Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0664/12
Data do Acordão:09/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:RECURSO DE REVISTA
CPTA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Sumário:I – O recurso de revista consagrado no artigo 150º do CPTA tem natureza absolutamente excepcional. Daí que apenas seja admissível nos precisos e estritos termos em que o legislador o consagrou.
II – Destina-se a viabilizar a reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo de questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
III – Não assume aquela relevância fundamental nem se apresenta como clara a necessidade de admissão deste recurso, no quadro de facto subjacente, a reapreciação da questão da admissibilidade de revogação de acto administrativo, em procedimento tributário de avaliação de valor patrimonial tributário.
Nº Convencional:JSTA000P14549
Nº do Documento:SA2201209190664
Data de Entrada:06/15/2012
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso de revista – cfr. art.º 150º do CPTA -.
Apreciação preliminar sumária de admissibilidade – cfr. art.º 150º n.º 5 do CPTA.

Em conferência, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

“A……,Lda”, convenientemente identificada nos presentes autos, interpôs o presente recurso de revista da decisão do Tribunal Central Administrativo Norte (Secção Tributária) que, confirmando a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, lhe manteve a antes decretada improcedência da impugnação judicial que deduzira, ao abrigo e nos termos do disposto no art.º 77º do CIMI, contra acto de avaliação de prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3488 da Freguesia de ……., e que fixou o respectivo valor patrimonial tributável em 1.013.300,00€.

Para tanto alega apenas e só que “ ... entende estarmos perante situação em que a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.”,

Pois, sustenta, “ ... que o entendimento vertido no Douto Acórdão em crise, o qual assenta basicamente na admissibilidade de revogação tácita de um acto administrativo sem que o Contribuinte de tal revogação seja informado viola, de forma expressa, o disposto nos artigos 143º e 144º do CPA e, em última instância o princípio da legalidade constitucionalmente consagrado.”

Nada mais dizendo ou aduzindo em sede de verificação dos requisitos legais de admissão do presente recurso excepcional de revista, adiante alega e conclui no sentido de intentar demonstrar a bondade do entendimento que sufraga quanto à substância do julgado produzido pelas instâncias.
A ora Recorrida FAZENDA PÚBLICA contra-alegou oportunamente opinando antes pela não verificação dos pressupostos de admissão do presente recurso excepcional de revista, uma vez que, aduz, este, “ ... só deve prosseguir se estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, se revista de importância fundamental ou se a admissão do recurso for claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

E que, sendo apenas aquele o único pressuposto/ fundamento invocado, a Recorrente, “... não explicita, porém, quais os motivos que sustentam essa sua afirmação.”.

Sustenta ainda, mediante prévia e sumaria resenha da factualidade subjacente, que “... este conjunto de circunstâncias é completamente atípico e absolutamente ocasional. A raridade da situação e a sua excecionalidade torna pouco provável a sua repetição no futuro e, em especial, a sua repetição num número substancial de casos.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo teve depois vista nos autos emitindo pronúncia no sentido de que “… a matéria do presente recurso tem relevância jurídica e social … em face da avaliação geral em curso, não sendo o caso dos autos decerto o único em que surgiram lapsos que podem ser de corrigir.”.

E que “… se revela de uma importância fundamental o conhecimento da matéria controvertida, pois, face ao que vem sendo decidido na jurisprudência do STA, resulta apenas possível a impugnação judicial depois de esgotados os meios graciosos …, sendo precisamente a 2ª avaliação o único meio expressamente previsto no art.º 76º do CIMI para alterar a 1ª avaliação …”.

Assim, conclui e opina pela admissibilidade do presente recurso.

Porque nada obsta, cumpre apreciar e decidir.
Vejamos então se ocorrem ou não pressupostos de admissibilidade do recurso excepcional de revista - cfr. art.º 150º do CPTA -.

A jurisprudência das duas Secções deste Supremo Tribunal Administrativo (Contencioso Administrativo e Contencioso Tributário) perante o disposto no n.º 1 daquele preceito da lei adjetiva “Das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.”, vem acentuando repetida, uniforme e pacificamente o carácter estritamente excepcional deste recurso jurisdicional,

Pois que se não trata de recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu,

Quer dizer, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos pelo legislador, a saber: relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem doutrinando e sublinhando que apenas se verifica ocorrer aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”.

E no que concerne à clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito a jurisprudência sublinha, concordante e uniformemente, que há-de resultar da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável,

Ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios… .

(Neste sentido, os acórdãos de 31.03.2011, processo n.º 232/11, da 1ª Secção e de 30.12.2012, processo n.º 182/12, desta Secção de Contencioso Tributário).

Vejamos agora, à luz dos apontados ensinamentos jurisprudenciais, se, no caso sub judicibus, ocorrem os clarificados pressupostos de admissão.

