Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0553/07.2BECBR 01331/17
Data do Acordão:02/05/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:AUDIÊNCIA PRÉVIA
ACTO TRIBUTÁRIO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A falta de audiência prévia à liquidação, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do acto (art. 135.º do CPA revogado; art.163º nº1 CPA vigente)
II - No entanto, há situações em que a preterição da formalidade pode não ter efeitos invalidantes (art.163º nº5 CPA vigente) designadamente quando, em procedimento de segundo grau, o interessado pôde pronunciar-se sobre as questões relativamente às quais foi omitida a audiência no procedimento de primeiro grau.
III - À fundamentação substancial do acto tributário interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, traduzida na verificação dos pressupostos de facto invocados e na correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.
IV - À fundamentação formal do acto tributário interessa a enunciação dos motivos que determinaram o seu autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo.
V - À fundamentação formal do acto tributário cumpre uma dupla função:
- endógena, na medida em que revela de forma inteligível e transparente o processo de formação da decisão pela autoridade administrativa;
- exógena, na medida em que permite ao sujeito passivo uma inequívoca compreensão dos motivos determinantes da sua prática e a opção esclarecida entre a conformação e a impugnação administrativa ou contenciosa.
VI - Estão formalmente fundamentadas as liquidações adicionais do imposto que resultam da matéria tributável fixada pelo presidente da comissão de revisão (por falta de acordo entre os vogais), por remissão para o relatório da inspeção tributária, cujo teor cumpre a dupla função endógena e exógena supra enunciada (arts 84º e 87º Código de Processo Tributário; art.125º nº1 CPA 1992).
Nº Convencional:JSTA000P25526
Nº do Documento:SA2202002050553/07
Data de Entrada:11/22/2017
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1. A…………., Lda interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 19 julho 2017 que julgou a impugnação judicial deduzida contra liquidações adicionais de IRC (exercícios de 1993 a 1997) no montante global de € 319 351,61 extinta, por inutilidade superveniente da lide, quanto aos anos de 1993 e 1996, e improcedente quanto aos anos de 1994, 1995 e 1997.

1.2. A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
i) No caso sob recurso, a sanação da formalidade ilegalmente preterida não acontece no procedimento administrativo mas já em processo jurisdicional, nem a possibilidade de apresentação das questões que o exercício do direito de audiência possibilita acontece perante autoridade administrativa com competência material de revisão sobre a autoridade prolatora da decisão final mas antes perante um outro órgão do Estado que se encontra inserido numa função material constitucional diferente.
ii) O preceito de direito positivo no qual se poderia colher arrimo para o princípio do aproveitamento do acto ferido de ilegalidade seria o do art° 195.º do CPC: mas tal disposição apenas poderá ser aplicada dentro da mesma ordem material e constitucional de competência de decisão e não é susceptível de ser aplicada concomitantemente no procedimento administrativo e no processo judicial.
iii) O princípio do aproveitamento do acto administrativo, quando aplicado em sede jurisdicional, ofende patentemente o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes afirmado no artº 111.º da CRP, pois equivale a transformar o tribunal num órgão da administração activa, na medida em que me é pedida uma ponderação, no plano da administração, da aptidão do acto para satisfazer o interesse público que o mesmo visa prosseguir e, nessa ponderação, aferir se a decisão final terá de ser, forçosamente e necessariamente, aquela que foi tomada pela autoridade administrativa, o que consequencia que se tenha de colocar na posição da administração activa e de, nessa veste, equacionar hipoteticamente, pelo menos, a admissibilidade ou não admissibilidade de outras soluções, para poder ajuizar da inutilidade da realização de outras diligências e da cognoscibilidade de outros factos possíveis, para além dos aduzidos, como susceptíveis de conduzir a outro resultado.
iv) Só no caso de acto estritamente vinculado é que se poderá argumentar que o acto administrativo não poderá deixar de ser o mesmo, mas mesmo esta asserção só poderá ter-se como correcta em face das provas que houverem sido produzidas e se as mesmas tiverem a natureza de prova legal tarifada.
v) A possibilidade de convocação do princípio do aproveitamento do acto administrativo não pode deixar de estar completamente afastada nas hipóteses daqueles actos em que a matéria colectável do IRC e do IVA, e, decorrentemente dos respectivos tributos, é efectuada por métodos indiciários, como aconteceu neste caso, pois é da natureza desse acto que o mesmo possa ter uma certa álea quanto ao seu conteúdo quantitativo, atentos os critérios de cognoscibilidade, de alcance não exacto ou imutável, a seguir na determinação, como são aqueles que estavam enunciados, ao tempo, no art 52º do CIRC (margens médias de rendibilidade, margens médias de lucro, coeficientes técnicos de consumo, etc.).
vi) Constitui uma afirmação desprovida de qualquer fundamento razoável aquela que sustente, como pressupõe a sentença recorrida, que num caso de determinação da matéria tributável por métodos indiciários o imposto liquidado não poderia deixar de ser necessariamente de ser o mesmo, pese embora a falta de audição sobre o relatório de fiscalização com base no qual o imposto foi liquidado e sobre a liquidação: isso é esquecer que, movendo-nos no campo da determinação indirecta da matéria tributável, a realidade fiscal, na sua expressão quântica, pode ser surpreendida e aferida com recurso aos mais diversos meios de cognoscibilidade.
vii) A convocação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, em sede jurisdicional, assenta numa compreensão do acto administrativo enquanto instrumento próprio de actuação do Estado de polícia dos séculos XIX e meados do século XX em que cabia exclusivamente ao Estado, sem colaboração ou participação dos interessados, a tarefa de definir e regular as relações entre a administração e os administrados, pelo que o acto emitido gozava da presunção de legalidade quanto aos seus pressupostos de facto e de direito.
viii) Tal visão projectava-se na concepção do contencioso administrativo enquanto contencioso dirigido contra o acto administrativo e onde caberia ao administrado o ónus de afastar essas presunções legais.
ix) Mas o Estado social de direito democrático (art.° 2° da CRP) arredou essa concepção do acto administrativo, sendo agora concebido como um acto de autoridade emitido com obediência a um procedimento administrativo de colaboração com os administrados, procedimento este que encerra, em si, um modo de controlo da autoridade e de garantia dos particulares (cfr art° 267 n°s 1 e 5, da CRP’) e onde o objecto do processo contencioso assenta agora na legalidade da relação jurídica (quando definida ou constituída pelo acto) e não do acto administrativo e onde não cabem presunções de legalidade do acto administrativo.
x) Ora, nesta nova estruturação do contencioso administrativo, de tipo subjectivista, consagrada no actual CPTA, não cabe a possibilidade de desconsideração de quaisquer ilegalidades acontecidas no procedimento administrativo, em termos de as degenerar em vícios juridicamente não relevantes
xi) O discurso fundamentador tem de externar o momento cognoscitivo dos factos, o modo como estes foram conhecidos, o percurso endógeno da sua avaliação, segundo os mais variados critérios de validação racional (empíricos, técnicos, jurídicos ou outros), de cuja ponderação resulte como inteiramente justificada racionalmente a solução do apuramento do rendimento tributável e na expressão quântica fixada, o que in casu, não acontece.

