Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0725/14
Data do Acordão:10/23/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
FUNÇÃO POLÍTICA
ACTO POLÍTICO
FUNÇÃO ADMINISTRATIVA
RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
SUSPENSÃO PROVISÓRIA
ACTO DE EXECUÇÃO INDEVIDA
MANIFESTA ILEGALIDADE
FUMUS BONI JURIS
PERICULUM IN MORA
PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Sumário:I – O juízo de «evidência» exigido na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA é tributário duma ideia de clareza, dum caráter inequívoco para um qualquer jurista, realidade essa de que são nítido exemplo as três situações nele previstas [ou seja, a existência de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo, a aplicação de norma já anteriormente anulada e o ato manifestamente ilegal].
II – O mesmo consubstancia critério excecional que abrange apenas situações em que o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na ação administrativa principal se revela, no caso, como patente, notório, visível e com forte ou intenso grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê da semelhança ou paralelo com os julgados invalidatórios anteriores e, bem assim, da natureza ostensiva/grosseira da ilegalidade cometida.
III – O carácter manifesto da ilegalidade não se compadece com aturados trabalhos de análise e de subsunção jurídica que é trazida a juízo pelas partes, nem pode derivar duma análise aprofundada de várias posições doutrinais ou jurisprudenciais que as partes tragam aos autos para fazer valer a sua pretensão.
IV – Quando está em causa a adoção de uma providência conservatória, o critério legal de decisão relativamente ao requisito da aparência do bom direito previsto no art. 120.º, n.º 1, al. b) CPTA, é um critério largo, bastando, para o efeito, que não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão a formular no processo principal.
V - Ainda que estejam verificados os requisitos exigidos pelo art. 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA, o tribunal não deve decretar a providência, quando feita a ponderação prevista no art. 120.º, n.º 2 do mesmo diploma, entender que os danos que resultariam para o interesse público da concessão da medida cautelar se mostram superiores aos danos que podem resultar para o requerente da recusa da providência.
Nº Convencional:JSTA00068958
Nº do Documento:SA1201410230725
Data de Entrada:06/17/2014
Recorrente:MUNICÍPIO DO BARREIRO
Recorrido 1:CONSELHO DE MINISTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:SUSPEFIC
Objecto:RCM
Decisão:INDEFERIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - SUSPEFIC
Legislação Nacional:CONST76 ART203 ART204 ART185 ART200 ART201 ART202 ART199.
DL 45/2014 DE 2014/03/20.
RCM 30/2014 DE 2014/04/08.
DL 104/2014 DE 2014/07/02.
CPTA02 ART128 ART120 N1 A B N2 ART112.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC028775 DE 2001/05/09.; AC STA PROC042306 DE 2002/10/10.; AC STA PROC0561/14 DE 2014/07/09.; AC STA PROC0799/14 DE 2014/09/25.; AC STA PROC0900/11 DE 2012/06/05.; AC STAPLENO PROC0210/07 DE 2007/12/11.; AC STA PROC01253/12 DE 2013/01/30.; AC STA PROC0148/14 DE 2014/03/20.; AC STA PROC0500/14 DE 2014/06/26.; AC STA PROC0471/07 DE 2007/10/31.; AC STA PROC0438/09 DE 2009/12/02.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. “MUNICÍPIO DO BARREIRO”, devidamente identificado nos autos, instaurou no TAF de Lisboa a presente providência cautelar contra o CONSELHO DE MINISTROS [doravante e abreviadamente «CM»] e os contrainteressados “MUNICÍPIO DE ALCOCHETE” [«MA»], “MUNICÍPIO DE ALMADA” [«MdA»], “MUNICÍPIO DA MOITA”, [«MM»] “MUNICÍPIO DO MONTIJO” [«MdM»], “MUNICÍPIO DE PALMELA” [«MP»], “MUNICÍPIO DO SEIXAL” [«MS»], “MUNICÍPIO DE SESIMBRA” [«MdS»] e “MUNICÍPIO DE SETÚBAL” [«MSe»], nos termos e com a motivação aduzida no requerimento inicial corrigido de fls. 51/70 dos autos [paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário] apresentado na sequência da decisão a suscitar a incompetência daquele TAF [cfr. fls. 39/41], sustentando estarem verificados os requisitos exigidos no art. 120.º, n.ºs 1, als. a) e b) e 2 do CPTA, pelo que peticiona que se adote a requerida providência cautelar de “suspensão de eficácia do ato administrativo” e se ordene “a suspensão, com alcance geral, dos efeitos do ato suspendendo, contido na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, publicada a 08 de abril, nos números 1, 2 e 3 da abertura do concurso constante da mesma e artigo 1.º do caderno de encargos a ela anexo”.

1.2. Após decisão do TAFL, datada de 04.06.2014, a julgar-se incompetente para a apreciação da presente providência [cfr. fls. 93/96] e uma vez remetida a mesma a este Supremo Tribunal foi determinada a citação dos requeridos nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 117.º e 118.º do CPTA [cfr. fls. 106 e segs.].

1.3. O ente requerido «CM», nos termos e para os efeitos previstos no art. 128.º, n.º 1 do CPTA, aprovou a resolução fundamentada [cfr. fls. 131/138 que aqui se dá por integralmente reproduzida], na qual reconhece que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.

1.4. O mesmo ente deduziu oposição [cfr. fls. 153/216] na qual se defende, por um lado, por exceção sustentando que o litígio está excluído do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal uma vez que o que o requerente verdadeiramente pretende obter com os presentes autos é a suspensão de eficácia das normas legislativas contidas no DL n.º 45/2014 e a opção política que as mesmas encerram. E, por outro lado, enquanto defesa por impugnação, respondeu, ponto a ponto, à argumentação do requerente, invocando, em resumo, que o ato suspendendo não enferma de qualquer das ilegalidades que aquele lhe imputa e que não estão verificados os requisitos do fumus boni iuris previstos nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, bem como que não há periculum in mora e que, de todo o modo, deve recusar-se a providência requerida, uma vez que, ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.

1.5. Dos demais entes requeridos apenas o «MS», enquanto contrainteressado, veio apresentar articulado onde se pronuncia sobre a pretensão cautelar deduzida sustentando, todavia, a sua decretação [cfr. fls. 347/445], tendo os restantes entes se limitado a juntar requerimento e respetivo instrumento forense de representação [cfr. «MP» - fls. 150/151; «MdS» - fls. 334/337- 341/342; «MSe» - fls. 465/467].

1.6. Notificados da resolução fundamentada referida em 1.3) o contrainteressado «MS», veio, nos termos do art. 128.º, n.º 4 do CPTA, deduzir incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida [cfr. fls. 450/459] requerendo que fosse “declarada a ineficácia dos atos materialmente administrativos constantes dos artigos 4.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 104/2014” [relativos à alteração dos Estatutos da “A……….. …, SA”], no que foi secundado pelo requerente [cfr. fls. 471].

1.7. Notificado do incidente mencionado no número anterior, a entidade demandada veio, ao abrigo do disposto no art. 128.º, n.º 6 do CPTA, pronunciar-se sobre o mesmo, defendendo a sua recusa liminar dado tratar-se de “pretensão manifestamente ilegal” visto o “CPTA não admitir a declaração de ineficácia de normas legais” ou, caso assim se não entenda, o seu indeferimento, “por não se verificarem quaisquer os vícios que pudessem assacar-se à resolução fundamentada, designadamente o de deficiente fundamentação” [cfr. fls. 473/500].

