Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01471/17.1BEPRT
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
REDE DE DISTRIBUIÇÃO DE GÁS
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:As normas que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético” não violam os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos, da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroactividade da lei fiscal, nem o princípio da especificação orçamental.
Nº Convencional:JSTA000P28494
Nº do Documento:SA22021111001471/17
Data de Entrada:07/13/2021
Recorrente:REN PORTGÁS - DISTRIBUIÇÃO, SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por REN PORTGÁS - Distribuição, SA, melhor sinalizada nos autos, visando a revogação da sentença de 05-01-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação intentada contra o despacho proferido em 21/04/2017 pelo Sr. Diretor da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidades dos Grandes Contribuintes, o qual indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra o acto de autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) n.º 27000001151, relativa ao ano de 2016, no valor de € 3.703.564,38, bem como acto de autoliquidação n.º 2700002204, no valor de € 3.768.534,50, e absolveu a AT do pedido.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente REN PORTGÁS - Distribuição, SA, as seguintes conclusões:

A) O Requerimento de interposição de recurso, acompanhado das respetivas Alegações, apresentado nesta data, é tempestivo.
B) O objeto do Recurso é constituído pela Sentença proferida nos autos de Impugnação Judicial n.° 1471/17.1BEPRT, em 29 de dezembro de 2020, no segmento decisório dedicado à apreciação do mérito da causa e à consequente condenação da Recorrente em custas, concordando-se com a Sentença recorrida na parte em que o Tribunal a quo admite a ampliação dos autos por forma a que os mesmos passem a versar sobre o ato de liquidação n.º 2700002204, decorrente da entrega da Declaração Modelo 27 de substituição, e, bem assim, na parte em que determina a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
C) A RECORRENTE entende que a Sentença recorrida incorre vício de omissão de pronúncia, por não se debruçar, em toda a linha, sobre a alegada violação da regra da especificação orçamental, geradora de ilegalidade abstrata ou de inconstitucionalidade indireta, conforme invocado, tempestivamente, pelo Recorrente em sede de Alegações escritas.
D) A RECORRENTE entende, também, que a Sentença recorrida incorre, ainda, em vício de erro de julgamento no que tange:
(i) à apreciação da natureza jurídica da CESE, e, bem assim, do juízo de preclusão quanto à apreciação da violação do princípio da capacidade contributiva, na vertente de igualdade material, e da violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real (artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa - “CRP”); e, bem assim,
(ii) à apreciação da alegada violação do princípio da proporcionalidade e da igualdade na repartição dos encargos públicos (artigo 103.º, n.º 1, da CRP);
(iii) à apreciação da alegada violação dos princípios da confiança, da segurança jurídica e da não retroatividade da lei fiscal (artigos 2.° e 103.°, n.º 3, da CRP).
E) A RECORRENTE invocou, nos artigos 106.° a 144.° e nas Conclusões Ivi) a Iviii) das Alegações escritas, no âmbito da Impugnação Judicial, em 9 de maio de 2018, a violação da regra da especificação orçamental, a qual inquina o ato tributário dos vícios de ilegalidade abstrata ou de inconstitucionalidade indireta.
F) A Recorrente sustentou a sua alegação em quatro Pareceres jurídicos, um da autoria do Prof. Dr. José Casalta Nabais, um da autoria da Prof. Dra. Maria d’Oliveira Martins, um da autoria do Prof. Dr. Joaquim Freitas da Rocha, e um último da autoria do Prof. Dr. Eduardo Paz Ferreira e da Prof. Dra. Clotilde Celorico Palma, devidamente junto aos autos.
G) A invocação deste fundamento em sede de Alegações é própria e admissível, uma vez que cominação desse vício é a nulidade típica ou integral, por se reconduzir à previsão das alíneas k) e l) do artigo 161.º do CPA, a qual será invocável a todo o tempo, ou, pelo menos, até ao trânsito em julgado da Sentença, na esteira do que vem sendo defendido pela jurisprudência e doutrina relevantes.
H) Mas ainda que se entenda - o que apenas se concebe por mera cautela de patrocínio, atenta a jurisprudência e doutrina existentes anteriormente às previsões consagradas nas referida alíneas k) e l) do artigo 161.º do CPA, a que entende se subsumir o caso dos presentes autos -, que, neste caso, a nulidade de que padece o ato de liquidação em crise não é suscetível de ser invocado a todo o tempo, ou que antes deve intervir a anulabilidade, sempre se dirá que as questões de constitucionalidade deverão ser suscetíveis de ser invocadas e conhecidas (ainda que oficiosamente) pelo Tribunal até ao trânsito em julgado dos presentes autos, dada a relevância das normas constitucionais violadas pela CESE, como entende a doutrina e a jurisprudência.