Face ao solicitado e para além daquelas constantes, concretiza-se:
a) Destinando-se a audiência dos interessados a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito (cfr. art. 267.°, n.° 5, da CRP), contribuindo para um cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constituí preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão (cfr. art. 163.°, n.° 1, do CPA), a menos que seja manifesto que esta só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto e que, por isso se impunha, o seu aproveitamento pela aplicação do princípio geral do aproveitamento do acto administrativo.
b) A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir, num juízo de prognose póstuma, se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação da requerente.
c) Estando em causa a liquidação efectuada com recurso a métodos indirectos não pode afirmar-se que a participação do interessado não poderia influir na determinação da matéria tributável nem nas demais questões de facto e de direito susceptíveis de influir na decisão do procedimento, bem como não pode afirmar-se que o facto de a discussão da legalidade das liquidações (qualquer que tenha sido o resultado dessa discussão, ou seja, independentemente da procedência ou improcedência dos vícios invocados na impugnação judicial) ter sido efectuada em sede de impugnação judicial degrada a formalidade (notificação para o exercício do direito de audiência prévia) em não essencial, sanando o vício decorrente da preterição do dever de audiência prévia.
d) O acto tributário padece, pois, da ilegalidade de vício de forma por falta de fundamentação, violando o disposto no art.° 77º da LGT, porquanto não permite a um destinatário normal, colocado na situação concreta do contribuinte, conhecer o iter cognoscitivo e valorativo prosseguido pelo autor do acto para o conformar nos termos em que o conformou.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso (processo físico fls.371)

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. Em 15.05.1997 a Impugnante foi notificada, na pessoa do técnico oficial de contas, para regularizar a contabilidade da firma em virtude de a mesma se encontrar em atraso desde 31.12.1995 e existirem operações registáveis posteriores — cfr. notificação de fls. 51 do processo administrativo.
2. Em 02.07.1997 os técnicos da Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária II da Direcção de Finanças de Coimbra elaboraram o relatório, sancionado superiormente em 28.07.1997, no âmbito do processo de reclamação n° 96/400027.7, apresentada pela Impugnante relativamente à liquidação adicional de IRC do ano de 1991, no qual se concluiu, na sequência de um exame polivalente aos exercícios de 1992 a 1997 motivado por aquela reclamação, pela correcção da matéria colectável declarada pela Impugnante para efeitos de IRC, para os anos de 1992, 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997, cuja cópia aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
(…)
3. ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO

Na recolha de elementos pertinentes à análise da reclamação, confirmou-se que o s.p. não apresentou a declaração modelo 22 referente ao exercício de 1991, facto este que deu origem a que o lucro tributável desse ano fosse determinado com o recurso a métodos indiciários, tendo o mesmo ascendido a 21.669.901$00. Posteriormente, a empresa entrega a referida declaração fora do prazo, tendo sido pela mesma declarado um lucro tributável de 4.819.174$00.
(...)
Na sequência da reclamação foi efectuado um exame polivalente aos exercícios de 1992 a 1997, que se expõe nos pontos seguintes.
6. ORGANIZAÇÃO CONTABILÍSTICA
6.1. Regularidade da escrita
Dispõe de contabilidade organizada, nos termos do art. 98 do CIRC, no entanto os livros selados encontravam-se escriturados apenas até 31 de Dezembro de 1995, não obstante possuir operações registáveis posteriores, constituindo esta conduta uma infracção ao n° 4 do citado artigo, punível pelo art 36° do RJIFNA.
Em 15/05/97, notificamos o sujeito passivo, na pessoa do técnico de contas - Sr. B…………, para proceder à regularização da escrita no prazo de 5 dias, nos termos dos n°s 3 e 4 do art 51° do CIRC.
No termo do prazo determinado na notificação e até à data da conclusão do exame à escrita, ver que os livros selados continuavam registados apenas até 31/12/95. Esta conduta constitui uma infracção punível pelo art. 28° do RJIFNA (Ver anexo 9)
6.2. Controlo interno
As diversas irregularidades detectadas e descritas no ponto 7, aquando da análise contabilístico-fiscal, revelam que, a existir qualquer procedimento de controlo interno, ele não tem qualquer reflexo na contabilidade e que a mesma não traduz de forma apropriada a realidade económica e financeira da empresa.
6.3. Facturação
O processamento da facturação a clientes é efectuado por sistema informático. No entanto, trata-se de um sistema que não oferece qualquer credibilidade, na medida em que permite o processamento de facturas e recibos com o mesmo número e valor diferente, veja-se, a título de exemplo, a factura n° 186/1 de 31/10/94 e o recibo n°67 de 31/10/95.
Encontram-se ainda na contabilidade facturas que não preenchem os requisitos do art 35º do CIVA, nomeadamente, por serem elaboradas por processador de texto, apesar de terem numeração sequencial Para demonstrar esta situação junta-se cópia das facturas nºs 11 e 12 de 1995
Segundo nos foi informado pelo técnico de contas da empresa, tais situações (bastante frequentes na empresa) ocorreriam essencialmente com os serviços prestados para as entidades públicas, dado que estas, por diversas vezes, solicitavam a anulação de facturas e a substituição por outras, por existirem erros de apenas alguns escudos. Não obstante, não constam dos arquivos da empresa as facturas inicialmente emitidas. Seria este o caso da factura n°98/1 de 1991, de que se junta cópia. (Ver anexo 10)