1.8. Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. e) e 2 do CPTA, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
Com interesse para a decisão a proferir, considera-se como assente o seguinte quadro factual:
I) No Diário da República, Iª Série, n.º 69, de 08.04.2014, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, que aqui se dá por integralmente reproduzida, donde se extrai, nomeadamente, o seguinte:
O Governo aprovou, através do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, o processo de reprivatização do capital social da participação detida pela AdP - Águas de Portugal, SGPS, S.A., no capital da B…………, S.A. (B…………).
O referido diploma determinou que o processo de reprivatização se faria através de um concurso público, a realizar nos termos previstos na Lei n.º 11/90 (…) e do referido decreto-lei, e ao qual não se aplica o disposto no Código dos Contratos Públicos.
O caderno de encargos que agora se aprova regula o referido concurso público de modo a assegurar todas as garantias de transparência, igualdade e concorrência que caracterizam um procedimento desta natureza, e a permitir ao Governo a escolha da proposta que melhor se conforme com os objetivos da reprivatização, assegurando -se que o adquirente da B............ estará dotado dos requisitos de idoneidade, e capacidade financeira e técnica indispensáveis à sua gestão, assegurando a qualidade do serviço público prestado às populações.
(…) O Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, concedeu, no âmbito do processo de reprivatização, direito aos municípios de alienação das participações sociais por eles detidas no capital das entidades gestoras de sistemas multimunicipais nas quais a B............ é acionista, alienação essa sujeita ao exercício de direito de preferência por parte de municípios que detenham participações no capital da mesma entidade gestora e que tenham decidido não alienar as respetivas ações. Mais estabeleceu que tais direitos seriam exercidos nos termos e condições, designadamente de prazo e de preço, a fixar no caderno de encargos, pelo que se vem agora proceder a essa regulamentação.
Fixa-se em 5% do capital social da B............ o montante das ações que são reservadas para aquisição pelos trabalhadores da B............, direito esse previsto no artigo 12.º do referido decreto-lei, em linha com o estabelecido na Lei n.º 11/90 (…).
(…) Assim:
Nos termos do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, e das alíneas c) e g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Determinar que são alienadas 100% das ações da B…………, S.A. (B............) e que o concurso público previsto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, tenha por objeto ações representativas de 95 % do capital social da B.............
2 - Aprovar o caderno de encargos do concurso público, constante do anexo I à presente resolução, da qual faz parte integrante, no qual se estabelecem os termos e condições específicos a que obedece o concurso público previsto no número anterior.
3 - Aprovar os termos do exercício pelos municípios da opção de alienação das participações sociais por aqueles detidas no capital das entidades gestoras de sistemas multimunicipais nas quais a B............ é acionista, bem como do exercício do direito de preferência pelos restantes municípios da mesma entidade gestora, relativamente à referida alienação, os quais constam do caderno de encargos a que se refere o número anterior.
4 - Determinar a abertura do concurso público previsto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 45/2014 (….) através do envio para publicação do anúncio no Jornal Oficial da União Europeia e no Diário da República.
5 - Aprovar, no anexo II à presente resolução, da qual faz parte integrante, algumas condições da oferta pública de venda de ações da B............, dirigida exclusivamente a trabalhadores da B............, no âmbito da qual os referidos trabalhadores podem adquirir ações representativas de 5% do capital social da B.............
6 - Determinar que as ações que não sejam vendidas a trabalhadores, assim como aquelas cuja transmissão não se concretize, acrescem automaticamente às ações a adquirir pelo vencedor do concurso público, obrigando-se este a adquirir tais ações pelo preço por ação constante da sua proposta vinculativa.
7 - Determinar que ao abrigo do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 45/2014 (…) compete à Ministra de Estado e das Finanças, com faculdade de subdelegação no Secretário de Estado das Finanças, aprovar o convite e todos os aspetos que, nos termos do caderno de encargos, devam ser fixados no mesmo.
8 - Constituir uma comissão especial nos termos do artigo 20.º da Lei n.º 11/90, (…), a qual é composta por três membros a nomear por despacho do Primeiro -Ministro.
9 - Determinar que, nos termos do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 45/2014 (…), o Governo, através da PARPÚBLICA, coloca à disposição do Tribunal de Contas toda a documentação que integra o processo de venda, incluindo os pareceres e relatórios previstos na lei que regula estes processos.
10 - Determinar que a presente resolução entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”;
II) No Diário da República, IIª Série, n.º 71, de 10.04.2014, foi publicado o Anúncio de Procedimento n.º 1988/2014 relativo ao “Concurso público para a reprivatização da B…………, SA” e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
III) O presente processo cautelar deu entrada em juízo no dia 19.05.2014 [cfr. fls. 03 dos presentes autos];
IV) No dia 26.06.2014, o Conselho de Ministros aprovou a “Resolução Fundamentada” [cfr. fls. 131/138 dos autos e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido], donde se extrai, nomeadamente, o seguinte:
… O município do Barreiro apresentou requerimento inicial de providência cautelar no Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª Secção (processo n.º 725/14), em que deduz, contra o Conselho de Ministros, pedido de suspensão de eficácia «dos efeitos do ato suspendendo, contido na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, publicada a 8 de abril, nos números 1, 2 e 3 da abertura do concurso constante na mesma, e artigo 1.º do caderno de encargos a ela anexo».
Os «atos» cuja suspensão de eficácia se requer nos presentes autos são parcialmente coincidentes com os que foram objeto das providências cautelares pendentes no Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª secção, sob o número 561/14. Neste contexto, entende-se que se mantêm as razões de interesse público já anteriormente invocadas no âmbito da resolução fundamentada junta ao processo referido.
Com efeito, a suspensão da execução daquelas disposições da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, implicaria a suspensão do processo de privatização da B............, em especial do concurso público em curso, que tem por objeto a alienação de 95% das ações representativas do capital daquela empresa, o que seria gravemente prejudicial para o interesse público nos termos que a seguir se expõem:
1. A B…………, S.A. (adiante B............) é uma sociedade de capitais integralmente públicos, sub-holding da Águas de Portugal, S.A. no setor do tratamento e valorização de resíduos urbanos (RU).
2. A gestão dos sistemas de tratamento e valorização de resíduos urbanos é feita através de 11 empresas concessionárias, constituídas em parceria com os municípios servidos, que processam anualmente cerca de 3,7 milhões de toneladas de resíduos urbanos, produzidas em 174 Municípios, servindo cerca de 60% da população de Portugal, que corresponde a 6,4 milhões de habitantes.
3. O Programa do XIX Governo Constitucional estabeleceu como objetivo a promoção da sustentabilidade da política e do sistema de gestão e tratamento de resíduos, e a autonomização deste sector no seio do Grupo Águas de Portugal.
4. O Governo preparou, assim, a alteração do quadro legal aplicável ao setor, designadamente um novo enquadramento regulatório, de modo a garantir-se o cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental, a acessibilidade das populações servidas aos serviços de resíduos, mediante a adequação das tarifas à respetiva capacidade económica, a equidade territorial, fomentando a convergência tarifária e a promoção de soluções de maior eficiência e eficácia económica que assegurem a prestação aos utilizadores dos sistemas de um serviço público de excelência e, em última análise, a sustentabilidade económico-financeira dos sistemas.
5. Nos termos da Lei n.º 11/90, de 5 de abril - Lei-Quadro das Privatizações - o Governo tem competência exclusiva na decisão, organização e execução do processo de reprivatização. O processo de reprivatização da B............ foi cuidadosamente preparado ao longo de um ano, tendo o Governo procurado envolver os municípios no mesmo. (…).
6. Em tal procedimento foi também envolvida a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), agora entidade independente e com novas competências nesta matéria, num processo que conduziu à aprovação do Regulamento Tarifário, que tem como uma das caraterísticas fundamentais a universalidade, ou seja, está preparado para ser aplicado a todas as entidades do setor, quaisquer que sejam as fases da cadeia de valor em que intervenham ou o modelo de governo que adotem - gestão direta, gestão delegada, incluindo parceria, ou gestão concessionada -, independentemente da natureza pública ou privada da entidade gestora.
7. Paralelamente, e no cumprimento das exigências decorrentes da integração europeia, foi preparado um novo Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2020), instrumento base da política de gestão de resíduos, atualmente em fase de Avaliação Ambiental Estratégica, que se segue à discussão pública promovida pelo Conselho Consultivo da ERSAR, ocorrida no dia 12 de junho de 2013, na qual a ANMP tem assento. O novo PERSU tem em vista o cumprimento das metas e da estratégia europeias para a prevenção, reciclagem e valorização do resíduo como recurso e, em sequência, visa uma minimização da deposição em aterro, de acordo com os seguintes objetivos: até 31 de dezembro de 2020, um aumento mínimo global para 50% em peso relativamente à preparação para a reutilização e a reciclagem de resíduos urbanos, incluindo o papel, o cartão, o plástico, o vidro, o metal, a madeira e os resíduos urbanos biodegradáveis, bem como a garantia de reciclagem de, no mínimo, 70% em peso dos resíduos de embalagens; até julho de 2020, os resíduos urbanos biodegradáveis destinados a aterro devem ser reduzidos para 35% da quantidade total, em peso, dos resíduos urbanos biodegradáveis produzidos em 1995. Simultaneamente, pretende garantir-se a necessária compatibilização das ações a preconizar com o próximo período de financiamento comunitário 2014-2020, bem como assegurar a sustentabilidade dos sistemas de gestão e tratamento de resíduos urbanos, maximizando a eficiência destes, numa lógica de uso eficiente de recursos. Qualquer atraso na execução das disposições suspendendas da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8 de abril, poderá inviabilizar a obtenção do financiamento comunitário indispensável a assegurar uma evolução tarifária mais favorável aos cidadãos. Os próximos anos serão anos exigentes para a B............, bem como para as empresas por ela participadas, tendo em conta este novo enquadramento e as novas metas ambientais, prevendo-se investimentos acumulados de EUR 327 milhões e de EUR 645 milhões até 2020 e 2034, respetivamente. Estes investimentos têm em vista o cumprimento das metas ambientais acordadas com a Comissão Europeia no âmbito do Acordo de Parceria (Portugal 2020) e refletidas no PERSU, bem como o cumprimento dos objetivos de serviço público propostos pelos Municípios que serão vertidos no diploma das bases da concessão.
8. De facto, a concretização das metas do PERSU implica um esforço de investimento cujo financiamento depende de Fundos Comunitários Europeus e da captação de recursos pelos acionistas das empresas concessionárias. A alienação da B............ tem em vista contribuir para a viabilização do esforço financeiro associado ao cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental, promover soluções de maior eficiência e eficácia económicas que asseguram a prestação aos utilizadores dos sistemas de um serviço público de excelência e, em última análise, a sustentabilidade económico-financeira dos sistemas, para além de dotar a B............ das melhores práticas no domínio ambiental e de um projeto estratégico adequado aos objetivos de desenvolvimento da economia nacional.
9. Num quadro, de todos conhecido, marcado pela necessidade de contenção do défice orçamental, designadamente através da redução da despesa pública, obrigando a que o Estado redefina o seu papel e se reforme, a abertura da gestão do setor dos resíduos a capital privado constitui um imperativo de interesse nacional que ao Governo cumpre constitucionalmente assegurar. A privatização da B............ constitui um passo importante na garantia da sustentabilidade do setor neste exigente quadro nacional e europeu.
10. A privatização da B............ encontra-se prevista no Programa de Assistência Económica e Financeira que envolve a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, no quadro das medidas a adotar com vista à promoção do ajustamento macroeconómico nacional.
11. Desta forma, no cumprimento do programa do Governo e das exigências decorrentes do Memorando de Entendimento, o Conselho de Ministros decidiu abrir, no passado dia 8 de abril, o concurso público de reprivatização da B............, tendo expirado o prazo de apresentação de propostas não vinculativas no passado dia 20 de maio.
12. O concurso ocorre num momento de viragem de ciclo da nossa economia, no qual, a par com a estabilidade orçamental, o crescimento económico é uma prioridade indeclinável. Trata-se de um momento crucial, marcado pela crescente confiança dos investidores, nacionais e estrangeiros, na economia nacional. Neste sentido, não pode ficar em risco todo o esforço feito pelos portugueses ao longo destes últimos anos com as medidas de austeridade.
13. A entrega das propostas no passado dia 20 de maio veio confirmar o elevado interesse que a privatização da B............ tem para os investidores, assim como a crescente confiança dos mesmos na economia nacional, materializados na entrega de sete propostas, por quatro concorrentes estrangeiros e três nacionais.
14. A providência requerida, que tem em vista defender os interesses dos municípios numa das entidades gestoras de sistemas multimunicipais - a C…………, S.A. -, tem um alcance muito mais extenso do que o respeitante aos interesses do… requerente…, pois implica a paralisação de todo o processo de privatização da B............, a qual é uma empresa detentora de dez entidades gestoras para além da C…………, envolvendo 174 municípios, e constituindo um instrumento ao serviço do interesse nacional no setor dos resíduos urbanos.
15. A paralisação, neste momento, do concurso de privatização da B............, desde logo pelo tempo necessário para o processo cautelar, é suscetível de defraudar o interesse legítimo dos municípios que já declararam formalmente aderir à opção de venda nas mesmas condições de venda da participação do Estado, traduzido na possibilidade de venda das suas ações em condições extremamente favoráveis e com impacto direto nas respetivas receitas, nos termos do artigo 42.º do Caderno de Encargos.
16. Acresce que, com toda a probabilidade, também poderia acarretar gravíssimos prejuízos para os investidores que já incorreram em custos na preparação das propostas não vinculativas, uma vez que destruiria a confiança que os mesmos depositaram no processo, gerando um risco muito sério de os mesmos desistirem de apresentar propostas vinculativas no momento em que o processo fosse retomado.
17. A suspensão do concurso causaria uma situação de incerteza sobre o desfecho do mesmo, a qual não é compatível com o clima de confiança incutido nos investidores, que importa, em nome do interesse nacional, defender.
18. A suspensão do concurso poderia significar o seu fim e mesmo a inviabilização da privatização da B............ – não apenas do presente processo, mas da própria possibilidade de alguma vez a levar a cabo –, pois implicaria não só que os investidores desistissem de apresentar propostas vinculativas neste concurso, como certamente que se desinteressassem de qualquer eventual processo de reprivatização do capital desta empresa – já que ninguém quererá investir num quadro marcado por tão elevado grau de incerteza.
19. Ficaria, assim, em perigo a própria privatização da B............, o que, nos termos expostos, acarretaria o incumprimento de uma obrigação constante do Memorando de Entendimento pondo ainda em risco a política de sustentabilidade do setor dos resíduos adotada pelo Governo e, nessa medida, o interesse dos cidadãos.
20. As condicionantes do programa de apoios comunitários Portugal 2020 impõem a necessidade de um novo modelo de gestão que favoreça a sustentabilidade económica dos sistemas e infraestruturas existentes no setor, o qual, conforme referido anteriormente, também ficaria em causa com a inviabilização da privatização da B.............
21. Acresce que o clima de incerteza traduzido pela eventual suspensão do concurso não afetaria apenas a sua viabilidade, alastrando os seus efeitos negativos a outros setores da economia, com um enorme potencial de destruição da confiança dos investidores e dos mercados na Economia Nacional. Ora, esse é um risco que Portugal não pode correr.
22. O interesse público nacional que ao Governo cumpre defender sairia gravemente prejudicado pela paralisação neste momento, e por tempo indeterminado, do processo de privatização da B............, pelo que se adota a presente resolução.
Assim, através desta resolução fundamentada, reconhece-se que existe grave prejuízo para o interesse público no diferimento da execução das disposições suspendendas, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 128.°, n.º 1, do CPTA.
Esta resolução fundamentada foi aprovada por deliberação do Conselho de Ministros do dia 26 de junho de 2014 …”;
V) No Diário da República, Iª Série, n.º 125, de 02.07.2014, foi publicado o DL n.º 104/2014, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo-se procedido no mesmo à alteração do DL n.º 53/97, de 04.03 [diploma que havia criado o sistema multimunicipal de valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da margem sul do Tejo, constituindo a entidade gestora do referido sistema multimunicipal e aprovando os seus estatutos] e dos estatutos da sociedade “A…………, SA” [«A…………, SA»] [estatutos esses aprovados em anexo ao referido DL n.º 53/97].


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2.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação da procedência ou não da pretensão cautelar deduzida pelo requerente, sendo que, previamente, importa conhecer da exceção arguida [incompetência material do tribunal] e do incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida deduzido na sequência da resolução fundamentada aprovada pelo «CM» e inserto nos autos a fls. 450/459.

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2.2.1. DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA MATERIAL

I. Defende o ente requerido «CM» que o conhecimento da presente providência está excluído do âmbito da jurisdição administrativa, posicionamento esse que estriba, no essencial, nas seguintes linhas argumentativas que: (i) as motivações substantivas avançadas pelo requerente repartem-se por considerações políticas e por fundamentos de inconstitucionalidade/ilegalidade que remontam a opções políticas de base em matéria de sistemas multimunicipais de gestão de resíduos arredadas de controlo contencioso pela jurisdição administrativa; (ii) tudo o que se pretende suspender [e, no processo principal, impugnar], não obstante se identificar como pertencendo à Resolução do Conselho de Ministros, já constava do DL n.º 45/2014 nos exatos termos que ora se pretendem questionar; (iii) não se lhes pode recusar a natureza de ato legislativo já que a reprodução das disposições da lei numa Resolução do Conselho de Ministros que a executa não acrescenta nem pode modificar a natureza das mesmas, que continuarão tendo natureza político-legislativa; (iv) a providência cautelar procura disfarçar a impossibilidade de suscitar a título principal a apreciação da constitucionalidade das leis, transferindo para o poder judicial o ónus de arcar com as consequências da subversão das aberturas judiciais constituídas; (v) a forma encontrada para paralisar a opção política de privatização da «B............» foi atacar os seus atos de concretização, ainda que contra estes nada mais tivesse o requerente a opor do que a discordância com a opção político-legislativa em si mesma e que aqueles só viriam concretizar.
Analisemos.

II. A caracterização dos atos praticados no quadro de processos de reprivatização/privatização não é questão nova que se mostre colocada a este Supremo, tendo o mesmo já tido oportunidade de fixar entendimento quanto à mesma.

III. Assim, mormente, no acórdão de 09.05.2001 [Proc. n.º 028775 consultável in: «www.dgsi.pt/jsta» e Apêndice ao DR de 08.08.2003, vol. II (maio), págs. 3496 e segs.] extrai-se no que interessa do seu sumário que “não têm a natureza de atos políticos, para aquele efeito, as decisões do Governo que decidem a privatização de uma empresa pública”, sendo que as concretas disposições do DL ali em questão [DL n.º 300/90, de 24.09 que estabeleceu o regime jurídico da privatização da “D…………”], “têm a natureza de normas legislativas” e que a Resolução do Conselho de Ministros [Resolução n.º 39/90, de 28.09] que fez aplicação do regime jurídico definido naquele DL “tem natureza de ato administrativo”.

