Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:046/16.7BALSB
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
CONCURSO DE PESSOAL
ILEGALIDADE
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26247
Nº do Documento:SA120200910046/16
Data de Entrada:01/13/2016
Recorrente:A............ E ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A……………..., devidamente identificado nos autos, e Estado Português (EP), aqui representado pelo Ministério Público (MP), recorrem para este Supremo Tribunal da sentença do TAC de Lisboa, de 13.07.2015, que julgou “parcialmente procedente, porque parcialmente provada, a presente acção e, em consequência condeno[u] o réu Estado Português a pagar ao Autor a quantia indemnizatória de € 15.000,00 (quinze mil euros), que vencerá juros a partir desta sentença”.

2. O R., ora recorrente EP, representado pelo MP, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 751 a 756):

“1 - A responsabilidade civil extracontratual imputada no âmbito desta acção pelo Autor ao Réu Estado radica na omissão de acatamento do julgado anulatório de que alegadamente resultou a violação do seu direito à tutela judicial efectiva na modalidade de protecção eficaz, em tempo útil sem dilações indevidas.

2 - O A. era médico, com a categoria de assistente graduado da especialidade de ortopedia e concorreu para as vagas que constava existirem, quanto à especialidade de ortopedia, do Aviso publicado no DR II série nº 12, de 15/1/1990, para lugares de chefe de serviço hospitalar.

3 - Por meio de aviso publicado no DR II Série nº 251 de 31.10.1991, foi tomada pública a lista de classificação final do concurso em causa, na qual o Autor figurava em 10º lugar, com 13,9.

4 - Em 11.11.91, o A. interpôs recurso hierárquico para o Ministro da Saúde da lista de classificação final, invocando suspeição do Presidente do júri em virtude de ter uma relação de parentesco no 3º grau da linha colateral, por afinidade, com o candidato classificado imediatamente antes do A., Dr. C…………

5 - O candidato que antecedeu o autor na lista de classificação, Dr. C………… não tomou posse de qualquer cargo no âmbito do concurso em referência.

6 - O candidato colocado em Hospital que antecedeu o autor na lista de classificação final do concurso foi o Dr. D…………… nomeado por despacho de 09.02.1993, para o Hospital Distrital de Santarém fls. 21 e 220.

7 - O A. interpôs no STA recursos contenciosos de anulação.

8 - Através de Acórdão de 21.10.97, o STA procedeu à determinação dos actos de execução de julgado anulatório, considerando que a Administração devia proceder ao conhecimento do incidente de suspeição do júri e uma vez decidido este extrair consequências quanto à subsistência no ordenamento jurídico dos demais actos subsequentes do concurso.

9 - Em 04.11.1997, com base na informação da Secretária-Geral do Ministério da Saúde relativa a «Proc. Nº 31474-A, 1ª Secção/2ª Subsecção do STA, Execução de Acórdão, incidente de suspeição requerido por B ... », a Ministra da Saúde declarou o impedimento do presidente do júri, determinou a reconstituição deste órgão e ordenou a repetição de todas as operações do concurso até à homologação da lista de classificação final..

10 - Na sequência da interposição de recurso jurisdicional por parte da Ministra da Saúde, do acórdão de 21.10.97, por considerar que a execução do julgado anulatório consiste apenas no conhecimento do incidente de suspeição, sendo que compete à administração retirar as consequências, quanto à subsistência dos actos do concurso, da eventual declaração de procedência do incidente de suspeição.

11 - Em 23.12.1993, o autor requereu a concessão de licença sem vencimento, por três anos para se dedicar, como veio a suceder, ao exercício da actividade privada na Companhia de Seguros ……………

12 - Em 13.01.1999, o Autor, com 65 anos de idade, completados em 10.01.1999, apresentou no Centro Nacional de Pensões requerimento de reforma por velhice.

13 - Pelo acompanhamento feito ao Autor por parte do Dr. E……….., assistente hospitalar em ……….., ao autor, desde Janeiro de 1994, foi verificado que o Autor vinha a desenvolver, nos últimos meses, síndrome depressivo-ansioso, com sentimentos de frustração, desânimo e raiva perante a situação de injustiça e discriminação de que se considerava alvo no concurso a que se reportam os autos, situação que, aliada a uma outra, determinava que se sentisse incapaz de regressar ao Hospital de Torres Novas, local de trabalho onde fora colocado – quesitos 1º, 2º, 2ºA e 14º-B – doc. 21 de fls. 194 datado de 17.Set.2002. E ainda por considerar que fora preterido por candidatos menos habilitados.

14 - O facto de o Ministro da Saúde não ter apreciado os recursos hierárquicos do autor e não ter, posteriormente, apreciado e cumprido o julgado no recurso contencioso, a não ser no ano de 1997 [04.Nov.1997, ponto 21], conduziram à parcial desorganização da vida profissional, familiar e social do autor.

O Autor que era uma pessoa alegre e confiante passou a ter um comportamento algo mais taciturno, fechado e cabisbaixo.

15 - Quando o autor requereu a sua passagem à reforma, foi aconselhado a fazê-lo pelo médico …………. que o vinha assistindo Dr. E…………, e por entender que a sintomatologia do autor podia agravar-se.

16 - Como causa de pedir do direito que invocou na presente acção o A. indicou a omissão de acatamento do julgado anulatório, pela Administração.

17 - Sucede que a Ministra da Saúde deu execução ao julgado anulatório, em 4/11/97, ao declarar o impedimento do Presidente do júri a determinar a reconstituição deste órgão e repetição de todas as operações do concurso até à homologação da lista de classificação final.

18 - Vindo a interpor recurso jurisdicional do Ac. do STA, de 21.10.97, por considerar que a execução do julgado anulatório consistia apenas no conhecimento do incidente de suspeição, competindo à Administração retirar as consequências quanto à subsistência dos actos do concurso, da eventual declaração de procedência do incidente de suspeição.

19 - Consistindo o incidente de suspeição na relação de parentesco entre o Presidente do júri e o candidato C…………… não se vê que outra fosse a consequência de extrair pela Administração, uma vez que o candidato que veio a ser colocado no Hospital de Santarém, lugar que o A. pretendia, foi o Dr. D………………, que foi quem antecedeu o A. na lista de classificação.

20 - Aliás o Dr. C…………, alegadamente beneficiado em seu detrimento, não veio a ocupar qualquer lugar, não se verificando qualquer prejuízo, em termos de posição, na lista classificativa, para o Autor.

21 - A colocação do A. no Hospital de Torres Novas, onde permaneceu efectivamente pelo escasso período de oito meses e meio, mesmo que contrariando desejos ou expectativas do A. foi efectuada a seu pedido.

22 - Também o STA, em Acórdão do Pleno, no Processo nº 31474, de 9/11/1999, considerou que “consistindo a execução na reconstituição da situação jurídica existente ao tempo do acto anulado como se este não tivesse sido praticado e antes um acto legal, termos que o acto a praticar para renovação da ilegalidade detetado no acórdão exequendo é o conhecimento do incidente de suspeição levantado ao Presidente do júri pois foi a negação de tal conhecimento o objecto do acto anulado”.

23 - O A. devia ter previsto, calculado e ponderado, que poderia não ficar graduado em lugar que lhe permitisse escolher um qualquer hospital, designadamente o Hospital de Santarém, onde fora colocado um outro candidato melhor posicionado na lista classificativa e relativamente ao qual não se verificava qualquer suspeita de eventual favorecimento por parte do Presidente do júri.