7. ANÁLISE CONTABILÍSTICA-FISCAL
Para efeitos de análise dinâmica elaboraram-se os seguintes mapas, com os valores declarados, com referência aos exercícios de 1992 a 1995:
(…)
7.3. Análise das contas
7.3.1. Caixa e depósitos bancários
A conta caixa é utilizada para registar todos os recebimentos e pagamentos, verificando-se, por vezes a entrada em caixa de dezenas de milhar de contos e pagamentos a fornecedores através de documento interno. O saldo desta conta é por diversas vezes credor.
Verificou-se ainda a existência de elevadas saídas de caixa, no final do no ano, através de documento interno, como sendo empréstimos ao sócio C…………, questão esta que será desenvolvida ao longo do relatório
A nível das contas de depósitos bancários, as mais utilizadas são as do BNU, BPA, Banco Pinto & Sotto Mayor e Banco Totta & Açores, estas duas últimas com pouco movimento De referir que estas contas são quase exclusivamente lançadas por contrapartida de caixa.
(Ver anexo 11)
7.3.2. Clientes
Esta conta, para além de ser sempre movimentada por contrapartida de caixa, é frequentemente saldada através de documento interno. A título de exemplo, veja-se o doc. interno n°40.289, de que se junta cópia em anexo 12.
7.3.3. Fornecedores
A situação descrita para os clientes verifica-se, igualmente para os fornecedores. Também aqui se verificou a transferência de montantes avultados, por contrapartida de caixa, para anulação dos saldos credores, através de documento interno. Senão, veja-se o doc. interno n°40.274 de 1995, através do qual é saldada, entre outras, a conta do fornecedor “D……….., Lda”, no montante de 35.100.000$00. (ver anexo 13)
7.3.4. Estado e Outros Entes Públicos
Nesta conta detectaram-se diversas incorrecções, essencialmente no que diz respeito às contas 243416 - regularizações a favor do Estado do s. p. e 243425 - regularizações a favor do Estado. Por diversas vezes, ao longo dos exercícios analisados os saldos destas contas só são transferidos para IVA - apuramento no final do exercício, ou ainda, no que se refere às regularizações a favor do Estado, só passado mais de um ano, com evidente prejuízo para o Estado.
7.3.5. Sócios
Esta conta é movimentada quase sempre por contrapartida de caixa e essencialmente através de documento interno, vejam-se alguns exemplos:
• saída de caixa em 31/12/92 no montante de 5.000.000$00 a favor do sócio C…………, o saldo devedor desta conta no final do ano ascende a 10.151.640$00;
• em 31/01/93 efectua um empréstimo ao sócio, creditando a sua conta por contrapartida de caixa, através de documento interno;
• o pagamento daquele empréstimo é lançado em 31/12/93, através do documento interno n° 626, por contrapartida de caixa, no montante de 20.000.000$00. O saldo da conta no final do ano é devedor e ascende a 10.252.509$00.
• regularização da conta do sócio, em 31/12/95, através do documento interno n°40.285, no montante de 8.382.062$00, novamente por contrapartida de caixa. Com este movimento, o saldo credor no final do ano ascende a 2.000.000$00.
Em anexo 14 juntam-se cópia dos documentos de suporte a estes lançamentos.
7.3.6. Acréscimos e diferimentos
No que diz respeito às contas de custos e proveitos diferidos detectaram-se algumas incorrecções, a que nos referiremos ao longo do relatório, e que demonstram que não foram seguidos os procedimentos estabelecidos no POC e que não foi atendido o princípio da especialização dos exercícios, previsto no art. 18° do CIRC, pelo que irão originar correcções técnicas que se descrevem no ponto 7.4.9 do relatório.
7.3.7. Custos e Perdas
Tendo sido testadas e conferidas algumas contas com maior relevância, nomeadamente, subcontratos, custos com pessoal e CEV / variação da produção detectaram-se algumas irregularidades que irão ser objecto de correcções técnicas.
7.3.8. Proveitos e ganhos
Os proveitos declarados referem-se essencialmente a prestações de serviços, sendo as vendas de mercadorias pouco relevantes, como se pode verificar pelo mapa de demonstração de resultados. Tal como já foi referido no ponto 2.3 do presente relatório, até 1994 a empresa facturou quase exclusivamente a prestações de serviços para entidades públicas. Só a partir de 1995 os serviços prestados para empresas privadas começaram a ter alguma representatividade.
7.3.8.1. Obra na Lousã
Em 25/03/94 o sócio C………… subcontratou à sociedade a construção de um bloco habitacional, sito na Lousã, conforme proposta de empreitada de que se junta cópia em anexo 15 Nesta proposta, a empresa obriga-se a executar todos os trabalhos dessa empreitada, pelo preço global de 50.000.000$00 e refere ainda que a facturação se efectivará após a conclusão da obra ou parcialmente, no caso de se efectuarem vendas de fracções antes da sua conclusão. Esta obra decorreu de 1994 a 1997, tendo sido contabilizados na empresa, no final dos anos de 1994, 1995 e 1996, obras em curso nas importâncias de 4.307.000$00, 25.193.000$00 e 45.000.000$00, respectivamente. (Ver cópia dos inventários em anexo 15)
Tendo sido efectuada consulta ao processo de licenciamento da referida obra, em arquivo na Câmara Municipal da Lousã, verificou-se que a mesma foi dada como concluída em 6 de Fevereiro de 1996, conforme despacho preferido pela Câmara Municipal da Lousã. Não existe qualquer facturação da firma aos sócios antes da conclusão da obra, nem até à presente data. Nestes termos e de acordo com o estipulado no art. 35° do CIVA conjugado com o art 7° do mesmo diploma, a empresa deveria ter facturado e liquidado o IVA devido em Fevereiro de 1997.
Uma vez que não deu cumprimento a esta obrigação, o imposto vai ser agora liquidado oficiosamente, considerando-se para efeitos desta liquidação o valor das obras em curso em 31/12/96, uma vez que este valor é superior ao valor da proposta de empreitada e se desconhece o valor exacto à data da conclusão da obra. O IVA a liquidar oficiosamente consta do ponto 7.5.4 do presente relatório.
(Ver anexo 15)
7.3.8.2. Obra na Granja de Semide
Entre 1994 e 1995,o sócio C…………. efectuou obras de ampliação à sua residência, em Granja de Semide. Após consultado ao processo da referida obra, em arquivo na Câmara Municipal de Miranda do Corvo e através de elementos recolhidos na contabilidade, constatou-se que ela foi executada pela empresa, não tendo sido relevado na contabilidade o proveito obtido com a mesma.
Após a constatação de tal situação, que irá ser desenvolvida no ponto 8 do relatório, propõe-se a determinação do proveito auferido com recurso a métodos indiciários.
7.4. Correcções Técnicas - IRC
7.4.1. Subcontratos
Tal como já foi referido, a firma recorre com regularidade a serviços prestados em regime de subcontratação. Consultado o sistema informático da DGCI, a nível de cadastro de IRS / IVA, relativamente aos sujeitos passivos que prestaram serviços para a empresa, detectaram-se diversas anomalias, nomeadamente que alguns daqueles indivíduos eram contribuintes inexistentes no cadastro ou cujo regime de IVA indicado nas facturas não correspondia ao regime efectivo.
No quadro seguinte resumem-se os documentos encontrados nestas condições, nos exercícios de 1994 e 1995.
(…)
Deste modo, ir-se-á proceder a correcções técnicas nos exercícios de 1994 e 1995, nos montantes de 1.181.235$00 e 3.000.750$00, respectivamente, por se tratarem de custos não aceites para efeitos fiscais nos termos do art 23° do CIRC.
7.4.2. Serviços prestados pela empresa “D…………, Lda”
No exercício de 1995 contabilizou na rubrica de subcontratos e deduziu o correspondente IVA em facturas emitidas pela firma “D…………, Lda”, nos montantes que a seguir se descriminam.
(…)

