Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0366/13
Data do Acordão:06/05/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Sumário:I - Por regra, a competência em razão da hierarquia para o conhecimento de recurso jurisdicional de decisão de tribunal tributário de 1.ª instância cabe ao Tribunal Central Administrativo, dado que o Supremo Tribunal Administrativo só goza dessa competência quando o recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito.
II - Para aferir da competência há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, perante elas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto.
III - Há necessidade de dirimir questões de facto quando o recorrente diverge das ilações de facto que o tribunal a quo retirou do probatório e invoca uma realidade fáctica que não vem dada como provada e que não é, em abstracto, indiferente para o julgamento da causa.
Nº Convencional:JSTA000P15890
Nº do Documento:SA2201306050366
Data de Entrada:03/05/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a fls. 177 a 187, de procedência da impugnação judicial que a sociedade A……….., LDA, deduziu contra o acto de liquidação de Imposto de Selo referente ao exercício de 2005 e juros compensatórios, no montante total de €5.941,96.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
A) Com a presente impugnação visa o sujeito passivo a anulação da liquidação de Imposto de Selo (IS) emitida sob o nº 20086430000608, no montante de € 5.941,96, referente ao ano de 2005, melhor identificada nos autos, com fundamento em ilegalidade por violação das alíneas g) e h) do nº 1 do art. 7º do CIS, na sequência de acção inspectiva levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, ao abrigo da Ordem de Serviço nº 01200703082, para cujo Relatório se remete e que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos, e que se encontra a fls. 13 e ss. do processo administrativo.

B) A liquidação aqui posta em crise advém da constatação da existência de várias contas correntes entre os sócios e a sociedade aqui impugnante, relativos a empréstimos efectuados pelos sócios à sociedade passíveis de tributação em IS em conformidade com a verba 17.1.4 da Tabela Geral de IS - cfr. capítulo 111.2 do referido Relatório e do ponto 2 da informação prestada pelos SIT já juntos aos autos.

C) A douta sentença ora recorrida decidiu julgar procedente a impugnação deduzida por considerar “ilegal o acto tributário em causa, deve o mesmo ser anulado”.

D) Posto isto, e com o devido respeito que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com a assim doutamente decidido por entender que a sentença a quo incorreu em erro de julgamento quer no tocante à matéria de facto (insuficiência desta, sem delimitação adequada dos factos relevantes para a solução) quer em matéria de direito, uma vez que no entender da Fazenda Pública não efectuou correctamente a interpretação dos arts 7º, nº 1 al. g) e h) do CIS e respectiva Tabela Geral, bem como do art. 74º da LGT e 342º do CC.

E) Propugna a impugnante a ilegalidade da liquidação porquanto, em seu entender, “os empréstimos dos sócios à sociedade beneficiam de isenção de IS, nos termos do artigo 7º nº 1 do CIS” nas situações das i), g) e h) admitindo, embora, que a isenção prevista na alínea i) do nº 1 do art. 7º do CIS “não tem, de facto, aplicação na situação dos autos, por não estar cumprido o requisito de permanência pelo período mínimo de um ano”.

F) Com efeito, nos termos daquela alínea, os empréstimos com as características de suprimentos feitos pelos sócios à sociedade beneficiam de isenção de IS, sob a dupla condição de ser estipulado um prazo inicial de reembolso não inferior a um ano e de o mesmo não ocorrer antes desse prazo.

G) A verificação desta hipótese implica a caducidade da isenção e o consequente nascimento da obrigação tributária que, de acordo com a alínea m) do art. 5º do CIS, se constitui no momento do reembolso.

H) Quanto à argumentação de que se aplicaria a isenção prevista na al. h), conjugada com a al. g) do art. 7º, nº 1 do CIS, tal não poderá proceder porquanto tais dispositivos se aplicam, tal como decorre da letra da lei, a sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como a sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham participações, e, bem assim, efectuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo.

