autos em que ocorre grande similitude de situações fáctico-jurídicas e pretensão.

LI. Assim, considerou-se nas referidas decisões como verificado o requisito do fumus boni iuris sustentando-se para tal entendimento que quando está “em causa o decretamento de providências conservatórias, o critério legal de decisão relativamente ao requisito da aparência do bom direito é um critério largo, bastando, para o efeito, que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal [art. 120.º/1/b) CPTA]” e que uma vez cotejadas as ilegalidades ali invocadas “vê-se que encerram problemas jurídicos complexos sobre os quais os requerentes desenvolveram profusa argumentação”, “que essas questões mereceram oposição por parte da entidade demandada, que lhes contrapõe outro entendimento jurídico sustentado numa retórica argumentativa igualmente alargada”, pelo neste quadro “face à complexidade dos problemas jurídicos a enfrentar, num olhar sumário sobre os autos e sobre o que cada uma das partes alegou em abono das respetivas teses, o Tribunal, desprovido de um análise mais fina e aprofundada, sem indagações e ponderações mais cuidadas e exigentes que não lhe cumpre realizar nesta sede cautelar, não está em condições de afirmar, em juízo perfunctório, que a bem estruturada argumentação dos requerentes nenhum valor tem e que, por consequência, se percebe imediata e claramente que a pretensão que formulam no processo principal não tem fundamento”.

LII. Transpondo-se este juízo, plenamente, para o caso em presença, dúvidas não nos parecem existir de que o requisito do fumus boni iuris, na sua vertente de fumus non malus iuris prevista na al. b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, se tem de ter como verificado, tanto mais que nos procedimentos cautelares de natureza conservatória a prova deste requisito se basta com uma prova provisória, enquanto juízo de simples verosimilhança e que se carateriza no confronto com o exigido naquela ação por um menor grau de probabilidade [ainda que sério e fundado] da verificação da existência do facto e da violação do direito/interesse legalmente protegido.

LIII. E quanto ao requisito do periculum in mora igual conclusão importa ser retirada presente a realidade que se mostra carreada para os autos, certo que, como alega o requerente existe um fundado o receio de que quando culmine o processo principal e sobre ele venha a ser proferida uma decisão definitiva, esteja concluído há muito o processo de privatização e consumados factos de difícil ou de improvável reparação.

LIV. No acórdão deste Supremo de 31.10.2007 [Proc. n.º 0471/07 in: «www.dgsi.pt/jsta»] afirmou-se que numa “aceção lata, todo o facto acontecido consuma-se «qua tale», dada a irreversibilidade do tempo; mas não é obviamente esse o sentido da expressão da lei. Na economia do preceito, o «facto» será havido como «consumado» por referência ao fim a que se inclina a lide principal, de que o meio cautelar depende; e isto significa que só ocorre uma «situação de facto consumado» quando, a não se deferir a providência, o estado de coisas que a ação quer influenciar ganhará entretanto a irreversível estabilidade inerente ao que já está terminado ou acabado - ficando tal ação inutilizada «ex ante»” [entendimento este reiterado e reafirmado também no acórdão de 02.12.2009 - Proc. n.º 0438/09 consultável no mesmo sítio].

LV. Nesta sequência se mostra também o entendimento que foi firmado no acórdão deste Supremo de 09.07.2014 [Proc. n.º 561/14], reiterado nos referidos acórdãos de 25.09.2014 [Proc. n.º 0799/14] e de 23.10.2014 [Proc. n.º 0725/14], quando a propósito do requisito do periculum in mora se referiu que com o mesmo se visa apurar se “a prolação tardia de um juízo definitivo na causa principal é suscetível de promover danos em grau tal ou uma situação de tal modo irreversível que a eficácia reintegratória da decisão principal já não assegure a plena reconstituição anterior, por a mesma ser muito difícil ou impossível” e, apreciando este concreto requisito na situação ali em questão, afirmou-se que num “juízo de prognose, na situação futura de hipotética sentença de provimento no processo principal, cuja duração se antevê demorada, com passagem pelo Tribunal Constitucional, é muito provável que, durante o tempo que mediará até à decisão da ação por sentença transitada em julgado, se tenha concluído o processo de venda das ações da A……. a entidades privadas e concretizado a transformação da natureza jurídico - societária (…). (…) Por isso, sem o decretamento das providências cautelares, na hipótese de ganho de causa no processo principal, tendo em conta os interesses envolvidos (…) há uma forte probabilidade de se constituir uma situação que retire a possibilidade ou torne improvável, em sede executiva, a reintegração específica da ordem jurídica violada, mediante a reposição do status quo ante - periculum in mora - comprometendo a satisfação dos interesses que os requerentes visam assegurar na ação”.