Na descrição destas facturas é mencionado que se trata de trabalhos de construção civil, relacionados com alvenaria, rebocos e revestimento de pavimentos numa obra sita na Rua ……….., n°….., em Coimbra, pertencente ao Sr. E………... Analisado o extracto da conta caixa em anexo 13, verifica-se que o crédito existente na conta corrente da D…………., no montante de 35.100.000$00, foi saldado através do documento interno n°40274, por contrapartida de caixa, em 31/12/95. No entanto o recibo daquele valor apenas foi emitido pela D………….. em 20 de Janeiro do ano seguinte.
Na tentativa de conferir os meios de pagamento daquelas facturas, tendo em conta que aquele valor, a ser efectivo, teria sido pago por cheque, consultamos os extractos da conta corrente bancos e os respectivos extractos bancários. Da conferência a estes extractos, verificamos que neles não constam que tivesse sido efectuado o pagamento daquele valor, ainda que parcelar. Confrontado o técnico de contas da firma, Sr. B…………, com esta situação, e tendo sido o mesmo notificado para exibir os meios de pagamento daquele valor (nomeadamente, a cópia do cheque, extractos bancários ou outros), ainda assim, os mesmos não foram exibidos, o que vem confirmar que as referidas facturas não correspondem a qualquer custo suportado pela firma, não tendo, por isso, dado origem a qualquer pagamento. (Anexo 15, pág. 11)
De salientar ainda o facto de, no contrato de empreitada exibido pela firma, constar na sua cláusula 4ª que a empresa transfere para a D………. poderes para executar a obra, receber pagamentos e efectuar despesas com a aquisição de materiais.
Na sequência da visita efectuada à empresa “D…………, Lda”, verificou-se que os custos inerentes àquela obra constam da sua contabilidade, conforme cópia de alguns documentos que se juntam em anexo 17.
Contactado o proprietário da obra, Sr. E…………, este declarou-nos verbalmente que todos pagamentos foram efectuados directamente à D………….
Conclui-se assim, que foi a empresa D………… quem executou a totalidade da obra, que suportou e contabilizou os custos com a mesma e que auferiu os correspondentes proveitos. Nestes termos, as facturas nºs 201 e 205 emitidas pela “D……….., Lda” à firma “A……….., Lda” e nela contabilizadas, não corresponde a quaisquer custos suportados, não se enquadrando no art 23° do CIRC pelo que se propõe uma correcção aos custos declarados no exercício de 1995 no montante de 30.000.000$00.
7.4.3. Duplicação de custos
Nos exercícios de 1993 e 1994 a empresa contabilizou custos em duplicado que, como tal, não são essenciais à formação dos proveitos, não se enquadrado no art. 23º do CIRC. A duplicação de custos nos anos de 1993 e 1995 ascende a 105.117$00 e 460.800$, respectivamente.
(Ver anexo 18)
7.4.4. Custos financeiros
Em 1993 contabilizou indevidamente na conta 6888 - Custos e Perdas Financeiros - Outros não Especificados o montante de 493.033$00, tendo como documento de suporte o aviso de contabilidade n° 608 respeitante a um aceite de letra de fornecedor.
(Ver anexo 19)
7.4.5. Deslocações e estadas
Contabilizou na conta 62227- Deslocações e Estadas a factura n°90 de 8/7/95, referente ao fornecimento de 130 almoços, no montante de 507.000$00. Dado tratar-se de uma prestação de serviços efectuado ao sócio (casamento de um familiar), tal custo não é aceite para efeitos fiscais, face ao disposto no art. 23° do CIRC.
(Ver anexo 20)
7.4.6. Ajudas de custo
Nos exercícios de 1992, 1994 e 1995, a firma contabilizou na rubrica de despesas com pessoal, ajudas de custo no montante de 4.314.900$00, 3.766.000$0001 e 4.062.493$00, respectivamente. Tais despesas não se encontram devidamente documentadas, dado que o documento de suporte à contabilidade é o recibo de remunerações, que por vezes nem se encontra assinado pelo beneficiário, e não existe qualquer documento que descrimine os locais em que foram prestados os serviços, os dias em que esse serviço foi prestado, ou a forma de cálculo das referidas ajudas de custo.

É ainda de referir que, cumulativamente, a empresa contabiliza na conta 62227 - Deslocações e Estadas a aquisição de géneros alimentícios, refeições e alojamento suportados com os empregados, de elevados montantes e de que se junta, a título de exemplo, algumas cópias destas despesas em anexo.
Deste modo, conclui-se que os montantes contabilizados em ajudas de custo não correspondem a custos efectivos, pelo que se irão acrescer aos lucros tributáveis dos exercícios de 1992, 1994 e 1995, nos termos do art. 23° do CIRC.
(Ver anexo 21)
7.4.7. Gratificações
Em 1995 considerou com custo gratificações a pessoal não pertencente aos quadros da empresa, no montante de 450.005$00. Os documentos de suporte a estes lançamentos, de que se junta cópia que constitui o anexo 22, são declarações emitidas pela empresa, sem referência à data de emissão do documento ou à data do pagamento e onde consta que se trata do pagamento de prestações de serviços.
Deste modo, não se encontrando os referidos encargos devidamente documentados, eles não são aceites para efeitos fiscais nos termos da alínea h) do n°1 do art. 41° do CIRC
7.4.8. Custos a acrescer ao quadro 17 da dec. modelo 22
7.4.8.1. Juros compensatórios
Não acresceu ao quadro 17 da dec. modelo 22, relativa ao exercício de 1993, juros compensatórios no montante de 381.071$00, que, por força da alínea b) do n°1 do art 41º do CIRC, não são aceites como custo para efeitos fiscais.
(Ver anexo 23)
7.4.8.2. Amortizações
a) Não acresceu ao quadro 17 da dec. modelo 22, relativa ao exercício de 1993, a parte da amortização da viatura ligeira de passageiros AUDI ………, correspondente ao valor de aquisição excedente a 4.000.000$00, pelo que, nos termos da alínea O do n°1 do art. 32° do CIRC não será aceite como custo o valor de 162.500$00
b) Não acresceu ao quadro 17 da dec. modelo 22 do ano de 1995, 20% da amortização da viatura ligeira de passageiros Mercedes 190D ………, adquirida em 1995 por 4.000.000$00, infringindo o disposto no n°4 do art. 41° do CIRC. Deste modo irá ser acrescido ao lucro tributável deste ano o valor de 200.000$00.
c) Ainda no exercício de 1995, considerou como custo a amortização de instalações de centrais telefónicas à taxa de 12.5%, quando a taxa máxima prevista na tabela anexa ao Dec. Reg. 2/90 de 12/01 é de 10%. Assim, não será aceite como custo fiscal, nos termos do art 32°do CIRC, o valor de 16.125$00.
7.4.8.3. Mais-valia fiscal
No exercício de 1994 alienou a viatura afecta à actividade Toyota ………., tendo obtido uma mais-valia fiscal no valor de 110.000$00. Uma vez que não declarou que 1 pretendia reinvestir o valor de realização, na aquisição de elementos do activo imobilizado, este valor concorre para o lucro tributável, nos termos do art. 20° conjugado com art. 44°, ambos do CIRC.
7.4.9. Proveitos diferidos
No exercício de 1994 prestou serviços para a Direcção dos Serviços de Fortificações e Obras do Exército, tendo emitido as facturas nºs 192 e 193 em 20/12 e as facturas nºs 194 e 195 em 31/12. Estas facturas foram lançadas na contabilidade a 31/12/94 e o seu valor total ascendeu a 21.170.552$00, tendo sido, sobre este valor; liquidado o correspondente IVA. Em 31/12/94 são emitidos os recibos nºs 54, 55, 56 e 57, pelo pagamento daquelas facturas.
Antes do encerramento das contas do exercício, a empresa anulou o proveito anteriormente contabilizado na conta 7214 -prestações de serviços à taxa normal de IVA, por crédito da conta 2723 - custos diferidos, através do documento interno n°5055, mencionando que se tratam de serviços facturados em 1994, mas só efectuados em 1995. No início do exercício seguinte, novamente através de documento interno, efectua a respectiva regularização, no mesmo montante, pelo lançamento inverso.
Idêntico procedimento foi utilizado no final do ano de 1995. Desta vez, por serviços prestados à Direcção dos Serviços de Engenharia, emitiu as facturas nºs 32, 33 e 34, datadas de 29 e 30 de Dezembro, no valor de 23.027.837$00, tendo sido os respectivos recibos nºs 76, 77 e 78 emitidos na mesma data.
Também estas facturas, à semelhança do que já havia ocorrido no ano anterior, foram lançadas na conta 7214 e este proveito anulado antes do encerramento das contas por crédito da conta 2723.
Para além da deficiente contabilização daqueles valores na conta de custos diferidos, uma vez que, a diferir algo, seria um proveito e não um custo, o POC estabelece ainda que esta conta “compreende proveitos que devam ser reconhecidos nos exercícios seguintes”, sendo, por isso, receitas antecipadas.
Ora, tal não se verifica nas situações acima descritas, uma vez que, foi processada a facturação pelo serviço prestado. Refira-se ainda que, de acordo com o estabelecido no n°1 do art. 35° do CIVA, conjugado com a alínea b) do n°1 do art. 7° do mesmo diploma, a facturação só é devida aquando da realização do serviço e só nessa data ou posteriormente são emitidos os recibos correspondentes.
De salientar ainda que os custos directamente suportados com aqueles serviços foram lançados nas respectivas contas de compras de matérias-primas e subcontratos, não existindo variação de produção no final do ano, correspondente àquelas obras. O facto de não existir a imputação dos custos directos às obras torna impossível controlar o valor das mesmas no final de cada exercício.
Pelos factos apontados, conclui-se que não foi dado cumprimento ao princípio da especialização dos exercícios previsto no art. 18° do CIRC, pelo que se irão efectuar as devidas correcções aos exercícios de 1994 e 1995.
Simultaneamente irá proceder-se à correcção negativa do valor de 21.170.552$00, no exercício de 1995, não se efectuando a correcção ao exercício de 1996, dado que até esta data não foi entregue a declaração modelo 22. (Ver anexo 24)
7.4.10. Variações patrimoniais negativas
Na Acta da Assembleia Geral, datada de 30/03/94, onde foram aprovadas as contas do exercício de 1993, foi deliberado atribuir gratificações aos trabalhadores da empresa no montante de 15.911.072$00. Este valor foi mencionado no quadro 17 da declaração modelo 22, a deduzir ao resultado líquido do exercício, como variação patrimonial negativa

Verificou-se, no entanto, através da contabilidade e da declaração de rendimentos modelo 10, que tais gratificações nunca foram pagas nem postas à disposição dos respectivos beneficiários quando, nos termos do n°2 do art 24° do CIRC, elas só concorrem para a formação do lucro tributável do exercício a que respeitam se o forem até ao fim do exercício seguinte
Assim, conforme dispõe o n° 3 daquele artigo, ir-se-á proceder à correcção do valor de 15.911.072$00, acrescendo-o ao resultado líquido do exercício de 1993.
(Ver anexo 7 e 25).
7.4.11. Dedução de prejuízos fiscais
Ao proceder à dedução de prejuízos fiscais na dec. modelo 22, respeitante ao ano de 1993, fá-lo pelo valor de 2.728.374$00, relativo ao resultado líquido apurado no exercício de 1992, em vez do valor de 2.495.928$00, correspondente ao prejuízo fiscal acumulado do exercício anterior. Deste modo, nos termos do art. 46° do CIRC, ir-se-á proceder à correcção à matéria colectável do ano de 1993 no montante de 232.446$00.
(…)
8. PROPOSTA DE TRIBUTAÇÃO POR MÉTODOS INDICIÁRIOS
8.1. Pressupostos para a aplicação de métodos indiciários, por aplicação do art. 51° do CIRC
-Exercício de 1995-
O sócio C…………. efectuou obras de ampliação à sua residência, no decurso dos anos de 1994 e 1995. Essa ampliação referiu-se a uma obra junto à habitação, de tipologia T2+1, com área aproximada de 92 m2, contígua ao edifício existente, que já havia sido reconstruído em 1991.
No processo de licenciamento da obra, em arquivo na Câmara Municipal de Miranda do Corvo, constam os seguintes documentos:
• requerimento a solicitar alvará para a sua construção, sendo nele mencionado que as obras são executadas pela empresa “A…………, Lda”.
• memória descritiva, emitida pelo técnico responsável pela obra, estimando o custo de construção em 4.775.000$00;
• informação prestada pelos serviços técnicos da Câmara, datada de 16/03/95, onde é referido que as obras que a requerente efectuou, ao nível do rés-do-chão, foram executadas sem o prévio licenciamento da Câmara Municipal, de onde se conclui que, àquela data a obra já se encontrava praticamente concluída.
Consultados os documentos de compras de matérias-primas, registados na contabilidade da empresa nos exercícios de 1994 e 1995, verificou-se que vários mencionam o local de descarga de diversos materiais, nomeadamente tijolo, cimento e telha em Granja de Semide, de onde se conclui tratar-se de materiais que se destinavam à ampliação da residência do sócio da firma. Idêntica situação se verificou relativamente a prestações de serviços para a referida obra, na medida em que foram registados na contabilidade como sendo subcontratos da empresa, conforme nos foi afirmado verbalmente por alguns prestadores de serviços
Trata-se, portanto, de auto consumo externo que, face ao estipulado na alínea a) e c) do n°2 do art. 4° e n°4 do art. 16°, ambos do CIVA, estão sujeitos à liquidação de imposto, na medida em que os custos da obra foram registados na contabilidade da firma tendo esta procedido à respectiva dedução do IVA.
Pelos factos apontados, uma vez que não foram registados os correspondentes outputs correspondentes àquelas deduções, propõe-se que o valor normal do prédio, conforme é definido pelo n°4 do art. 16° do CIVA seja apurado com o recurso a métodos indiciários.
- Exercício de 1996 -
Conforme já foi referido no ponto 6.1 do relatório, o sujeito passivo foi notificado, nos termos dos n°s 3 e 4 do art 51° do CIRC, para proceder à regularização da escrita, que se encontra em atraso desde 31/12/95, não tendo até à data dado cumprimento a esta obrigação, nem apresentou a declaração modelo 22, referente ao exercício de 1996.
Nestes termos e face ao disposto na alínea b) do n°1 do art 71° do CIRC, propõe-se que o lucro tributável do exercício de 1996 seja fixada com base nos valores agora apurados após o exame à escrita, com referência ao exercício de 1995.
8.2. Métodos utilizados e quantificação de valores (art. 52° do CIRC)
- Exercício de 1995 –
Para o cálculo do valor normal do prédio, irão ser utilizados os seguintes indicadores:

• Área de construção do prédio (92 m2,)
• Preço por m2 do custo da construção, como tal definido na Portaria 975-C/94 de 31/10, que estabelece o preço de construção/m2, com referência ao ano de 1995, para as zonas mais desfavorecidas, o valor de 79.000$00.
O valor da construção, apurado com recurso a métodos indiciados e a acrescer ao resultado tributável do exercício de 1995 é de 92 m2 x 79.000$00 = 7.268.000$00.
- Exercício de 1996-
No ponto anterior propôs-se que o lucro tributável de 1996 fosse determinado, com recurso a métodos indiciários, tendo como base o lucro tributável de 1995, agora apurado pelos Serviços de Fiscalização.
Assim, propõe-se que o lucro tributável do exercício de 1996 seja fixado no montante de 48.023.763$00.
(…)
12. RESULTADOS DO EXAME
Em face do exposto ao longo deste relatório, verificou-se a prática de diversas infracções, que deram origem às correcções que se sintetizam nos quadros seguintes:

