Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0745/12
Data do Acordão:01/09/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - Para que possa ser qualificada como acto jurídico, é necessário que a “decisão informática” seja imputada subjectivamente a um órgão administrativo, o que implica uma actuação subsequente que lhe faça desencadear os efeitos jurídicos.
II - Através da «notificação», o órgão administrativo demonstra tacitamente que teve intenção de assumir a compensação informática como um acto cujos efeitos jurídicos lhe podem ser imputados, convertendo-a em acto tributário impugnável.
III - A circunstância da liquidação e da compensação constarem do mesmo instrumento de externação, não legitima que se veja aí uma única manifestação de vontade, ainda que divisível.
IV - A alínea b) do nº 3 do artigo 43º da LGT abrange apenas os casos em que, apesar do contribuinte não impugnar o acto tributário nem pedir a revisão, a administração tributária anula o acto por sua iniciativa, situação em que há direito a juros indemnizatórios, independentemente de o erro ser imputável ao contribuinte ou à administração, a partir do 30º dia posterior à decisão administrativa de anulação.
Nº Convencional:JSTA00068021
Nº do Documento:SA2201301090745
Data de Entrada:07/02/2012
Recorrente:DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Área Temática 2:CONTRIB AUTARQUICA
Legislação Nacional:CPA91 ART120
CPPTRIB99 ART97 N2 P
LGT98 ART43 N3 B ART43 N1 ART100
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 6ED VOLI PAG530
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. O Director-Geral da Administração Tributária e Aduaneira interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente o recurso contencioso de anulação do acto que ordenou a compensação dos créditos apurados na revisão oficiosa da liquidação da contribuição autárquica de 1997, interposto por A……. SA, devidamente identificada nos autos.
Nas respectivas conclusões, conclui o seguinte:
I. O presente recurso vem apresentado da sentença notificada, em primeiro lugar, da parte da decisão que concluiu pela não verificação da excepção suscitada de meio impróprio, e que julgou procedente o recurso contencioso.
II. A entidade recorrente não pode também concordar com a douta sentença, quando determina na decisão o seguinte: «a) anulam-se os actos de compensação recorridos, b) reconhece-se à recorrente o direito ao pagamento de juros indemnizatórios».
III. As compensações efectuadas são-no na sequência de um procedimento de revisão da liquidação, revisão esta, da competência dos Serviços Centrais da DGCI, nos termos do n.º 3 do art. 20° do CCA.
IV. Assim, as ditas compensações, são parte do mesmo processo de revisão de liquidação, como também se retira do art. 89° do CPPT, uma vez que elas são efectuadas “a final” e, obrigatoriamente, desde que haja dívidas do executado à mesma AT.
V. Ora, sendo essa compensação imputável aos Serviços Centrais da DGCI, e não existe qualquer acto destacável de um órgão da AT que se pronuncie autonomamente sobre ela, nomeadamente sobre a sua conformidade com a lei, e que ordene essa compensação.
VI. Daí que a recorrida não pudesse, com o presente meio processual — recurso contencioso de anulação — obter a anulação das compensações efectuadas, pois que, inexiste acto destacável a determinar as ditas compensações.
VII. Por esse motivo, o meio próprio para reagir contra as compensações efectuadas será — porque inseridas ou próprias do acto de liquidação ou de revisão de liquidação, feitas no âmbito do mesmo processo e pela entidade com competência para as referidas liquidações — a impugnação judicial.
VIII. Deste modo, não existindo acto destacável não se pode imputar ao mesmo qualquer falta de fundamentação ou ilegalidade, não podendo ser reclamado aos procedimentos mecanizados e informatizados. Nesse mesmo sentido, também se concluiu no douto Acórdão proferido pelo TCA Sul, em 07 de Setembro de 2008, no recurso 1239/06.
IX. Pelo que, deve a douta decisão ser substituída por outra que rejeite o recurso por não se poder anular o que não existe, isto é, falta de objecto, ou por impropriedade do meio utilizado, com todas as legais consequências.
X. A douta sentença recorrida, salvo o devido respeito é também, nula nos termos do art° 668° n.º 1 al. d) do CPC, por excesso de pronúncia no que respeita à alínea b) da decisão, onde diz expressamente; «b) reconhece-se à recorrente o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.»
XI. Além do que, a Entidade ora Recorrente entende que a sentença recorrida fez uma errada interpretação das disposições legais aplicáveis, nomeadamente do artigo 43° da LGT.