24 - Também ao reformar-se voluntariamente, por velhice, aos 65 anos de idade, em 1999, tornou-se igualmente inútil a constituição de novo júri do concurso, não fazendo sequer sentido sustentar a subsistência de qualquer omissão indevida a partir dessa data.

25 - Quanto aos danos morais e sem nada conceder, não podia ter sido atribuída qualquer indemnização ao A., não só porque não são suficientemente merecedores de reparação, de acordo com os critérios consignados no artº 496º, como também porque não existe fundamento factual que permita arbitrar a referida indemnização.

26 - Também e sem nada conceder, consideramos o valor atribuído, €15.000, excessivo tendo em conta os montantes atribuídos noutros casos, ficando o A. suficientemente ressarcido se tivesse sido fixado um valor não superior a €5.000.

27 - Não se mostram verificados, por não provados, os requisitos cumulativos previstos no DL nº 48051, de 21.11.67, designadamente actos ou omissões ilícitas e culposas, também não existindo qualquer nexo de causalidade entre a alegada inexecução do acórdão anulatório e os danos morais invocados, os quais não são indemnizáveis por não serem sequer suficientemente merecedores de reparação de acordo com os critérios consignados no artº 496º.

28 - A douta sentença recorrida enferma de erro de direito ou de julgamento, assim como de subsunção do direito aos factos provados, nomeadamente com ofensa e erro de interpretação dos artºs 2º nº 1, 4º nº 1 e 6, todos do DL nº 48051, de 21.11.67, assim como dos artºs 342º, 483º, 496º e 563º, todos do C. Civil.

29 - A sentença deve, pelas razões expostas ser revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente e não provada e absolva o R. do pedido, nos termos expostos.

Assim será feita a costumada

JUSTIÇA”.

3. O A., ora recorrido, produziu contra-alegações, que de seguida se reproduzem (cfr. fls. 891 a 893):

“1 - Veio o Autor intentar a presente Acção de Indemnização com processo ordinário contra o Estado, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe uma "indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de €498.979,00, acrescida de juros desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento".

2 - Procedeu-se à realização de Audiência de Julgamento com produção da prova testemunhal tendo, ainda, sido ouvido o Autor em declarações de parte.

3 - Entendeu o Tribunal a quo julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condenar o Réu a pagar ao Autor a quantia indemnizatória de €15.000,00.

4 - Veio o Ministério Público interpor Recurso da Sentença na parte em que considerou estarem preenchidos os requisitos ou pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e fixar uma indemnização no valor de €15.000,00.

5 - Sucede que, no segmento em que o Tribunal a quo, entendeu estarem, no caso em apreço, preenchidos os requisitos ou pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado não merece a Sentença Recorrida qualquer reparo ou censura.

6 - Na verdade, atenta a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo, e que não é posta em causa pelo aqui Recorrente, é inexorável concluir como conclui a Sentença Recorrida pela "omissão do Ministro em conhecer do incidente de suspeição, quando se veio a julgar, que era de sua competência e obrigação decidir e que a questão era tempestiva", sendo certo que "existiu ainda a dita ilegalidade na composição do júri do concurso ao não se atentar no impedimento do Presidente desse júri perante as relações de parentesco existentes com um dos candidatos".

7 - Sendo certo que, perante os factos considerados provados pelo Tribunal a quo é inexorável concluir que o Estado Português praticou, assim, um conjunto de acções e omissões ilícitas, causando ao Autor, aqui Recorrente, danos não patrimoniais indemnizáveis nos termos dos Arts. 2º e 6º do DL 48051 de 21 de Novembro de 1967.

8 - E toda esta situação, designadamente as ilegalidades cometidas no concurso, máxime a omissão dos actos necessários à reposição da legalidade e da justiça, abalou profundamente o Autor ao ponto de o obrigarem a sucessivas baixas médicas e mesmo a tratamento psiquiátrico.

9 - Mostrando-se, pois, no caso em apreço, preenchidos todos e cada um dos requisitos e pressupostos de que a lei faz depender a responsabilidade civil extracontratual do Estado.

10 - Com efeito, esta omissão ilícita causou ao A., aqui Recorrido, danos não patrimoniais e constitui o Estado na obrigação de indemnizar.

11 - No que concerne ao quanto ao quantum indemnizatório fixado na Sentença Recorrida, e contrariamente ao entendimento sufragado pelo Recorrente, mostra-se manifestamente insuficiente atentos os factos considerados provados.

12 - Para além disso a quantia de €5.000,00 adiantada pelo Recorrente, sempre se mostraria manifestamente desadequada e desajustada ao caso concreto, atentos os danos considerados provados pelo Tribunal a quo bem como ao entendimento seguido, nesta matéria, pela Jurisprudência e sobejamente citado na Sentença Recorrida.

13 - Em face de todo o exposto e no segmento em que a Sentença Recorrida vem impugnada, fez o Tribunal a quo a correcta apreciação e interpretação das normas aplicáveis ao caso em apreço.

14 - Em conclusão, verifica-se que a Sentença Recorrida, no segmento que vem impugnado, fez a correcta interpretação da lei, pelo que deverá ser julgado improcedente o Recurso interposto e ser mantida, nesta parte, na íntegra a Sentença Recorrida, com todas as legais consequências”.

4. O A., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 826 a 832):

“1 - Veio o Autor intentar a presente Acção de Indemnização com processo ordinário contra o Estado, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe "uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de €498.979,00, acrescida de juros desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento".

2 - Procedeu-se à realização de Audiência de Julgamento com produção da prova testemunhal tendo, ainda, sido ouvido o Autor em declarações de parte.

3 - Entendeu o Tribunal a quo julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condenar o Réu a pagar ao Autor a quantia indemnizatória de €15.000,00.

4 - Não se conforma o Autor com a Sentença Recorrida, na parte em que foi julgada improcedente a Acção, razão pela qual vem interposto o presente Recurso.

5 - Desde logo, e ao invés do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, em face dos elementos juntos aos presentes Autos, designadamente da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo, têm de se considerar provados os factos do quesito 2º-A no que respeita a "arrastamento dos processos nos tribunais".

6 - Por outro lado, os factos que o Tribunal a quo considerou como provados, demonstram de forma clara e inequívoca que o Autor "ficou enredado em espiral de diligências jurídicas e judiciais".

7 - Na verdade, atenta a natureza das coisas, e face aos actos que se acham documentados e que constam da matéria de facto considerada provada, resulta das regras da experiência comum que o Autor ficou enredado numa espiral de diligências jurídicas e judiciais, de requerimentos para ministérios, conferências com o seu advogado e deslocações sucessivas.

8 - Daí que, e ao invés do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, terá, necessariamente que se considerar provada a matéria facto constante no quesito 2º- C: "E teve como causa o facto de ficar enredado numa espiral de diligências jurídicas e judiciais, de requerimentos para ministérios, conferências com o seu advogado e deslocações sucessivas."

9 - Por outro lado, em face do teor do documento n.º 22 junto à PI bem como atentas as regras da experiência comum, terá, igualmente, que se considerar provada a matéria de facto descrita nos Quesitos 16º e 17.