I) É condição da isenção, porém, que as operações não excedam o prazo de um ano e que se destinem exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria.

J) Não podendo a sua interpretação ser dissociada, não pode a impugnante ver a sua situação subsumida na previsão aí consagrada, nem olvidado o facto de a mencionada al. h) referir expressamente “As operações, incluindo os respectivos juros, referidas na alínea anterior (...)”.

K) As isenções referidas nesta al. h) incluem assim, para além das operações financeiras, os respectivos juros, implicando esta referência que o seu âmbito é extensivo, mas às operações realizadas entre instituições de crédito e outras entidades financeiras a sociedades participadas.

L) A noção de operações de tesouraria associa-se normalmente a aplicações financeiras de curto prazo;

M) Podem definir-se como operações de tesouraria as saídas de fundos por aplicação de excedentes de tesouraria (operações de tesouraria activas) e as entradas de fundos visando a cobertura da diferença negativa entre as necessidades resultantes da actividade da empresa e os recursos aptos ao financiamento dessa actividade (operações de tesouraria passivas).

N) As carências de tesouraria, definidas como necessidades pontuais que uma certa entidade enfrenta para fazer face aos pagamentos que tem de efectuar são, por regra, certas quanto ao seu montante e determináveis quanto ao seu período, isto é, a entidade que pontualmente enfrente estas carências conhece o montante de que necessita e o tempo durante o qual tem de supri-las,

O) e não usar esta estratégia de uma forma reiterada e entendida como prática usual.

P) Como tal, o certo é que essas carências só são possíveis de determinar em situações concretas ocorridas em momentos delimitados, e não segundo o livre arbítrio da entidade creditada.

Q) Não tendo a duração das operações financeiras ultrapassado o limite de um ano previsto no art. 7º nº 1 al. g) do CIS, a não aplicação da isenção em causa a essas operações financeiras apenas pode resultar do não preenchimento do fim da afectação exclusiva a carências de tesouraria imperativamente exigido nesse dispositivo legal.

R) Entende pois a Fazenda Pública que assim sendo é desvirtuar o que deve ser entendido como o conteúdo do conceito de carências de tesouraria.

S) E se carências de tesouraria são simplesmente carências pontuais de fundos, de meios financeiros, para fazer face aos pagamentos correntes, esse carácter pontual foi afastado pelo facto reiterado de em todos os meses de (pelo menos) três exercícios económicos consecutivos (que foram os objecto de análise no RIT e melhor demonstrado no RIT), facto este que foi completamente desconsiderado do probatório e da análise pelo tribunal a quo.

T) Ora não resulta da prova produzida que as operações financeiras efectuadas preencham os pressupostos da al. g) do nº 1 do art. 7º do CIS, nomeadamente a exigência do destino exclusivo para a cobertura de carências de tesouraria.

U) Por banda da AT, esta logrou provar que se encontravam verificados os pressupostos legais (vinculativos) da existência dos factos que legitimaram a sua actuação, isto é, de que as operações efectuadas não se destinaram a suprir exclusivamente as alegadas carências de tesouraria,

V) no estrito cumprimento dos dispositivos legais, como também da doutrina administrativa aplicável ao caso concreto, e a que também se encontra vinculada.

W) Porém, a douta sentença a quo, ao estribar-se nas circulares 11/1996 e 3/1997, olvidou que estas se reportam ao revogado Código do Imposto de Selo, no qual o tratamento destas operações era enquadrado em moldes substancialmente diferentes, designadamente, no que se refere ao prazo e benefício daí retirados, uma vez que aí se falava de uma exclusão de tributação e actualmente, no novo regime em vigor depois da reforma do Imposto de Selo, fala-se em isenção;

X) bem como do ponto de vista subjectivo (vg. item 12 das presentes alegações de recurso), ou seja, das entidades intervenientes nas operações, mas sempre e desde que se trate de operações de tesouraria enquadráveis na al. g) do nº 1 do art. 7º do CIS.