I) Ora, na Sentença recorrida, em momento algum o Tribunal a quo se debruça sobre esta questão de direito levada aos autos em sede de Alegações escritas, em manifesta omissão de pronúncia, inquinando a sentença recorrida de nulidade.
J) Assim, inegável que é a admissibilidade da questão de direito submetida ao Tribunal a quo em sede de Alegações escritas, a sua não apreciação pelo Tribunal a quo configura uma situação típica de omissão de pronúncia, a qual determina, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC a nulidade da Decisão recorrida, devendo a mesma ser revogada.
K) Ainda que a Sentença deva ser considerada nula, e por isso revogada, considerando que os autos dispõem de todos os elementos necessários à apreciação da questão omissa, requer-se ao Tribunal ad quem que, caso assim o entenda, faça uso da prerrogativa concedida pelo disposto no artigo 665.º, n.º 2, do CPC, e, assim, aprecie, em sede do presente recurso, a questão não conhecida pelo Tribunal a quo.
L) A Sentença recorrida remete a sua fundamentação para o Acórdão do STA, de 8 de janeiro de 2020, proferido no âmbito do processo 0386/17.8BEMDL, onde o STA, e, portanto, também o Tribunal a quo, entendeu que a CESE tem natureza de contribuição financeira e não de imposto, aderindo ao entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 7/2019, de 8 de janeiro.
M) A RECORRENTE não concorda com tal entendimento, desde logo porque a jurisprudência que sustenta a Sentença recorrida aprecia a conformidade constitucional de um ato de liquidação da CESE do ano 2014, o que tem largo impacto nos pressupostos daquela decisão, que se circunscrevem exclusivamente à factualidade verificada naquele período e não ao período em causa nos presentes autos: 2016.
N) A RECORRENTE insiste que a CESE se trata de um verdadeiro imposto, porque (i) se destina ao financiamento de fins gerais do Estado, e (ii) carece da bilateralidade característica das contribuições financeiras.
O) A CESE foi criada, não só com o objetivo de garantir a sustentabilidade sistémica do sector energético, mas, também, com o objetivo de angariar receita para o cumprimento das metas traçadas no programa de assistência financeira, assim onerando, especialmente, o sector energético.
P) Esta segunda finalidade da CESE, a da contribuição para a consolidação orçamental, que parece ser ignorada pela jurisprudência invocada na Sentença recorrida, é a única finalidade a que tem sido, efetivamente, alocada a receita da CESE ao longo destes sete anos, e retira à CESE o caráter bilateral cuja existência é defendida pelo Tribunal a quo.
Q) Depois, contrariamente ao pugnado pela Sentença recorrida, entende a RECORRENTE que os benefícios/custos presumidos advenientes do financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade do setor energético, através da redução da dívida tarifária e da adoção de medidas de caráter social e ambiental do setor energético, não permitem isolar os sujeitos passivos de CESE dos demais contribuintes, mas, pelo contrário, permitem alargar o escopo de presumíveis beneficiários à generalidade dos contribuintes, já que traduz uma tarefa fundamental do Estado, cabendo no elenco do artigo 9.º, al. d), da CRP.
R) A RECORRENTE insiste que não existe, com efeito, nenhuma bilateralidade quando as finalidades que se pretendem alcançar beneficiam da mesma forma a generalidade dos contribuintes e não, em específico, um determinado grupo dentro destes.
S) O Tribunal a quo não logra clarificar, cabalmente, que essas presumíveis compensações são diferentes, distintas e especiais relativamente àquelas que resultarão para a generalidade dos contribuintes não sujeitos a CESE.
T) A finalidade de promoção da sustentabilidade do setor energético mantém tanto uma “suficiente proximidade" (para utilizar a expressão exata da jurisprudência citada pelo Tribunal a quo) com a atividade do sujeito passivo como com as acima identificadas tarefas fundamentais do Estado.
U) Largando a análise do carácter genérico ou particular dos pretensos benefícios que a CESE visa custear, a Recorrente logrou comprovar, por recurso a documentos e declarações oficiais, que a receita da CESE tem custeado fins gerais do Estado, não respeitando a consignação aos fins a que se destina.