LVI. Secundando-se este juízo, válido e aplicável na situação sub judice, mostra-se, pois, também como verificado na referida vertente o requisito positivo do periculum in mora.

LVII. Importa, agora, aferir do requisito ou pressuposto negativo previsto no n.º 2 do art. 120.º do CPTA [requisito relativo à ponderação da adequação/equilíbrio em termos da decisão de concessão ou recusa da providência], já que a despeito de estarem verificados os requisitos positivos exigidos para a adoção da providência a mesma ainda assim será recusada “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa” [cfr. art. 120.º, n.º 2 CPTA].

LVIII. Neste preceito introduz-se aquilo que já foi denominado como “cláusula de salvaguarda”, constituindo um critério adicional de ponderação que coloca, num mesmo patamar, os diversos interesses [públicos e/ou privados - requerente/requeridos], que, no caso concreto se perfilam ou estão em jogo.

LIX. Exige-se que o julgador cautelar na justa composição dos interesses contrapostos em presença proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos referidos interesses, balanceando os danos/prejuízos que a atribuição ou a recusa da providência possa envolver para os interesses públicos e/ou privados contrapostos.

LX. É, assim, que, no contraste entre os prejuízos que a execução causará ao requerente e os danos que a suspensão provoca aos interesses prosseguidos pelo requerido, deve dar-se prevalência aos de mais elevada consideração ou de maior intensidade, sendo que nesta ponderação, que nem sempre é fácil de fazer, o tribunal procura sopesar os interesses públicos relativos prosseguidos pela execução do ato com os interesses [particulares e/ou públicos] obtidos com a sua suspensão.

LXI. A decisão num sentido ou noutro tem que ser feita de modo justo e equilibrado, evitando sacrifícios injustificados e desproporcionados dos direitos e dos interesses tocados pelo ato.

LXII. Os índices dos interesses públicos cuja “tutela” em termos de perdas ou de danos impõem a eficácia imediata do ato têm que se encontrar no circunstancialismo que rodeou a sua prática, especialmente nos fundamentos, e nas razões invocadas pelo requerido, sendo necessário, no entanto, ter presente que a apreciação da lesão do interesse público a partir dos fundamentos do ato não significa qualquer resignação à presunção da sua legalidade.

LXIII. No caso sub judice o requerente cautelar, na alegação daquilo que seriam os danos para a sua esfera jurídica, refere que os prejuízos que pretende evitar são muito superiores ao dano que resultará para o requerido «CM» da adoção da providência, já que, estando em causa alegadas violações de normas e princípios constitucionais, de direitos fundamentais, de regras e princípios contratuais, o mesmo visa assegurar, proteger e prosseguir os seus interesses, sendo que com a privatização da «A…….» quebra-se a “proximidade e relação de confiança no titular do órgão de gestão da sociedade”, ocorre desproteção e enfraquecimento drástico e irreversível da posição do mesmo no quadro acionista e do funcionamento da «B…………» e daquela confiança entre acionistas [affectio societatis] com prejuízo para a prossecução, no quadro societário, do interesse público em geral e do interesse das populações locais em particular. Mais argumenta que a motivação aduzida pelo Governo no quadro do preâmbulo DL n.º 45/2014, mormente, compromissos e responsabilidades assumidas pelo Estado no Programa de Assistência Económica e Financeira não justificam, nem legalizam, atos ilegais e inconstitucionais, sendo que o “encaixe financeiro” revelar-se-á “um benefício inferior ao prejuízo quer para o Estado representará a procedência da ação principal”.

