Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0999/19.3BEAVR
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI JURIS
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista para uma melhor aplicação de direito se o juízo feito in casu de preenchimento do requisito do fumus boni iuris se apresenta como não isento de dúvidas e, nessa medida, carecido de reanálise.
Nº Convencional:JSTA000P26284
Nº do Documento:SA1202009100999/19
Data de Entrada:07/13/2020
Recorrente:ACSS, IP
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP [«ACSS»], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 30.04.2020 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 682/707 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso que havia dirigido por inconformado com decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante TAC/L] que havia concedido a pretensão cautelar contra si deduzida por A………. e na qual havia sido peticionada a admissão provisória desta ao procedimento concursal de ingresso no internato médico 2020 aberto pelo Aviso n.º 13438-A/2019.

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 722/732] «para uma melhor aplicação do direito» [fundada no erro na apreciação do quadro normativo aplicável in casu, nomeadamente, dos arts. 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, 03.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), DL n.º 13/2018, Portaria n.º 79/2018, pontos 4 do Despacho n.º 4412/2018, 3., 4.1., 6. e 9.5 todos do Aviso n.º 13438-A/2019, entendendo, ao invés do juízo das instâncias, como não verificados os requisitos exigidos para a decretação da providência] e, bem assim, na relevância social.

3. A requerente cautelar, aqui recorrida, não produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 733 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAC/L concedeu a tutela cautelar peticionada pela aqui recorrida, para o efeito fundando seu juízo no entendimento de que in casu estavam preenchidos os requisitos previstos e exigidos pelos n.ºs 1 e 2 do art. 120.º do CPTA [cfr. fls. 575/598], considerando, em suma, não só que ocorriam o periculum in mora e, bem assim, o fumus boni iuris, já que provável a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal dado ser ilegal o ato de exclusão da candidatura da ora recorrida ao procedimento concursal de ingresso no internato médico 2020 [enquanto fundada no não pagamento no prazo de apresentação da candidatura (20.09.2019) da quantia de 90,00 €, a título de comparticipação para o procedimento, valor esse que veio a ser liquidado entretanto pela mesma a 22.09.2019], como também do juízo de ponderação dos interesses em presença não deriva a recusa da concessão da tutela cautelar.

7. Aduziu, em suma, como motivação para a verificação do requisito do fumus boni iuris que «as regras de acesso ao procedimento concursal do internato médico, designadamente, os requisitos de acesso, contendem com a liberdade de escolha da profissão, prevista no artigo 47.º, da CRP, pelo que estão sujeitas a reserva de lei (artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da CRP) e ao princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP)» que «no RJIM, no RegIM e no aviso do procedimento inexiste uma norma que consagre que o pagamento da compensação prevista no artigo 35.º, n.º 2, do RJIM, até ao termo do prazo de candidatura, é um requisito de acesso ao procedimento concursal do internato médico na vertente de formação especializada», que «no RJIM, no RJIM, no RegIM e no aviso do procedimento inexiste uma norma que determine que o não pagamento da compensação prevista no artigo 35.º, n.º 2, do RJIM, até ao termo do prazo de candidatura é uma causa de exclusão do procedimento concursal do internato médico na vertente de formação especializada», sendo que «nem o n.º 4 do Despacho n.º 4412/2018 do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, de 27/04/2018, nem o ponto 9.5, do Aviso n.º 13438-A/2019, dispõem sobre os requisitos de admissão ou sobre os motivos de exclusão do procedimento concursal de acesso ao internato médico» e que «no RJIM, no RJIM, no RegIM e no aviso do procedimento inexiste uma norma que discipline diretamente as consequência do pagamento da comparticipação financeira depois do termo do prazo de candidatura», termos em que «o elemento teleológico-sistemático da interpretação jurídica e o princípio da interpretação conforme com a CRP repelem a interpretação conjugada do artigo 35.º, n.º 2, do RJIM, com o n.º 4 do Despacho n.º 4412/2018 do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, de 27/04/2018, e com ponto 9.5, do Aviso n.º 13438-A/2019 no sentido de consagrarem que o pagamento da comparticipação financeira dentro do prazo de candidatura é um requisito de admissão ao procedimento e que a consequência do pagamento intempestivo, mas dentro do prazo de audiência prévia é a exclusão do procedimento», já que «o RegIM permite, no artigo 31.º, n.º 3, que no prazo de audiência prévia os candidatos supram a falta de entrega de documentos que devem instruir a candidatura» e «elemento teleológico-sistemático da interpretação jurídica e o princípio da interpretação conforme com a CRP promovem a extensão desta norma ao pagamento da comparticipação financeira, o que significa que os candidatos que até ao termo do prazo de audiência prévia comprovem o pagamento da comparticipação financeira não podem ser excluídos do procedimento concursal».

8. O TCA/S no acórdão ora sob impugnação manteve integralmente o juízo do TAC/L.

9. O requerido cautelar, aqui ora recorrente, funda a necessidade de admissão da presente revista não só na relevância social da questão, mas, essencialmente, na melhor aplicação do direito, acometendo-o de erro de julgamento, entendendo não estarem verificados os requisitos exigidos pelo art. 120.º do CPTA.


10. No caso, não se vislumbra uma especial relevância social da questão já que não se descortina ocorrer uma qualquer repercussão do litígio na comunidade, na certeza de que o mesmo mostra-se desprovido totalmente de interesse até para os demais candidatos contrainteressados envolvidos no procedimento, sendo que, tratando-se de procedimento anual sujeito a específicas regras que aprovam as condições de candidatura, o seu interesse comunitário apresenta-se como circunscrito ao caso, não denotando virtualidade de expansão de controvérsia que extravase os contornos do caso concreto e daquilo que foi e é a sua especial singularidade.

11. Já quanto à necessidade de admissão da revista para uma melhor aplicação de direito temos que, presente a motivação expendida pelo recorrente e o quadro normativo em crise, se apresenta, desde logo, como não isenta de dúvidas e carecida de reanálise por este Supremo a questão respeitante ao acometido erro de julgamento quanto ao juízo de preenchimento do requisito do fumus boni iuris por incorreta interpretação e aplicação feita in casu do referido quadro normativo, aferindo da efetiva probabilidade da ora recorrida vir a obter ganho de causa no processo principal.

12. Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.







DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 10 de setembro de 2020
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Conselheiros Jorge Artur Madeira dos Santos e José Augusto Araújo Veloso]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho