Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0191/20.4BEVIS
Data do Acordão:05/10/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA
IRC
DEDUÇÃO
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
Sumário:I - O regime da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (CEIF) foi aprovado pelo artº. 168, da Lei 82-B/2014, de 31/12 (OE 2015), tributo que tem como objectivo garantir a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na vertente dos gastos com medicamentos (cfr.artº.1, nº.2, do Regime da CEIF).
II - A CEIF revela as características de uma contribuição financeira, que não de um verdadeiro imposto (cfr.artº.165, nº.1, al.i), da C.R.Portuguesa; artº.3, nº.2, da L.G.T.).
III - O artº.23-A, nº.1, al.s), do C.I.R.C., ao não admitir a dedução do encargo em que se traduz o pagamento da CEIF ao lucro tributável, para efeitos do I.R.C., não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade.
IV - A isenção da CEIF, consagrada no artº.5, nº.2, do respectivo regime/por contraposição ao regime legal de pagamento do tributo, não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA00071720
Nº do Documento:SA2202305100191/20
Data de Entrada:09/09/2021
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC E 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"A..., L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Viseu, constante a fls.100 a 105 do processo físico, a qual julgou improcedente a presente impugnação pelo recorrente intentada e visando acto de autoliquidação de I.R.C., atinente ao ano de 2018 e, mediatamente, actos de liquidação de Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (CEIF), relativos ao ano de 2018 e no montante total de € 1.616.849,20.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.112 a 131 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
I-A sentença “sub-judice” enferma de nulidade por erro de julgamento sobre os pressupostos de direito.
II-Sendo que está, apenas, em causa uma questão de qualificação de um gasto como indispensável e susceptível ou não de dedução para apuramento do Imposto a pagar e sobre o que se impõe um juízo ou operação de qualificação (questão de direito) que o Tribunal deve decidir.
III-Nos presentes autos de Impugnação Judicial consta assente que:
a) Quando a Contribuição Extraordinária “CEIF” foi introduzida pelo art. 168.º da Lei n.º 82-B/2014, OE 2015, no ordenamento jurídico-tributário, a mesma beneficiava da possibilidade de ser considerada como gasto para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC;
b) Com a aprovação da Lei do Orçamento para 2018 apenas a “CEIF” deixa de beneficiar dessa possibilidade, sem que para tal o Estado Português tenha avançado com qualquer motivação devidamente atendível, limitando-se a invocar noutra sede judicial “veio o Conselho de Ministros defender a manutenção da decisão do despacho reclamado, tendo concluído da seguinte forma: «1ª. O artº 168º da Lei do Orçamento de Estado para 2015 não é um acto administrativo; 2ª. A referida disposição legal, no cumprimento do princípio da legalidade estabelecida nos artºs 103º, nº 2 e 165º, nº 1, i) da CRP, criou e regulou um novo imposto, denominado Contribuição sobre a Indústria Farmacêutica; cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0922/15, de 20-10-2016 do PLENO DA SECÇÃO DO CA.
c) Entendimento diverso ressalta da Douta Sentença em crise pois o Mº Juiz acolhe o entendimento oposto quanto a contribuição de idêntica natureza: “Chegados à conclusão de que a CESE deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como um imposto, …”, cfr. pag. 9 da Sentença.
d) Fica, assim, demonstrada a contradição dos fundamentos que sustentam a Sentença, em evidente violação do princípio da segurança e certeza jurídica exigido pelo princípio constitucionalmente consagrado do Estado de direito democrático;
e) A Contribuição Extraordinária “CEIF” constitui um gasto na esfera das empresas e, como tal, deve ser reconhecida na contabilidade para ser subtraída aos proveitos obtidos aquando do apuramento do resultado líquido do exercício;
f) O princípio geral que estipula que os gastos fiscais devem poder ser deduzidos, assenta no conceito de indispensabilidade do gasto, devendo o mesmo ser entendido no seu sentido amplo e, como tal, dependente apenas da verificação de uma conexão com a atividade da empresa, suscetível de incrementar o lucro desta, e do qual o Sujeito Passivo não consegue, de modo algum, escudar-se, mormente por via de imposição legal.
g) A não dedutibilidade do encargo com a Contribuição Extraordinária resulta num agravamento do lucro tributável, acrescendo o respetivo encargo com a Contribuição Extraordinária ao próprio IRC enquanto imposto sobre o rendimento (resultando em duplicação da coleta).
h) A doutrina e Jurisprudência são unânimes no que concerne ao critério material, aceitando como dedutíveis todos os gastos e perdas que tenham uma relação objetiva face ao interesse da empresa, entendendo-se como tal o próprio objeto da sua atividade.
i) Efectuar o pagamento da “CEIF” corresponde a verdadeira necessidade operacional in casu decorrente de imposição legal.
j) A alteração introduzida no artigo 23.º-A do Código do IRC, por via da aprovação da Lei do Orçamento do Estado para 2018, no sentido de não consideração da “CEIF” como gasto fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável, em sede de IRC, constitui violação frontal dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, na vertente da tributação pelo rendimento real, da certeza e segurança jurídica e da igualdade, nomeadamente, do disposto no artigo 103.º da CRP.
IV-A sentença “sub-judice” assenta em desconformidade legal com a não-aceitação da dedutibilidade integral da “CEIF” como gasto fiscal, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, suportada naquele exercício (2018) no montante total de 1.616.849,20 EUR (um milhão, seiscentos e dezasseis mil, oitocentos e quarenta e nove euros e vinte cêntimos), encontrando-se eivada de nulidade por vício de violação de Lei.
V-Por constituir uma lesão decorrente da aplicação de um quadro normativo - o da denominada «contribuição sobre a indústria farmacêutica» - com consequente violação dos princípios da legalidade, segurança e certeza jurídica, atento o disposto no artigo 103.º da CRP, deve ser rejeitada a sua aplicação por manifesta violação de norma constitucional.
VI-Na sentença ora em crise, fundamenta o Tribunal “a quo” a decisão de improcedência da Impugnação Judicial no cumprimento formal de uma norma do Código do IRC (artigo 23.º-A); referindo que foi escolha sua (ou seja, da Recorrente), optar por este regime específico, e que, a Constituição não garante que a incidência de IRC apenas possa ter como parâmetro correspetivo o rendimento real, pelo que, nesta perspetiva, não se pode formular qualquer juízo de inconstitucionalidade.
VII-Ora, a Recorrente entende que a “CEIF” viola frontalmente o princípio da tributação pelo rendimento real ao desconsiderar-se um gasto que, para além de imposto por lei ao contribuinte, apresenta uma evidente conexão com o exercício da atividade económica do mesmo.
VIII-Ao não ser admitida a dedução da “CEIF” como gasto fiscal, assume-se, ainda que indirectamente, que a mesma se trata de um imposto puro (pois, na Sentença, indica-se ser uma Contribuição), dando azo ao surgimento de um duplo IRC (IRC paralelo), aceitando uma situação de flagrante dupla tributação.
IX-O que constitui contradição insanável com o teor da douta sentença.
X-Sendo certo que resultou demonstrado nos autos, como reconhecido pelo Mº Juiz a quo, que, à data dos factos, todos os requisitos de dedutibilidade do gasto se encontravam preenchidos.