12.2. IRC



(…)” — cfr. relatório de fls. 12 a 23 do procedimento administrativo.
3. Em 18.09.1997 foi apresentada uma reclamação pela Impugnante, nos termos do artigo 84.° do CPT, quanto à fixação da matéria colectável por métodos indiciários do IRC de 1995 e 1996 e IVA de 1995 — cfr. fls. 154 e 187 a 190 do processo administrativo.
4. Em 30.09.1997 foi emitida a liquidação de IRC n.° 19978310019745, referente ao exercício de 1993, no valor de EUR 55.675,39 — cfr. print com o detalhe da liquidação de fls. 140 do processo físico.
5. Em 23.10.1997 reuniram-se os peritos designados pela Administração Tributária e pela Impugnante a fim de apreciarem a reclamação apresentada por esta, não tendo sido alcançado qualquer acordo — cfr. Acta da Comissão de Revisão n.º 281 de fls. 161 do processo administrativo.
6. Em 07.11.1997 foi emitida a liquidação de IRC nº 19978310023542, referente ao exercício de 1995, no valor de EUR 102.216,26 — cfr. print com o detalhe da liquidação de fls. 145 do processo fisico.
7. Em 07.11.1997 foi emitida a liquidação de IRC n.° 19988310003671, referente ao exercício de 1996, no valor de EUR 95.025,72 — cfr. print com o detalhe da liquidação de fls. 147 do processo físico.
8. Foi emitida a liquidação de IRC n° 19998310015182, referente ao exercício de 1994, no valor de EUR 64.136,70 — cfr. print como detalhe da liquidação de fls. 142 e 143 do processo físico.
9. Em 02.12.1997 a Impugnante apresentou uma reclamação graciosa das liquidações de IRC e IVA dos anos de 1993 a 1997 — cfr. reclamação de fls. 2 a 6 do processo administrativo n° 0787-97/400022.6 apensado aos autos.
10. À execução fiscal nº 0787941002104, instaurada contra a Impugnante no Serviço de Finanças de Miranda do Corvo, por dívidas decorrentes do não pagamento de IRC do ano de 1990 foram apensados vários processos de execução fiscal, entre os quais o processo 0787-97/100099.3 no qual estão em cobrança dívidas decorrentes de IRC dos anos de 1994 e 1995 — cfr. fls. não numeradas do processo de execução fiscal.
11. No âmbito do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior do probatório a Impugnante fez vários pagamentos, ao abrigo do Decreto-Lei n.° 225/94, de 05.09, nos meses de Abril a Dezembro de 1996 e Julho e Dezembro de 2003, por conta do IRC do ano de 1994, e ainda, ao abrigo do Decreto-Lei n° 124/96, de 10.08, em Março de 1998 e Março de 2002— cfr. fls. 6 a 14, 39 a 40 e fls. não numerados do referido processo de execução fiscal.
12. Em 11.09.1998 foi elaborado o relatório no âmbito do processo de reclamação graciosa n.° 0787-97/400022.6 — cft. relatório de fls. 49 a 69 do processo administrativo n° 0787-97/400022.6 apensado aos autos.
13. Em 24.03.1999 a liquidação adicional de 1997, n° 20008930003042, no valor de EUR 2.194,54 foi paga — cfr. prints com o detalhe da liquidação e referente à consulta de nota de cobrança e do detalhe do pagamento de fls. 149, 33 e 34 do processo físico.
14. Em 03.11.2006 o Director de Finanças de Coimbra exarou o seguinte despacho “Concordo, pelo que nos termos e com os fundamentos da informação e parecer que seguem, o pedido será indeferido.”, sobre o parecer do Chefe de Divisão e a informação, na qual se propõe o indeferimento da reclamação apresentada pela Impugnante, que aqui se transcreve: “A…………, Lda, NIPC …………, apresentou no Serviço de Finanças de Miranda do Corvo, em 2/12/1997, reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IRC dos anos de 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997 e ainda liquidações adicionais de IVA dos anos de 1995, 1996 e 1997. A reclamação é legal, legítima e foi apresentada dentro do prazo no Serviço de Finanças competente. No que diz respeito às liquidações adicionais de IRC, procedendo à análise de cada um dos exercícios, tendo por base os relatórios dos serviços de inspecção, verificamos:
Ano de 1993 — liquidação n.° 8310019745, de 30/09/1997. Foi feita uma correcção total de 85.058,97€, sendo 79.364,09 relativos a variações patrimoniais negativas e 5.694,88 relativos a correcções que o contribuinte deveria ter reflectido no Q. 17 da DR mod. 22. As variações patrimoniais negativas declaradas na DR mod. 22 do ano de 1993, deveriam ter sido distribuídas pelos beneficiários até ao fim do exercício seguinte nos termos do que determina o n.º2, do art 24.º do CIRC (lei ao tempo), e não o tendo sido, são acrescidas ao lucro tributável.
As correcções ao Q. 17 dizem respeito a juros compensatórios, duplicação de custos, custos financeiros não aceites e amortizações não aceites.
Ano de 1994— liquidação n.º 08310019746 de 30/09/1997. Foi feita correcção de 130.823,65 € dizendo respeito 105.598,26 a prestação de serviços facturados em 1994 e que o contribuinte havia registado como proveito em 1995. Os restantes 25.225,39 referem-se a subcontratos com prestadores de serviços não devidamente identificados, ajudas de custo indevidamente processadas, despesas não devidamente documentadas e mais-valias não declaradas.
Ano de 1995—liquidação n.º 08310023542, de 7/11/1997. Correcção global de 238.537,41 €. Uma parte desta correcção, no valor de 36.252,63€, foi feita com recurso a métodos indirectos e foi já objecto de discussão em sede de procedimentos de revisão — acta n.° 281 de 1997. As restantes correcções têm a ver com a imputação de custos segundo o princípio da especialização dos exercícios, subcontrato não registado no valor de 149.639,37€ um conjunto de custos não aceites por se tratar de custos mal documentados ou simplesmente não aceites nos termos da lei — custos não devidamente documentados e indevidos.
Ano de 1996— liquidação n. 08310003671, de 25/03/1998. O lucro tributável de 1996 foi apurado com recurso a métodos indirectos, objecto de discussão em sede de comissão de revisão — acta 281 de 1997 e fixado, por despacho do Ex.mo Senhor Director Distrital de Finanças de 30/10/1997, em 239.541,52€.
(…)
Da análise da reclamação, do processo individual do contribuinte e dos relatórios da inspecção, entendo que a reclamação deve ser indeferida.
(...) — cfr. informação e despacho de fls. 195 a 197 do processo administrativo n.° 0787-97/400022.6 apensado aos autos.
15. Em 08.06.2007 o Director de Finanças de Coimbra exarou o seguinte despacho “Concordo, pelo que tornando agora definitivo o projecto de decisão em apreço e nos termos e com os fundamentos no mesmo já aduzidos INDEFIRO o pedido do(a) Reclamante. (...)”, sobre a informação cujo teor aqui se dá por reproduzido — cfr. despacho e informação de fls. 206 e 207 do processo administrativo n° 0787-97/400022.6 apensado aos autos.
16. A Impugnante foi notificada para o exercício do direito de audiência prévia relativamente ao indeferimento da reclamação graciosa — confissão da Impugnante plasmada no artigo 27.° da petição inicial.
17. Em 22.06.2007 foi assinado o aviso de recepção do ofício n.º 1437, elaborado sob o assunto “Reclamação graciosa n° 0787-97/400022.6”, destinado a notificar C…………, na qualidade de representante da Impugnante do indeferimento da reclamação graciosa — cfr. ofício, registo postal e aviso de recepção de fls. 213 a 215 do processo administrativo n.° 0787-97/400022.6 apensado aos autos.
18. Em 09.07.2007 foi expedida para este Tribunal, em correio registado, a petição inicial dos presentes autos — cfr. comprovativo de entrega de documento com o registo n.º 32118 e registo postal de fls. 16 do processo físico.
19. Em 14.01.2008 o Chefe do Serviço de Finanças de Miranda do Corvo exarou o seguinte despacho no âmbito do processo de execução fiscal nº 0787199801002341, instaurado para a cobrança coerciva da liquidação adicional de IRC de 1996:
“Da análise dos autos e da informação dos Serviços, constata-se que a dívida exequenda e acrescido perfazem o montante de 92.025,726.
Encontra-se decorrido o prazo de prescrição da dívida, em conformidade com o previsto no artigo 48.º da Lei Geral Tributária.
Termos em que, atento ao disposto no artigo 175º do CPPT declaro extinto, por prescrição, o procedimento para cobrança da dívida exequenda e acrescido, referente ao(s) ano(s) de 1996, exigidos nos presentes autos.
(…) - cfr. fls. 88 do processo de execução fiscal n° 0787-98/100234.1 apensado aos autos.
20. Em 22.11.2012 transitou em julgado a sentença prolatada no âmbito do processo de oposição n° 61/04.3BECBR, instaurado por C………… na sequência da sua citação na qualidade de devedor subsidiário da Impugnante, no âmbito da qual foi decidido o seguinte:
C…………, (...) veio deduzir, em 20/1/2004, oposição à execução fiscal (...), por dívidas dos seguintes tributos:
(…)
- IRC de 1993 no valor de 55 675,39€
(…)
Passemos então à apreciação do estado de cada obrigação:
(…)
IRC de 1993
O prazo começou a correr em 1/1/1993. Parou em 4/6/98, volvidos 4 anos 5 meses e 3 dias. Voltou a correr em 4/6/99 (o processo 142.6 não estava apensado ao 210.4) e parou de novo em 14/3/2001, data da apensação ao 210.4, volvidos mais 9 meses e dez dias. Em 1/4/2002 (cessação da aplicação do DL 124/96 no processo 210.4), retomou o seu curso pelo que expirou algures no princípio de 2007.
(…)
Pelo exposto, procede, presentemente, a alegação de prescrição quanto a todas as obrigações exequendas.
(…)” cfr. certidão e sentença de fls. 187 a 193 do processo físico.