Y) Assim, não se compreende que com base num critério sobre o ónus da prova, e depois da ponderação da prova recolhida em sede inspectiva, a qual em nosso entender não foi devidamente apreciada e valorada, a Administração Tributária (AT) tenha chegado a uma situação de fundada dúvida, perante as evidências recolhidas da entidade inspeccionada, sobre a correspondência entre o arrogado direito à isenção da al. g) do nº 1 do art. 7º do CIS, e a realidade, essa dúvida tinha de ser valorada contra a impugnante, por ser quem tem o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito (cf. art. 74° da LGT e art. 342° do CC),

Z) invertendo o dever do ónus da prova em sede de processo judicial, querendo impor-se à AT o ónus da prova de factos que não tinha de provar no procedimento tributário, sem que sobreviesse qualquer alteração sobre os pressupostos da matéria de facto que se lhe encontram subjacentes.

AA) Ao invés, uma vez que se encontram provados os pressupostos da actuação da AT, uma vez que não se verificavam os factos constitutivos do direito à isenção,

BB) passou a competir à impugnante o ónus da prova da existência e dimensão dos factos que alegou, como fundamento do seu direito à isenção do imposto nos termos do citado normativo (al. g) do n° 1 do art. 7° do CIS).

CC) Pelo exposto entende a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, que é muito, padece de erro de julgamento no tocante à matéria de facto e de direito, porquanto assentou em prova manifestamente insuficiente, não tendo procedido ao devido enquadramento e valoração da que levou ao probatório.

DD) Pelo que andou bem a Administração Tributária na liquidação efectuada, devendo esta manter-se no ordenamento jurídico-tributário.

EE) Não se verificando a ilegalidade sentenciada, a douta sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito, por violação ao disposto no 7º, nº 1 al. g) e h) do CIS e respectiva Tabela Geral, bem como do art. 74º da LGT e 342º do CC, devendo considerar-se válido o acto tributário de liquidação e, como tal, manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos, Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.



1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações para invocar a incompetência do TCA para o conhecimento do recurso, por entender que está em causa matéria exclusivamente de direito, e para sustentar a manutenção do julgado.

1.3. Por Acórdão proferido a fls. 243 e segs., o Tribunal Central Administrativo Norte julgou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, declarando competente para o efeito o Supremo Tribunal Administrativo, por entender que nele está exclusivamente em causa matéria de direito.

1.4. Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, por se encontrarem preenchidos os pressupostos contidos no art. 7º, nº 1, alínea h), do CIS, enunciando, para o efeito, a seguinte motivação:
«São, assim requisitos da referida isenção:
1. A existência de operações financeiras por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria.
2. Operações essas realizadas por detentores do capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital social não inferior a 10%.
3. Desde que tal participação tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período.
Ora, no caso em análise, como resulta do probatório, verificam-se todos os apontados requisitos.
De facto, os sócios da recorrida, pessoa singulares, detentores de quotas de valor superior a 10% do capital, há mais de uma ano consecutivo, fizeram empréstimos à recorrente, por prazo não inferior a um ano, exclusivamente destinados à cobertura de carências de tesouraria.
E não se venha dizer, como faz a recorrente, que a isenção da alínea h) do artigo 7º/1 do CIS abrange, apenas, as operações realizadas entre instituições de crédito e outras entidades financeiras a sociedades participadas.
De facto, a lei apenas se refere a detentores de capital social sem fazer quaisquer distinções, nomeadamente, entre pessoas singulares e pessoas colectivas/sociedades.».