XI-Constitui flagrante injustiça, impedir a dedutibilidade do gasto para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC quando:
a. inexiste qualquer fundamento que justifique a alteração de tratamento fiscal em 2018, e
b. quando o próprio Tribunal reconhece a adoção de um comportamento (adesão ao acordo com a APIFARMA) como veículo para obtenção de uma situação vantajosa em matéria fiscal em sede de dedutibilidade da CEI.
XII-Tem sido sufragado pelos nossos Tribunais que “o dever de actuar de harmonia com o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente prevêem a actuação da administração, abrangendo o dever de a administração ter em conta os reflexos práticos da actividade administrativa que levar a cabo. Por isso, a administração tributária deverá abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua actuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto”, [Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, prolatado no Processo 01952/11.0BEBRG, de 15 de abril de 2021].
XIII-O entendimento vertido na Douta Sentença, pelo Tribunal “a quo”, assume de forma flagrantemente violadora dos princípios tributários consignados no artigo 55.º da LGT e artigo 103.º da CRP, e, como tal inadmissível na medida em que lhe parece ser claro que não pode(rá) ser “obrigada” a aderir a um acordo de cuja negociação não fez parte (porque não fazia parte da APIFARMA) para poder obter uma situação fiscal mais vantajosa.
XIV-Sendo certo que os dois instrumentos cumprem a mesma obrigação tributária, ainda que por vias diferentes (tributária e mediante acordo entre o Estado e a APIFARMA), não pode a Recorrente concordar com uma solução que possa ser entendida como puro veículo para obter uma situação fiscal mais vantajosa.
XV-Efetivamente, o Mº Juiz considera que coexistem duas realidades de natureza distinta, uma de caráter não-fiscal resultado de uma manifestação de acordo entre as partes (Acordo celebrado pela APIFARMA), e uma segunda de caráter fiscal, exigida de forma coativa aos sujeitos passivos “CEIF”.
Acresce que,
XVI-Admitir tal “sugestão” seria, claramente, uma ingerência restritiva com efeitos negativos no que à autonomia de gestão da empresa concerne, colocando em causa a natureza puramente estratégica de negócio (e não fiscal) a que deve obedecer a decisão empresarial, também, da Recorrente no sentido de aderir ou não aos termos acordados pela Associação representativa do setor (APIFARMA).
XVII-A suposta ausência de imprevisibilidade da alteração legal em apreço não tem qualquer acolhimento pois que, se em 2015, a Contribuição Extraordinária “CEIF” foi assumida como uma contribuição extraordinária para resposta aos constrangimentos financeiros impostos pela debilidade das contas públicas nacionais de então, sendo ab initio admitida a sua aceitação como gasto fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC.
XVIII-A alteração do tratamento fiscal da “CEIF” em 2018, a partir do qual passa a não ser aceite como gasto fiscal para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC, resulta numa clara e evidente violação do princípio da segurança e certeza jurídica.
XIX-Entende-se como manifesta a referida violação, porquanto não foi introduzida qualquer alteração na natureza da “CEIF” ou imposição de interesse público que justificasse a alteração efetuada pelo legislador fiscal, impondo um tratamento fiscal diferente consoante a natureza (associada ou não) dos Sujeitos Passivos, apenas, a partir de 2018.
XX-Como poderia a Recorrente tomar decisão diversa, pois nem sequer podia antecipar que a “CEIF” não seria transitória quanto mais que passaria a não ser aceite como gasto fiscal (para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC)!
XXI-A aplicação do princípio da justiça previsto no artigo 55.º da LGT exigia uma decisão diferente à tomada e ora recorrida.
XXII-Tendo o Tribunal “a quo” assentado a sua decisão na estrita literalidade da previsão legal (artigo 23.º A do Código do IRC), a verdade é que não ponderou adequadamente, todos os elementos da interpretação da norma, cingindo-se o perscrutar do verdadeiro sentido e alcance da norma a mera aferição do seu conteúdo literal.
XXIII-Todavia, haverá que ponderar que à AT “(…) não pod[endo] admitir-se-lhe que pretenda cobrar mais, nem menos, do que aquilo que a lei prescreve. Será, nesse caso, de sobrelevar o valor da justiça face ao valor da legalidade, devendo a AT optar pelo primeiro (…)” (Neste sentido, ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 05 de fevereiro de 2003 e proferido no recurso n.º 1648/02).
XXIV-Não tendo sido entendido assim, incorreu o Tribunal “a quo” em violação de Lei nos termos e princípio previstos no artigo 55º da LGT.
Mais,
XXV-É grave e inconstitucional, que a prática fiscal seja consecutivamente utilizada no sentido de manter - indefinidamente - medidas fiscais ditas “extraordinárias”, utilizando a Lei do Orçamento do Estado para fazer aprovar e prorrogar instrumentos de captação de receita fiscal assentes em pressupostos de dúbia persistência qua tal e duvidosa qualificação jurídico-tributária, desprovida de qualquer fundamentação que legitime a sua perpetuação o que, s.m.o., a qualifica como confisco proibido pela CRP por se conter no princípio material de protecção do direito de propriedade.
Acresce que,
XXVI-Tendo o Tribunal “a quo” optado por enquadrar a sua posição recorrendo ao necessário contributo de entidades como a Recorrente para a estabilização do mercado da saúde e do medicamento, mantendo subjacente um sentido de responsabilidade na esfera da Recorrente, cabe então considerar a coexistência de uma multiplicidade de mecanismos de natureza regulatória e fiscal, introduzidos no ordenamento jurídico português fundamentados pela mesma necessidade de combate à despesa pública com medicamentos.
XXVII-A proibição da consideração, para efeitos de IRC e derramas, do encargo efetivamente suportado com o pagamento da “CEIF” (cfr. regime jurídico da “CEIF” e a alínea s) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC) resulta numa clara violação dos princípios constitucionalmente consagrados da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real.
XXVIII-Não existem dúvidas quanto à indispensabilidade dos encargos em causa face à atividade da sociedade Recorrente na medida em que é a própria lei (i.e., o regime jurídico da “CEIF”) que impõe que esta mesma sociedade a suporte em virtude da atividade que desenvolve.
XXIX-Sendo os artigos 23.º-A, n.º 1, al. s) do Código do IRC e o regime jurídico da ”CEIF” contrários aos princípios da capacidade contributiva e tributação do rendimento real, tal como postulado no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, com a consequente invalidade destas normas e anulação, na parte gerada pela não dedutibilidade da CEIF, do ato de liquidação objeto do presente pedido;
XXX-Na verdade, a um grupo particular de contribuintes é imposto um ónus que não existe para os restantes - para lhe ser imposto pelo legislador um esforço fiscal adicional sem justificação constitucional.
XXXI-Consequentemente, o encargo com esse esforço fiscal adicional deve relevar para o apuramento do lucro em IRC (lucro diminuído por esse encargo) por maioria de razão em relação aos tributos dedutíveis em IRC (impostos, contribuições financeiras verdadeiras e próprias, e taxas) que nenhum esforço adicional tem associados.