IV. Firmado o citado acórdão é certo no âmbito do anterior regime contencioso temos, ainda assim, que o mesmo goza de valia para o enquadramento da questão em apreciação, colhendo-se, no que releva, da sua fundamentação que entre “as funções atribuídas pela Constituição ao Governo que têm inquestionavelmente natureza política, inclui-se a que é mesmo a primacial função do Governo, que é a de conduzir a política geral do país, prevista no art. 185.º da CRP, nas redações de 1982 e 1989, de que se especificam algumas situações nos arts. 203.º e 204.º. (…) não havendo uma especificação normativa do âmbito de competências que se podem considerar como integradas na «política geral do país» e na falta de disposição expressa que permita qualificar como «funções políticas» as que a lei atribui ao Governo em matéria de privatizações, não pode deixar de se fazer apelo à elaboração jurisprudencial e doutrinal do referido conceito, sem perder de vista, porém, os indícios de enquadramento em tal conceito que fornecem os tipos de situações especificadas naquele art. 200.º. Em geral, a doutrina considera como função política do Governo, para além da relativa a outros órgãos do Estado e a desenvolvida no domínio das relações externas, a respeitante à definição das linhas gerais da atuação do Governo, a elaboração do seu programa e à definição do seus interesses essenciais. As posições doutrinais referidas convergem, no essencial, sobre a atribuição da qualificação de atos políticos apenas a atos dos órgãos superiores do Estado, que visam a definição primária dos seus fins e interesses primaciais, qualificando como administrativa a atividade secundária tendente a satisfazer necessidades, coletivas previamente definidas por via legislativa”, pelo que “as decisões do Governo impugnadas com que concretizou a sua privatização surgem como decisões manifestamente secundárias, como atos que determinam apenas a oportunidade de concretização de uma decisão previamente tomada e precisam o regime legal em que a operação deverá decorrer”. E analisando o regime jurídico aportado no DL então em questão refere-se que como “se vê logo pelo preâmbulo deste decreto-lei, pretendeu-se estabelecer um regime jurídico da privatização …, desenvolvendo o regime jurídico estabelecido na Lei n.º 11/90 … o que faz ressaltar logo a intenção de atribuir ao diploma natureza normativa. (…) Esta Lei n.º 11/90, que é a Lei-Quadro das Privatizações (…) estabelece no seu art. 4.º que as empresas públicas a reprivatizar serão transformadas, mediante decreto-lei, em sociedades anónimas, diploma este que aprovará também os estatutos da sociedade anónima. (…) No n.º 1 do seu art. 13.º, aquela Lei 11/90 estabelece que o decreto-lei que impõe aprovará o processo, as modalidades de cada operação de reprivatização, designadamente os fundamentos da adoção das modalidades de negociação, as condições especiais de aquisição de ações e o período de indisponibilidade. (…) É esta função regulamentadora que tem o Decreto-Lei n.º 300/90, relativamente à privatização (…). (…) O carácter normativo deste diploma é assumido explicitamente pelo Governo, que o emitiu ao abrigo das alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 201.º da CRP, na redação de 1989, que estabelecia a competência legislativa do Governo, e não ao abrigo do art. 202.º que estabelecia a sua competência administrativa. (…) As dúvidas sobre o carácter de ato administrativo, entre as disposições impugnadas …, apenas se poderiam suscitar, com razoabilidade, relativamente ao n.º 1 do art. 6.º, e apenas na parte em que aprova a alienação da totalidade das ações representativas do capital social da sociedade. (…) No entanto, não se trata aqui de um ato de autorização qualificável como ato administrativo, pois o seu destinatário não é qualquer particular mas sim o próprio Governo. (…) Trata-se, assim, de um ato que estabelece um pressuposto legal para ulterior prática de um ato administrativo pelo Governo, ato esse que apenas produz efeitos no âmbito interno e que não tem as características próprias de um ato administrativo, por não produzir efeitos externos por si próprio. Esses efeitos só se produzirão ulteriormente, se vier a concretizar-se a resolução do Conselho de Ministros que nesse n.º 1 do art. 6.º se anuncia. (…) Consequentemente, estando tais normas inseridas num diploma de natureza legislativa, têm de ser qualificadas como normas legislativas”, sendo que quanto à Resolução do Conselho de Ministros ali impugnada a mesma “fazendo aplicação do regime jurídico aprovado por aquele Decreto-Lei n.º 300/90, contém uma decisão de alienação das ações … pelo que dele resulta a posição da Administração relativamente a uma situação jurídica individual e concreta. (…) Assim, pelo que se disse, está-se perante um ato de natureza administrativa, cujo conhecimento cabe aos tribunais administrativos” [cfr. no mesmo sentido, Ac. do STA de 10.10.2002 - Proc. n.º 042306 consultável no mesmo endereço].

V. Mais recentemente em processo cautelar com objeto similar aos autos sub judice e no quadro de apreciação da mesma exceção que se mostra arguida sustentou este Supremo Tribunal a sua total improcedência nos seus acórdãos de 09.07.2014 e de 25.09.2014 [respetivamente, Procs. n.ºs 0561/14 e 0799/14 consultáveis no mesmo sítio].

VI. Como linha fundamentadora dos acórdãos acabados de citar extrai-se, no segmento que aqui ora releva, que o “Governo, no DL n.º 45/2014 … no exercício da função legislativa, exprimiu a sua vontade política inovadora e aprovou (art. 1.º) o processo de privatização da B............ (…). Disciplinou os aspetos essenciais do regime de alienação das ações representativas do respetivo capital, mas, no artigo 14.º, consignou, entre outras coisas, que «os demais termos do concurso», as «condições finais e concretas da oferta dirigida a trabalhadores» e a aprovação do caderno de encargos «são estabelecidas mediante Resolução do Conselho de Ministros»”, pelo que vindo peticionada, nomeadamente, a suspensão das “prescrições contidas nos números 1, 3, 4 e 5 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, ato jurídico que contém a menção expressa de que foi emanado «nos termos do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 45/2014 … e das alíneas c) e g) do artigo 199.º da Constituição»”, então, nenhuma dúvida existe “que os comandos em causa … foram adotados ao abrigo de lei precedente na qual se encontram assumidas as opções políticas primárias que competiam ao legislador. (…) Determinar a abertura do concurso para efetivar a alienação do capital da B............ e regular os seus termos, determinar que são alienadas 100% das ações, aprovar o caderno de encargos do concurso público, aprovar os termos do exercício pelos municípios da opção de alienação das participações sociais por aqueles detidas no capital das entidades gestoras dos sistemas multimunicipais nas quais a B............ é acionista e aprovar algumas condições da oferta pública de venda de ações da B............, dirigida exclusivamente aos trabalhadores desta, são, todas elas resoluções credenciadas pelo DL n.º 45/2014 … (vide artigos 2.º e 14.º), normativo legal que as fundamenta e limita, sendo o seu primeiro e imediato parâmetro de validade”, termos em que “os atos suspendendos foram produzidos no exercício de uma competência administrativa, secundária, subordinada e condicionada, previamente tipificada no DL n.º 45/2014, para concretização prática dos interesses superiores anteriormente definidos por este diploma”, já que são “atos jurídicos procedentes do exercício da função administrativa, sendo que, contra o que defende a entidade demandada, não se transmutam em atos legislativos por aquela entidade, em certos pontos da sua atividade reguladora de concretização, para se conter no âmbito das normas de competência e não se afastar da vontade já constituída que lhe cumpria respeitar, ter optado por repetir, nos seus exatos termos, o que já constava da lei habilitante. E não passam, igualmente, a legislativos porque os requerentes, centram o ataque que lhes dirigem em alegadas inconstitucionalidades da lei habilitante. A arguição é legítima e apropriada (vide artigos 204.º e 280.º da CRP), sendo que a natureza intrínseca dos atos jurídicos e a sua relação de pertença a uma ou a outra das funções do Estado não varia consoante os tipos de vícios que concretamente lhes são assacados”.

VII. Para de seguida concluir que “os atos suspendendos foram praticados no exercício da função administrativa e, por consequência, improcede a exceção de incompetência absoluta dos tribunais da jurisdição administrativa”.

VIII. Secundando e reiterando-se o posicionamento firmado nos acórdãos acabados de convocar, em especial os mais recentes por inteiramente transponíveis para o juízo da exceção de incompetência absoluta suscitada pela entidade requerida com fundamento no disposto no art. 04.º, n.º 2, al. a) do ETAF, importa, sem necessidade do desenvolvimento doutros considerandos, concluir pela total improcedência da referida exceção.

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2.2.2. DO INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DOS ATOS EXECUÇÃO INDEVIDA [art. 128.º CPTA]

IX. Alega tão-só o requerente do incidente, o «MS» [cfr. fls. 450/459], que os “atos materialmente administrativos constantes do Decreto-Lei n.º 104/2014” e corporizados nos seus arts. 04.º e 06.º são manifestamente ilegais por ofensa aos princípios da proteção da confiança e da boa fé (arts. 02.º e 266.º da CRP, 06.º do CPA), à autonomia das autarquias locais (art. 06.º, n.º 1 da CRP) e violam os arts. 34.º, n.º 1 do DL n.º 133/2013, 03.º do DL n.º 53/97, 05.º, n.º 2, 06.º, 08.º, n.º 1, 09.º, 10.º e 18.º dos Estatutos da “A………… …, SA”, pelo que devem ser declarados ineficazes.
Vejamos.

X. Resulta do art. 128.º do CPTA, sob a epígrafe de “proibição de executar o ato administrativo”, a proibição da Administração executar um ato administrativo uma vez interposta que seja contra ele uma providência cautelar de suspensão de eficácia.

XI. Pretende-se com o mesmo assegurar que, uma vez interposta uma providência cautelar com aquele alcance, a autoridade administrativa a partir do momento em que receba o duplicado do pedido de suspensão fique impedida de iniciar ou prosseguir a execução desse ato, estando obrigada a impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados levem a cabo tal execução, a menos que, no prazo de 15 dias, mediante resolução fundamentada afirme que a execução é urgente porque o seu diferimento “seria gravemente prejudicial para o interesse público”.

XII. A emissão da “resolução fundamentada” por parte da Administração constitui o exercício duma prerrogativa que apenas faz sentido ser utilizada na medida em que seja indispensável para dar resposta a situações de especial urgência, sendo que estribada na mesma a Administração pode, dessa forma, prosseguir com a execução do ato, possibilidade que a mesma goza até que venha a ser proferida decisão judicial de procedência no âmbito do incidente de declaração de ineficácia dos atos praticados ao abrigo daquela resolução ou no âmbito do processo cautelar de suspensão de eficácia, situação que gera a automática caducidade da “resolução fundamentada” [cfr. Ac. do STA/Pleno de 05.06.2012 - Proc. n.º 0900/11 consultável no mesmo sítio].

XIII. Frise-se, por outro lado, que a permissão de execução do ato administrativo não obstante a propositura duma providência cautelar constitui um mecanismo excecional, pontual, apenas admissível e legítimo para aquelas situações em que se verifique grave prejuízo para o interesse público com a imediata suspensão da execução do ato e que reclamam urgência naquele prosseguimento, tanto mais que, por vezes, é o próprio interesse público que pode conduzir à suspensão de molde a evitar a consolidação de situações irreversíveis, a lesão de liberdades públicas ou direitos fundamentais do requerente e/ou de contrainteressados.

XIV. É que com a proibição de execução do ato suspendendo decorrente da propositura da ação cautelar visa-se assegurar a manutenção do efeito útil à própria tutela cautelar de molde a evitar que quando o julgador tome posição sobre aquele litígio essa sua decisão ainda faça sentido ou tenha utilidade à luz mormente dos direitos e interesses que o requerente queria ver acautelados.

XV. Importa ter presente que, por exigência legal, a Administração através da “resolução fundamentada” terá de indicar as razões que, em seu entendimento, militam no sentido da existência duma situação especial de grave urgência no prosseguimento da execução do ato administrativo suspendendo, na certeza de que tal resolução não é objeto de impugnação autónoma desligada da existência de atos concretos de execução.

XVI. Presentes o quadro factual supra fixado [cfr. n.ºs III) a V)], o quadro legal convocado e os considerandos sobre o mesmo tecidos, resulta não poder proceder o incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida formulado.

XVII. Explicitando as razões deste juízo de improcedência do incidente temos, desde logo, que a “resolução fundamentada” em questão contém, de forma clara e suficiente, a explicitação das razões pelas quais ocorreria prejuízo grave para o interesse público decorrente do impedimento da prática de atos de execução do ato suspendendo.

XVIII. Mas, ainda que assim se não considere, temos que os pretensos atos administrativos corporizados nos arts. 04.º e 06.º do DL n.º 104/2014 não o são efetivamente já que de atos normativos se trata tal como este Supremo Tribunal decidiu no seu recente acórdão de 09.10.2014 [Proc. n.º 0951/14 consultável no mesmo sítio], reportando-se a diploma legal similar ao aqui em questão, termos em que manifestamente não são suscetíveis de sujeição ao incidente em análise.

XIX. Pelo exposto, impõe-se o indeferimento do incidente de declaração de ineficácia deduzido nos termos do art. 128.º do CPTA inserto a fls. 450/459 dos autos.

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2.2.3. DA PRETENSÃO CAUTELAR DO REQUERENTE À LUZ DOS CRITÉRIOS DECISÃO DO ART. 120.º CPTA

XX. Estriba o requerente a sua pretensão numa alegada verificação, no caso em presença, dos pressupostos legais que se mostram exigidos pelos critérios de decisão constantes do art. 120.º, n.ºs 1, als. a) e b) e 2 do CPTA, pelo que conclui pela procedência do pedido cautelar deduzido.
Analisemos, percorrendo a ordem definida pelo citado preceito.

XXI. É comummente aceite e sabido que o legislador através da reforma operada pelo CPTA procurou evitar que o tardio julgamento do processo principal pudesse determinar a inutilidade da sua decisão ou fosse responsável pela colocação do interessado numa situação de facto consumado ou numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilizasse a possibilidade de reverter à situação que teria se a ilegalidade não tivesse sido cometida.

XXII. Daí que e de molde a evitar a verificação ou produção de tais perigos, assegurando dessa maneira a utilidade da sentença, veio no art. 112.º do CPTA a consagrar-se ou a autorizar-se o decretamento de medidas cautelares enquanto medidas destinadas a garantir que a decisão a proferir no processo principal possa produzir os efeitos que lhe são próprios e, dessa forma, repor a legalidade ofendida.

XXIII. Previu e exigiu o legislador, todavia, que o decretamento de tais providências esteja sujeito ao preenchimento dos pressupostos fixados no art. 120.º do mesmo código, mormente, o da al. a) do n.º 1 do citado preceito aqui desde logo em questão face aos termos da invocação feita pelo requerente [cfr., nomeadamente, os arts. 31.º a 63.º, 64.º a 85.º do requerimento inicial].

XXIV. Neste normativo do CPTA autonomizam-se as situações de providências dirigidas contra atos/normas manifestamente ilegais, por si ou por referência a atos/normas idênticos já anteriormente anulados, declarados nulos ou inexistentes e contra atos de aplicação de normas já anulados.

XXV. E o seu decretamento é quase automático na medida em que assenta em requisitos objetivos, fazendo apelo a um critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público [sob a forma do princípio da legalidade - a Administração não deve praticar tais atos] e a tutela dos interesses privados [particular tem direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada].

XXVI. O critério legal definido na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA centra-se ou tem seu cerne na expressão “evidente procedência da pretensão” enquanto reportada à invocada posição jurídica subjetiva alegada ou a alegar no processo principal, sendo que o julgador cautelar é convocado para a emissão dum juízo procedência ou concludência sobre mesma sem que isso envolva, ainda assim, uma decisão sobre o mérito da causa.

XXVII. Se é certo que, por regra, a demonstração do bonus ius em termos cautelares se basta com o fumus, enquanto juízo de verosimilhança a obter de modo sumário [summaria cognitio], o que ocorre é que neste critério de decisão o legislador, ao introduzir e exigir ao juízo cautelar o atributo qualificado da evidência da “procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal”, acaba por aproximar o juízo cautelar do juízo de mérito da ação principal.

XXVIII. Nessa medida, face ao tipo de juízo cautelar em questão temos que pelo grau de exigência colocado na sua decretação, mercê dum “aproximar” a decisão cautelar da decisão principal quanto a um juízo de mérito, dúvidas não temos de que só em casos extremos e excecionais será possível afirmar-se, com segurança, que a procedência da ação principal é de tal modo evidente que não há razão para deixar de conceder a providência.

XXIX. Tal juízo de «evidência» é, assim, tributário duma ideia de clareza, dum caráter inequívoco para um qualquer jurista, realidade essa de que são nítido exemplo as três situações enunciadas na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA [ou seja, a existência de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo, a aplicação de norma já anteriormente anulada e o ato manifestamente ilegal], consubstanciando as mesmas situações em que o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na ação administrativa principal se revela ou se afirma, no caso, como patente, notório, visível e com forte ou intenso grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê da semelhança ou paralelo com os julgados invalidatórios anteriores e, bem assim, da natureza ostensiva/grosseira da ilegalidade cometida.

XXX. Estamos, nessa medida, como referimos na presença de critério excecional que abrange apenas as situações em que é mais do que provável que a pretensão do requerente venha a ser julgada procedente, de situações de nulidade evidente ou de ilegalidade grosseira, em que se impõe e exige, sem a necessidade de aferição de quaisquer outros requisitos, a decretação da tutela cautelar enquanto meio de reposição, ainda que provisório, da legalidade e, mais latamente, do Direito.

XXXI. Note-se, por outro lado, que nesta sede quanto à situação de manifesta ilegalidade a aferição da evidente procedência da pretensão/ação administrativa principal terá de ser efetuada quando estamos em presença de pretensões impugnatórias à luz das ilegalidades que se mostram assacadas ao ato administrativo em crise tal como se mostra alegado no requerimento inicial do processo cautelar e da prova de factualidade que as integre ou preencha.

XXXII. O carácter manifesto da ilegalidade não se compadece, assim, com aturados trabalhos de análise e de subsunção jurídica que é trazida a juízo pelas partes, nem pode derivar duma análise aprofundada de várias posições doutrinais ou jurisprudenciais que as partes tragam aos autos para fazer valer a sua pretensão.

XXXIII. A mesma tem de se apresentar ou como não contestada/aceite pela contraparte, ou, então, de se revelar de forma inequivocamente simples, de modo a que lançando-se mão de conceitos jurídicos igualmente simples se possa concluir pela evidência da pretensão.

XXXIV. É que a providência cautelar não se destina a definir em termos finais as pretensões que as partes trazem a juízo, mas, ao invés, e, como supra fomos referindo, a acautelar essas pretensões da eventual perda que possa ser originada pela demora da decisão do processo principal, pelo que, nessa medida, a apreciação da pretensão que constitui o objeto do processo principal deve ser feita em termos sumários, meramente perfunctórios, de modo a que se possa proferir uma decisão no mais curto espaço de tempo e sem invadir ou esgotar aquilo que é ou constitui o objeto do processo principal.