10 - Devendo, pois, ser alterada a matéria de facto provada pelo Tribunal a quo, em conformidade com os elementos constantes do processo e dos documentos atrás identificados.

11 – Perante os factos considerados provados pelo Tribunal a quo e a alteração da matéria de facto provada e não provada nos termos atrás descritos, é inexorável concluir que o Estado Português praticou um conjunto de acções e omissões ilícitas, causando ao Autor danos patrimoniais e não patrimoniais indemnizáveis nos termos dos Arts. 2º e 6º do DL 48051 de 21 de Novembro de 1967.

12 - Com efeito, toda esta situação, designadamente as ilegalidades cometidas no concurso com a consequente colocação "forçada" no Hospital de Torres Novas, o “arrastamento dos processos nos tribunais” que se prolongou por cerca de 10 anos e máxime a omissão dos actos necessários à reposição da legalidade e da justiça, abalou profundamente o Autor.

13 - Na verdade, todos esses factos provocaram danos ao Autor, que constam da matéria de facto assente pelo Tribunal a quo e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

14 - Com efeito, as inúmeras diligências junto do seu Advogado, as sucessivas deslocações ao Ministério da Saúde, as reiteradas decisões confirmativas da injustiça, a lentidão e o arrastamento interminável dos processos graciosos, os obstáculos injustamente criados para obviar a uma pronta solução contenciosa, destruíram-no indelevelmente seja no plano pessoal, seja no social, no familiar, no económico e, finalmente, no plano profissional.

15 - E toda esta violência, esta frustração, estas injustiças transtornaram-no ao ponto de o obrigarem a sucessivas baixas médicas e mesmo a tratamento psiquiátrico.

16 - De facto, desde 1994 que o Autor sofre de um síndroma depressivo-ansioso com sentimentos de frustração, desânimo e raiva perante a situação de injustiça e discriminação de que se considerava alvo no concurso a que se reportam os autos, situação que, aliada a uma outra, determinava que se sentisse incapaz de regressar ao Hospital de Torres Novas, local de trabalho onde fora colocado.

17 - E tudo isto acabou por levar à destruição da sua, até aí, brilhante carreira, e mesmo ao abandono da sua profissão, dos círculos científicos e congressos, face às agressões que o vitimavam com progressividade.

18 - Provocando consequências ao nível da própria personalidade do A. que deixou de ser a pessoa alegre e confiante que sempre fora, passando a ter um comportamento taciturno, fechado e cabisbaixo, o que afectou profundamente a sua relação familiar que foi, assim, também ela prejudicada.

19 - Ao ponto de tal situação ter forçado, ainda, o Autor à reforma em 1999, por conselho médico e a fim de evitar o agravamento do seu já débil estado psicológico, e que, embora formalmente não tenha sido por incapacidade, substancialmente resultou da efectiva incapacidade do A. para desempenhar as suas funções devido à perturbação psicológica e emocional em que ficou devido à situação relacionada com o concurso e na espiral de diligências jurídicas e judiciais em que o Autor se viu enredado.

20 - E toda esta situação é total e exclusivamente imputável ao Estado, que demorou cerca de 10 anos a reconhecer o seu erro e, quando o reconheceu nunca praticou os actos necessários para o corrigir, já que o Ministério da Saúde nunca realizou as operações materiais necessárias à constituição de novo Júri e repetição das fases subsequentes do concurso.

21 - Em suma, a ablação da vida profissional foi total e determinada pela subversão do direito à carreira profissional e à Justiça e igualdade que devem ser respeitadas no seu exercício.

22 - Por outro lado, o A. deixou de ter direito a um vencimento e a uma reforma que o beneficiariam se se mantivesse em exercício.

23 - Ora, a actuação do Estado, e que resulta dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo, violou grosseiramente vários direitos legal e constitucionalmente garantidos do Autor.

24 - Num primeiro momento a Administração Pública, designadamente o Ministério da Saúde, na fase graciosa violou não só o direito à igualdade e imparcialidade na aplicação da lei consagrados pelos arts. 13º e 267º CRP, bem como todos os princípios e regras procedimentais que regulam a actuação da Administração e, simultaneamente, conferem direitos aos cidadãos.

25 - Além destes, foram ainda violados os direitos à integridade pessoal, na vertente física e moral, ao bom nome e à honra, tutelados pelo Art. 70º CC, 25º e 26º CRP.

26 - Acresce que, já na fase contenciosa ou jurisdicional, para lá da violação de todos estes direitos que se manteve, o Estado violou ainda o direito a uma tutela efectiva e o direito à justiça consagrados nos arts. 20º CRP e 6º da DEDH.

27 - De facto, é garantida por estes preceitos uma protecção eficaz, em tempo útil, sem dilações indevidas, sendo garantido o direito à execução das decisões dos tribunais, devendo o Estado fornecer todos os meios jurídicos e materiais necessários e adequados para lhes dar cumprimento, mesmo que seja contra o próprio Estado (Art. 205º, n.º 2 e 3 CRP).

28 - Donde, e face a todo o exposto, e contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, deverá a presente Acção de Indemnização ser julgada procedente por provada e, em consequência, o R. condenado a pagar ao A. uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no valor peticionado de € 498.797,00, acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

29 - Caso assim não se entenda, o que não se admite e sempre sem conceder, e se entenda, como entendeu o Tribunal a quo, que dos vários factos ilícitos e danosos invocados pelo Autor apenas se provou a ilegalidade na constituição do júri, a ilegalidade do despacho ministerial que não conheceu do seu Recurso Hierárquico sobre a suspeição e a questão da demora no procedimento gracioso e incumprimento do julgado até se tornar inútil esse incumprimento, ainda assim sempre se dirá que, atentos os danos invocados e considerados provados pelo Tribunal a quo, o quantum indemnizatório fixado na Sentença Recorrida mostra-se manifestamente insuficiente.

30 - Desde logo, e ao invés do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, os danos de natureza patrimonial têm de se considerar provados, em face do teor do documento n.º 22 junto à PI e às regras da experiência comum.

31 - E achando-se, no caso em apreço, preenchidos os requisitos e pressupostos de que a lei faz depender a responsabilidade civil extracontratual do Estado, deverá ser fixada uma indemnização a título de danos patrimoniais total de € 74.598,72, até à interposição da presente acção.

32 - Para além disso, atentos os factos provados pelo Tribunal a quo, atenta a sua natureza e gravidade, é inexorável concluir que a quantia fixada pelo Tribunal a quo no valor de €15.000,00 não compensa de forma justa, satisfatória e equilibrada os danos causados pelos factos ilícitos praticados pelo Réu ao longo de mais de 10 anos.

33 - Razão pela qual deverá, em todo o caso, a indemnização a título de danos não patrimoniais ser fixada em montante superior.

34 - Em face de todo o exposto fez a Sentença Recorrida a errada apreciação dos factos e interpretação das normas em apreço, nos termos atrás descritos.