1.5. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a. Desde 20-02-1998, que a “A……….., LDA.”, ora impugnante, se encontra colectada, pela actividade de mecânica geral e comércio por grosso de minérios e metais - CAE 25620 e 46720 (informação prestada a fls. 44 do PA e não impugnada).

b. Na sequência de uma acção inspectiva à actividade da impugnante referente aos exercícios de 2004, 2005 e 2005 e que decorreu entre 05/09/2007 e 06/05/2008 (informação prestada a fls. 15 e 16 do PA e não impugnada), a impugnante foi notificada do respectivo Relatório de Inspecção Tributária (RIT) (fls. 13 a 43 do PA).

c. Nesse Relatório de Inspecção Tributária, no ponto dedicado à “Descrição dos factos e fundamento das correcções meramente aritméticas à matéria tributável”, em matéria de Imposto do Selo, consta o seguinte: “...


d. Em 10-07 a impugnante remeteu aos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto o requerimento constante de fls. 48 a 52 dos autos, no qual, em matéria de Imposto do Selo, consta o seguinte: “...


e. Pelo Ofício nº 54975/0507, datado de 30/07/2008, o Chefe da Divisão de Inspecção Tributária - IV da Direcção de Finanças do Porto, em resposta ao requerimento transcrito na alínea D), em matéria de Imposto do Selo, pronunciou-se pelo seguinte: “…






f. O balancete da impugnante respeitante ao ano de 2005 consta de fls. 116 a 156, dando-se aqui por integralmente reproduzido (fls. 116 a 156).

g. A impugnante, quando foi constituída, tinha um capital social de € 1.500.000,00, tendo como sócios, B………., C………… e D……….., e detendo, cada um, uma quota de € 500.000,00 (fls. 113 a 115).

h. Em 31-03-2005, a impugnante tinha um capital social de € 600.000,00, mantendo os três sócios identificados na alínea F) e detendo, cada um, uma quota de € 200.000,00 (fls. 93, autenticado a fls. 92).

i. Em 27-10-2008, a impugnante deduziu a presente impugnação (verso de fls. 93 e fls. 175).

3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade A……….., LDA, deduziu contra o acto de liquidação de Imposto de Selo relativo ao exercício de 2005 e respectivos juros compensatórios, impugnação que teve por fundamento a ilegalidade da liquidação por vício de violação de lei face à isenção de imposto contemplada no art. 7º, nº 1, alíneas g) e h) do Código do Imposto de Selo (CIS).

Uma vez que o recurso se encontrava dirigido ao TCA Norte e este se declarou incompetente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento, declarando como competente o Supremo Tribunal Administrativo, importa começar por apreciar se efectivamente assim é, sabido que a questão da competência é de conhecimento oficioso e precede qualquer outra, já que a sua eventual procedência prejudicará o conhecimento de qualquer outra questão face ao disposto nos arts. 16.º nº 2 do CPPT e 101º e segs. do CPC.

Na presente impugnação judicial, a impugnante pediu a anulação da liquidação do imposto de selo com base na violação da lei, alegando, em síntese, que os empréstimos e suprimentos realizados pelos sócios no exercício de 2005 constituíram operações financeiras por prazo não superior a um ano, que se destinaram, exclusivamente, a cobrir carências de tesouraria, e, por conseguinte, isentas de imposto de selo à luz do art. 7º, nº 1, alíneas g) e h), do CIS.