XXXV. Como se sustentou no acórdão do Pleno deste STA de 11.12.2007 [Proc. n.º 0210/07 consultável no mesmo sítio] “o acento tónico na «evidência» da «procedência da pretensão» formulada ou a formular no processo principal … deve ser notória e visível sem necessidade de qualquer elaborada indagação. Só pode ser considerado evidente, como nele se escreveu, o «que se constata de maneira imediata e manifesta. Há uma diferença irredutível entre captar imediatamente uma evidência e realizar uma demonstração tendente a captá-la, pois esta supõe o recurso a definições, divisões ou argumentações que possibilitem e suportem a captação de uma realidade que não era patente». (…) … o preceito em questão «sugere logo que o deferimento imediato do meio cautelar, aí previsto, há-de resultar de ilegalidades patentes e flagrantes, capazes de convencer primo conspectu, e sem necessidade de um laborioso discurso coadjuvante, da procedência da ação principal»” [cfr., igualmente, Acs. deste Supremo de 24.09.2009 - Proc. n.º 0821/09, de 09.12.2009 - Proc. n.º 0799/09, de 18.03.2010 - Proc. n.º 0105/10, de 25.08.2010 - Proc. n.º 0637/10, de 27.07.2011 - Proc. n.º 0520/11, de 25.09.2012 - Proc. n.º 0588/12, 26.09.2012 - Proc. n.º 0720/12, de 06.11.2012 - Proc. n.º 0855/12, de 30.01.2013 - Proc. n.º 01253/12, de 20.03.2014 - Proc. n.º 0148/14, de 26.06.2014 - Proc. n.º 0500/14, de 25.09.2014 - Proc. n.º 0799/14 todos consultáveis no mesmo endereço].

XXXVI. Ainda no âmbito da caracterização deste critério afirmou-se no acórdão de 19.12.2012 deste Supremo [Proc. n.º 01053/12 consultável no mesmo sítio] que “é mister que o juízo de prognose se funde em algo já evidente ou manifesto, isto é, em algo que, sem recurso a complexos ou questionáveis esforços argumentativos, se capte quase «de visu». O que, contudo, também não significa que só seja evidente ou manifesto o que se deteta num primeiro olhar, ao modo da intuição sensível. Na verdade, o êxito ou o malogro do processo principal não deixarão de ser evidentes ou manifestos por se concluírem a partir dum discurso argumentativo – pois o exercício do direito faz-se por raciocínios. O que se exige, para que se diga que se atingiu um estado de evidência, é que tal discurso seja claro e sólido, eliminando quaisquer dúvidas. Todavia, há que admitir que a quantidade e a complexidade dos raciocínios utilizados, por aumentarem o risco da insinuação de erros, não são um «iter» muito apropriado à colheita de evidências. Decerto que, para tanto, o essencial é que o processo discursivo que as atinge seja objetivo e seguro; mas é inegável que sê-lo-á tanto mais quanto maior for a sua simplicidade”.

XXXVII. E por último atente-se, ainda, na argumentação expendida no acórdão deste Tribunal de 06.12.2012 [Proc. n.º 0913/12 consultável no mesmo sítio] de que uma “coisa evidente é uma coisa que não necessita de demonstração ou, apropriando-nos duma expressão popular, é «uma coisa que entra pelos olhos dentro». E, porque assim, sempre que para se chegar a uma conclusão sejam necessários diversos e complexos raciocínios é porque a mesma não é evidente. Se o fosse, essa evidência seria imediatamente apreensível e tais raciocínios seriam dispensáveis”.

XXXVIII. Cientes dos considerandos de enquadramento quanto ao critério de decisão sob apreciação temos que, presente a alegação efetuada pelo requerente cautelar no seu articulado inicial, mormente, os fundamentos de ilegalidade assacados ao ato suspendendo [01) ilegalidades decorrentes da infração ao poder autolimitado de intervenção enquanto acionista na «A…………» (sociedade anónima participada) pela B............ criada pelo DL n.º 53/97 e da forma como as participações sociais podem ser transmitidas e o respetivo Estatuto pode ser alterado fora do quadro e deveres estatutários, do CSC (arts. 01.º, n.º 2, 85.º, 328.º, n.º 2, 373.º), bem como de modo unilateral na medida em que o Estado não goza, na relação intra-societária, de ius imperii, do poder de impor aos seus acionistas – também eles públicos – decisões ou alterações aos estatutos fora do procedimento próprio de decisões societárias e alterações estatutárias (vide, também, arts. 04.º da Lei n.º 18/2013, 34.º, n.º 1 do DL n.º 133/2013, 03.º do DL n.º 53/97, 06.º, 09.º e 18.º dos Estatutos da “A………… …, SA”, 235.º, 241.º da CRP); 02) violação de lei de valor reforçado, pois um processo material ou substancialmente extintivo de empresas públicas, como o que sucede no caso, não encontra habilitação no decreto-lei autorizado que estabelece as bases gerais das empresas públicas – nem sequer, antes disso, na respetiva lei de autorização; 03) violação do art. 01.º, n.ºs 2 e 3 do DL n.º 92/2013; 04) violação do princípio da boa fé (art. 266.º da CRP e 06.º do CPA) – cfr., nomeadamente, os arts. 31.º a 63.º do requerimento inicial], importa concluir, sem margem para dúvidas, que inexiste manifesta ou evidente procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.

XXXIX. Não estando em causa “ato de aplicação de norma já anteriormente anulada” ou “ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente”, por nada alegado ou provado, restaria, então, aferir se na situação estaríamos em face de “ato manifestamente ilegal”, conclusão essa que não se logra extrair dum juízo sumário sobre os fundamentos de ilegalidade invocados pelo requerente e enunciados no ponto antecedente.

XL. Na verdade, não se descortina que o ato suspendendo padeça de ilegalidades que sejam manifestas ou inequivocamente evidentes no sentido de conduzirem à “evidência evidente” da procedência da ação principal, dado além se revelarem controvertidas entre as partes temos que a sua apreciação ou verificação mostra-se complexa, não resultando o juízo de ilegalidade como inequívoco visto envolver, pela natureza das questões em discussão [em termos fácticos/jurídicos], um juízo de perceção ou de “impressão do julgador” cautelar que não é unívoco no seu segmento decisório.

XLI. As exigências que in casu se mostram necessárias em termos da tarefa do julgador cautelar de ponderação das ilegalidades em crise à luz do regime jurídico em presença tendentes à emissão dum juízo de evidência da procedência da pretensão principal não são, no caso concreto, compatíveis ou compagináveis com o tipo de juízo decorrente da citada al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, na certeza de que a solução das questões jurídicas em que se estribam os fundamentos de ilegalidade suscitados, estando longe de uma posição pacífica, tem sede própria na ação principal.

XLII. Assente que se mostra que a adoção de providência cautelar pretendida não tem enquadramento na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA prevêem-se no mesmo normativo e para o segmento da pretensão em presença com carácter conservatório um distinto grupo de condições de procedência que se mostram consagrados nos n.ºs 1, al. b) e 2, aí se enunciando condições de procedência que, embora com diferentes cambiantes, se podem reconduzir: a) A duas condições positivas de decretamento [periculum in mora - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e fumus boni iuris (“aparência do bom direito”) - reportado ao facto de não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou de que inexistam circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito - fumus non malus iuris]; e, b) A um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.

XLIII. Passando, então, à análise dos referidos requisitos importa, neste âmbito, ter em consideração aquilo que foi o julgamento que este Supremo já realizou nos citados acórdãos de 09.07.2014 [Proc. n.º 0561/14] e de 25.09.2014 [Proc. n.º 0799/14], autos em que, como aludimos supra, ocorre grande similitude de situações fáctico-jurídicas e pretensão.

XLIV. Assim, considerou-se nas referidas decisões como verificado o requisito do fumus boni iuris sustentando-se para tal entendimento que quando está “em causa o decretamento de providências conservatórias, o critério legal de decisão relativamente ao requisito da aparência do bom direito é um critério largo, bastando, para o efeito, que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal [art. 120.º/1/b) CPTA]” e que uma vez cotejadas as ilegalidades ali invocadas “vê-se que encerram problemas jurídicos complexos sobre os quais os requerentes desenvolveram profusa argumentação”, “que essas questões mereceram oposição por parte da entidade demandada, que lhes contrapõe outro entendimento jurídico sustentado numa retórica argumentativa igualmente alargada”, pelo neste quadro “face à complexidade dos problemas jurídicos a enfrentar, num olhar sumário sobre os autos e sobre o que cada uma das partes alegou em abono das respetivas teses, o Tribunal, desprovido de um análise mais fina e aprofundada, sem indagações e ponderações mais cuidadas e exigentes que não lhe cumpre realizar nesta sede cautelar, não está em condições de afirmar, em juízo perfunctório, que a bem estruturada argumentação dos requerentes nenhum valor tem e que, por consequência, se percebe imediata e claramente que a pretensão que formulam no processo principal não tem fundamento”.