35 - Razão pela qual deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e consequentemente ser parcialmente revogada a Sentença Recorrida devendo:

a) ser a presente Acção de Indemnização julgada totalmente procedente por provada e, em consequência, o R. condenado a pagar ao A. uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no valor peticionado de € 498.797,00, acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

b) Caso assim não se entenda, o que não se admite e sempre sem conceder, e se entenda, como entendeu o Tribunal a quo, que dos vários factos ilícitos e danosos invocados pelo Autor apenas se provou a ilegalidade na constituição do júri, a ilegalidade do despacho ministerial que não conheceu do seu Recurso Hierárquico sobre a suspeição e a questão da demora no procedimento gracioso e incumprimento do julgado até se tornar inútil esse incumprimento, ainda assim sempre se dirá que, atentos os danos invocados e considerados provados pelo Tribunal a quo, a indemnização fixada a título de danos não patrimoniais deverá ser fixada em montante superior.

Para que se faça

JUSTIÇA”.

5. O R., ora recorrido EP, representado pelo MP, não produziu contra-alegações.

6. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

Remete-se para a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 713.º, n.º 6, do CPC/61.


2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelos ora recorrentes – delimitado que está o objecto dos respectivos recursos pelas conclusões das alegações produzidas –, concluindo-se que em ambos os recursos se assacam à decisão recorrida erros de julgamento de direito e, no que concerne ao recurso do A., ora recorrente, também erro de julgamento de facto.

2.2. Quantos aos invocados erros de julgamento da decisão sobre a matéria de facto:

Cumpre, em primeiro lugar, averiguar se assiste razão ao A., ora recorrente, no que respeita ao alegado erro de julgamento que imputa à decisão recorrida na parte relativa à matéria de facto fixada nos autos. De forma mais concreta, o A./recorrente impugna a decisão da matéria de facto por a considerar deficiente, defendendo que devem dar-se como provados os seguintes factos: i) o "arrastamento dos processos nos tribunais" – quesito 2º-A; ii) que o Autor ficou "(…) enredado numa espiral de diligências jurídicas e judiciais, de requerimentos para ministérios, conferências com o seu advogado e deslocações sucessivas" – quesito 2º-C; iii) Doc. 22 – quesitos 16.º e 17.º - que, se o A. se mantivesse em exercício de funções, obteria o vencimento mensal de € 2.723,51, correspondente ao escalão 3 da carreira de chefe de serviço hospitalar (quesito 16.º) e que, dado o diferencial remuneratório existente entre a reforma de € 1.391,39 que aufere e os tais € 2.723,51 é de € 1.332,12, está em causa um dano de € 74.598,72 (quesito 17.º). Em síntese, o A./recorrente pretende uma alteração da matéria de facto dada como provada na sentença.

Antes de tudo, saliente-se que no presente recurso intentado ao abrigo da LPTA era aplicável o disposto no artigo 712.º do CPC/1961 – Modificabilidade da decisão de facto (que corresponde ao actual artigo 662.º CPC/2013). Aí se dispunha:

1 - A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2 - No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
3 - A Relação pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.
4 - Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
5 - Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
6 - Das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

Com o teor deste preceito em mente, vejamos se tem razão o ora recorrente quanto ao alegado erro de julgamento em matéria de facto.

Quesito 2º-A: O “arrastamento dos processos nos tribunais”:

No que respeita a esta questão do alegado arrastamento dos processos nos tribunais, a decisão recorrida fundamenta do seguinte modo a sua decisão: “Nessa data de 1994 ainda não podia considerar-se haver arrastamento, por ausência de factos concretos e eles não resultarem dos factos descritos quanto à respectiva tramitação, nem se poder concluir pela existência de nexo de causa efeito entre a tramitação de tais processos e a sintomatologia diagnosticada ao autor”. Vejamos.

A ideia do pretenso “arrastamento” tem mais que ver com um juízo conclusivo, não consubstanciando em si mesma um facto. O que o A. quererá referir é a existência de atrasos processuais que terão contribuído para a sua síndrome depressiva-ansiosa. Ora, tendo em conta a realidade descrita na decisão recorrida; tendo em conta que o A./recorrente, atacando o julgamento de facto quanto a este específico aspecto, não aporta aos autos qualquer meio de prova que nos convença de que a realidade dos factos é outra distinta; tendo em conta que o A./recorrente não invoca, quanto aos concretos meios probatórios produzidos em sede de julgamento, um qualquer que nos conduza a essa mesma conclusão; e, por último, tendo em conta que entre a realidade descrita e não contraditada e a síndrome depressiva-ansiosa de que o A./recorrente afirma padecer não existe uma presunção de causalidade, tendo em conta tudo isto, deve improceder o alegado erro de julgamento de facto quanto a este específico aspecto, nada havendo a aditar ao probatório.

Quesito 2º-C: o Autor ficou “(…) enredado numa espiral de diligências jurídicas e judiciais, de requerimentos para ministérios, conferências com o seu advogado e deslocações sucessivas”.

Quanto a este alegado facto, a decisão recorrida fundamenta do seguinte modo a sua decisão: "Não foi produzida prova sobre factos concretos que permitam concluir que o autor ficou enredado em espiral de diligências jurídicas e judiciais" e de requerimentos para ministério, além dos actos documentados e outros presumidos, atenta a natureza das coisas, mas sem que excedam o que é normal e razoável em tais circunstâncias. Nem se firmou qualquer convencimento pela prova produzida, sobre se tais actos fossem a causa ou a génese ou agravamento do diagnosticado síndrome depressivo-ansioso do autor”.

Uma vez mais, não se vislumbra que a decisão recorrida tenha incorrido em erro de julgamento de facto. As alegações de facto devem ser devidamente especificadas e concretizadas. Sucede que o A./recorrente não apresenta os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto agora impugnados, de nada valendo a reprodução de afirmações genéricas por si prestadas em declarações de parte e nem o apelo às regras da experiência comum.

Quesitos 16.º e 17.º: a decisão recorrida fundamenta do seguinte modo a sua decisão: “Em relação aos factos não provados, optamos, em alguns deles, pela motivação pessoal, e quanto aos pontos 60 e 61, a convicção resultou do confronto do seu teor com outra matéria que já estava provada, como seja, no essencial, a dos pontos 26, 27, 38 e ainda a relativas aos períodos de baixa e de licença sem vencimento do Autor”.

Tendo em consideração os tais pontos 26 e 27 e o respectivo teor dos mesmos, fica-se a saber que o ora recorrente, “Em 13.01.1999, [o Autor,] com 65 anos de idade, completados em 10.01.1999, apresentou no Centro Nacional de Pensões requerimento de reforma por velhice – doc. de fls. 218/219”; e que “Em 01.02.1999, o Centro Nacional de Pensões deferiu a pensão unificada do Autor, no valor de 278.949$00 – doc. de fls. 195”. No ponto 38 transcreve-se o ofício enviado pela Segurança Social ao ora recorrente relativo ao deferimento da pensão unificada com início em 01.02.1999. De todos estes pontos e da tal motivação pessoal se extrai que o A., voluntariamente, requereu a reforma por velhice uma vez atingida a, então, idade legal para o efeito. E, de novo, não encontramos fundamento para alterar a matéria de facto, não se podendo concluir que a não inclusão dos cálculos relativos a diferenciais remuneratórios efectuados pelo A. , ora recorrente, na matéria de facto conduza à insuficiência do probatório ou que a sua inclusão pudesse destruir outros factos em que a decisão assentou, presente que o documento n.º 22 convocado para comprovar o erro de julgamento de facto quanto à matéria em apreço não a sustenta minimamente, não permitindo a sua demonstração.

Em face de todo o exposto, não se vê razão para alterar a decisão recorrida na parte relativa à matéria de facto, devendo improceder nesta parte a pretensão do A., ora recorrente.

2.3. Quanto à responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito e seus pressupostos

Na presente acção de responsabilidade civil extracontratual, o A. pediu, a final, a condenação do R. Estado português a pagar-lhe uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de € 498,797,00 (€ 74.598,72 dos quais correspondendo aos danos patrimoniais), acrescida de juros desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento. A decisão recorrida limitou-se a reconhecer a existência de danos não patrimoniais, cifrando-os na quantia de € 15.000,00. No seu recurso, o R. questionou a sua condenação no pagamento de indemnização a títulos de danos não patrimoniais. Sem conceder, entendeu que sempre o montante de € 15.000,00 será excessivo. Já o A., no seu recurso, defendeu a existência de danos patrimoniais e, quanto aos danos não patrimoniais, entendeu ser o montante indemnizatório fixado insuficiente.

Vejamos de forma mais concreta se A. e R., agora ambos recorrentes, têm razão nas respectivas pretensões.

2.3.1. O A., ora recorrente, sustenta que foram cometidas pelo Estado Português “um conjunto de acções e omissões ilícitas, causando ao Autor danos patrimoniais e não patrimoniais indemnizáveis nos termos dos Arts. 2º e 6º do DL 48051 de 21 de Novembro de 1967”.
As supostas ilegalidades foram cometidas no próprio concurso (com a ilegal composição do júri), na fase graciosa (com “a lentidão e o arrastamento interminável dos processos graciosos” – conclusão 14.) e na fase contenciosa do concurso (com “os obstáculos injustamente criados para obviar a uma pronta solução contenciosa” – conclusão 14.), e afectaram-no no plano pessoal, social, familiar, económico e profissional.
No plano jurídico, as ilegalidades cometidas no concurso e na fase graciosa resultaram na violação do direito à igualdade e à imparcialidade na aplicação da lei (arts. 16.º e 267.º da CRP), e, ainda, dos direitos à integridade pessoal, física e psicológica, ao bom nome e à honra (arts. 70.º CC e 25.º e 26.º da CRP). Já quanto às ilegalidades cometidas na fase contenciosa, delas resultaram a violação do direito a uma tutela efectiva e o direito à justiça (arts. 20.º da CRP e 6.º da CEDH).

Concretizando agora melhor as ilegalidades alegadamente cometidas, elas são as seguintes:

(i) Ilegalidade relativa à composição do júri do concurso, em virtude de um dos seus membros ter uma relação de parentesco com um dos opositores ao concurso;

(ii) Ilegalidade relativa ao despacho do Ministro da Saúde (MS), de 18.09.1992., proferido em resposta ao RH em que o A., ora recorrente, deduziu o incidente de suspeição relativamente a um dos membros do júri (o seu presidente), despacho em que o MS decidiu não tomar conhecimento da questão prévia da aludida suspeição por considerar intempestiva a sua alegação (cfr. ponto 9. da matéria de facto);

(iii) Ilegalidade relativa ao despacho do MS, de 03.12.1992, emitido em resposta ao RH necessário do acto homologatório do concurso de provimento para chefe de serviço de Ortopedia interposto pelo o A., ora recorrente, em que este questionou essa decisão, assacando-lhe, entre outras coisas, insuficiente fundamentação e errada apreciação dos factos e do direito, pois que, fundamentalmente, a candidatura que apresentou era melhor do que a dos restantes candidatos;

(iv) Ilegalidade relativa ao arrastamento e lentidão da fase graciosa;

(v) Ilegalidade relativa ao arrastamento dos processos em tribunal;

(vi) Ilegalidade relativa à lentidão na reposição da legalidade.

O TAC de Lisboa, na sua decisão, apenas reconheceu as ilegalidades mencionadas em (i) e (ii). De notar que relativamente a outras ilegalidades apontadas nos dois recursos hierárquicos interpostos pelo A., ora recorrente, relativos a vícios formais e materiais de que padeceriam a deliberação do júri do concurso e o acto de homologação da lista classificatória, a decisão recorrida considerou que as mesmas teriam de ter sido conhecidas em sede própria – a apreciação dos recursos hierárquicos – mas que, em virtude do desenrolar dos acontecimentos, o seu conhecimento haveria de ficar prejudicado.

2.3.2. Apreciemos, em primeiro lugar, as ilegalidades alegadamente cometidas e quais delas foram fruto de uma conduta ilícita censurável.

A ilegalidade relativa à composição do júri do concurso é óbvia e foi reconhecida por este STA no seu acórdão de 26.04.1995. Sobre esta questão, afirmou-se na decisão recorrida: “existiu uma outra ilegalidade cometida pela administração, por violação das garantias de imparcialidade na constituição do júri do concurso, ao nomear, contra o disposto no artigo 44°, n° 1, alínea b) do Código do Procedimento Administrativo (CPA), normas essas que igualmente se destinam a proteger direitos e interesses subjectivos dos opositores ao concurso, e no caso direitos e interesses do autor, sendo, por via disso, tal despacho de constituição do júri do concurso ilegal e também ilícito por atentar contra normas destinadas a proteger interesses alheios”. A mesma decisão recorrida conclui que neste específico aspecto houve uma conduta ilícita e culposa, conclusão que consideramos acertada, não merecendo nesta parte qualquer juízo de censura.
O mencionado acórdão de 26.04.1995 anulou o despacho do MS “que decidiu não tomar conhecimento da suspeição do presidente do júri suscitada pelo recorrente, por entender que o incidente foi deduzido de forma tempestiva, perante a entidade competente para dele conhecer”, tendo a decisão recorrida considerado ilícita e culposa a conduta do MS que julgou o RH intempestivo. Atente-se no que foi dito na decisão recorrida: “Tal facto ilícito resulta do que já foi julgado pelo Acórdão do STA (em 1.ª instância) de 26.Abr.1995, como referido no ponto 14 da matéria de facto, e decisão essa que considerou que o Despacho Ministerial de 18.Set.1992, violou, entre o mais, os preceitos do D. Lei n° 370/83 em que sustentara esse despacho, e bem assim a invocada regras sobre a competência para a decisão final do procedimento, sendo que tais normativos violados se destinavam a proteger direito e interesse legítimo do Autor a obtenção de decisão ministerial no âmbito do recurso hierárquico, o que não obteve. Daqui resultando actuação administrativa ilegal e ilícita no sentido de que os preceitos legais se destinavam a proteger o autor nos direitos e interesses subjectivos (…)”). Também agora nada há a apontar à decisão recorrida. Com efeito, houve uma leitura errada do quadro legal aplicável e uma errada subsunção dos factos ao direito que não se justifica tendo em consideração que a questão jurídica que estava em causa não demonstra especial complexidade ou dificuldade.
Já quanto à ilegalidade relativa ao despacho do MS, de 03.12.1992, não vemos que a mesma tenha sido sequer cometida. Com efeito, o não conhecimento do objecto do recurso prendeu-se com a circunstância de estar pendente um outro RH que, a ser dada razão ao candidato – o aqui A./recorrente –, implicaria a anulação do despacho do MS e a repetição do concurso de provimento. Cabe dizer que também relativamente a este despacho foi intentado recurso contencioso no STA. “Em 18.10.1994, o relator proferiu despacho suspendendo a instância no Processo n° 31834 (recurso contencioso de anulação do despacho do Ministro da Saúde que decidiu conhecer dos vícios formais e substanciais alegados no recurso hierárquico necessário) até decisão do Processo n° 31474 (recurso contencioso de anulação do despacho do Ministro da Saúde que decidiu não tomar conhecimento do incidente de suspeição)” – (cfr. ponto 13. da matéria de facto). Mais adiante, na sequência, e em função, da prolação do acórdão do STA de acórdão de 26.04.1995 – que tinha por objecto a impugnação do primeiro dos despachos impugnados –, o STA declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (acórdão de 03.05.2009). Ora, isto significa que não chegou a haver a oportunidade de averiguar se o segundo despacho era ilegal por insuficiente fundamentação e/ou por erro nos pressupostos de facto e na aplicação do direito em particular no que toca à classificação e ordenação dos candidatos. Perante isto, e não obstante não estar à partida vedada a apreciação da ilegalidade, a verdade é que, tendo em consideração a economia processual e a tutela da esfera jurídica do A., não há interesse em apurar se se registou essa eventual ilegalidade e, ainda, se houve alguma conduta ilícita e/ou culposa (e, bem assim, os outros pressupostos da responsabilidade civil extracontratual), quando o tribunal considerou ocorrer inutilidade superveniente da lide.
Quanto à ilegalidade relativa ao arrastamento e lentidão da fase graciosa, esta questão foi tratada na decisão recorrida de forma global para efeitos da determinação dos eventuais atrasos ocorridos na reposição da legalidade. Atentemos no que é dito na decisão recorrida quanto a isto:

