Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01525/14
Data do Acordão:02/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:OPOSIÇÃO
COLIGAÇÃO SUBSIDIÁRIA ILEGAL
GERÊNCIA DE DIREITO
CAUSA DE PEDIR
Sumário:Sendo comuns as causas de pedir, e dependendo da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito é admissível a coligação de oponentes, face ao disposto no art.º 36.º do Código de Processo Civil.
Nº Convencional:JSTA00070036
Nº do Documento:SA22017021501525
Data de Entrada:12/18/2014
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPC13 ART36 ART38
CPTA02 ART12
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto
. 24 de Fevereiro de 2014.


Julgou verificada a excepção dilatória prevista no artigo 577°, al. f) do CPC, absolvendo a Fazenda Pública da instância.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………….. e B………….., na qualidade de revertidos, vieram interpôr o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de oposição judicial à execução fiscal n° 1783200701027816 instaurada pelo Serviço de Finanças de Gondomar 1 contra a sociedade “C………….., Lda.” para cobrança coerciva da quantia de € 2.743, 40 (dois mil e setecentos e quarenta e três euros e quarenta cêntimos) referente a IVA, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

A) Os artigos 36º a 38.º do CPC e 12° do CPTA aqui aplicável, que consideram admissível quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência ou quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.

B) A primeira hipótese refere-se à unidade da causa de pedir: quando a causa de pedir seja “a mesma e única”. E a causa de pedir, é o ato ou facto jurídico de que emerge a pretensão do autor. A segunda hipótese contemplada é a de “os pedidos estarem entre si numa relação de dependência”. E um pedido depende de outro sempre que do primeiro só se possa conhecer no caso da procedência do segundo.

C) No caso os oponentes, invocam a preterição de formalidades, alegando que como resulta da decisão final do procedimento de reversão, nela não foi tido em conta o direito de audição escrito apresentado pelos executados, apenas se fazendo uma breve referência ao direito de audição escrito apresentado e sem qualquer contexto com a situação dos executados.

D) Invocam, ainda, não poder ser instaurada e prosseguir execução fiscal por dívidas da entidade falida vencidas antes da respetiva declaração judicial de falência, porquanto como resulta dos autos, estão em causa no presente processo dívidas relativas a IRC e juros do exercício de 2001, o processo de execução foi autuado contra a executada originária, em 2009/09/29, a executada originária requereu processo de recuperação de empresa, por petição apresentada em juízo em 2001/12/20, o qual foi distribuído ao 2° Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova Gaia, aí correndo termos sob o n° 285/2002, a executada originária foi declarada falida em 17.05.2004, todo o património da executada originária suscetível de integrar a massa falida e responder pelos pagamentos das dívidas, foi apreendido encontrando-se a correr termos o respetivo processo de liquidação do passivo.

E) Invocam ainda a ausência de culpa dos gerentes, por no processo de falência foi declarada esta como meramente fortuita, excluindo, por conseguinte, a culpa dos gerentes pela sua ocorrência. Não sido declarada a culpa dos gerentes na falência da executada originária está afastada a possibilidade de reversão da execução fiscal.

F) Alegam, ainda, que nunca exerceram de fato qualquer atividade na empresa, tendo-se limitado a dar o seu nome como sócios e gerentes. Os requerentes são estranhos a toda a atividade comercial da empresa, bem como, ao cumprimento das obrigações fiscais desta. Desde a data do seu ingresso que os requerentes nunca tiveram nas suas mãos a direção do pessoal e a responsabilidade pelas compras e vendas, a área financeira e de tesouraria.

G) Invocam também a existência de bens da sociedade devedora originária, pois como resulta dos processos de execução fiscal contra a sociedade correm termos no Serviço de Finanças de Gondomar — já foram penhorados diversos bens da sociedade executada. Tais bens ainda não foram vendidos. A sociedade executada além dos bens penhorados, ainda possui outros bens que não se encontram penhorados e que foram apreendidos no âmbito do processo de falência da sociedade executada.

H) No despacho de reversão, o Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças determinou a preparação da reversão do processo de execução contra os executados, na qualidade de responsáveis subsidiários, sem proceder à venda dos bens penhorados e sem aguardar pelo resultado da venda em liquidação do ativo no âmbito do processo de falência da sociedade executada dos bens que foram apreendidos e que integram o património da devedora originária. Os bens pertença da devedora originária, que integram o seu património e que não foram vendidos, poderão mostrar-se suficientes para pagamento da dívida exequenda e do acrescido.