XLV. Transpondo-se este juízo, plenamente, para o caso em presença, dúvidas não nos parecem existir de que o requisito do fumus boni iuris, na sua vertente de fumus non malus iuris prevista na al. b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, se tem de ter como verificado, tanto mais que nos procedimentos cautelares de natureza conservatória a prova deste requisito se basta com uma prova provisória, enquanto juízo de simples verosimilhança e que se carateriza no confronto com o exigido naquela ação por um menor grau de probabilidade [ainda que sério e fundado] da verificação da existência do facto e da violação do direito/interesse legalmente protegido.

XLVI. E quanto ao requisito do periculum in mora igual conclusão importa ser retirada presente a realidade que se mostra carreada para os autos, certo que, como alega o requerente existe um fundado o receio de que quando culmine o processo principal e sobre ele venha a ser proferida uma decisão definitiva, haja muito sido concluído o processo de privatização e consumados factos de difícil ou de improvável reparação.

XLVII. No acórdão deste Supremo de 31.10.2007 [Proc. n.º 0471/07 in: «www.dgsi.pt/jsta»] afirmou-se que numa “aceção lata, todo o facto acontecido consuma-se «qua tale», dada a irreversibilidade do tempo; mas não é obviamente esse o sentido da expressão da lei. Na economia do preceito, o «facto» será havido como «consumado» por referência ao fim a que se inclina a lide principal, de que o meio cautelar depende; e isto significa que só ocorre uma «situação de facto consumado» quando, a não se deferir a providência, o estado de coisas que a ação quer influenciar ganhará entretanto a irreversível estabilidade inerente ao que já está terminado ou acabado – ficando tal ação inutilizada «ex ante»” [entendimento este reiterado e reafirmado também no acórdão de 02.12.2009 - Proc. n.º 0438/09 consultável no mesmo sítio].

XLVIII. Nesta sequência se mostra também o entendimento que foi firmado no acórdão deste Supremo de 09.07.2014 [Proc. n.º 561/14], reiterado no referido acórdão de 25.09.2014 [Proc. n.º 0799/14], quando a propósito do requisito do periculum in mora se referiu que com o mesmo se visa apurar se “a prolação tardia de um juízo definitivo na causa principal é suscetível de promover danos em grau tal ou uma situação de tal modo irreversível que a eficácia reintegratória da decisão principal já não assegure a plena reconstituição anterior, por a mesma ser muito difícil ou impossível” e, apreciando este concreto requisito na situação ali em questão, afirmou-se que num “juízo de prognose, na situação futura de hipotética sentença de provimento no processo principal, cuja duração se antevê demorada, com passagem pelo Tribunal Constitucional, é muito provável que, durante o tempo que mediará até à decisão da ação por sentença transitada em julgado, se tenha concluído o processo de venda das ações da B............ a entidades privadas e concretizado a transformação da natureza jurídico – societária (…). (…) Por isso, sem o decretamento das providências cautelares, na hipótese de ganho de causa no processo principal, tendo em conta os interesses envolvidos (…) há uma forte probabilidade de se constituir uma situação que retire a possibilidade ou torne improvável, em sede executiva, a reintegração específica da ordem jurídica violada, mediante a reposição do status quo antepericulum in mora – comprometendo a satisfação dos interesses que os requerentes visam assegurar na ação”.

XLIX. Secundando-se este juízo, válido e aplicável na situação sub judice, mostra-se, pois, também como verificado na referida vertente o requisito positivo do periculum in mora.

L. Importa, agora, aferir do requisito ou pressuposto negativo previsto no n.º 2 do art. 120.º do CPTA [requisito relativo à ponderação da adequação/equilíbrio em termos da decisão de concessão ou recusa da providência], já que a despeito de estarem verificados os requisitos positivos exigidos para a adoção da providência a mesma ainda assim será recusada “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa” [cfr. art. 120.º, n.º 2 CPTA].

LI. Neste preceito introduz-se aquilo que já foi denominado como “cláusula de salvaguarda”, constituindo um critério adicional de ponderação que coloca, num mesmo patamar, os diversos interesses [públicos e/ou privados - requerente/requeridos], que, no caso concreto se perfilam ou estão em jogo.

LII. Exige-se que o julgador cautelar na justa composição dos interesses contrapostos em presença proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos referidos interesses, balanceando os danos/prejuízos que a atribuição ou a recusa da providência possa envolver para os interesses públicos e/ou privados contrapostos.

LIII. É, assim, que, no contraste entre os prejuízos que a execução causará ao requerente e os danos que a suspensão provoca aos interesses prosseguidos pelo ente requerido, deve dar-se prevalência aos de mais elevada consideração ou de maior intensidade, sendo que nesta ponderação, que nem sempre é fácil de fazer, o tribunal procura sopesar os interesses públicos relativos prosseguidos pela execução do ato com os interesses [particulares e/ou públicos] obtidos com a sua suspensão.

LIV. A decisão num sentido ou noutro tem que ser feita de modo justo e equilibrado, evitando sacrifícios injustificados e desproporcionados dos direitos e dos interesses tocados pelo ato.

LV. Os índices dos interesses públicos cuja “tutela” em termos de perdas ou de danos impõem a eficácia imediata do ato têm que se encontrar no circunstancialismo que rodeou a sua prática, especialmente nos fundamentos, e nas razões invocadas pelo requerido, sendo necessário, no entanto, ter presente que a apreciação da lesão do interesse público a partir dos fundamentos do ato não significa qualquer resignação à presunção da sua legalidade.

LVI. No caso sub judice o requerente cautelar, na alegação daquilo que seriam os danos para a sua esfera jurídica, refere que os prejuízos que pretende evitar são muito superiores ao dano que resultará para o ente requerido «CM» da adoção da providência, já que, estando em causa alegadas violações de normas e princípios constitucionais, de direitos fundamentais, de regras e princípios contratuais, o mesmo visa “assegurar, proteger e prosseguir o interesse das respetivas populações”, para além de que com a “privatização da B............” deixa o serviço público de recolha e tratamento de resíduos sólidos de ser assegurado se “efetuado por entidade privada” já que “esta privilegiará o lucro, com consequente aumento de preços para a população”, sendo que verá a sua posição acionista desprotegida, bem como a affectio societatis e de todo o processo e pressupostos que presidiram à criação da “A………… …, SA”.

LVII. Por seu turno, o ente requerido «CM» sustenta que uma adequada ponderação dos interesses em presença “demonstra à evidência que os prejuízos decorrentes do eventual decretamento da providência seriam bem mais graves do que os supostos danos para os requerentes decorrentes da não concessão desta, razão pela qual a adoção da providência cautelar requerida se revelaria, indubitavelmente, excessiva e desproporcionada” já que é o deferimento da pretensão cautelar que se revela como gravemente prejudicial para o interesse público tal como definido para o setor dos resíduos urbanos [cfr. arts. 88.º e segs. da oposição].

LVIII. Argumenta-se, em suma, que não há lugar a qualquer extinção de pessoas coletivas públicas, nem o requerente explica como tal extinção, a existir, lhe causaria danos; que ao invés os municípios podem vir a lucrar significativamente com a privatização da «B............»; que as invocadas violações de normas e princípios constitucionais e de direitos fundamentais são questões de suposta ilegalidade a discutir em sede de ação principal e que não relevam para esta sede de ponderação de prejuízos; que não colhe a afirmação de que com a privatização haverá uma inviabilização da defesa dos interesses das suas populações em termos de qualidade ambiental e do valor tarifário e da garantia da qualidade e da manutenção de um serviço público essencial porquanto “a entidade gestora continuará a ser, depois da privatização, uma sociedade comercial como já é hoje; e continuará a prosseguir a sua atividade nos exatos moldes em que o faz hoje: nos termos de um contrato de concessão” e “[a]través do contrato de concessão a sociedade gestora, seja ela pública ou privada, fica encarregada pelo Concedente de levar a cabo uma tarefa de interesse público”, sendo que do “ponto de vista do compromisso da entidade gestora com o interesse público nada muda com a reprivatização”.

LIX. Mais se sustenta neste quadro que a concretização das metas do «PERSU» 2020 “implica um esforço de investimento cujo financiamento depende de Fundos Comunitários Europeus e a captação de recursos pelos acionistas das empresas concessionárias”; que “a reprivatização da B............ torna-se necessária para garantir a sustentabilidade económico-financeira do sector dos resíduos urbanos, num tempo em que o Estado tem escassos recursos e em que, para garantir a estabilidade orçamental, tem que reduzir a despesa pública”; que “só a alienação da B............ permitirá viabilizar o esforço financeiro associado ao cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental e promover soluções de maior eficiência e eficácia económica que asseguram a prestação aos utilizadores dos sistemas de um serviço público de excelência”; que esse esforço financeiro “depende em parte de financiamento comunitário, sendo que as condicionantes do programa de apoio comunitários a Portugal 2020 impõem a necessidade de um novo modelo de gestão que favoreça a estabilidade económica dos sistemas de infraestruturas existentes no sector”; que “suspender o concurso de privatização seria inviabilizar a venda da B............ e, consequentemente, inviabilizar o esforço financeiro de que o sector necessita”; que decretar a providência “equivaleria, na prática e seguramente, a anular o concurso em curso: nenhum concorrente iria manter-se no mesmo durante o tempo necessário – os anos necessários – para a decisão final da ação principal” e sendo que “certamente nenhum investidor quererá vir a participar num processo com tão grande grau de incerteza”; que o “decretamento da providência teria o efeito real de inviabilizar a decisão de reprivatização, decisão que é da exclusiva competência do Governo, nos termos da Constituição e da lei”; que “a suspensão do concurso poria … em causa o interesse dos municípios que decidiram exercer a opção de venda das suas ações” e “em condições extremamente favoráveis e com impacto direto nas respetivas receitas”; que o decretamento da providência “[a]carretaria ainda o incumprimento de uma obrigação constante do Memorando de Entendimento”, “gravíssimos efeitos no sector” e “poria em causa a confiança que os investidores depositaram na reprivatização da B............ e os interesses daqueles que se apresentaram a concurso” [04 concorrentes estrangeiros e 03 nacionais] e, bem assim, o “clima de retoma da confiança na economia nacional” o que “seria gravíssimo para o interesse público e de todos os portugueses”.