Dos factos relevantes e provados quanto a esta matéria temos, de essencial:

- o resultado do concurso foi publicitado em 31.Out. 1991 - ponto 4;

- a 11.Nov.1991 o autor apresenta, ao Ministro da Saúde, Recurso Hierárquico (RH), invocando suspeição do presidente do júri - ponto 5;

- a 18.Set. 1992 o Ministro da Saúde despacha no sentido de não conhecer do RH - ponto 9;

- O autor recorre contenciosamente deste (e doutros) despacho ministerial, em 27.Nov.92 - ponto 10, julgado procedente a 26.Abr.1995 - ponto 14;

- em 07.Mar.1996 o autor requer à Ministra da Saúde que execute o julgado - ponto 15;

- Por inexistir execução o autor intenta a respectiva execução do julgado - ponto 17 e 18;

- Em 04.Nov.1997 a Ministra da Saúde despacha no sentido do impedimento do Presidente do Júri, mandando constituir novo júri e se proceda às operações concursais - ponto 21;

- Não consta terem sido alguma vez renovados outros actos do concurso.

- A 13.Jan.1999 o autor requereu a sua reforma por velhice - ponto 26;

- Em 01.Fev.1999 o CNP deferiu a pensão unificada ao autor, com efeitos a essa data - pontos 27 e 38.

Resultará daqui a omissão de actos necessários à reposição da legalidade?

Vejamos dos prazos e incidências. Verificamos como termo inicial que o autor interpelou a Administração para "repor a legalidade" com o RH de 11.Nov.91, e que o termo final será aquele em que o autor foi reformado - 31.Jan.1999, sendo aqui irrelevante o facto de o autor referir que foi "forçado" a reformar-se. Perfazendo-se, pois, 7 anos e 2 meses, de prazo máximo em que, objectivamente, a Administração poderia ter reposto a situação.

Não obstante o autor tenha, neste período, estado em situação de licença sem vencimento de longa duração, não deixa de ser verdade que, até à reforma se mantinha o vínculo funcional do autor e, por isso, com reconhecido direito à legalidade do concurso, o qual nem até então, nem posteriormente, veio a ser repetido.

Havendo esta demora de, pelo menos 7 anos e 2 meses para a reposição da situação ilegal, nessa demora consideramos haver dois períodos como de mais flagrante omissão do dever de decidir por parte da Administração:

- trata-se do prazo de 10 meses que levou a decidir o Recurso Hierárquico - de Nov/91 a Set/92, que se considera, objectivamente, exagerado; e

- o prazo de 3 anos e meio que decorre desde o STA de Abr/94 até ao despacho de execução do julgado, da Ministra em Nov/97.

Este último, objectiva e subjectivamente exagerado e injustificado, como veremos, o qual apenas acontece após decisão executória do tribunal de Out/97, isto sem esquecer que também não se apresenta justificado o prazo que decorreu entre o despacho Ministerial a mandar constituir novo júri, em Novembro de 1997 e a (in)conclusão desse procedimento concursal, ou até pelo menos até Jan/99. Estes dois períodos constituem a maior parte do referido tempo de 7 anos e 2 meses, sendo certo que o restante do tempo corresponde, no essencial, ao período de tramitação dos processos judiciais.

Quanto a este tempo de tramitação dos processos judiciais, acontece que, estipulando-se no artigo 47° da LPTA que o acto recorrido pode ser total ou parcialmente revogado, nos termos da lei, até ao termo do prazo para a resposta ou contestação da autoridade recorrida, esta determinação não impedia a autoridade recorrida, ainda assim, de revogar (reparar) a ilegalidade cometida (o não conhecimento do pedido no recurso hierárquico), nomeadamente desde que o fizesse "ex tunc" ou seja, com efeitos revogatórios repristinatórios, como resulta da interpretação entre o disposto naquele preceito e o seguinte artigo 48° da mesma LPTA.

Por isso mesmo que, quer no decurso do recurso contencioso, quer depois no decurso da execução do julgado, nada impedia a Administração de revogar o seu acto de não conhecimento do incidente de suspensão suscitado no recurso hierárquico e assim dar seguimento à legítima pretensão do aqui autor, ali recorrente. Posto o que, podendo não ser de considerar de tanta gravidade, também o decurso deste prazo haverá de ser contabilizado como de omissão da administração de decidir e de reposição da legalidade.

Tendo-se ainda como referência que o concurso anulado, desde a sua publicitação e a publicação da lista de classificação final demorou cerca de 1 ano e 10 meses (pontos 1º e 4º dos factos), sendo que a sua repetição, incluindo a mais o tempo para designação do novo júri, não carecia já do tempo para apresentação dos curricula que já estavam no processo e de outras diligências administrativas aproveitáveis”.


Em face de tudo isto, a decisão recorrida considerou que houve um atraso ilícito de cinco meses:

Tendo-se concluído existir uma demora de 7 anos e 2 meses, igualmente demos especial relevo aos dois períodos que somam 4 anos e 4 meses. Sendo aqui de fazer alguma análise mais detalhada de tais prazos pois os mesmos foram ali objectivamente calculados e, pese embora não tenham sido invocados os concretos atrasos nos procedimentos (nem impugnados), sempre a natureza das coisas e o conhecimento elementar das realidades aconselham a fazer o enquadramento possível.
Assim temos que, tendo considerado um atraso de 10 meses na decisão ministerial do recurso hierárquico - Nov/91 a Set/92, e tendo considerado tal prazo de exagerado, não pode esquecer-se que ainda assim tal procedimento administrativo sempre implicaria algum tempo, não os 10 meses, mas, quanto? Qual o período aceitável em termos de razoabilidade e de normalidade das situações para a sua produção?