Na sentença recorrida julgou-se a impugnação procedente, por se entender que «(…) para que tenha lugar a aplicação da alínea h), do nº 1, do art. 7º do CIS, deverão estar preenchidos os seguintes pressupostos, a saber: (i) a existência de operações financeiras por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria; (ii) operações, essas, realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital não inferior a 10%; e, (iii) desde que tal participação tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período.
Ora, subsumindo tal disposição normativa à realidade fáctica do caso em análise, verificamos, desde logo, que (i) os empréstimos dos sócios à sociedade impugnante consubstanciam operações financeiras, por prazo não superior a um ano, destinadas a cobrir as carências de tesouraria, atenta a análise dos saldos que a tesouraria da impugnante apresenta no final de cada mês do exercício de 2005.» (nosso sublinhado).
«Saldos esses que incluem os valores entregues pelos sócios (enquanto não devolvidos) e que se apuram pelos saldos da conta “Caixa” e da conta “Depósitos à Ordem” constantes dos balancetes analisados pela Administração Tributária [matéria de facto provada nas alíneas E) e F)]. E, com efeito, verificamos - como alega a impugnante sem ter sido sequer questionada pela Administração Tributária -, que se não fossem os empréstimos de curto prazo dos sócios, a tesouraria não teria disponibilidades para efectuar os pagamentos que efectivamente foram realizados, atento o facto de, na ausência de tais empréstimos, o respectivo saldo ser “credor”, evidenciando a anormalidade de as disponibilidades de tesouraria serem inferiores a “zero”. Por conseguinte, foram os empréstimos dos sócios à impugnante que tornou possível à tesouraria realizar os pagamentos correntes. (…)
Assim, encontrando-nos em presença de empréstimos que revestem a denominação de operações de tesouraria de curto prazo, não superior a um ano - o que não foi sequer contestado pela Administração Tributária - então, os mesmos beneficiam da isenção de Imposto do Selo nos termos do art. 7º, nº 1, alíneas g) e h), do CIS.».

A Fazenda Pública invoca, porém, expressamente, o erro no julgamento da matéria de facto, alegando que «se carências de tesouraria são simplesmente carências pontuais de fundos, de meios financeiros, para fazer face aos pagamentos correntes, esse carácter pontual foi afastado pelo facto reiterado de em todos os meses de (pelo menos) três exercícios económicos consecutivos (que foram os objecto de análise no RIT e melhor demonstrado no RIT), facto este que foi completamente desconsiderado do probatório e da análise pelo tribunal a quo», e que «não resulta da prova produzida que as operações financeiras efectuadas preencham os pressupostos da al. g) do nº 1 do art. 7º do CIS, nomeadamente a exigência do destino exclusivo para a cobertura de carências de tesouraria» [conclusão T)], mas, antes, que «Por banda da AT, esta logrou provar que se encontravam verificados os pressupostos legais (vinculativos) da existência dos factos que legitimaram a sua actuação, isto é, de que as operações efectuadas não se destinaram a suprir exclusivamente as alegadas carências de tesouraria,» [conclusão U)], concluindo que a sentença «padece de erro de julgamento no tocante à matéria de facto e de direito, porquanto assentou em prova manifestamente insuficiente, não tendo procedido ao devido enquadramento e valoração da que levou ao probatório.» [conclusão CC)].
Pelo que se deixou evidenciado, a Recorrente invoca não só o erro de julgamento da matéria de direito como, também, o erro de julgamento da matéria de facto, divergindo claramente das ilações de facto que o tribunal a quo retirou da factualidade vertida no probatório, mormente no que se refere ao destino das referidas operações financeiras, por entender que da materialidade vertida no probatório não se pode extrair nem dar como provado que elas se tenham destinado exclusivamente a suprir carências de tesouraria, daí pretendendo extrair relevantes consequências jurídicas.
Por conseguinte, o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito, pois as questões controvertidas não se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, implicando, antes, a necessidade de dirimir questões de facto face ao desacordo da Recorrente das ilações de facto que se devem retirar da factualidade fixada no probatório e invocação de uma realidade que não vem dada como provada e que não é, em abstracto, indiferente para o julgamento da causa.
É, por isso, competente para o conhecimento do recurso a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte. E existindo no processo decisões divergentes sobre questão de competência, prevalece a decisão do tribunal de hierarquia superior, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

4. Termos em que se acorda em declarar o STA incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, indicando-se, nos termos do art. 18.º, n.º 3, do CPPT, como Tribunal que se considera competente o TCAN (Secção do Contencioso Tributário).
Sem custas.
*
Notifique e, transitado o acórdão, remeta os autos ao TCAN, dado que o Recorrente já oportunamente o indicara como sendo o competente para o conhecimento deste recurso, tendo dirigido o requerimento de interposição do recurso para esse Tribunal.

Lisboa, 5 de Junho de 2013. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Lino Ribeiro.