LX. Presentes os contornos da situação vertente nos termos em que se mostram trazidos aos autos pelas partes e aquilo que são os danos/prejuízos para interesses em confronto decorrentes da decisão cautelar de decretamento ou da sua recusa entende-se que, à luz do critério imposto pelo n.º 2 do art. 120.º do CPTA, o juízo de ponderação pende para o lado dos interesses invocados pelo ente requerido «CM», impondo-se a recusa da providência de molde a evitar os danos/prejuízos enunciados aos interesses prosseguidos por aquele, danos/prejuízos esses que se revelam substancialmente superiores àqueles que se perspetivam poderem eventualmente existir com a não decretação da providência na esfera do requerente.

LXI. Tal como se considerou no acórdão deste Supremo de 09.07.2014 [Proc. n.º 561/14], juízo que foi reiterado pelo acórdão de 25.09.2014 [Proc. n.º 0799/14] “a argumentação do Conselho de Ministros é forte e persuasiva e decorre de factos verosímeis que credibilizam a ideia de que, nos termos expostos, os danos para o interesse público que resultariam da adoção da providência se mostram superiores aos que podem resultar da sua recusa para os interesses que … defendem na ação principal” sendo que a argumentação pretensiva cautelar não se revela convincente já que “[d]escontadas as considerações, irrelevantes nesta sede, acerca das supostas ilegalidades dos atos suspendendos e sobre a bondade e oportunidade das escolhas do Governo relativas à privatização da B............, o bem mais valioso, o interesse mais relevante que … invocam como carecendo de imediata proteção cautelar e que poderia ser determinante nesta ponderação, inclinando-a para o seu lado, é o da garantia da qualidade e manutenção de um serviço público essencial às populações utilizadoras. (…) Todavia, a alegação não está substanciada em qualquer facto concreto que permita firmar o juízo de que, por causa da alienação do capital da B............ a investidores privados, o serviço público em causa será suprimido ou passará a ser de inferior qualidade. E não é apodítico que a privatização, por si só, implique, necessariamente, qualquer um daqueles efeitos danosos para as populações utilizadoras”.

LXII. Com efeito, importa frisar que a alegação feita pelo requerente no seu requerimento inicial, mormente a quando e a propósito da demonstração do preenchimento do requisito do “periculum in mora” na vertente dos prejuízos de difícil reparação, revela-se hipotética, insubsistente, não credível e, em grande parte, meramente abstrata e conclusiva, termos em que se o “prato” da balança, no momento inicial do juízo de ponderação previsto no n.º 2 do art 120.º do CPTA poderia estar a “pender” para a esfera do requerente mercê deste haver logrado demonstrar o preenchimento dos requisitos positivos do art. 120.º, n.º 1, al. b) do CPTA, temos que tal não se confirma ou se constata no final do juízo de ponderação, já que os danos invocados pelo ente requerido a que se aludiu supra decorrentes duma eventual decretação da providência são superiores aquilo que seriam os hipotéticos danos sofridos pelo requerente e de que o mesmo fez apelo.

LXIII. Nessa medida e considerando tudo o atrás exposto, impõe-se negar a tutela cautelar peticionada pelo requerente.


3. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Indeferir o incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida;
B) Julgar totalmente improcedente a pretensão cautelar sub judice, recusando a providência requerida.
Não são devidas custas dada a isenção legal do requerente [cfr. art. 04.º, n.º 1, al. g) do RCP].
D.N..


Lisboa, 23 de outubro de 2014. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.

Segue acórdão de 27 de Novembro de 2014
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. “CONSELHO DE MINISTROS”CM»], devidamente identificado nos autos e uma vez notificado do acórdão deste Supremo, datado de 23.10.2014, que improcedeu a providência cautelar deduzida pelo requerente “MUNICÍPIO DO BARREIRO”, igualmente identificado nos autos, veio, ao abrigo do art. 616.º, n.º 1 do CPC/2013, apresentar o presente pedido de reforma daquele acórdão no segmento relativo à decisão quanto às custas, sustentando, em suma, dever aquele requerente cautelar ser responsabilizado pelas custas dada a verificação da condição resolutiva da concessão da isenção de custas [art. 04.º, n.º 6 do RCP] ou, pelo menos, pelos encargos e custas de parte face ao disposto no n.º 7 do referido art. 04.º [cfr. fls. 607/612].

1.2. Devidamente notificado o requerente cautelar, aqui ora reclamado, o mesmo não veio produzir qualquer resposta [cfr. fls. 608 e segs.].
1.3. Sem vistos cumpre apreciar e decidir em Conferência.
2. ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DA QUESTÃO
Constitui objeto de apreciação nesta sede o segmento decisório do acórdão em referência que isentou de custas o requerente cautelar por, alegadamente, contrariar o que se preceitua nos arts. 527.º do CPC e 04.º, n.ºs 6 e 7 do RCP.
I. O n.º 1 do art. 616.º do CPC/2013, aplicável ex vi arts. 01.º e 140.º do CPTA, permite às partes requererem ao tribunal que proferiu a decisão a sua “reforma quanto a custas e multa”, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do mesmo preceito [relativo às situações em que caiba recurso da decisão que haja condenado em custas ou multa].

II. Se a decisão proferida pelo julgador quanto a custas e multa, ou só quanto a custas ou quanto a multa, for ilegal no entendimento da parte, isto é, se esta considera que a decisão interpretou ou aplicou erradamente a lei pode a mesma pedir que seja reformada.

III. Decorre do art. 04.º do RCP [na redação anterior à alteração operada pela Lei n.º 72/2014, de 02.09 - cfr. seus arts. 10.º e 11º] que “[e]stão isentos de custas: ... g) As entidades públicas quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias”.

IV. Mais se disciplina no mesmo normativo que “[s]em prejuízo do disposto no número anterior, nos casos previstos nas alíneas b), f), g), h), s) e t) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, a parte isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida” [n.º 6], sendo que “[c]om exceção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará” [n.º 7].

V. No caso o ora reclamante pretende a reforma quanto ao julgamento de isenção de custas do requerente cautelar porquanto considera, num primeiro fundamento, que apesar da isenção de custas do requerente, juízo que não impugna, o mesmo deveria ser condenado/responsabilizado pelos encargos a que deu origem já que ficou totalmente vencido [n.º 6 do art. 04.º do RCP].

VI. Analisados os termos dos autos e do acórdão em crise temos que será de improceder a reclamação deduzida porquanto a decisão de isenção de custas subjetiva do requerente cautelar em decorrência do juízo de improcedência da pretensão pelo mesmo deduzida não invalida e/ou não interfere com aquilo que legalmente se mostra previsto nos n.ºs 6 e 7 do art. 04.º do RCP.

VII. Com efeito, uma decisão judicial de isenção subjetiva do requerente cautelar quanto a custas no quadro da referida alínea ainda que nada seja dito pressupõe sempre que tal juízo é feito sempre sem prejuízo daquilo que são as decorrências previstas legalmente nos n.ºs 6 e 7 do referido art. 04.º, ou seja, de que a parte isenta de custas não fica eximida da obrigação de pagamento de encargos e de custas de parte que sejam devidas nos termos legais.

VIII. Se assim é e deve ser entendido, então, a decisão alvo de impugnação não viola os preceitos convocados pelo reclamante já que o juízo de isenção subjetiva de custas do requerente nos termos da al. g) do n.º 1 do art. 04.º do RCP não implica que aquele fique eximido, no termos dos n.ºs 6 e 7 do mesmo preceito, à obrigação de suportar os encargos havidos e as custas de parte que sejam legalmente devidas, imposições/vinculações essas que recaem sobre o mesmo, decorrendo dos próprios termos legais, e cuja enunciação/explicitação no segmento decisório não se revelará necessário.

IX. Não assiste, por conseguinte, razão ao reclamante no pedido de reforma que formular pelo que se impõe concluir pela improcedência da impugnação.
3. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em indeferir o pedido de reforma.
Custas do incidente a cargo do requerido cautelar, aqui ora reclamante, fixando-se a taxa de justiça em ½ UC [arts. 527.º do CPC/2013, 189.º do CPTA, 07.º do RCP e Tabela II ao mesmo anexa].
Notifique-se.
D.N..
Lisboa, 27 de novembro de 2014. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.