V) Não pode, senão, concluir-se que a CESE não consubstancia, de modo algum, uma contribuição, especial ou financeira, porquanto não preenche os requisitos exigidos para que estejamos perante tal figura tributária.
W) Entende a Recorrente ter mal andando a Sentença recorrida ao reconduzir a CESE à figura da contribuição financeira, constituindo a mesma um verdadeiro imposto, e ao considerar precludida a análise dos argumentos que sustentavam a inconstitucionalidade das normas que a criaram e estabelecerem o Regime da CESE, como a violação do princípio da capacidade contributiva na vertente de igualdade material, ou a violação do princípio da tributação pelo lucro real.
X) Considerando que os autos dispõem de todos os elementos necessários à apreciação das questões cuja análise foi precludida, uma vez que as mesmas se tratam de mera questão de Direito que não carece de qualquer instrução, requer- se ao Tribunal ad quem que, caso assim o entenda, faça uso da prerrogativa concedida pelo disposto no artigo 665.°, n.° 2, do CPC.
Y) A Recorrente entende não ser verdade que os montantes arrecadados com a CESE tenham sido efetivamente canalizados para a criação de um património autónomo, não sendo também verdade que a Recorrente beneficia na exata proporção da expressão económica do grupo em que se enquadra.
Z) O que é, sim, verdade é que a Recorrente contribui na medida do seu ativo, porém não logra alcançar de onde decorre que o seu presumível retorno será também ele na medida do seu ativo, já que tal não resulta de nenhum dispositivo legal, mas apenas do entendimento do Tribunal a quo.
AA) A REQUERENTE, ao negar que as finalidades a que a CESE se propõe tenham uma relação, com os seus sujeitos passivos, especial e diferente da que tem com a universalidade dos contribuintes, imputando-se, assim, o seu custo apenas a um grupo determinado de contribuintes, entende, logicamente, e contrariamente ao pugnado na Sentença recorrida, que se encontra violado o princípio da igualdade material na repartição dos encargos públicos.
BB) A Sentença recorrida mal andou ao julgar que o artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprova o Regime Jurídico da CESE, não afronta os princípios da proporcionalidade material e da igualdade material, ínsitos nos artigos 13.º e 103.º, n.º 1, da CRP.
CC) A conclusão do Tribunal pela observância do princípio da equivalência assenta na existência de um mínimo de probabilidade na obtenção dos benefícios resultantes no financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade do sector energético, porém, não é já concebível que se afirme sequer existir um “mínimo de probabilidade”, na obtenção de qualquer benefício, pelos contribuintes a ela sujeitos, conexo com as finalidades da CESE, uma vez que sete anos volvidos tal não veio a concretizar-se.
DD) Entrando na análise da observância do princípio da proporcionalidade, os termos em que se afirmou a adequação da imposição da CESE parecem ser válidos apenas para o “curto” e “transitório” período de 2014, não sendo razoável e adequado aplicar o mesmo juízo de adequação nos presentes autos em que se discute o período de tributação referente a 2018.
EE) O próprio Tribunal sublinha que há critérios mais adequados para a conformação da CESE, os quais só admite não serem aplicados pela urgência da implementação no cenário de emergência que apenas se verificava em 2014.
FF) A CESE não é, com a base de incidência que apresenta, uma medida adequada aos fins a que alegadamente se destina.
GG) No juízo que se segue, o da necessidade da imposição da CESE, a CESE só se revelaria necessária, se, e só se, os seus fins fossem, com efeito, cumpridos, o que não sucedeu.
HH) Afirma-se categoricamente que, não se tendo concretizado a esta data, e à data do ato controvertido (2016), nenhuma das finalidades a que CESE se propõe, a mesma não é necessária para o financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade energética através da redução da dívida tarifária do SEN e da adoção de políticas de cariz social e ambiental do setor energético.
II) Do que antecede decorrem duas conclusões importantes: (i) a implementação da CESE não é adequada nem necessária para os fins a que se propõe, violando o princípio da proporcionalidade e (ii) a CESE é um imposto!
JJ) Assim, mal andou a Sentença recorrida ao julgar que o artigo 228.º, da Lei n.º 83- C/2013, de 31 de dezembro, que aprova o Regime Jurídico da CESE, não viola os princípios da proporcionalidade e da igualdade, ínsito nos artigos 13.º e 103, n.º 3 da CRP.