XXXII-Sendo inconstitucional a norma de não dedutibilidade (desconsideração) da “CEIF" no apuramento do lucro tributável do IRC e derramas (estadual e municipal), constante da alínea s) do n.º 1 do artigo 23.º-A do Código do IRC, e do regime jurídico da CEIF, por violação arbitrária e discriminatória dos princípios do rendimento real e da capacidade contributiva, do princípio da igualdade, do princípio da proporcionalidade ou da justa medida, e da propriedade privada, previstos e consagrados, respectivamente, nos artigos 2.º (Estado de direito), 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 62.º e 104.º, n.º 2, da Constituição.
XXXIII-Por último, a “CEIF”, foi considerada como encargo fiscal (até ao ano de 2017), susceptível de ser deduzida ao lucro tributável dos sujeitos passivos que a suportavam e em 2018 não.
XXXIV-Ora, o princípio da igualdade tributária decorrendo do princípio geral da igualdade previsto no seu artigo 13.º da CRP, de acordo com o Tribunal Constitucional (Acórdãos nº 232/2003, 96/2005, 99/2010, 255/2012 e 294/2014 TC) e a doutrina, o princípio da igualdade abrange no seu conteúdo, fundamentalmente: a) proibição de discriminação; b) obrigação de diferenciação.
XXXV-A proibição de discriminação impõe a igualdade de tratamento para situações iguais e a proibição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais, de modo a vedar qualquer discriminação intolerável. Implica, portanto, por um lado, uma exigência de tratamento igual de contribuintes nas mesmas circunstâncias e por outro lado uma exigência de tratamento diferenciado de contribuintes em circunstâncias diferentes.
XXXVI-Nesta conformidade, porque é que a não dedutibilidade deste encargo “CEIF” só é rejeitada aos sujeitos passivos daquela que não estão abrangidos pelo Acordo com a Apifarma e, apenas, para os que atuam no mercado no exercício de 2018, estamos, pois, in casu, manifestamente, perante violação dos princípios da igualdade.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.137 a 148 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.101 e 102 do processo físico):
1-A Impugnante é uma sociedade por quotas de direito português, a qual prossegue, no âmbito do seu objeto social, e a título principal, a atividade de importação, exportação, fabrico, comercialização e distribuição de soluções, produtos farmacêuticos e hospitalares - factualidade confessada pelas Partes, conforme artigo 1º da petição inicial e 2º da contestação, resultando também dos demais elementos dos autos, entenda-se processo virtual, consultável via SITAF, sendo atinentes ao processo virtual as demais referências infra mencionadas;
2-Inscrita no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (doravante “RETGS”), como sociedade dominante, submeteu nos termos do disposto no artigo 120°, n° 6, alínea a) do CIRC, a respetiva Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao lucro tributável do grupo no período de tributação de 2018 - cfr. doc. nº ... que instruiu a petição inicial, idem anterior e artigos 2.º da petição inicial e 3.º da contestação;
3-Nos mesmos termos e relativamente ao mesmo período submeteu Declaração de Rendimentos Modelo 22, de IRC individual, vide doc. nº ... da petição inicial e artigos 3º da petição inicial e 4º da contestação;
4-Relativamente ao período referido nos dois anteriores números a impugnante e a B... SA, integrante do grupo do qual aquela é sociedade dominante, constituíram-se sujeitos passivos da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica criada pela Lei 82-B/2014, de 31 de dezembro, tendo ambas submetido as respetivas declarações Modelo 28 - cfr. docs. ... e ... da petição inicial e 6.º a 9º da contestação;
5-Declarações originadoras de liquidações que a Impugnante e a B... pagaram, num total de 1.616.849,20 €, respetivamente 1.186.684,80 € e 430.164.40 € - idem doc. ... da petição inicial, artigos 9.º e 10.º da petição inicial e 10.º da contestação;
6-A Impugnante apresentou, em 21-10-2019, Reclamação Graciosa junto do Serviço de Finanças de Tondela, contra o ato de autoliquidação de IRC identificado em 2., com vista à admissão da dedutibilidade integral da CEIF suportada no referido exercício, no montante total de 1.616.849,20€, tendo sido instaurado o procedimento n.º ...68 - vide fls. 160 e segs.;
7-A Autoridade Reclamada elaborou projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa, o qual comunicado à Reclamante com vista ao exercício do direito de audição, verificou-se o silêncio, originando a conversão em despacho definitivo, por despacho proferido em 05-02-2020 - cfr. fls. 256 e segs.;
8-No dia seguinte foi expedida, via postal, notificação do mesmo à Impugnante, tendo esta apresentado, em 03-07-2020, a petição inicial que originou os presentes autos - vide fls.1, 271 e 272.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Factos não Provados - Inexistem…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais indicados em cada alínea dos factos provados…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente impugnação, em consequência do que validou o acto de autoliquidação de I.R.C., relativo ao ano de 2018 (cfr.nº.2 do probatório supra), mais mantendo a decisão da reclamação graciosa identificada nos nºs.6 e 7 do probatório supra e o acto tributário objecto da mesma.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a não aceitação da dedutibilidade integral da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (CEIF) como gasto fiscal, nos termos do artº.23, do C.I.R.C., suportada no exercício de 2018 (com a consequente alteração do regime jurídico anterior) e no montante total de € 1.616.849,20, gera a violação dos princípios da legalidade, segurança e certeza jurídica, atento o disposto no artº.103, da C.R.Portuguesa. Que é inconstitucional a norma que não permite a dedutibilidade da "CEIF" no apuramento do lucro tributável do I.R.C., constante do artº.23-A, nº.1, al.s), do C.I.R.C., por violação dos princípios do rendimento real e da capacidade contributiva, da igualdade, da proporcionalidade ou da justa medida, e da propriedade privada, todos constitucionalmente consagrados. Que é inconstitucional o próprio regime jurídico deste tributo, derivado da dita não dedutibilidade do mesmo encargo, somente aos sujeitos passivos que não estão abrangidos pelo Acordo com a Apifarma, visto que violador dos princípios tributários consignados no artº.103, da C.R. Portuguesa, tal como no artº.55, da L.G.T. Que a sentença recorrida ao não ter decidido nos moldes propugnados incorreu em erro na aplicação do direito (cfr.conclusões I a XXXVI do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erros de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A revisão constitucional de 1997 introduziu, a propósito da delimitação da reserva legislativa parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (cfr.artº.165, nº.1, al.i), da C.R.Portuguesa). As contribuições financeiras constituem um "tertium genus" de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que compartilham, em parte, da natureza dos impostos, porque não têm, necessariamente, uma contrapartida individualizada para cada contribuinte e, noutra parte, da natureza das taxas, porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam colectivamente de uma actividade administrativa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/02/2022, rec.810/18.2BESNT; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., Coimbra Editora, 4ª. Edição, pág.1095; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.72 e seg.; Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.82 e seg.).
O regime da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica ("CEIF") foi aprovado pelo artº.168, da Lei 82-B/2014, de 31/12 (OE 2015), tributo que tem como objectivo garantir a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na vertente dos gastos com medicamentos (cfr.artº.1, nº.2, do Regime da CEIF).
O regime da "CEIF", com as alterações introduzidas pela Lei 7-A/2016, de 30/03 (aplicável ao caso dos autos - cfr.artº.12, nº.1, da L.G.T.), tem o seguinte teor:

Artigo 1.º
Objeto
1 - O presente regime cria uma contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica, doravante designada por contribuição, e determina as condições da sua aplicação.