LXIV. Por seu turno, o requerido «CM» sustenta, em suma, que uma adequada ponderação dos interesses em presença “demonstra à evidência que os prejuízos decorrentes do eventual decretamento da providência seriam bem mais graves do que os supostos danos para o requerente decorrentes da não concessão desta, razão pela qual a adoção da providência cautelar requerida se revelaria, indubitavelmente, excessiva e desproporcionada” já que é o deferimento da pretensão cautelar que se revela como gravemente prejudicial para o interesse público definido e prosseguido para o setor dos resíduos urbanos [cfr. arts. 57.º a 120.º da oposição].

LXV. Argumenta, para o efeito, o requerido «CM» que não há lugar a qualquer extinção de pessoas coletivas públicas, nem o requerente explica como tal extinção, a existir, lhe causaria danos, nem que haja modificação substancial do estado de coisas uma vez realizada a operação de reprivatização; que os danos que alega são meramente genéricos/abstratos e “hipotéticos”; que “as questões de suposta legalidade (e inconstitucionalidade) a decidir na ação principal” “não podem ser consideradas para efeitos de ponderação de prejuízos”; que ao invés os municípios podem vir a lucrar significativamente com a privatização da «A……….»; que não colhe a afirmação de que a reprivatização não encontra justificação nos compromissos e responsabilidades assumidas pelo Estado no Programa de Assistência Económica e Financeira já que “o decretamento da providência teria o efeito real de inviabilizar a decisão de privatização” acarretando o “incumprimento de uma obrigação constante do Memorando de Entendimento, numa fase em que ainda não foi concluído o relatório da 12.ª avaliação, do qual depende o desfecho com sucesso do Programa de Assistência Económica e Financeira”; que com a reprivatização ocorra uma qualquer inviabilização dos interesses em termos de ambientais e da garantia da qualidade/manutenção de um serviço público essencial, porquanto a entidade gestora “continuará a ser, depois da privatização, uma sociedade comercial como já é hoje; e continuará a prosseguir a sua atividade nos exatos moldes em que o faz hoje - nos termos de um contrato de concessão” e “[a]través do contrato de concessão a sociedade gestora, seja ela pública ou privada, fica encarregada pelo Concedente de levar a cabo uma tarefa de interesse público”, sendo que do “ponto de vista do compromisso da entidade gestora com o interesse público nada muda com a reprivatização”.

LXVI. Mais sustenta neste quadro que a concretização das metas do «PERSU» 2020 “implica um esforço de investimento cujo financiamento depende de Fundos Comunitários Europeus e a captação de recursos pelos acionistas das empresas concessionárias”; que “a privatização da A………. torna-se necessária para garantir a sustentabilidade económico-financeira do sector dos resíduos urbanos, num tempo em que o Estado tem escassos recursos e em que, para garantir a estabilidade orçamental, tem que reduzir a despesa pública”; que “só a alienação da A…….. permitirá viabilizar o esforço financeiro associado ao cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental e promover soluções de maior eficiência e eficácia económica que asseguram a prestação aos utilizadores dos sistemas de um serviço público de excelência”; que esse esforço financeiro “depende em parte de financiamento comunitário, sendo que as condicionantes do programa de apoio comunitários a Portugal 2020 impõem a necessidade de um novo modelo de gestão que favoreça a estabilidade económica dos sistemas de infraestruturas existentes no sector”; que “suspender o concurso de privatização seria inviabilizar a venda da A……… e, consequentemente, inviabilizar o esforço financeiro de que o sector necessita”; que decretar a providência “equivaleria, na prática e seguramente, a anular o concurso em curso: nenhum concorrente iria manter-se no mesmo durante o tempo necessário - os anos necessários - para a decisão final da ação principal” e sendo que “certamente nenhum investidor quererá vir a participar num processo com tão grande grau de incerteza”; que o “decretamento da providência teria o efeito real de inviabilizar a decisão de privatização, decisão que é da exclusiva competência do Governo, nos termos da Constituição e da lei”; que “a suspensão do concurso poria … em causa o interesse dos municípios que decidiram exercer a opção de venda das suas ações” e “em condições extremamente favoráveis e com impacto direto nas respetivas receitas”; que o decretamento da providência “[a]carretaria ainda o incumprimento de uma obrigação constante do Memorando de Entendimento”, “gravíssimos efeitos no sector” e “poria em causa a confiança que os investidores depositaram na privatização da A………. e os interesses daqueles que se apresentaram a concurso” [04 concorrentes estrangeiros e 03 nacionais] e, bem assim, o “clima de retoma da confiança na economia nacional” o que “seria gravíssimo para o interesse público e de todos os portugueses”.