KK) A CESE constituiu, aquando da sua criação, uma medida declaradamente circunscrita a um período de tributação, sendo justificada tal vigência temporal pelas circunstâncias de emergência estrutural vividas à data (isto mesmo foi defendido pela jurisprudência convocada a este litígio pelo Tribunal a quo).
LL) Nunca foi definido, pelo legislador, a partir de que momento, ou em que circunstâncias, se poderiam considerar cumpridos tais objetivos que justificaram a criação de uma contribuição, extraordinária, sobre o sector energético, designadamente, em que termos ou em que momento se poderia considerar assegurado um contexto de sustentabilidade sistémica do sector.
MM) Atenta a indefinição legal desse momento ou circunstância, restou aos operadores do sector energético atender às manifestações públicas do legislador aquando da discussão da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2014.
NN) Permanece a indefinição do momento a partir do qual se deixa de justificar a vigência da CESE no ordenamento jurídico-tributário português.
OO) Ora, por um lado, inexiste a proibição, expressa, de perpetuação do regime da CESE, o que tem permitido ao Governo que a CESE se mantenha em vigor pelo oitavo período de tributação consecutivo mas, por outro, continua a invocar-se o seu carácter “extraordinário" e “transitório” e, como tal, limitado no tempo, criando a legítima expectativa aos seus sujeitos passivos que, finda tal condição de extraordinariedade, o tributo seja abolido, sem, contudo, determinar em que circunstâncias, ou o momento, em que deixa de haver necessidade para a existência desta contribuição dita extraordinária (sendo certo que já vimos, em momento anterior, que a imposição da CESE não revela, com efeito, necessária, sob os padrões da proporcionalidade).
PP) Assim, o facto da CESE ter sido alvo de sucessivas prorrogações, só reforça a ideia de que esta contribuição/tributo não é, de todo, extraordinária, constituindo, outrossim, uma violação do princípio da confiança legítima dos investidores da RECORRENTE que, com a prorrogação desta contribuição, viram as suas expectativas de obtenção de retorno do investimento frustradas, consubstanciando uma ofensa ao princípio da segurança jurídica, enquanto corolário do Estado de Direito português, que decorre do artigo 2.º da CRP.
QQ) E, portanto, inegável que a forma como a CESE foi criada e se encontra gizada e moldada é demonstrativa de que o tributo não foi criado, afinal, com uma finalidade temporária ou extraordinária, constituindo, ao invés, uma situação que demonstra, precisamente, o contrário.
RR) Assim fica demonstrada a insegurança jurídica que o regime jurídico da CESE, e as suas características específicas, criaram nas entidades a sujeitos a este tributo, consubstanciando uma ofensa ao princípio da segurança jurídica, na sua vertente de confiança jurídica, enquanto corolário do Estado de Direito português, que decorre do artigo 2.º da CRP.
SS) Desde logo, a CESE, em 2014, tem natureza retroativa ao aplicar-se a factos tributários ocorridos no ano anterior à sua criação (2013), ano em que não era expectável a sua imposição.
TT) O legislador estabeleceu, no artigo 3.º, n.º 5, do regime jurídico da CESE, que o valor dos ativos é o que consta das respetivas demonstrações financeiras em 1 de Janeiro de 2016.
UU) Com efeito, o facto tributário reporta-se aos ativos registados no balanço, que se foram formando ao longo do exercício económico de 2015.
VV) A CESE não incide, pois, sobre todos os ativos a serem adquiridos durante o ano em causa, mas sobre ativos que já se encontram integrados no balanço dos sujeitos passivos há vários anos, com prazos de amortização longos, em virtude da natureza da atividade por eles desenvolvida, sendo que as empresas afetadas não puderam, de modo algum, prever o custo em causa no momento em que tomaram as respetivas decisões de investimento.
WW) Dúvidas também não restam de o Regime da CESE padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da segurança jurídica, na sua vertente de confiança jurídica, enquanto corolário do Estado de Direito português, que decorre do artigo 2.º da CRP, e, bem assim, por violação do n.º 3, do artigo 103.º, da CRP, ao impor uma tributação de factos integralmente ocorridos antes da sua entrada em vigor.
TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXAS. SEJA CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA:
A) SEJA DECLARADA NULA A SENTENÇA RECORRIDA, POR PADECER DO VÍCIO DE OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA;
B) SEJA REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, POR PADECER DE ERRO DE JULGAMENTO, E SUBSTITUÍDA A MESMA POR UMA DECISÃO QUE DÊ PROVIMENTO À PRETENSÃO DO RECORRENTE, TUDO O MAIS COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Notificada do despacho que sanou o vício de omissão de pronúncia, a recorrente vem aduzir alegações complementares, visando alargar o âmbito do recurso interposto e em que conclui o seguinte:

A) O Requerimento de ampliação do âmbito do recurso, acompanhado das presentes Alegações complementares, apresentado na presente data, deve ter-se por tempestivo.
B) O objeto do presente Recurso é constituído pela Sentença complementada e integrada pelo Despacho de 24 de maio de 2021, o qual supriu o vício original de omissão de pronúncia.
C) As presentes Alegações complementares devem integrar as inicialmente apresentadas, complementando-as, considerando que, em face do Despacho judicial de 24 de maio, a Recorrente vem ampliar o objeto do presente recurso, por forma a que o mesmo passe a abranger o segmento decisório em que o Tribunal a quo se dedica à apreciação da questão omissa - violação dos princípios e regras da discriminação e especificação orçamental.
D) Entende a RECORRENTE que o Tribunal a quo incorre, também, em erro de julgamento no que tange à apreciação da questão antes omissa - violação dos princípios e regras da discriminação e especificação orçamental.
E) A RECORRENTE que as normas contidas nos n.ºs 1, 6 e 7, do artigo 11.º, do Regime Jurídico da CESE, ao dispor que a receita da CESE é consignada ao FSSSE, encontram-se inquinadas de ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, e de inconstitucionalidade, por violação de norma constitucional, pois que a receita da CESE não se encontra devidamente especificada, como se impunha, na Lei do Orçamento do Estado para 2016.
F) Veja-se que decorre do artigo 11°, n.ºs 1, 6 e 7, do Regime da CESE que a receita obtida com a cobrança deste tributo devia encontrar-se refletida, e suficientemente discriminada, no Mapa V, que integra as "receitas dos serviços e fundos autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo", ou, pelo menos, no Mapa VI, que integra as receitas dos serviços e fundos autónomos por classificação económica.
G) Da mesma forma, a norma constante do artigo 280.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro - Lei do Orçamento do Estado para 2014 - padece dos mesmos vícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade ao criar um tributo que viola, desde o momento da sua criação, a regra da discriminação orçamental.
H) Igualmente, também o artigo 6.° Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro, padece dos mesmos vícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade, ao prorrogar a vigência do regime que cria a CESE, reincidindo nas deficiências de discriminação orçamental apontadas às normas constantes do artigo 11.°. n.ºs 1, 6 e 7, do Regime jurídico da CESE e ao artigo 280.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014.
I) Veja-se que a receita proveniente da CESE não se encontra devidamente especificada nas Leis do Orçamento do Estado, desde que esta contribuição foi criada, (auto)liquidada e exigida - anos de 2014 a 2021 -, pois, não obstante ser eventualmente possível entender-se estar incluído no Mapa V das sucessivas Leis do Orçamento do Estado, o volume de receitas totais do FSSSE, no Mapa VI, não encontramos a discriminação da mencionada receita de acordo com o classificador económico respetivo;
J) Ora, ao não se terem classificado, adequadamente, estas receitas, viola-se o princípio da legalidade ínsito no art.° 165.º, n.º 1, al. i), e no art.° 105.º da Constituição, na sua dimensão de princípio da tipicidade qualitativa,
K) E, não sendo cumprida a regra da especificação, ficam feridos de inconstitucionalidade os atos de liquidação e cobrança das mesmas, por violação das normas supramencionadas, não cumprindo estas receitas a dimensão da legalidade financeira, por não estarem inscritas no orçamento do Estado de forma adequada.
L) Consequentemente, estamos perante tributos que, se não são inexistentes, são equiparáveis a tributos inexistentes, dado que, como escreve Jorge Lopes de Sousa, "(...) A falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição será um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo".