Inexistindo invocados quais os actos e procedimentos praticados, nem ter sido junto a esta acção o processo administrativo instrutor, sempre, por recurso a elementos documentais do processo e factos do Acórdão do STA junto, verificamos que no âmbito do Recurso Hierárquico (RH) foi prestada informação dos Serviços n° 123/91, propondo que se determine que a Inspecção-Geral dos Serviços de Saúde (IGSS) procedam a inquérito quanto "a que o incidente de suspeição obriga", e que seja "declarada a suspensão da tramitação processual do concurso até decisão daquele incidente de suspeição. O Ministro da Saúde por seu despacho de 13.Jan.1992 diz concordar com o proposto e a remessa à IGSS. É nessa sequência que a IGSS emite "parecer" no sentido de que "...a suspeição tem de ser arguida até ser proferida decisão definitiva", o que não tinha acontecido e que a suspeição havia de ser decidida pela DGH, posto o que surge o despacho Ministerial de 18.Set.92.

Ora, pese embora a necessidade de decisões administrativas céleres e desburocratizadas, não pode deixar de perceber-se que os Serviços próprios prestem as informações e os pareceres necessários a habilitar o decisor a decidir com bases factuais e jurídicas. Por isso que, atenta esta necessidade de tramitação e sem que existam outros elementos que ajudem na compreensão de onde e como foram "gastos" os tempos da decisão, entendemos que, pela tramitação documentada, 5 daqueles dez meses seriam tempo suficiente e razoável para a decisão, tendo-se mesmo em atenção que, cautelarmente, o concurso estava suspenso (ou tal fora proposto), daí derivando alguma acuidade em termos de urgência na decisão.

Concluímos ter existido, neste caso, uma demora injustificada de 5 meses”.

A argumentação expendida na decisão recorrida é pertinente e plausível, pelo que não vemos motivos para a censurar, devendo considerar-se que houve uma conduta ilícita e culposa na fase graciosa.

Temos, por fim, a ilegalidade relativa ao alegado arrastamento dos processos em tribunal que teria contribuído para a síndrome depressivo-ansiosa que foi diagnosticada ao A. e, nesse sentido, lhe teria causado danos não patrimoniais. Como já se viu em sede própria (o ponto 2.2.), o A./recorrente pretendia que fosse dado como provado o “arrastamento” dos processos em tribunal. No entanto, como aí se concluiu, e pelos motivos expostos, nada há a aditar à factualidade assente. Pretende, agora, o A. estabelecer um nexo de causalidade entre os alegados atrasos no andamento do processo e o seu estado depressivo-ansioso. Sucede que que não se pode afirmar que entre 1992 e 1994 se tenham verificado quaisquer atrasos patológicos no andamento do processo e, mais ainda, que possam os mesmos ser considerados causa adequada da síndrome ansiosa-depressiva do ora recorrente que lhe seria diagnosticada já no ano de 1994. Com efeito, pode dizer-se que, tendo-se verificado um atraso processual, é totalmente imprevisível, anómalo ou atípico o surgimento de um estado depressivo que afecte a vítima desse atraso, razão pela qual não se pode afirmar a existência de um nexo de causalidade entre esse facto e o dano não patrimonial invocado. Não procede, deste modo, mais este fundamento de ilegalidade.

Cumpre agora fazer algumas precisões. A primeira delas tem que ver com um aspecto já salientado na decisão recorrida que julgamos acertadamente avaliado e valorado. Esse aspecto é o de que, não obstante a ilegalidade na composição do júri do concurso, não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre essa ilegalidade e os danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelo A. Com efeito, o candidato que poderia ter sido beneficiado em virtude dos laços de parentesco que tinha com um dos membros do júri ficou classificado em 9.º lugar – o A. ficou classificado em 10.º. Ora, não só esse 9.º lugar não lhe permitia ocupar o lugar pretendido pelo A. – que foi atribuído ao candidato classificado em 6.º lugar –, como o referido candidato nem sequer tomou posse de qualquer lugar a concurso. Vale isto por dizer que, mesmo que não houvesse favorecimento – que, diga-se, não ficou provado que tenha havido –, não é possível afirmar que o A. teria sido melhor classificado e, sobretudo, que teria alcançado o seu objectivo de ser colocado num outro hospital como o Hospital Distrital de Santarém (onde foi colocado o candidato classificado em 6.º lugar).
Em segundo lugar, e no que se refere à alegada colocação "forçada" do A. no Hospital de Torres Novas, a sentença recorrida aborda-a em dois planos. Por um lado, aborda-o na perspectiva da realidade dos factos e do direito para concluir que a colocação em causa resultou da combinação da vontade do aqui recorrente com a dos outros candidatos conjugada com as regras do concurso, sendo as vagas preenchidas em função das preferências dos candidatos melhor classificados por ordem decrescente (“Ora, não resultou provado que tivesse sido "forçada" a colocação do Autor naquele Serviço e Hospital. Era uma das vagas postas a concurso e, segundo depoimento do próprio autor a colocação dos candidatos nas vagas foi efectuada pela preferência dada a cada candidato para uma das vagas existentes de acordo com a sua graduação, e foi o que aconteceu consigo. Diga-se ser este o procedimento que se nos afigura correcto e normal”).
Mas a sentença recorrida também equaciona a possibilidade da expressão “colocação forçada” significar que o A., ora recorrente, defende que se tivesse sido devidamente classificado – e que, portanto, não tivessem sido cometidas ilegalidade no concurso – ele teria podido ser colocado num hospital que não aquele em que efectivamente foi colocado. Ora, quanto a isto, a sentença recorrida começa por afirmar que, em sede meramente especulativa, uma vez que o concurso não chegou a ser repetido, nada garantia que o ora recorrente tivesse ficado melhor classificado e, concomitantemente, que fosse colocado no hospital que queria (de forma sintética: “No plano das hipóteses poderia mesmo acontecer que essa relação de parentesco em nada tivesse influenciado a decisão do júri. E nada nos impede admitir que sem vícios procedimentais a graduação não viesse a ser a mesma daquela que resultou do concurso anulado”). Remata a sentença recorrida que o ora recorrente, quando se candidatou ao concurso, nenhuma expectativa lícita poderia ter de ser colocado e/ou de ser colocado num determinado hospital (“Por isso que, quando se candidatou ao concurso em causa nenhuma expectativa o autor pudesse licitamente ter, quanto a colocação e muito menos a colocação num certo e determinado Serviço Hospitalar, isto objectivamente considerando e por isso que, à partida, se não entenda o que chama de colocação forçada, ou que frustração ou gorar de expectativas fundadas possa o Autor invocar na colocação nesse Hospital”).
Sem necessidade de ulteriores desenvolvimentos, consideramos acertada esta argumentação da sentença recorrida que subscrevemos sem reserva, nada havendo a censurar.
Em terceiro lugar, a ilegalidade decorrente do atraso na reposição da legalidade (conjugada com a passagem à reforma do A.) não permitiu a repetição do concurso de provimento de modo a permitir apurar da bondade das pretensões do A. Significa isto que o que se verifica no caso dos autos é como que uma perda de chance. Tal como se afirmou acertadamente na decisão recorrida, nenhum candidato tem à partida direito a reclamar uma certa classificação e concomitante um certo lugar na lista de ordenação dos candidatos. Mas o facto de não ter sido repetido o concurso também não nos permite asseverar que o A. não tinha razão e que não tenha perdido oportunidades em termos de carreira e remuneratórias.
Em síntese, nos termos assinalados, concordamos que se registaram certas ilegalidades resultantes de condutas ilícitas e culposas verificadas no concurso e na fase graciosa. Vejamos de seguida se se verificaram os danos patrimoniais e não patrimoniais que o A./recorrente invoca e, na medida em que existam, se se verifica o nexo de causalidade entre eles e as condutas ilegais do R.