2 - A contribuição incide sobre o volume de vendas e tem por objetivo garantir sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na vertente dos gastos com medicamentos.

Artigo 2.º
Incidência subjetiva
Estão sujeitas à contribuição as entidades que procedam à primeira alienação a título oneroso, em território nacional, de medicamentos de uso humano, sejam elas titulares de autorização, ou registo, de introdução no mercado, ou seus representantes, intermediários, distribuidores por grosso ou apenas comercializadores de medicamentos ao abrigo de autorização de utilização excecional, ou de autorização excecional, de medicamentos.
Artigo 3.º
Incidência objetiva
1 - A contribuição incide sobre o total de vendas de medicamentos realizadas em cada trimestre, relativamente a:
a) Medicamentos comparticipados pelo Estado no seu preço;
b) Medicamentos sujeitos a receita médica restrita;
c) Medicamentos que disponham de autorização de utilização excecional ou de autorização excecional;
d) Gases medicinais e derivados do sangue e do plasma humanos;
e) Outros medicamentos cujas embalagens se destinem ao consumo em meio hospitalar;
f) Medicamentos órfãos.
2 - Para efeitos do número anterior:
a) No caso de medicamentos comparticipados, o valor de venda sujeito à contribuição, corresponde à parte do preço de venda ao público, deduzido do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e da taxa sobre a comercialização de medicamentos (TSCM), correspondente à comparticipação do Estado nesse preço;
b) No caso dos medicamentos previstos nas alíneas b) a f) do número anterior, o valor das vendas sujeito à contribuição corresponde ao preço, deduzido do IVA e da TSCM, mais baixo entre os seguintes:
i) Preço de venda ao público, quando exista;
ii) Preço máximo considerado adequado para o medicamento, nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 195/2006, de 3 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de maio, quando exista;
iii) Mais baixo preço de venda, líquido de descontos e outras condições comerciais, efetiva e comprovadamente praticado, pelo sujeito passivo, na venda à SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E. P. E., administrações regionais de saúde, hospitais e outros estabelecimentos e serviços do SNS, nos 12 meses imediatamente anteriores.
3 - O sujeito passivo deve criar condições para a todo o tempo, mediante pedido da autoridade competente e no prazo por esta fixado, apresentar prova do facto previsto na subalínea iii) da alínea b) do número anterior.
4 - São abatidos ao valor da contribuição a que se refere o presente artigo as despesas de investigação e desenvolvimento a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 23/2004, de 23 de janeiro, desde que realizadas em território nacional e devidas e pagas a contribuintes portugueses e até ao limite da contribuição.

(…)
Artigo 5.º
Acordo para sustentabilidade do SNS
1 - Pode ser celebrado acordo entre o Estado Português, representado pelos Ministros das Finanças e da Saúde, e a indústria farmacêutica visando a sustentabilidade do SNS através da fixação de objetivos de valores máximos de despesa pública com medicamentos e de contribuição de acordo com o volume de vendas das empresas da indústria farmacêutica para atingir aqueles objetivos.
2 - Ficam isentas da contribuição as entidades que venham a aderir, individualmente e sem reservas, ao acordo a que se refere o n.º 1 nos termos do número seguinte, mediante declaração do INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P.
3 - A isenção prevista no presente artigo produz efeitos a partir da data em que as entidades subscrevam a adesão ao acordo acima referido e durante período em que este se aplicar em função do seu cumprimento, nos termos e condições nele previstos.
4 - O texto do acordo previsto no n.º 1 deve ser publicitado no sítio na internet do INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P.
Artigo 6.º
Liquidação
1 - A contribuição é liquidada pelo sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial, a aprovar por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde, que deve ser enviada por transmissão eletrónica de dados durante o mês seguinte ao período a que respeita a contribuição.
2 - A dedução das despesas de investigação e desenvolvimento é feita igualmente em cada declaração do sujeito passivo.
3 - A liquidação prevista no número anterior pode ser corrigida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos prazos previstos na lei geral tributária, caso sejam verificados erros ou omissões que determinem a exigência de um valor de contribuição superior ao liquidado pelo sujeito passivo.
4 - Na falta de liquidação da contribuição nos termos do n.º 1, a mesma é efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com base nos elementos de que esta disponha.
5 - A Autoridade Tributária e Aduaneira, a Administração Central do Sistema de Saúde, I. P. (ACSS, I. P.) e o INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P., devem colaborar no sentido de obter a informação necessária e relevante para efeitos de aplicação da contribuição.
Artigo 7.º
Pagamento
1 - A contribuição liquidada é paga durante o prazo estabelecido para o envio da declaração referida no n.º 1 do artigo anterior nos locais de cobrança legalmente autorizados.
2 - Não sendo efetuado o pagamento da contribuição até ao termo do respetivo prazo, começam a correr imediatamente juros de mora e a cobrança da dívida é promovida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

(…)
Artigo 10.º
Consignação
1 - A receita obtida com a contribuição é consignada ao Serviço Nacional de Saúde, gerido pela ACSS, I. P., constituindo sua receita própria.
2 - A receita referida no número anterior é transferida do orçamento do subsector Estado para a ACSS, I. P.
3 - Os encargos de liquidação e cobrança incorridos pela Autoridade Tributária e Aduaneira são compensados através da retenção de uma percentagem de 3 /prct. do produto da contribuição, a qual constitui receita própria.
4 - Em função da adesão ao acordo a que se refere o artigo 5.º é ainda determinada uma compensação adicional à Autoridade Tributária e Aduaneira mediante protocolo com a ACSS, I. P.

É hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C.Civil; artº.11, da L.G. Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. Edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
E recorde-se que o intérprete e aplicador da lei deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, como também que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Pelo que, na exegese da norma não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Portanto, o limite da interpretação encontra-se na letra ou no texto da norma, o qual condiciona todos os vectores de interpretação reconhecidos pela doutrina, como sejam os elementos histórico, sistemático ou teleológico (cfr.artº.9, nºs.2 e 3, do C.Civil).
Revertendo ao caso dos autos, deve vincar-se, antes de mais, que a despesa do SNS com medicamentos é um dos aspectos com significativo impacto na sustentabilidade daquele Serviço e do Orçamento de Estado.
Os titulares da autorização de introdução no mercado - ou de outros títulos que permitam a comercialização - de medicamentos são as entidades que, dada a sua preponderância em todo o circuito do medicamento, podem regular a oferta e a promoção dos medicamentos e, desse modo, criar condições para que o objectivo anual de despesa no SNS seja, ou não, cumprido.
Com estes pressupostos, pode delimitar-se a incidência subjectiva deste tributo, os sujeitos passivos do mesmo, como as entidades que procedem à primeira alienação, a título oneroso, dos medicamentos de uso humano no território nacional, independentemente do título que permita essa comercialização (cfr.artº.2, do Regime da CEIF supra exposto).
É o referido conjunto de entidades que pode regular a oferta e a promoção dos medicamentos (v.g. mediante a redução de acções de promoção), pelo que o legislador considerou que lhes poderia ser imputado o não cumprimento dos limites anuais da despesa pública com medicamentos, com prejuízo para a sustentabilidade do SNS e o consequente custo a ser pelos mesmos internalizado. Pela mesma razão e à luz do princípio da igualdade, na vertente do custo ou do benefício, foi esse mesmo conjunto de entidades que foi identificado como devendo suportar o encargo do tributo e, assim, contribuir para a sustentabilidade do SNS no âmbito dos gastos públicos com medicamentos (cfr.Aquilino Paulo Antunes, Contribuições Financeiras, Medicamentos e Dispositivos Médicos, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, pág.213 e seg.).
"In casu", atenta a matéria de facto provada, a sociedade impugnante e recorrente assume-se como sujeito passivo da CEIF ao abrigo do citado artº.2, do Regime supra identificado (cfr.nº.1 da factualidade provada).
Avançando, o rendimento proveniente do tributo é consignada ao SNS, e constitui receita própria da "Administração Central do Sistema de Saúde, I.P." ("ACSS, I.P."), entidade a quem compete gerir o orçamento daquele Serviço, solução que garante a canalização da receita para a sustentabilidade do mesmo SNS (cfr.artº.10, nºs.1 e 2, do Regime da CEIF).
O estatuto deste tributo prevê dois tipos de desagravamentos. Por um lado, o abatimento à colecta das despesas de investigação e desenvolvimento realizadas em território nacional, devidas e pagas a contribuintes portugueses e até ao limite da contribuição (cfr.artºs.3, nº.4, e 6, nº.2, ambos do Regime da CEIF). Por outro lado, ficam isentos do pagamento do tributo os sujeitos passivos que declarem aderir, individualmente e sem reservas, a acordos celebrados entre o Estado e a Indústria Farmacêutica, visando a sustentabilidade do SNS através da fixação de objectivos máximos de despesa com medicamentos, enquanto essa adesão vigorar (cfr.artº.5, do Regime da CEIF).
De salientar que estes acordos são geralmente mais favoráveis do que as condições resultantes do regime legal do tributo a que vimos fazendo referência, facto que poderá incentivar à adesão a esses acordos, por parte dos respectivos sujeitos passivos.
O tributo sob exegese, conforme já aludido, constitui receita própria da "ACSS, I.P.", instituto público que constitui uma entidade pública não territorial, mais se destinando a contribuir para a sustentabilidade do SNS, cujo orçamento é gerido pela mesma entidade, bem como a financiar externalidades negativas decorrentes da oferta e promoção de medicamentos essencialmente adquiridos, no todo ou em parte, por dinheiros públicos.
O mesmo tributo não implica uma contraprestação pública estritamente indivisível, nem divisível, na medida em que os sujeitos passivos não o pagam no cumprimento de um dever de cidadania nem o pagamento constitui contrapartida de uma prestação pública individualizável a favor do sujeito passivo.
O tributo em apreço também não assenta na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos do valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos, tal como no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade.
A imposição a que nos vimos referindo abate-se sobre um agregado de sujeitos passivos que se presume provocar - em certa medida - os custos para a sustentabilidade do SNS que aquele visa colmatar, conjunto esse que apresenta uma conexão relevante com o SNS e com as atribuições da citada "ACSS, I.P.".
Consideramos, por conseguinte, que o tributo em análise, tal como já o deixava indiciado o seu "nomen iuris" é uma contribuição financeira a favor de uma entidade pública (cfr.artº.165, nº.1, al.i), da C.R.Portuguesa; artº.3, nº.2, da L.G.T.; Aquilino Paulo Antunes, ob.cit., pág.221).
A identificada contribuição financeira não suscita questões sobre o ponto de vista formal, quanto ao cumprimento da reserva de lei, na medida em que foi criada, em todos os seus elementos, por lei da Assembleia da República - a referida Lei do Orçamento de Estado para 2015 (Lei 82-B/2014, de 31/12) - e tem sido anualmente prorrogada também mediante lei formal.
Avançando, o artº.231, do Orçamento de Estado para 2018 (Lei 114/2017, de 29/12), introduziu no artº.23-A, nº.1, do C.I.R.C., a alínea s), com o seguinte teor:

ARTIGO 23º.-A
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
(…)
p) A contribuição sobre o sector bancário;
q) A contribuição extraordinária sobre o sector energético;
(…)
s) A contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica.
(…)

O identificado artº.23-A, foi aditado ao C.I.R.C. pela Lei 2/2014, de 16/01, consagrando uma enumeração dos gastos fiscalmente não dedutíveis, apesar da sua contabilização e do preenchimento dos requisitos gerais do artº.23, nº.1, do mesmo diploma, assim obrigando a acréscimos ao resultado líquido do período. Nos termos da norma não são assim, dedutíveis, além de outros, os encargos com a contribuição sobre o sector bancário, nem com a contribuição extraordinária sobre o sector energético e, a partir de 2018, com a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica. A norma sob exegese consagra uma enumeração legal taxativa (cfr.Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.223 e seg., em anotação ao artº.23-A, do C.I.R.C.; Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2019, pág.101 e seg.).
Defende o apelante, além do mais, que a não aceitação da dedutibilidade integral da CEIF como gasto fiscal, nos termos do artº.23, do C.I.R.C., suportada no exercício de 2018 e no montante total de € 1.616.849,20, gera a violação dos princípios da legalidade, segurança e certeza jurídica, atento o disposto no artº.103, da C.R.Portuguesa.
Antes de mais, se dirá que os vícios de inconstitucionalidade buscam uma fiscalização concreta e com natureza oficiosa. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/05/2021, rec.2747/17.3BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2021, rec.732/19.0BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/02/2022, rec.810/18.2BESNT; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.III, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.44 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
É o artº.103, da C.R.P., que consagra o princípio da legalidade tributária (principalmente os seus nºs.2 e 3), como um dos elementos estruturantes do Estado de direito constitucional. Especificamente o artº.103, nº.3, da C.R.P., reconhece, além do mais, o direito de não pagamento de impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nas formas prescritas na lei, assim consagrando uma espécie de direito de resistência à imposição de exacções fiscais inconstitucionais ou ilegais.
Quanto ao geral princípio da legalidade, a universalidade da doutrina assinala dois corolários ao mesmo: o princípio da preeminência de lei e o princípio da reserva de lei parlamentar (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/11/2019, rec.1646/13.2BELRA; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE; artº.8, da L.G.T.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1090 e seg.; Ana Paula Dourado, O Princípio da Legalidade Fiscal, Tipicidade, Conceitos Jurídicos Indeterminados e Margem de Livre Apreciação, Almedina, 2007, pág.103 e seg.).
Em sede de lei ordinária, o princípio da legalidade surge-nos, além do mais, como norteador de toda a actividade da A. Fiscal (cfr.artº.55, da L.G.T.).
Já o princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de Direito democrático (cfr.artºs.2 e 9, al.b), da C.R.Portuguesa). Como postulados deste princípio vemos surgir as noções de fiabilidade, de clareza, de racionalidade e de transparência face a todos os actos de poder, legislativo, executivo ou judicial. Em relação a eles o cidadão/ente colectivo deve ver garantida a segurança nas suas disposições pessoais e dos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Enquanto refracção deste princípio e em sede de actos normativos, vemos surgir a proibição de normas retroactivas e restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos, com especial incidência no âmbito das leis fiscais (cfr.artº.103, nº.3, da C.R.Portuguesa; ac.Tribunal Constitucional 1011/1996, 8/10/1996; ac.Tribunal Constitucional 260/2010, de 29/06/2010; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec.387/17.6BEMDL; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.204 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.257 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.II, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2018, pág.202 e seg.).