XII. Em primeiro lugar, devemos salientar que o Processo Judicial Tributário tem por função a tutela plena, efectiva e em tempo útil dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária (art° 96° n.º 1 do CPPT); pelo que, os Sujeitos Passivos dispõem de um meio próprio para fazer valer os seus direitos e para defender os seus interesses, e nesse sentido existem na legislação tributária vários meios adequados às diferentes situações.
XIII. Ora, não pode a sentença recorrida “reconhecer um direito” num Recurso Contencioso de Anulação, recurso esse, que não está para esse efeito destinado, violando com isso a legislação aplicável.
XIV. A douta sentença recorrida vem reconhecer um direito a juros indemnizatórios, com base no facto de não ter sido processada uma nota de crédito na sequência de uma revisão de uma liquidação nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 43° da LGT.
XV. Na verdade, a situação dos autos não tem enquadramento na alínea b) do n.º 3 do artigo 43.° da LGT, e salvo o devido respeito faz uma errada interpretação do normativo legal, enquadrando a situação na alínea b) porque de facto os créditos foram processados, conforme consta da alínea a) dos factos provados.
XVI. E por outro lado, mesmo que se entendesse que a recorrente contenciosa teria direito a juros indemnizatórios, teriam de ser fundados no n.º 1 do artigo 43° da LGT, e apenas, se se viesse a apurar a existência de erro na liquidação imputável aos serviços, o que teria de ser discutido em meio processual que tivesse por objecto o próprio acto de liquidação, e não no presente recurso contencioso.
XVII. Pelo que, entende a Entidade ora Recorrente que a sentença recorrida é nula nos termos do art. 668° nº 1, al. d) do CPC, por incorrer em excesso de pronúncia. Além do que, também padece de erro de julgamento na interpretação das disposições legais, nomeadamente dos artigos 96° n.º 1 do CPPT e 43° da LGT, pelo que não pode ser mantida, com as legais consequências.

1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de se confirmar a sentença recorrida quanto à anulação da compensação, pelo facto do recurso contencioso ser o meio processual adequado, e de se revogar a sentença quanto ao pagamento de juros indemnizatórios.

2. A sentença deu como assente os seguintes factos:

a) Em 16 de Janeiro de 2002, na sequência de revisão da liquidação de contribuição autárquica relativa ao ano de 1997 referente ao prédio sito na freguesia de Vila Nova de Gaia, artigo U — 08054-A, foram apurados dois créditos a favor da recorrente no valor de €29.733,64 (documentos de fls. 7 e 9 dos autos).
b) O valor dos créditos apurados foi utilizado para compensação de dívidas constantes das notas de cobrança nº 96/1503/500210160/43, no valor de €26.366,65, nº 1997 268136303, no valor de €3.366,99, nº 6/1503/500210160/43, no valor de €26.984,44 e nº 96/1503/500210160/44, no valor de €2.749,20, conforme discriminação inserta dos documentos de fls. 7 e 9 dos autos.
c) As compensações de créditos referidas em b) constam, respectivamente, da demonstração da revisão da liquidação n°1997270299402 e da demonstração da revisão da liquidação n°1997270299502, emitidas em 16 de Janeiro de 2002 (documentos de fls. 7 e 9 dos autos).
d) O documento de cobrança n°96/1503/500210160/43 refere-se à liquidação da contribuição autárquica do ano de 1994, relativa ao prédio sito na freguesia de Alcabideche, artigo n°U-10904-A, tendo sido apurado um imposto a pagar no valor de 36.140.676$00 (documento de fls. 17 dos autos).
e) Em data não concretamente apurada, mas no ano de 1998, a recorrente procedeu a pagamentos por conta do imposto referido em d) no montante somado de 24.552.989$00 (documento de fls. 27 a 31 dos autos).
f) O documento de cobrança n°95/500210160/1503/44 refere-se à liquidação da contribuição autárquica do ano de 1995, relativa ao prédio sito na freguesia de Alcabideche, artigo n°U-10904-A, tendo sido apurado um imposto a pagar no valor de 30.580.572$00 (documento de fls. 19 dos autos).
g) Em data não concretamente apurada, mas no ano de 1998, a recorrente procedeu a pagamentos por conta do imposto referido em d) no valor de 19.212.551$00 (documento de fls. 27 a 31 dos autos).
h) A recorrente deduziu impugnação judicial dos actos de liquidação da contribuição autárquica dos anos de 1994 e 1995 referentes ao prédio identificado em d) (documento de fls. não numeradas do processo administrativo apenso).