I) Não pode, assim, o Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças fazer reverter a execução fiscal contra os responsáveis subsidiários, enquanto o património da sociedade devedora originária que ainda não foi vendido, por não ser ainda possível afirmar, sem mais, que esses bens não são suficientes para pagamento das dívidas fiscais.

J) Invocam a inexistência de culpa na falta de bens da sociedade, já que os requerentes não tiveram culpa no facto da sociedade não ter disponibilidades financeiras que lhe permitissem pagar os valores em dívida, conforme reclamado no processo executivo.

K) Vê-se, assim, que a causa de pedir dos oponentes é a mesma e única. Na verdade, o pedido formulado pelos oponentes, emerge do facto (causa de pedir) de eles, segundo alegam, não terem efetivamente exercido a gerência da sociedade, além das outras exceções invocadas por ambos os oponentes.

L) E é evidente que nenhum dos pedidos formulados na situação está dependente do outro. Senão que, ao contrário, independem um do outro. Com efeito, nada obsta a que, por exemplo, seja julgado improcedente o pedido formulado pelo oponente com base no não exercício da gerência de facto e procedente o pedido formulado pela oponente com fundamento no facto de não ter sido por culpa sua que o património da executada originária se tornou insuficiente para pagar as dívidas tributárias.

M) A coligação de autores é também admitida, quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência do pedido principal dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas contratuais perfeitamente análogas.

N) Na situação em apreço os factos materiais são os mesmos. No caso de ambos os oponentes, está em causa o exercício da gerência de facto; e no caso do oponente, também o exercício da gerência de direito e a ausência de culpa pela insuficiência do património da executada originária para o pagamento das dívidas tributárias.

O) Não são diferentes as “regras de direito” aplicáveis a um e a outro caso, pois o carácter do pedido — ser julgada procedente a exceção da ilegitimidade dos oponentes não assenta em factos diferentes e não conexos entre si, e são os factos que determinam a aplicação das regras de direito.

P) Pelo que, ocorrendo entre os pedidos formulados a conexão exigida no artigo 36° do Código de Processo Civil, não se verifica a existência de exceção dilatória, determinante de abstenção de conhecimento do pedido e de absolvição da Fazenda Pública da instância.

Q) Como resulta do artigo 38° do Código de Processo Civil o juiz notificará os oponentes para, no prazo fixado, indicarem, por acordo, qual o pedido que pretende ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, o exequente ser absolvido da instância quanto a todos eles. Feita a indicação do pedido a ser apreciado no processo, o juiz absolve o réu da instância relativamente aos outros pedidos (n° 3 do mesmo artigo).

R) Neste caso, se as novas oposições forem propostas dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado do despacho que ordenou a separação, os efeitos da dedução de oposição retrotraem-se à data em que estes factos se produziram no primeiro processo - artigo 370, n° 5 do CPC aplicável analogicamente.

S) Assim, caso o Tribunal considera-se que no caso não ocorria entre os pedidos formulados a conexão exigida no artigo 36° do Código de Processo Civil, não deveria logo ter optado pela decisão de absolvição da instancia, mas mandar notificar os oponentes para esclarecerem quais os pedidos que pretendem ver apreciados no processo, uma vez que com as outras causas de pedir invocadas poderia a oposição prosseguir quanto a ambos os coligados, oponentes. Na decisão recorrida, o Tribunal não ponderou essa possibilidade.

T) As outras causas de pedir invocadas, afastando aquelas que o Tribunal entendia serem obstáculos à coligação - seja a falta de culpa na insuficiência do património, seja o não exercício da gerência, poderia a oposição prosseguir quanto a ambos os oponentes.

U) Verificam-se todos os requisitos previstos no n° 1 do art. 36° do CPC, que exige que a causa de pedir suscetível de suportar a coligação de autores seja, não só a mesma, como única.

V) Assim, deveria o Tribunal “a quo” ter mandado notificar os oponentes para esclarecerem quais os pedidos que pretendem ver apreciados no processo, prosseguindo a oposição com as outras causas de pedir invocadas quanto a ambos os coligados, oponentes.