A CEIF foi criada num contexto (ou no rescaldo) de uma crise económico-financeira, com o intuito de gerar rapidamente receitas destinadas a afectar a actividades de que os sujeitos passivos seriam, presumivelmente, os principais beneficiários, e que se pretendia que fossem suportados pelos respectivos sujeitos passivos na sua plenitude, isto é, sem que tais custos tivessem qualquer repercussão nas receitas geradas pelo I.R.C., o que só se garantiria obstando à sua dedução ao lucro tributável. A eficácia da medida ficaria, pois, diminuída se de um lado o legislador encarecesse os comportamentos que visa prevenir através da sua tributação segundo o regime jurídico da CEIF e, de outro, mitigasse esse efeito ao admitir a dedução deste encargo ao lucro tributável para efeitos do I.R.C., se acaso não surgisse a norma sob exame, o identificado artº.23-A, nº.1, al.s), do C.I.R.C., cujo processo de aprovação não suscita quaisquer questões formais em sede constitucional.
Concluindo, o citado artº.23-A, nº.1, al.s), do C.I.R.C., não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, por infracção dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança.
Defende, igualmente, o apelante que é inconstitucional a mesma norma que não permite a dedutibilidade da CEIF no apuramento do lucro tributável do I.R.C. (artº.23-A, nº.1, al.s), do C.I.R.C.), por violação dos princípios do rendimento real e da capacidade contributiva, da igualdade, da proporcionalidade ou da justa medida, e da propriedade privada, todos constitucionalmente consagrados.
O princípio da tributação pelo rendimento real, como opção de tributação relativa aos entes empresariais, encontra consagração no artº.104, nº.2, da C.R.Portuguesa.
Porém, tal princípio, não é absoluto, como desde logo a redacção da norma o pressupõe, ao dispor que a tributação das empresas incide "fundamentalmente" sobre o seu rendimento real, e não em todo e qualquer caso/exclusivamente, antes tendo de ser concatenado com outros princípios constitucionais e normas constantes em diversos diplomas legais infra-constitucionais, como seja, por exemplo, o da satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (cfr.artº.103, nº.1, da C.R.P.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/11/2019, rec.873/07.6BELSB; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1100; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.II, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2018, pág.240 e seg.).
Por sua vez, o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no citado artº.13, da C.R.Portuguesa. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no artº.266, nº.2, do diploma fundamental.
As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/03/2023, rec.1480/15.5BELRS; ac.Tribunal Constitucional 232/2003, de 13/05/2003; ac.Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/02/2010; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.336 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.I, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2017, pág.164 e seg.).
Já o princípio constitucional da proporcionalidade, encontra consagração no artº.18, nº.2, da C.R.Portuguesa, como pressuposto material para que se verifique uma restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consagrados no nosso Diploma Fundamental.
O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa "justa medida", impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos. Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de "direitos, liberdades e garantias", que consiste no respeito do "conteúdo essencial" dos respectivos preceitos (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/02/2022, rec.810/18.2BESNT; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.392 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.266 e seg.).
Quanto ao princípio da equivalência (na vertente derivada da igualdade perante a repartição dos encargos públicos), enquanto subprincípio do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artº.13, do Diploma Fundamental, diz-nos que o legislador não deve consagrar a existência de sacrifícios especiais de indivíduos ou grupos de indivíduos, por razões de interesse público, sob pena do reconhecimento de uma indemnização ou compensação a tais grupos particularmente sacrificados. Por outro lado, com o dito princípio da equivalência visa-se que as taxas e contribuições se adaptem às prestações públicas de que beneficiarão, real ou presumidamente, os respectivos sujeitos passivos (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/02/2022, rec.810/18.2BESNT; ac.Tribunal Constitucional 7/2019, de 8/01/2019, proc.141/16; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.344 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.431).
Por último, deve lembrar-se que também a propriedade privada, enquanto direito com consagração constitucional, não reveste carácter absoluto. De resto, a afirmação do legislador constitucional de que o direito de propriedade privada é garantido nos "termos da Constituição", conforme estatui o artº.62, nº.1, do Diploma Fundamental, revela o carácter inegavelmente relativo do direito fundamental de propriedade (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.801 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.I, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2017, pág.907 e seg.).
No caso "sub iudice", este Tribunal não alcança, nem o apelante esclarece, em que termos é que os princípios constitucionais acabados de examinar são beliscados pela existência da norma constante do aludido artº.23-A, nº.1, al.s), do C.I.R.C.
Acresce que, o Tribunal Constitucional já examinou e deliberou pela constitucionalidade do artº.23-A, nº.1, als.p) e q), do C.I.R.C., normativos que consagram disposições equivalentes de proibição de dedutibilidade, para efeitos da determinação do lucro tributável, dos encargos com a Contribuição sobre o Sector Bancário, tal como com a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, tendo por vectores de aferição a alegada violação dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real, da igualdade, da proporcionalidade e da ofensa ao direito de propriedade privada (cfr.v.g. ac.Tribunal Constitucional 394/2021, de 7/06/2021, proc.925/19; ac.Tribunal Constitucional 395/2021, de 7/06/2021, proc.954/19; ac.Tribunal Constitucional 463/2021, de 24/06/2021, proc.64/20; ac.Tribunal Constitucional 732/2021, de 22/09/2021, proc.387/20).
Encerrando, o citado artº.23-A, nº.1, al.s), do C.I.R.C., não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, por infracção dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real, da igualdade, da proporcionalidade e da ofensa ao direito de propriedade privada.
Por último, examinemos se o próprio regime jurídico da CEIF, derivado da consagração da não dedutibilidade dos respectivos encargos, somente aos sujeitos passivos que não estão abrangidos pelo Acordo com a Apifarma, padece do vício de inconstitucionalidade por violação dos princípios tributários consignados no artº.103, da C.R.Portuguesa, tal como no artº.55, da L.G.T., como também defende a sociedade apelante.
Está o apelante a questionar, se bem percebemos, a legalidade da norma constante do artº.5, do regime da CEIF, supra identificado, ao consagrar a isenção do pagamento do tributo aos sujeitos passivos que declarem aderir, individualmente e sem reservas, a acordos celebrados entre o Estado e a Indústria Farmacêutica, visando a sustentabilidade do SNS através da fixação de objectivos máximos de despesa com medicamentos, enquanto essa adesão vigorar.
Desde logo, se dirá que o recorrente não densificou, no recurso que veio dirigido a este Supremo Tribunal, as defendidas violações dos princípios constitucionais para que remete, ao citar os aludidos artºs.103, da C.R.Portuguesa, e 55, da L.G.T. Por outras palavras, a falta de concretização/densificação das enumeradas violações dos preceitos constitucionais/legais invocados impede que este Tribunal emita também uma apreciação individualizada sobre as mesmas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec. 179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/11/2021, rec.972/21.1BEBRG).
Apesar disso, sempre se remete o apelante para todos os considerandos tecidos supra sobre os diversos princípios constitucionais já discutidos.