M) Nos termos do disposto na alínea k) do n.º 2 do art.º 161.º do CPA, são nulos quaisquer atos que gerem uma obrigação de pagamento não prevista na lei - com desrespeito do princípio da legalidade ou da tipicidade -, garantindo-se, assim, que todas as receitas têm cabimento legal;
N) A falta de previsão e a total ausência de especificação no orçamento do Estado para os anos de 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, das receitas da CESE, colocou estas à margem de uma adequada pronúncia da Assembleia da República, o que, pelo alto significado em sede da legitimidade político-democrática da intervenção desta, envolve a preterição total do correspondente procedimento de previsão e especificação das receitas, um fundamento de nulidade consagrado na alínea I) do n.º 2 do art.º 161.º do CPA;
O) Assim, são inconstitucionais as normas contidas no artigo 11.°, n.º 1, 6 e 7, do Regime jurídico da CESE, no artigo 280.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014 e, bem assim, no artigo 6.º da Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro, ao criarem, e manterem em vigor no ano 2016, um tributo de receita consignada em violação do artigo 8.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto e dos artigos 15.º e 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, e do artigo 105.º da CRP, sendo manifestamente ilegais e inconstitucionais (indiretamente que seja) os atos de autoliquidação ora impugnados, devendo ser declarados nulos, nos termos das alíneas k) e I) do artigo 161.º do CPA, com todas as consequências legais.
TERMOS EM QUE SE COMPLEMENTAM AS ALEGAÇÕES DE RECURSO JÁ APRESENTADAS, EM FACE DO SUPRIMENTO DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA PELO TRIBUNAL A QUO, REITERANDO-SE A V. EXAS. SEJA CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, POR PADECER DE ERRO DE JULGAMENTO, E SUBSTITUÍDA A MESMA POR UMA DECISÃO QUE DÊ PROVIMENTO À PRETENSÃO DO RECORRENTE, COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, com a seguinte fundamentação:

REN PORTGÁS-DISTRIBUIÇÃO, S.A., veio recorrer da douta sentença proferida pela Mma. Juíza do TAF do Porto, por com ela se não conformar, a qual julgou improcedente a impugnação por si apresentada, referente a atos autoliquidação da Contribuição Financeira sobre o Sector Energético (CESE) criada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, referente ao ano de 2016.
É objeto de recurso o decidido na sentença recorrida quanto à natureza da contribuição sobre o sector energético (C.E.S.E.) que a recorrente defende ser um imposto e padecer de inconstitucionalidade material por violação de vários princípios constitucionais, nomeadamente da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade. Assim, pede a desaplicação dos artigos 2.°, 3.°, 4.°, 11.º e 12.º do regime jurídico da dita C.E.S.E. e que seja anulada a sentença recorrida.
A recorrida Fazenda Pública não respondeu ao recurso.
Vejamos.
Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que a CESE é um verdadeiro imposto, materialmente inconstitucional, e que, ademais, ainda que seja considerada contribuição financeira, é inconstitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade e igualdade. Defende ainda que este tributo atenta contra o princípio da não consignação de receitas.
A questão decidenda é saber se a CESE é um imposto imputando-lhe vícios de inconstitucionalidade - violação dos princípios da capacidade contributiva, igualdade, tributação das empresas pelo lucro real, da proporcionalidade.
Sobre a resolução destas questões, já é vasta a jurisprudência, pois que, quer este STA quer o TCA Sul, quer a jurisprudência do CAAD, já se pronunciaram sobre todas estas questões, decidindo pela inexistência da violação dos princípios constitucionais que a Recorrente diz terem sido violados.
Vejam-se entre outros os acórdãos deste Tribunal proferidos no processo n.º 0386/17, de 8 de janeiro de 2020, no processo n.º 387/17, de 16 de setembro de 2020 e no processo n.º 415/16, de 16 de dezembro de 2020.
As questões enunciadas de inconstitucionalidade foram já, por diversas vezes, enfrentadas neste Supremo Tribunal e, inclusive, no Tribunal Constitucional.
Temos assim, que o acórdão referido na sentença recorrida, acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, (proferido no processo n.º 141/16, de 8 de Janeiro de 2019), num contexto de facto e de Direito quase idêntico ao destes autos, foi dada, de forma perentória, resposta negativa a todas essas questões, com um discurso vasto e detalhado, quer em relação à qualificação da CESE como contribuição financeira, quer quanto à sua integral conformidade constitucional.
É nossa opinião, acolhendo os fundamentos e respostas ali dadas às questões aqui em apreço, que entendemos não ter a C.E.S.E. a natureza de imposto mas contribuição financeira, nem ocorrer inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais, nomeadamente, o da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
Assim, recorrendo à fundamentação dos mesmos, entende-se que o presente recurso é de improceder.
Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) Em 31/10/2016, a impugnante autoliquidou a Contribuição Sobre o Setor Energético (CESE) relativa ao ano de 2016, no valor de € 3.703.564,38 através da declaração n.º 27000001151 - Cf. fls. 61 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) Em 26/01/2017, a Impugnante reclamou graciosamente da referida autoliquidação, suscitando a violação do: (i) princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real; (ii) princípio da proporcionalidade; (iii) princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos; (iv) princípio da proteção da confiança, segurança jurídica e não retroatividade da lei fiscal - Cf. fls. 1 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) Por despacho proferido em 21/04/2017 pelo Sr. Diretor da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidades dos Grandes Contribuintes foi indeferida a reclamação graciosa interposta da autoliquidação da CESE, nos seguinte termos:

[Imagem]

– Cf. fls. 109 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) Em 24/04/2017 foi a impugnante notificada do despacho a que se alude na alínea antecedente - Cf. fls. 109 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) A presente Impugnação deu entrada em 19/06/2017 - Cf. fls. 1 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
F) Em 29/06/2018, a Impugnante apresentou declaração de substituição CESE relativa ao ano de 2016, nos termos do art.º 7.º, n.º 1 do RCESE - Cf. fls. 768 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) Na sequência do referido em F) originou-se um novo ato de autoliquidação n.º 2700002204, no valor de € 3.768.534,50 e atendendo a que a Impugnante já havia pago a quantia de € 3.703.564,38, efetuou o pagamento da diferença no valor de € 64.970,12, em 29/06/2018 - Cf. fls. 773 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
H) Em 02/10/2018, a Impugnante reclamou graciosamente do ato de autoliquidação n.º 2700002204 - Cf. fls. 911 e 1031 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
I) Em 08/05/2019, o RFP remeteu a reclamação graciosa a que se alude na alínea antecedente a este Tribunal, “nos termos do art.º 111.º, n.º 4 do CPPT” - Cf. fls. 784 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a impugnação, padece de erro de julgamento, no que diz respeito à natureza jurídica da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (C.E.S.E.), por se tratar de um imposto e estar ferida de inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
Sucede que é perceptível das alegações de recurso que o objectivo da Recorrente com a interposição do recurso é apenas o de voltar a debater a natureza jurídica ou qualificação da CESE e a reapreciação da sua conformidade constitucional e legal com base em questões e argumentos que já foram objecto de apreciação por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (designadamente nos acórdãos n.ºs 415/16.2BEVIS; 386/17.8BEMDL; 387/17.6BEMDL; 314/18.3BEVIS; 03037/16.4BELRS, de 13/07/2021 e 0545/19.9BEPRT, de 08/09/2021, entre muitos outros.- todos integralmente disponíveis em http://www.dgsi.pt) e que foram também já objecto de controlo directo de conformidade constitucional, particularmente no acórdão n.º 7/2019, de 8 de Janeiro de 2018, acolhido nos nossos arestos (jurisprudência que o Tribunal Constitucional posteriormente reiterou nos acórdãos n.ºs 395/2021 e 506/2021, igualmente todos integralmente disponíveis em https://www.tribunalconstitucional.pt) e mais recentemente, no Acórdão n.º 540/2021, de 13 de Julho de 2021.
Considerando que as referidas apreciações e controlo, são, para além de recorrentes, recentíssimas, sendo, pois, indiscutível a actualidade da jurisprudência citada, é por referência à fundamentação que neles ficou explanada (e que de resto foi a que, de forma minuciosa, o Tribunal a quo transcreveu abundantemente), que acolhemos sem reservas e aqui damos integralmente por reproduzidas, que julgamos totalmente infundadas as alegações de recurso jurisdicional. E, consequentemente, que julgamos improcedente o presente recurso jurisdicional quanto aos vícios de violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos, da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroactividade da lei fiscal.