i) Em 21 de Agosto de 1998, a recorrente prestou garantia no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva das dívidas de contribuição autárquica relativas aos anos de 1994 e 1995 (documento de fls. 57 a 61 dos autos).
j) O documento de cobrança n°1997 268136303 refere-se à liquidação da contribuição autárquica do ano de 1997 relativa aos prédios sitos na freguesia de Creixomil, tendo sido apurado um imposto a pagar no valor de 671 021$00 (documento de fls. 21 dos autos).
k) Em Março de 2002, a recorrente apresentou reclamação do acto de liquidação da contribuição autárquica do ano de 1997, relativa aos prédios sitos na freguesia de Creixomil, constante do documento de cobrança n°1997268136303 (documento de fls. 63 e 64 dos autos).
l) Em Abril e Setembro de 1998, a recorrente procedeu ao pagamento, em duas prestações, da contribuição autárquica do ano de 1997 relativa aos prédios sitos na freguesia de Creixomil (documento de fls. 8 do processo administrativo apenso).
m) Na sequência da reclamação referida em l), foi prestada informação, em 27 de Junho de 2002, onde consta, além do mais, o seguinte: “Da análise aos elementos constantes dos autos, a fls. 8, conclui-se que, de facto, a reclamante procedeu ao pagamento das primeira e segunda prestações da Contribuição Autárquica referentes ao ano de 1997, onde estavam incluídos os prédios constantes da liquidação reclamada, pelo que se verifica haver duplicação da liquidação correspondente àqueles prédios” (documento de fls. 9 do processo administrativo apenso).
n) Na informação referida em m) foi exarado, em 27 de Setembro de 2002, despacho de deferimento do pedido da recorrente de anulação da liquidação da contribuição autárquica no valor de 671.021$00 constante do documento de cobrança n°1997 268136303 (documento de fls. 9 do processo administrativo apenso).

3.1 A recorrida interpôs recurso contencioso de anulação (a actual acção administrativa especial) dos “actos de compensação” dos créditos que foram apurados a seu favor no procedimento de revisão das liquidações da contribuição autárquica do ano de 1997 e que constam das notas de cobrança nº 97/1910/500210160/12 e nº 97/1910/500210160/11 que estão juntas a fls. 7 e 9 dos autos.
A sentença recorrida considerou que: (i) o recurso contencioso de anulação é o meio adequado para se reagir contra o acto de compensação praticado antes da instauração da execução; (ii) os actos de compensação são ilegais, porque foram praticados estando pendente impugnação judicial dos actos de liquidação compensados, com prestação de garantia, e sem que tenha sido instaurada execução fiscal para a respectiva cobrança; (iii) há lugar ao pagamento dos juros indemnizatórios, «uma vez que a compensação efectuada na sequência do procedimento de revisão da liquidação obstou a que fosse processada a nota de crédito até ao 30º dia posterior à decisão».
A recorrente insurge-se contra as decisões (i) e (iii), sem questionar a invalidade das compensações impugnadas, dizendo que: (i) o meio processual adequada é a impugnação judicial, já que as compensações fazem parte do “mesmo processo” de revisão de liquidação, inexistindo um “acto destacável” que se tivesse pronunciado autonomamente sobre elas; (ii) há nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, pois não era possível apreciar o pedido de juros indemnizatórios; (iii) erro de julgamento quanto à condenação em juros indemnizatórios, porque a situação não se enquadra na aliena b) do nº 3 do artigo 43º da LGT.
Começando pela nulidade da sentença, questão já respondida pelo juiz a quo, deve dizer-se que não há qualquer excesso de pronúncia, na medida em que, no artigo 10º da petição inicial e no pedido, vem expressamente formulada a pretensão dos juros indemnizatórios devidos pela prática ilegal das compensações. Portanto, desse defeito não sofre a decisão, pois pronunciou-se sobre questão que estava incluída no objecto da acção. Problema diferente consistiria em saber se no recurso contencioso, que era de “mera legalidade”, esse pedido poderia ser cumulado com a anulação do acto impugnado, mas tal questão não faz parte sequer do âmbito do recurso.
O erro na forma de processo vem apenas invocado quanto ao pedido de anulação das compensações, embora envolto em alguma incongruência: por um lado, a recorrente diz que há “falta de objecto”, e por outro, que a forma adequada é a “impugnação judicial”. Ora, sendo certo que o recurso contencioso e a impugnação judicial têm ambos por objecto um acto tributário, naturalmente que se não há objecto nenhuma dessas formas se mostraria apropriada.