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questões decidendas: ilegalidade das liquidações adicionais com fundamento em:
Preterição do direito de audiência prévia
Falta de fundamentação (formal)

2.2.2. Apreciação jurídica
2.2.2.1. Preterição do direito de audiência prévia
O direito de audição de que gozam os contribuintes, actualmente consagrado sob diversas modalidades no art.60º nº1 LGT, constitui direito constitucional aplicado, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses (art.267 nº5 CRP)
A observância deste direito não se esgota num ritual inócuo, no qual recai sobre os argumentos e documentos apresentados pelo contribuinte sobranceira indiferença, antes exige a sua análise pela administração tributária, por forma a tornar visível que a decisão do procedimento resulta de uma transparente ponderação dos elementos de facto e de direito submetidos à sua apreciação.
Anteriormente à vigência da LGT, iniciada em 1 janeiro 1999 (art. 6 DL nº 398/98, 17 dezembro) na vigência do Código de Processo Tributário (CPT), com início em 1 julho 1991 (art.2º nº1 DL nº 154791, 23 abril) o direito de audição já constituía uma garantia do contribuinte (art.19º al. c) CPT); não estando concretizado em qualquer forma especial do procedimento tributável, era aplicável, subsidiariamente, o art.100º CPA 1992/art.2º al. b) CPT, o qual dispunha: concluída a instrução, e salvo o disposto, no art.103ª [inexistência e dispensa de audiência] os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
A questão decidenda (emergente de situação fáctica substancialmente semelhante) já foi apreciada e resolvida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, inicialmente no acórdão STA-SCT 25 junho 2015 (processo 1391/14); posteriormente, com idêntica fundamentação, no acórdão STA-Pleno SCT 26 setembro 2018 processo 1506/17
A solidez da fundamentação expendida, a especial autoridade da formação e o objectivo de interpretação e aplicação uniformes do direito, aconselham a adesão à doutrina do acórdão citado do Pleno da SCT, cujo sumário se transcreve:
I - A falta de audiência prévia à liquidação, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do acto (cfr. art. 135.º do CPA antigo, a que corresponde o n.º 1 do art. 163.º do actual CPA)
II - No entanto, há situações em que a preterição da formalidade pode não ter efeitos invalidantes (cfr. o n.º 5 do art. 163.º do actual CPA), designadamente quando, em procedimento de segundo grau, o interessado pôde pronunciar-se sobre as questões relativamente às quais foi omitida a audiência no procedimento de primeiro grau.