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No que respeita à questão da alegada violação do princípio da especificação orçamental, isto é, ao facto de a CESE e as respectivas receitas não estarem alegadamente orçamentadas nos termos exigidos pelo artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro), tal questão foi objecto de julgamento em recentes acórdãos deste STA proferidos em 08.09.2021, nos processos n.ºs 1587/18.7BEPRT e 0545/19.9BEPRT, tendo aí sido julgada improcedente, pelas razões de direito que também aqui se acolhem e reproduzem a partir do primeiro dos citados arestos:
“(…)
«3.2. Na impugnação judicial cuja decisão agora se aprecia em sede de recurso foi também suscitada uma questão ainda não tratada na jurisprudência antes invocada, a saber: a alegada violação do princípio da especificação orçamental, i. e. o facto de a CESE e as respectivas receitas não estarem alegadamente orçamentadas nos termos exigidos pelo artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro) e, como tal, daí resultar, consequentemente, um vício de inconstitucionalidade por violação do artigo 105.º da CRP.
Sobre este específico fundamento da impugnação, que o Tribunal a quo igualmente julgou improcedente, sustentou-se a decisão recorrida nos seguintes argumentos.
Primeiro, no princípio da plenitude orçamental ou da plenitude do Orçamento do Estado. De acordo com este princípio, o que as regras da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 105.º da CRP pretendem impedir é a desorçamentação de verbas e não eventuais desacertos quanto às respectivas rubricas de inscrição. E apoiou-se, para o efeito, no acórdão do TC n.º 414/2011.
Segundo, invocou a suficiência da conjugação dos critérios da classificação do tributo como contribuição, da autonomia do FSSSE decorrente do seu regime legal (Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril), dos critérios legais de incidência objectiva da CESE e da previsão das receitas (globais) do FSSSE no Mapa V do orçamento, e assim fundamentou, in casu, o respeito pelo princípio da suficiência da especificação orçamental.
Cumpre sublinhar que o que a Recorrente pretende essencialmente questionar com este argumento é a conformidade constitucional e legal, no plano orçamental, da circunstância de estas contribuições serem cobradas pela AT, não obstante a lei as configurar como receitas consignadas do FSSSE. E reconduz depois a complexidade deste circuito tributário-financeiro e a sua configuração no plano orçamental a uma violação do princípio constitucional da especificidade orçamental.
Ora, para além de acompanharmos os fundamentos da decisão recorrida, aditamos ainda uma terceira razão pela qual o recurso há-de também improceder quanto a este fundamento. Um argumento extraído da jurisprudência constitucional sobre a interpretação do princípio da especificidade orçamental, segundo a qual, para efeitos constitucionais (designadamente do exercício de poderes reservados ao Parlamento no âmbito do orçamental), este princípio é relevante, sobretudo, para efeitos de despesas e não tanto de orçamentação de receitas. Neste sentido v. acórdão n.º 206/87, no qual pode ler-se o seguinte:
«[…] A análise, ainda que superficial, deste preceito [à data, artigo 108.º, n.º 1, al. a) e n.º 5 da CRP] logo mostra que a CRP se preocupa muito mais em precisar o grau de especificação das despesas que o grau de especificação das receitas, talvez porque, no respeitante às receitas, e uma vez discriminadas as suas fontes, uma maior ou menor especificação, para além disso - e diferentemente do que sucede com as despesas - é desprovida de consequências jurídicas de qualquer ordem, pelo menos para o Estado. Assim é que, por exemplo, a cobrança de receitas pode ser efectuada mesmo para além do montante inscrito (artigo 17.º, n.º 2, da Lei n.º 40/83) […]».
Ora, mantendo-se hoje em vigor, quer uma redacção semelhante das normas constitucionais em matéria de exigência constitucional quanto à discriminação de receitas e despesas do Estado [a actual alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º da CRP)], quer uma formulação normativa idêntica quanto à admissibilidade em sede de LEO de liquidação e cobrança de receitas para além do previsto na respectiva inscrição orçamental, devemos considerar que se mantém válida a interpretação jurisprudencial veiculada no aresto antes mencionado quanto à relativa desconsideração para efeitos jurídicos das exigências de especificação orçamental em matéria de receitas.”
Improcedendo na totalidade o recurso jurisdicional cabe à Recorrente, vencida, suportar, nos termos do preceituado no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, as custas da presente acção, desde já ficando ambas as partes, ao abrigo do preceituado no artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, dispensadas de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo valor da acção, na parte superior a €275.000,00, atenta a simplicidade com que realizamos este julgamento, face à existência da jurisprudência citada que nos limitamos a acolher.

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3. DECISÃO

Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar ao provimento ao recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente, ficando ambas as partes dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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Lisboa,10 de Novembro de 2021. - José Gomes Correia (relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.