E, especificamente, quanto ao princípio da legalidade tributária já acima estudado, deve recordar-se que as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, face à mera reserva de regime geral, prevista no citado artº.165, nº.1, al.i), da C.R.P., não estão sujeitas ao apertado princípio da legalidade, vigente para os impostos e consagrado no artº.103, nº.2, do Diploma Fundamental (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1095; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.II, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2018, pág.203).
Examinando agora, concretamente, o regime de desagravamento da CEIF, que se consubstancia na isenção do pagamento do tributo dos sujeitos passivos que declarem aderir, individualmente e sem reservas, a acordos celebrados entre o Estado e a Indústria Farmacêutica, visando a sustentabilidade do SNS através da fixação de objectivos máximos de despesa com medicamentos, enquanto essa adesão vigorar (cfr.artº.5, nº.2, do Regime da CEIF supra), deve salientar-se que estes acordos são, geralmente, mais favoráveis do que as condições resultantes do regime legal de pagamento do tributo (cfr.artºs.6 e 7, do Regime da CEIF supra). Julga-se que a perda de receita do tributo decorrente da adesão será, de algum modo, compensada pela obtenção pelo SNS - sem a intermediação da AT - da renda proveniente dos acordos, que ocorreria de modo mais célere e pressupondo uma redução da conflitualidade (cfr.Aquilino Paulo Antunes, ob.cit., pág.220 e seg.).
Ora, independentemente dos considerandos acabados de tecer, certo é que este Tribunal não vislumbra que tal regime de isenção/por contraposição ao regime legal de pagamento do tributo, padeça de qualquer vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se a recorrente em custas, porque vencida (cfr.artº.527, do C.P.Civil), mais se dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça na presente instância de recurso.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 10 de Maio de 2023. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha (com o voto de vencido que infra segue) - Anabela Ferreira Alves e Russo (com a declaração de voto de infra segue).




Voto vencido o presente acórdão na parte que respeita ao entendimento de que não se verifica violação do princípio constitucional da tributação pelo rendimento real, em resultado da proibição de dedução ao lucro tributável da Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (doravante, CEIF), pelo artigo 23.º-A, n.º 1, alínea s) do Código do IRC.
Entendo ao invés – e nisto aparto-me da posição maioritária sufragada no Acórdão ora prolatado – que o comando constitucional constante do artigo 104.º, n.º 2 da Lei Fundamental não se encontra respeitado in casu.
Desde logo, há que sublinhar que as derrogações à tributação pelo rendimento real carecem, para serem conformes à Lei Fundamental e obterem guarida na expressão “fundamentalmente”, de fundado suporte noutros valores igualmente merecedores de tutela constitucional. Ora, cabe começar por registar que tais valores não são não se encontram, de todo, avançados pelo legislador ou invocados pela Recorrida AT – a qual não apresentou Contra-Alegações na presente instância – como a simples arrecadação de receita num outro qualquer tributo não é apta a justificar tão flagrante desvio à prescrição constitucional prevista para o IRC.
Impõe-se recordar, em densificação daquele princípio estruturante do IRC, que são dedutíveis ao lucro tributável, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, alínea f) do Código do IRC, todos os gastos “de natureza fiscal e parafiscal”, incluindo-se aqui a generalidade dos gastos tributários incorridos pelo sujeito passivo na prossecução da sua actividade – como é, indubitavelmente, o caso da CEIF.
Ora, o legislador originário do Código do IRC entendeu então (em 1988), e com grande rigor, que uma tributação assente na real capacidade contributiva das empresas pressupõe a consideração fiscal dos gastos por estas incorridos com as suas obrigações tributárias, assim obstando a tributações cumulativas, bem como à penalização (em 21%) do cumprimento das mesmas (e não do incumprimento, note-se).
Ora, na ausência de uma expressa (ou, sequer, alegada) fundamentação justificadora daquela derrogação, resta focar a nossa análise na natureza jurídico-tributária da CEIF, de modo a apurar se tal natureza pressuporia (ou exigiria), por si só, a sua desconsideração fiscal em IRC.
Ora, entendemos que a resposta é negativa.
Desde logo, porque, ao configurar uma suposta contribuição financeira (qualificação que, aqui, não é objeto de discussão), a CEIF não envolve o risco de asistematicidades como aquelas que, em abstracto, podem ser assacadas a tributos como a derrama ou as tributações autónomas, com naturezas alegadamente semelhantes ou próximas da do próprio IRC.
Acresce que, contrariamente ao que sucede com os gastos incorridos com encargos de natureza sancionatória (v.g., coimas e multas), não existe no presente caso qualquer fundamento para sustentar (e, portanto, justificar) a denegação da dedutibilidade deste concreto gasto, com base num suposto reforço da sua “efectividade”, uma vez que nenhuma ilegalidade ou ilicitude merecedora de sanção se vislumbra no comportamento conducente ao pagamento da CEIF e este encargo parafiscal não possui, manifestamente, natureza sancionatória.
O mesmo se conclui quando se atenta à suposta natureza extraordinária desta contribuição financeira e, mais significativamente, à suposta natureza extraordinária da indedutibilidade.
É que, por um lado, nada justifica, à partida, que tributos extraordinários não devam ser dedutíveis ao lucro tributável em IRC – veja-se o caso do Adicional ao IMI, em amparo do que acabamos de dizer. Mas, em nossa opinião e mesmo que assim não fosse, há muito que a nomenclatura “extraordinária” deixou de corresponder às condicionantes financeiras que justificaram a adoção de um vasto conjunto de tributos e medidas de natureza extraordinária, durante o resgate financeiro: basta recordar que, depois de dois anos consecutivos de deficits das contas das administrações públicas superiores a 10% (em 2009 e 2010), esse valor já se ficava abaixo dos 3% em 2015 e registava mesmo um superavit de 0,1% em 2019 – cfr. informação disponível em www.portugal.gov.pt e www.pordata.pt.
Assim, dum tributo que, em 2014, ainda podia ser genuinamente qualificado de “extraordinário”, já só resta o respectivo nomen iuris; e que é desprovido de valor jurídico, como se sabe. E, aliás, nesta linha se vem, aparentemente, pronunciando também o Tribunal Constitucional, como se constata nos Acórdãos n.ºs 732/2021 e 736/2021, ambos de 22 de Setembro de 2021, ou 305/2022, de 27 de Abril de 2022.
Por fim, e pelas mesmas razões, nada parece sustentar a alegada natureza extraordinária – e, por isso, forçosamente temporária – da vigência da presente regra da indedutibilidade em IRC da CEIF, susceptível de receber algum amparo da Lei Fundamental.
De resto, a arbitrariedade com que, durante os três primeiros períodos tributários de vigência da CEIF (2015 a 2017), se aceitou (em rigor, não se obstou) a dedutibilidade fiscal desta despesa tributária para, logo a partir do ano de 2018, tal dedutibilidade ter passado a ser peremptoriamente rejeitada, já deixava indiciar a mais que provável falta de estribo constitucional da alteração promovida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.
Por fim, apenas sublinhar que a natureza supostamente facultativa da CEIF não lhe retira a respectiva natureza tributária nem obsta ao que acabámos de demonstrar - donde, não afasta a obrigatoriedade constitucional da sua dedução enquanto gasto ao lucro tributável do IRC, uma vez que se trata, indiscutivelmente, de um gasto suportado com o desenvolvimento da actividade social da empresa Recorrente e que se encontra presumido como tal no artigo 23.º, n.º 2, alínea f) do Código do IRC.