Mas a recorrente parece querer dizer que a impugnação judicial deveria ter sido deduzida dos actos que decidiram o procedimento de revisão oficiosa, uma vez que as «ditas compensações fazem parte do mesmo processo» ou de um «procedimento mecanizado e informatizado», não existindo “acto destacável” susceptível de impugnação.
Ainda que se aceite que as compensações constituíram uma “decisão informática”, uma decisão que foi produto de um programa informático que pré-figurou e determinou o sentido da decisão, a que se lhe juntaram manualmente os dados da situação concreta, não se pode concluir que tal automação é insusceptível de produzir um acto tributário. É certo que uma operação automática efectuada por um computador, por si só, é desprovida de valor e força jurídica. Para efeitos do artigo 120º do CPA, pode admitir-se que a decisão do computador seja considerada uma “decisão de um órgão da Administração”, na medida em que, através da introdução do programa informático, o órgão administrativo determina os exactos termos das decisão proposta pelo computador. Mas, para que possa ser qualificada como acto jurídico, é necessário que a “decisão informática” seja imputada subjectivamente a um órgão administrativo, o que implica uma actuação subsequente que lhe faça desencadear os efeitos jurídicos.
Ora, se o computador não toma decisões em sentido jurídico, para que se possa subsumir no conceito de acto tributário, o órgão administrativo competente deve praticar um acto em que manifeste a intenção de se “apropriar” do output informático, convertendo a decisão informática numa decisão que lhe é imputável. Como refere Pedro Gonçalves, a situação normal é aquela em que a «Administração, aceitando o resultado da máquina, pratica imediatamente um qualquer outro acto que “pressupõe” que a “decisão administrativa” já está tomada (pela máquina), mostrando através do acto que pratica (v.g. notificação) que essa decisão pode ser considerada “sua”, que lhe é imputável, que se responsabiliza pelos efeitos que dela decorrem» (cfr. O Acto Administrativo Informático, in, Scientia Ivridica, T. XLVI, 1997, nº 265/267, pág. 69 e 70).
No caso dos autos, admitindo-se que a compensação foi produto de um programa informático, o director-geral da administração tributária, através das notificações constantes de fls. 7 e 9, demonstra que se apropriou dela, assumindo-a como acto tributário seu. Ou seja, através da «notificação», aquele órgão demonstra tacitamente que teve intenção de assumir a compensação informática como um acto cujos efeitos jurídicos lhe podem ser imputados. E isso é quanto basta para que se lhe atribua o valor de acto tributário, sobretudo numa área em que a actuação da administração tributária se realiza de modo massificado e repetitivo.
A notificação da compensação foi realizada no mesmo instrumento que deu a conhecer ao contribuinte o resultado da revisão oficiosa da liquidação da contribuição autárquica. Diz a recorrente que a compensação “fez parte” daquele procedimento, o que evidencia a impropriedade da forma escolhida para se questionar a sua legalidade.
Mas a circunstância de ambos os actos constarem do mesmo instrumento de externação, não legitima que se veja aí uma única manifestação de vontade, ainda que divisível.
A compensação é um acto tributário que se distingue do acto de liquidação, pela diferente finalidade, natureza, procedimento e até pelo momento em que é produzida: enquanto a liquidação stricto sensu é o acto que determina o montante de imposto a pagar, a compensação é um encontro de contas destinado a evitar pagamentos recíprocos; enquanto a liquidação é uma “verificação constitutiva” da obrigação do imposto, a compensação é uma causa directa da extinção da obrigação; enquanto a liquidação é efectuada no procedimento tendente a verificar os pressupostos da tributação (ou reapreciação desses pressupostos), a compensação opera num procedimento em que se verifica a situação de compensação e o credor-devedor manifesta a vontade de a realizar; a liquidação antecede sempre a compensação, pois só quando o contra-crédito se torna válido, exigível e exequível é que se pode emitir a declaração de compensação.
A compensação impugnada surgiu pois como um acto autónomo, praticado após se ter apurado, no procedimento de revisão oficiosa, que o recorrido tinha um crédito de imposto pago a mais. Um acto gerado num procedimento diverso, que implicou a introdução no computador de dados relativos a créditos e a débitos, de que resultou um acerto de contas informático, o qual foi “assumido” pelo director-geral, através da notificação efectuada ao recorrido.
Neste contexto, nem sequer se pode falar de um “acto divisível”, no sentido de um único acto que contém duas decisões distintas e autonomizáveis, pois a “declaração de compensação” ocorreu necessariamente em momento posterior àquele em que se apurou o crédito do contribuinte, com base em operações diversas das que estiveram na origem desse crédito compensado.