Para a compreensão da doutrina do acórdão interessa a transcrição do seguinte excerto pertinente da respectiva fundamentação:
A doutrina e a jurisprudência têm vindo a acolher o princípio do aproveitamento do acto – princípio que, à data, não tinha suporte directo em disposição legal alguma (Hoje, podemos lobrigar uma consagração desse princípio no n.º 5 do art. 163.º do novo CPA, que dispõe:
«5 - Não se produz o efeito anulatório quando
a) O conteúdo do acto anulável não possa ser outro, por o acto ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;
b) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via;
c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o acto teria sido praticado com o mesmo conteúdo».), mas que assenta no entendimento de que não se justifica a anulação de um acto administrativo que foi praticado no exercício de poderes vinculados e está de acordo com os pressupostos fixados na lei –, nos termos do qual se admite que a falta de audiência dos interessados, quando obrigatória, possa não conduzir à anulação do acto final do procedimento, anulação que é a sua consequência, de acordo com o previsto no art. 135.º do CPA («São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção».), na redacção em vigor à data (hoje, corresponde-lhe o n.º 1 do art. 163.º do CPA). Essa omissão nem sempre conduzirá à anulação, «designadamente não a justificando nos casos em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau» (sublinhado nosso) (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e loc. cit. [Lei Geral Tributária comentada e anotada 4ª edição 2012 anotação ao art.60º p.517]
«Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur. O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso» (Cfr. o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 441/13)
Ou seja, entre as situações em que se admite que não se produza o efeito anulatório da preterição do direito de audiência prévia, a par daquelas em que se demonstre que o exercício desse direito não poderia influenciar de modo algum a decisão, contam-se também aquelas em que, tendo sido omitida a audiência no procedimento de primeiro grau, o interessado teve a oportunidade de se pronunciar em procedimento de segundo grau. O n.º 5 do art. 163.º do novo CPA veio mesmo consagrar expressamente esse entendimento, pois na sua alínea b) consagra como situações em que não se produz o efeito anulatório aquelas em que «[o] fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via».
Como judiciosamente observam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA (Ob. e loc. cit.), «Poderá também considerar-se convalidado o acto primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado veio a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. Em situações deste tipo, quer o acto primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo acto de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação. Porém, se a reclamação graciosa e o recurso hierárquico são facultativos e o interessado impugna contenciosamente o acto primário, não ocorrerá qualquer convalidação, subsistindo o vício de preterição do direito de audição, se o acto primário enfermava dele. Isto é, não é apenas por o interessado ter a possibilidade de impugnar administrativamente o acto primário, mas apenas quando tenha deduzido efectivamente uma impugnação e nela se tenha pronunciado sobre as questões sobre as quais era necessário dar-lhe oportunidade de se pronunciar, que se pode considerar convalidado o acto, por ter sido atingida, antes de ser concluída a actividade administrativa, a finalidade visada por lei com a concessão daquele direito»
Neste contexto a formulação do princípio do aproveitamento do acto administrativo enunciada no acórdão tem como consequência que o vício de preterição do direito de audiência antes da liquidação foi convalidado pelo seu posterior exercício no procedimento secundário de reclamação graciosa, onde o sujeito passivo teve a oportunidade de se pronunciar sobre todas as questões relevantes para a apreciação da legalidade dos actos tributários.
Sublinha-se a circunstância de o sujeito passivo não ter suscitado no procedimento secundário (reclamação graciosa) a questão da preterição do direito de audiência prévia no procedimento primário (liquidação)

2.2.2.2. Falta de fundamentação formal
2.2.2.2.1. No domínio da fundamentação do acto administrativo é relevante a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material:
-à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo;
-à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (traduzida na real verificação dos pressupostos de facto invocados e na correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico)
Na síntese impressiva de autor conceituado:
«…o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (Vieira de Andrade O dever de fundamentação expressa de actos administrativos Almedina, 2003, p.231)
O princípio constitucional da fundamentação formal dos actos administrativos (art.268º nº3 CRP) foi densificado nos arts.124º e 125º CPA (aprovado pelo DL nº 442/91, 15 novembro) e, actualmente no art.77º nºs 1 e 2 LGT (acto administrativo tributário)
O dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função:
-endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência;
-exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa
Segundo ensinamento pacífico da doutrina e da jurisprudência a fundamentação do acto administrativo há-de ser:
-expressa, traduzida na exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão
-clara, permitindo que pela leitura do seu teor se apreendam com precisão os factos e as normas jurídicas conducentes à decisão;
-suficiente, permitindo um conhecimento concreto da motivação da decisão;
-congruente, por forma a que a decisão seja a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação
As características enunciadas são exigência da fundamentação formal do acto tributário; sendo distintas da chamada fundamentação substancial, a qual deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.
Sob pena de perversão das funções endógena e exógena de controlo da legalidade (supra assinaladas,) a fundamentação deve ser contextual e integrante do acto tributário, sendo irrelevante qualquer fundamentação a posteriori que pretenda suprir lacuna posteriormente detectada.
2.2.2.2.2. Aplicando as considerações doutrinárias antecedentes ao caso concreto:
Preliminarmente, observa-se que apenas estão sob análise as liquidações adicionais respeitantes aos exercícios de 1994, 1995 e 1997, porque a instância foi extinta, por impossibilidade superveniente da lide, quanto às liquidações adicionais dos exercícios de 1993 e 1996 (sentença da inutilidade superveniente parcial da lide fls.21)
Especificamente, a recorrente alega a falta de fundamentação formal das correções ao lucro tributável do exercício de 1994, no montante de € 130 823,65 e do exercício de 1995 no montante de € 238 537,41 (conclusão d) das alegações, na versão reformulada; desenvolvimento no texto das alegações fls.341 vº do processo físico)
Exercício de 1994
A liquidação adicional resulta de correção do lucro tributável declarado no montante de € 130 823,65, com duas componentes:
a) € 105 598,26 respeitantes a prestações de serviços facturadas em 1994 mas registados como proveito em 1995
b) € 25 225,39 respeitantes subcontratos com prestadores de serviços não devidamente identificados (porque não devidamente colectados), ajudas de custo indevidamente processadas, despesas não devidamente documentadas e mais-valias não declaradas
Exercício de 1995
A liquidação adicional resulta de correção do lucro tributável declarado no montante de € 238 537,41, com duas componentes:
- € 36 252,63 por recurso a métodos indiciários;
- o montante remanescente (€ 238 537,41 - € 36 252,63) respeita a imputações de custos segundo o princípio da especialização dos exercícios, subcontratos não registados no valor de € 149 639,37 e um conjunto de custos não devidamente documentados e indevidos
A fundamentação dos acréscimos à matéria tributável radica no relatório da inspeção tributária polivalente (IRC e IVA) incidente sobre os exercícios de 1992 a 1997 (relatório 7.4.1.- 7.4.2.- 7.4.3.- 7.4.5.- 7.4.6.- 7.4.7.- 8.1.- 8.2.; factos provados nº2)
O sujeito passivo teve a possibilidade de discutir a legalidade da aplicação de métodos indiciários e o critério utilizado na determinação da matéria tributável na reclamação dirigida à comissão de revisão, a qual decidiu manter a correção, por falta de acordo entre os vogais (art.84º e 87º Código de Processo Tributário; factos provados nºs 3 e 5)
A recorrente sustenta erroneamente a alegação da falta de fundamentação das liquidações adicionais em excerto da análise aos fundamentos da reclamação graciosa, apresentada pelo sujeito passivo em momento posterior à prática dos actos tributários e que apenas serve para justificar o indeferimento daquela (processo de reclamação apenso fls.53/58; factos provados nº 6, 8, 9 14 e 15)
Os excertos supra indicados do relatório da inspeção tributária e a acta da decisão da comissão de revisão expressam com clareza, suficiência e congruência os motivos determinantes das correções técnicas, da aplicação dos métodos indiciários e o critério da quantificação da matéria tributável dela resultante.
Neste contexto cumprem a dupla função endógena e exógena da fundamentação formal dos actos tributários enunciada no discurso teórico (2.2.2.2.1.):
- a função endógena, na medida em que revelam o processo de formação da decisão quanto a cada uma das correções à matéria tributável;
- a função exógena, na medida em que permitiram ao sujeito passivo uma clara compreensão dos motivos determinantes das correções, inculcada na sua refutação especificada na reclamação graciosa e na posterior impugnação judicial da decisão de indeferimento.

3. DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença impugnada
Custas pela recorrente (art.527º nºs 1 e 2 CPC; art.6º nº7 Regulamento das Custas Processuais)

Lisboa, 5 Fevereiro de 2020. – José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.