2.3.3. Passemos de seguida para a questão da denegação, por parte da decisão recorrida, de indemnização por danos patrimoniais no valor de € 74.598,72 – que o A., ora recorrente, entende serem-lhe devidos por pretensamente ter sido “forçado” a requerer a reforma em 1999, o que fez com que A. deixasse “de ter direito a um vencimento e a uma reforma que o beneficiariam se se mantivesse em exercício” (cfr. alegações de recurso 19 e 22).

Na decisão recorrida foi decidido que não ficaram provados prejuízos e nem foi possível estabelecer um nexo causal entre as ilegalidades das condutas da Administração que nela foram reconhecidas (basicamente, a ilegalidade da composição do júri e a decisão de considerar intempestivo o RH em que o incidente de suspeição foi deduzido) e esses invocados prejuízos. Dela se extrai o seguinte trecho: “Foi o autor quem requereu as licenças sem vencimento (de curta e longa duração), e que, por vontade própria, requereu a passagem à reforma após completar 65 anos de idade, não se tendo apurado nem se vislumbrando, também nestas vertentes qualquer acção ou omissão ilegal da Administração”. Como se pode constatar, esta parte da decisão recorrida apoia-se em factos dados como assentes que comprovam que o A., ora recorrente, uma vez atingida a idade legal, solicitou a sua reforma por velhice. Assim, ainda que o recorrente sinta que foi forçado a reformar-se, na realidade esse sentimento, enquanto percepção subjectiva que tem que ver com a sua específica sensibilidade, não significa que houve o cometimento, por parte do Estado, de qualquer ilegalidade (uma suposta “imposição” da reforma por velhice), tal como realçado na decisão recorrida que aqui acompanhamos. Ou seja, também agora se entende que o demandado, ora recorrido, não cometeu, quanto a este particular aspecto, qualquer ilegalidade – designadamente por violação de disposições constitucionais relacionadas com o direito ao trabalho ou à reforma –, susceptível de gerar os danos invocados pelo A., ora recorrente, que justificassem o pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais (os já mencionados € 74.598,72 que corresponderiam ao diferencial de € 1332,12 mensal, obtido através da subtração do valor da sua pensão de € 1.391,39 ao valor de € 2.723,51 – correspondente ao escalão 3 da carreira de chefe de serviço hospitalar, que auferiria se não se tivesse reformado aos 65 anos –, por sua vez, tendo em consideração o período de tempo até à interposição da presente acção. Por estes motivos, improcede a pretensão indemnizatória do A., ora recorrente, no que se refere a danos patrimoniais, nenhuma censura merecendo a decisão recorrida.

2.3.4. Passando agora à análise dos danos não patrimoniais – a sua verificação, reconhecida pela decisão recorrida, e o respectivo quantum –, é necessário começar por clarificar alguns aspectos.
Desde já, que em virtude da manutenção da decisão recorrida quanto à matéria de facto, não se podem considerar-se como relevantes e assentes os seguintes factos: o “arrastamento dos processos nos tribunais” e o Autor ficou “(…) enredado numa espiral de diligências jurídicas e judiciais, de requerimentos para ministérios, conferências com o seu advogado e deslocações sucessivas”.
Além disso, cabe recordar que a condenação ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais pressupõe que se esteja perante danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1, do CC).
Por último, sem menosprezar a dor psicológica causada por sentimentos como os de injustiça e de discriminação, o julgador deve atender aos danos (não patrimoniais) que o A. da acção alega ter sofrido e logra provar, sendo certo, no entanto, que deve distinguir-se entre aquilo que são as variações normais de sensibilidade de cada pessoa – havendo pessoas mais e menos sensíveis às injustiças – e aquilo que já é revelador de uma hipersensibilidade de uma determinada pessoa, a qual implica um resultado danoso não expectável tendo em consideração um padrão de normalidade (pode aqui traçar-se um paralelo com aquele exemplo de escola em que um indivíduo dá uma ligeira pancada noutro desconhecendo que este último padecia de uma condição de saúde que fez com que o resultado da pancada fosse além do que seria previsível em condições normais). Nestes casos, não existe nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano na medida em que excede aquilo que corresponde ao normalmente previsível.
Dito isto, passemos, então, à questão do acerto ou não da decisão recorrida ao condenar o R. a uma indemnização por danos não patrimoniais e ao fixar a indemnização num determinado montante. E, quanto a isto, pode concluir-se que pode estabelecer-se um nexo de causalidade entre as condutas ilícitas e culposas do R./recorrido e os sentimentos negativos vivenciados pelo A./recorrente, embora a gravidade que este último lhes atribui seja em grande parte fruto de uma imagem muito positiva que o A. tem de si próprio e da sua brilhante carreira, de um lado, e da circunstância de achar que os outros candidatos são menos qualificados em termos curriculares – algo que não passa de uma convicção pessoal, que não se chegou a comprovar. Além disso, é também fruto de uma reacção algo exagerada aos resultados do concurso e às injustiças que entende que foram cometidas, em relação a algumas delas, é certo, com razão. Em suma, nos termos assinalados, concordamos que se registaram certas ilegalidades resultantes de condutas ilícitas e culposas verificadas no concurso e na fase graciosa que causaram danos não patrimoniais ao A., ora recorrente.
Já no que se refere ao quantum indemnizatório, que o A. considera insuficiente e o R. excessivo, não vemos motivos para discordar dos cálculos realizados na 1.ª instância, e, nesse sentido, concordamos com o valor arbitrado de € 15.000,00. O juízo equitativo efectuado pelo TAC de Lisboa é um juízo razoável e assentou numa ponderação prudencial das circunstâncias concretas do caso, consentâneo com a matéria de facto apurada. Além disso, faz apelo a jurisprudência sobre a matéria, estando em linha com ela. Com efeito, este STA teve já por várias vezes oportunidade de sublinhar, v.g., no Acórdão de 15.03.2018, Proc. n.º 1089/16, que “a gravidade do dano patrimonial mede-se, tendo em linha de conta as circunstâncias de cada caso, por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos, de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada do lesado”. Ora, como resulta de todo o exposto e já foi dito, o A./recorrente demonstrou uma sensibilidade particularmente sensível na reacção que teve à sua colocação no Hospital de Torres Novas; essa reacção exagerada deveu-se, igualmente e em larga medida, à imagem que tinha de si próprio e dos outros candidatos; e isto, numa situação, como a dos autos, em que, existindo um certo grau de incerteza – dado tratar-se de um processo concursal de natureza selectiva –, nenhum candidato pode, à partida, “reivindicar” uma determinada graduação que lhe permita aceder ao lugar posto a concurso que pretendia. Por esse motivo, entendemos que esse juízo de equidade não merece censura.

III – Decisão


Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento aos presentes recursos, mantendo-se a sentença recorrida.


Custas dos recursos a cargo do respetivo recorrente dado o total decaimento.

Lisboa, 10 de Setembro de 2020. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.