Não se tratando de uma liquidação, e sendo praticado antes da execução fiscal, o que constituiu a ilegalidade reconhecida na sentença recorrida, o meio adequado para afastar a sua lesividade era, na data em que foi prolatado, o recurso contencioso de anulação e não a impugnação judicial, como defende a recorrente. Nos termos das alíneas a) e d) do artigo 97º do CPPT, a impugnação judicial é a forma adequada para se impugnar a liquidação e os actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade da liquidação. Mas, pelo estabelecido na aliena p) e nº 2 do mesmo artigo, dos demais actos tributários que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, cabe recurso contencioso (acção administrativa especial), meio impugnatório regulado pelas normas sobre processos nos tribunais administrativos.
Ora, sendo a compensação de créditos um acto cuja finalidade é extinção, parcial ou total, da obrigação de imposto, e que por isso não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação, a sua legalidade apenas podia ser questionada em recurso contencioso, uma vez que foi efectuada antes da instauração da execução fiscal.

3.2. A Recorrente também questiona a legitimidade da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, com o argumento de que: (i) existe errada interpretação da alínea b) do nº 3 do artigo 43º da LGT, uma vez que os créditos foram processados, embora aplicados para compensar dívidas do credor: (ii) e não podem ser exigidos pela norma do nº 1 do art. 43º porque não se apurou ter existido erro na liquidação imputável aos serviços.
Ora, a nosso ver, a recorrente tem razão no que diz.
O pedido de juros indemnizatórios pela ilegalidade do acto de compensação não está contemplado em qualquer das normas do artigo 43º da LGT, o que não significa que o lesado possa valer o direito através de outros meios, caso demonstre ter sofrido prejuízos.
Não cabe na alínea b) do nº 3 do artigo 43º, porque a anulação da compensação não se deveu à iniciativa da Administração, mas sim a uma decisão judicial, e porque não existiu qualquer atraso no processamento da “nota de crédito”, uma vez que o crédito a favor do contribuinte foi aplicado na compensação de dívidas fiscais. Aquela alínea abrange apenas os casos em que o contribuinte não impugnou o acto tributário nem pediu a revisão, mas a administração tributária anula o acto por sua iniciativa, situação em que há direito a juros indemnizatórios, independentemente de o erro ser imputável ao contribuinte ou à administração, a partir do 30º dia posterior à decisão administrativa de anulação.
E também não se pode incluir no nº 1 do artigo 43º porque, na previsão dessa norma, o erro de facto ou de direito, imputável aos serviços, só pode ser determinado na apreciação e decisão dos processos de reclamação graciosa ou de impugnação judicial quando estiver em discussão a (i)legalidade de uma liquidação. Como anota Jorge de Sousa, «embora não se refira expressamente, no nº 1 deste art. 43º, que o acto viciado por erro deve ser um acto de liquidação, são os actos deste tipo os que provocam directamente o pagamento de uma dívida tributária e, por isso, terá de ser a actos daquele tipo que se reporta esta disposição» (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed. Vol. I, pág. 530).
É verdade que, nos termos do art. 100º da LGT, uma decisão favorável ao sujeito passivo no âmbito da impugnação judicial tem por objecto imediato a reconstituição da legalidade do acto tributário, remetendo para o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso. Mas aquela norma, na sua extensão e compreensão normativas, não permite uma interpretação extensiva da norma do nº 1 do art. 43º da LGT. Ainda que conexa com a do art. 100º da LGT, a hermenêutica não pode ferir o seu elemento literal, ponto de partida e limite na fixação do seu alcance decisivo, sendo que o legislador manifestou, coerentemente, nessa norma a sua vontade expressa de limitar aos meios processuais em causa, ligados ao contencioso anulatório da «liquidação», o conhecimento dos pressupostos do direito a juros indemnizatórios.
Quer dizer: a ilegalidade da compensação, nem resultou de anulação oficiosa, nem de erro num acto de liquidação, o quanto basta para se afastar o direito de indemnização pelo regime específico do artigo 43º da LGT.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento parcial ao recurso, revogar a sentença na parte que condenou em juros indemnizatórios, julgando-se o recurso contencioso improcedente nessa parte, e confirmar a sentença quanto ao demais.

Custas pela recorrente e recorrido, na proporção do vencimento, sendo as deste, devidas apenas na primeira instância.

Lisboa, 9 de Janeiro de 2013. - Lino Ribeiro (relator) – Fernanda Maçãs – Isabel Marques da Silva.