Requereram que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, para o processo seguir os seus termos com o conhecimento do mérito dos pedidos.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da revogação da sentença recorrida.


A Sentença recorrida considerou provados por documento os seguintes factos:
1. A 20 de Janeiro de 2011, os Oponentes deram entrada da oposição — cfr. fls. 6 a 19;
2. O oponente exerceu o seu direito de audição prévio à reversão — cfr. fls. 31 a 33;


Questão objecto de recurso:
1. Coligação de oponentes.

1. Coligação de oponentes

A sentença recorrida considerou verificar-se uma coligação ilegal de oponentes. Entendem os recorrentes enfermar ela, nessa medida, de vício de violação de lei, por violação do disposto nos artigos 36.º a 38.º do Código de Processo Civil e 12º CPTA.
Analisada a petição inicial da oposição verificamos que os oponentes indicaram cinco diversos fundamentos para atacarem o despacho de reversão:
1- Preterição de formalidades legais por a Administração Tributária não haver tomado em consideração os factos alegados pelo executado no exercício do seu direito de audição, indicando apenas que aquele o havia exercido;
2- Absolvição do pedido executivo dos oponentes por estarem em causa dívidas fiscais anteriores à declaração de insolvência não podendo ser instaurados ou prosseguir os seus termos os processos de execução fiscal contra o devedor originário, como aqui ocorre;
3- Não exercício da gerência de facto por ambos os oponentes.
4- Por não terem ainda sido vendidos todos os bens da empresa originária devedora não pode a execução ser revertida por indemonstração da ausência ou insuficiência dos bens do devedor para solver a dívida;
5- Ausência de culpa dos oponentes na criação da situação deficitária da empresa quanto a meios económicos/financeiros bastantes para pagamento do montante exequendo;
Para além destes fundamentos, comuns, tal como configurada a relação material controvertida pelos oponentes na petição inicial, é também invocado que a recorrente não é sequer gerente de direito da empresa originária devedora de quem apenas detém uma participação social.
A questão mostra-se regulada no art.º 36.º do Código de Processo Civil onde se indica que:
Artigo 36.º (art.º 30.º CPC 1961)
Coligação de autores e de réus
1 - É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.
2 - É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.
3 - É admitida a coligação quando os pedidos deduzidos contra os vários réus se baseiam na invocação da obrigação cartular, quanto a uns, e da respetiva relação subjacente, quanto a outros.

O recorrente, no exercício do seu direito de audição, prévio ao despacho de reversão indicou elementos tendentes a demonstrar que não foi por culpa sua que a empresa originária devedora não cumpriu as suas obrigações fiscais.
Assim, contrariamente ao entendido na sentença recorrida os oponentes formularam causas de pedir comuns, sendo a esta comunicabilidade apenas adversa a questão de a recorrente ser ou não, também gerente de direito da empresa originária devedora.
Como tem vindo a admitir, de forma reiterada, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo os recorrentes podem coligar-se deduzindo uma única oposição para atacarem os dois actos de reversão que converteram cada um deles em responsável subsidiário pelo pagamento do montante exequendo, dado que foram alegados factos comuns e está em causa o pagamento da mesma dívida exequenda nos termos previstos no art.º 36.º do Código de Processo Civil. A única divergência quanto à causa de pedir estaria, prima facie, reduzida à invocação de a requerente não ser gerente de direito. Todavia, não tendo a reversão sido fundamentada em que qualquer dos revertidos fosse apenas gerente de facto, ela teve necessariamente como pressuposto que ambos foram considerados gerentes de direito, dessa qualidade jurídica se extraindo a presunção de que efectivamente exerceram a gerência em termos de determinar a vontade societária. Assim, analisar se tal qualidade jurídica está ou não preenchida quanto à recorrente não extravasa a interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, legitimando, ainda aqui a coligação nos termos do disposto no art.º 36.º, n.º 2 do Código de Processo Civil aqui subsidiariamente aplicável por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
A sentença recorrida que fez um diverso enquadramento dos factos alegados enferma de erro de julgamento a determinar a sua revogação.
Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos nomeadamente a aplicação do disposto no art.º 37.º do Código de Processo Civil


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para posterior tramitação dos autos, se a tal nada mais obstar.
Sem custas, dada a ausência de contra-alegações.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa,15 de Fevereiro de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.