Gustavo Lopes Courinha


Declaração de voto

Voto a decisão mas não acompanho, parcialmente, a fundamentação.

Em meu entender a única questão cuja apreciação se devia realizar nesse recurso, atento o objecto da impugnação, é a da legalidade e/ou constitucionalidade da não dedução do custo suportado com o pagamento do tributo, vulgo, “contribuição financeira” sobre a indústria farmacêutica em sede de IRC. E esta é, não obstante as extensas alegações produzidas e o modo como as conclusões se encontram elaboradas, também a única questão que a Recorrente verdadeiramente quer discutir, como antecipa na conclusão II.
Quanto a esta questão, defende a Recorrente que o valor pago a título de tributo deve ser dedutível por duas ordens de razões. Primeiro, porque se trata de um custo, já que o tributo pago é uma despesa indispensável ao exercício da sua actividade e, como tal, subsume-se à qualificação jurídica de custo consagrada no artigo 23.º do CIRC. Segundo, porque a norma ou regra imperativa de não dedutibilidade desse custo, consagrada no artigo 23.º-A, alínea s) aditado pelo artigo 231.º da Lei n.º 114/2017, de 29-12 (Lei do Orçamento de Estado para 2018 – LOE/2018), é ilegal, por violar os princípios da legalidade e da tributação segundo o rendimento real, consagrado, particularmente, nos artigos 23.º do CIRC e 104.º, n.º 2 da CRP, por violação do regime-regra de dedutibilidade dos custos para efeitos de determinação do lucro tributável, mais defendendo que, a não ser admissível a dedutibilidade deste custo estaremos perante uma dupla tributação e violação do princípio da igualdade e da justiça, atento o teor do artigo 5.º do regime especial deste tributo.
A estas duas questões respondemos negativamente, como no acórdão se faz, embora por razões distintas.
Quanto à primeira questão, com o devido respeito pela posição da Recorrente, adiantamos que em nosso entender são totalmente irrelevantes as suas extensas alegações no que respeita à qualificação do tributo enquanto custo. Porque a questão da indispensabilidade ou não do custo ou a sua subsunção ao conceito de custo consagrado no artigo 23.º do CIRC não está em questão no acto impugnado nem o legislador o desqualifica como tal. Dito de outro modo: não resulta da fundamentação do acto impugnado (autoliquidação de IRC), que tenha sido com esse fundamento que o custo não foi aceite, nem que o legislador, tenha, no artigo 23.º-A al. s) do CIRC (norma em que, como dissemos já, se fundou nuclearmente o indeferimento da reclamação graciosa e a subsequente manutenção da autoliquidação na ordem jurídica), tenha retirado ao valor pago a título de “contribuição financeira” sobre a indústria farmacêutica a natureza ou qualidade de custo. O que resulta do citado preceito é que o legislador optou, através da introdução na ordem jurídica do referido normativo, por excluir a possibilidade de dedução desse custo para efeito de determinação do lucro tributável e que foi essa a razão para o indeferimento da reclamação graciosa e para a manutenção da autoliquidação na ordem jurídica.
No que concerne à segunda questão – saber se a não dedução ou indedutibilidade consagrada no artigo 23-A, nº.1, alínea s) do CIRC é constitucionalmente conforme o princípio da tributação segundo o rendimento real - a resposta passa exclusivamente, a nosso ver, por aferir se, sendo legítimo e constitucionalmente reconhecido ao Estado o direito de legalmente conformar o regime de tributação do IRC (a competência para legislar e através de Leis definir o regime de tributação, que nos me parece indiscutível atento o preceituado na CRP), a forma como o fez no caso sub judice, através da imposição de não dedutibilidade do custo-tributo, resulta a subversão do princípio consagrado no artigo 104.º,n.º 2 da CRP.
Questão a que respondemos negativamente. Da imposição constitucional de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP) resulta o carácter não absoluto do princípio, o que significa (como há muito é jurisprudencial e doutrinalmente pacifico) que embora o resultado líquido contabilístico seja a ambiance em que se desenvolve o seu regime normal, não é um critério imperativo ou excludente de qualquer outro ou que a conformação legal desta tributação não possa afastar-se desse critério fundamental. Isto é, o princípio consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, precisamente pelo seu carácter não absoluto, não proíbe a existência de desvios ou regimes de tributação que afastando-se do regime regra ainda possam ser qualificados como regimes constitucionalmente conformes. Conformidade que se mostra assegurada sempre que esses desvios não traduzam, na sua aplicação concreta, uma inversão do regime regra ou uma inversão total ou significativa sem justificação do próprio critério constitucionalmente consagrado. Ora, no caso, a Recorrente nada alegou no sentido de demonstrar que haja um desvio de tal forma significativo que permita sustentar essa subversão, limitando-se a invocar uma falta de fundamentação do acto normativo ou legislativo que não cabe a este Tribunal sindicar, por não se tratar de um acto administrativo. Regista-se, ainda nesta parte, que a imposição legal e constitucional de fundamentação do acto administrativo não é confundível com a necessidade de motivação especial que a doutrina vem convocando enquanto teste de conformidade constitucional aos desvios ao regime regra em matéria de tributação das empresas, motivação especial esta que, no caso, se encontra vertida desde a sua criação pela Lei n.º 82-B/2014, de 31-12 e pela opção política que lhe subjaz.
Como, a nosso ver bem, a este propósito alega a Recorrida na contestação, a pretensão da Recorrente, desde o seu articulado inicial, não está direccionada para a legalidade do acto em concreto, mas, sim, sob essa aparente impugnação casuística, para a constitucionalidade em abstracto da norma legal, cuja desaplicação, por via da declaração ou reconhecimento da sua desconformidade constitucional, pretende alcançar. O que parece explicar que o próprio pedido formulado na petição inicial se tenha reconduzido ao pedido de revogação do acto de indeferimento da reclamação graciosa por “omissão de pronúncia” e desconformidade da decisão com o conceito de custo consagrado no artigo 23.º do CIRC e desconformidade com os princípios da legalidade, certeza e segurança jurídica consagrados no artigo 103.º da CRP, não tendo, sequer, peticionado a anulação do acto de autoliquidação que constitui o acto que identificou como sendo o da presente impugnação judicial por violação do princípio da capacidade contributiva.
Por fim, também não julgamos que se esteja perante uma situação de dupla tributação (cremos mesmo que a não dedutibilidade radicará na anulação do efeito perverso ou negativo que da dedutibilidade admitida decorria, uma vez que, o objectivo a alcançar com a receita obtida com a contribuição era “ anulado” ou significativamente afectado pela referida dedução em sede de IRC). E não consideramos que exista violação do princípio da igualdade com a consagração do desagravamento nas situações em que o sujeito passivo adere aos acordos celebrados entre o Estado Português e as empresas associadas da APIFARMA, uma vez que, como resulta do preceito e dos acordos publicados, a situação objectiva das empresas que aderem a tais acordos é materialmente distinta da vivenciada pelos sujeitos passivos que, não aderindo, se submetem a um regime totalmente distinto.

Anabela Russo