LXVII. Presentes os contornos da situação vertente nos termos em que se mostram trazidos aos autos pelas partes e aquilo que são os danos/prejuízos para interesses em confronto decorrentes da decisão cautelar de decretamento ou da sua recusa entende-se que, à luz do critério imposto pelo n.º 2 do art. 120.º do CPTA, o juízo de ponderação pende para o lado dos interesses invocados pelo requerido «CM», impondo-se a recusa da providência de molde a evitar os danos/prejuízos enunciados aos interesses prosseguidos por aquele, danos/prejuízos esses que se revelam substancialmente superiores àqueles que se perspetivam poderem, eventualmente, existir com a não decretação da providência na esfera do requerente.

LXVIII. Tal como se considerou no acórdão deste Supremo de 09.07.2014 [Proc. n.º 561/14], juízo que foi reiterado pelos acórdãos de 25.09.2014 [Proc. n.º 0799/14] e de 23.10.2014 [Proc. n.º 0725/14] “a argumentação do Conselho de Ministros é forte e persuasiva e decorre de factos verosímeis que credibilizam a ideia de que, nos termos expostos, os danos para o interesse público que resultariam da adoção da providência se mostram superiores aos que podem resultar da sua recusa para os interesses que … defendem na ação principal” sendo que a argumentação pretensiva cautelar não se revela convincente já que “[d]escontadas as considerações, irrelevantes nesta sede, acerca das supostas ilegalidades dos atos suspendendos e sobre a bondade e oportunidade das escolhas do Governo relativas à privatização da A………” temos que a “alegação não está substanciada em qualquer facto concreto que permita firmar o juízo de que, por causa da alienação do capital da A………. a investidores privados, o serviço público em causa será suprimido ou passará a ser de inferior qualidade. E não é apodítico que a privatização, por si só, implique, necessariamente, qualquer um daqueles efeitos danosos para as populações utilizadoras”.

LXIX. Com efeito, importa frisar que a alegação feita pelo requerente no seu requerimento inicial, mormente a quando e a propósito da demonstração do preenchimento do requisito do “periculum in mora” na vertente dos prejuízos de difícil reparação, revela-se hipotética, insubsistente, não credível e, em grande parte, meramente abstrata e conclusiva, termos em que se o “prato” da balança, no momento inicial do juízo de ponderação previsto no n.º 2 do art 120.º do CPTA poderia estar a “pender” para a esfera do requerente mercê deste haver logrado demonstrar o preenchimento dos requisitos positivos do art. 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA, temos que tal não se confirma ou se constata no final do juízo de ponderação, já que os danos invocados pelo requerido «CM» e a que se aludiu supra, decorrentes duma eventual decretação da providência, são superiores aquilo que seriam os hipotéticos danos sofridos pelo requerente na sua esfera jurídica e de que o mesmo fez apelo.

LXX. Nessa medida e considerando tudo o atrás exposto, impõe-se negar a tutela cautelar peticionada pelo requerente.


3. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Indeferir o incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida;
B) Julgar totalmente improcedente a pretensão cautelar sub judice, recusando a providência requerida.
Não são devidas custas dada a isenção legal do requerente [cfr. art. 04.º, n.º 1, al. g) do RCP], tudo sem prejuízo do disposto nos n.ºs 6 e 7 do mesmo preceito. D.N..

Lisboa, 6 de novembro de 2014. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.