Como vem de dizer-se e decorre dos autos, a questionada decisão do Tribunal Central Administrativo Norte (Secção Tributária) que, confirmando a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, manteve a antes decretada improcedência da impugnação judicial deduzida pela ora Requerente, ao abrigo e nos termos do disposto no art.º 77º do CIMI, contra acto de avaliação de prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3488 da Freguesia de …….., e que fixou o respectivo valor patrimonial tributável em 1.013.300,00€,

No declarado pressuposto fáctico de que esta avaliação é ainda o resultado de uma primeira avaliação … e não como pretende a Recorrente, o resultado de uma 2ª avaliação.
Adiante esclarecendo “ … para que de uma 2ª avaliação se tratasse, necessário era que a mesma fosse o resultado de uma comissão composta, além do mais, pelo sujeito passivo ou seu representante, o que, como bem se assinala na sentença, e não é posto em causa pela Recorrente, nunca teve lugar.”

Para adiante e a final concluir “ … que a avaliação comunicada através do ofício 2272103, de 25/04/06, sendo a 1ª avaliação do prédio, não era susceptível de impugnação judicial directa e que se impunha que tal impugnação tivesse sido precedida de 2ª avaliação, a qual nunca teve lugar.”.

Este entendimento e decisão concordante das instâncias é juridicamente irrepreensível, pois decorre claramente do texto e espírito da lei – cfr. art.º 76º e 77º do CIMI - e traduz naturalmente o acolhimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores Tributários sobre a questão.

Entendimento e decisão que decorre ainda e inevitavelmente da factualidade fixada pelas instâncias e dos juízos, nesta sede, formulados – a avaliação comunicada através do ofício 2272103, de 25.04.06, é ainda o resultado de uma primeira avaliação -,

Factualidade cuja sindicância se mostra natural e legalmente vedada ao Tribunal de revista – cfr. art.º 150º n.º 3 do CPTA – pois não se verifica também ocorrer excepção viabilizante emergente de qualquer ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – cfr. n.º 4 do citado preceito legal -.

Nada pois justificará a admissão da requerida revista.

A Requerente, porém, identifica como questão a dirimir através da revista ... o entendimento vertido no Douto Acórdão em crise, o qual assenta basicamente na admissibilidade de revogação tácita de um acto administrativo sem que o Contribuinte de tal revogação seja informado viola, de forma expressa, o disposto nos artigos 143º e 144º do CPA e, em última instância o princípio da legalidade constitucionalmente consagrado.”

E, no ponto, recolhe opinião concordante do Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal que qualifica a matéria do presente recurso de relevância jurídica e social já perante a avaliação geral em curso, não sendo o caso dos autos decerto o único em que surgiram lapsos que podem ser de corrigir.

Mas não lhes assiste razão, nem a questão assim colocada se mostra susceptível de viabilizar a admissão do requerido recurso excepcional de revista.

Esta questão jurídica e as díspares respostas que as instâncias lhe concederam – rectificação do acto de avaliação, para a 1ª instância, ou revogação por substituição, para o TCANorte – não só em nada contende com a factualidade fixada, como não se mostra, abstractamente considerada, susceptível de merecer a requerida sindicância excepcional.

Na verdade, qualquer das soluções apontadas, não é ostensivamente errada nem juridicamente insustentável, nem pode qualificar-se como susceptível de integrar “erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica e infundada …”.

Daí que, por isso, não seja manifestamente caso de lançar mão da “válvula de segurança do sistema” que o legislador cuidou de apontar na Exposição dos Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII que precederam a consagração deste extraordinário meio de recurso excepcional de revista como sua especial característica.

E não se vê também que a matéria subjacente se tenha revelado e seja “de elevada relevância e complexidade” jurídicas susceptíveis de “suscitar dúvidas sérias na jurisprudência e doutrina.”,
Nem que a questão sumariada e dísparmente resolvida pelas instâncias “seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”.

Acresce que a controvérsia proposta sobre o preciso ponto, ainda que porventura susceptível de conhecer repetição noutras situações de avaliação/fixação dos valores tributários de imóveis a cargo da Administração Tributária, não se revelará ou poderá ser vista como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.

Desde logo porque, decisivamente, nada permite concluir que os eventuais destinatários de notificações de conteúdo semelhante adoptem, no respectivo procedimento avaliativo, posições processuais idênticas às desenvolvidas pela ora Requerente.

Daí que, aquela questão, já pela sua especificidade e particularidade, também não seja susceptível de qualificar-se, designadamente para o efeito que cumpre, de elevada relevância jurídica ou social, nem se configurou, na apreciação e decisão que conheceu das instâncias, como de elevada complexidade, complexidade capaz de suscitar dúvidas sérias na jurisprudência e doutrina.

Concede-se que a questão jurídica assim suscitada poderá constituir questão teórica e academicamente interessante, porventura susceptível de suscitar diversidade de opiniões.

Tal é apanágio salutar da generalidade das questões jurídicas e da controvérsia que sempre suscitam.

Mas, ainda assim e perante o que exposto fica, não se revela, no quadro apreciativo e decisório em que se verificou, capaz de, por si só, demandar ou sequer aconselhar a requerida reapreciação extraordinária por este Supremo Tribunal, em sede de recurso especial de revista, consagrado pelo dito artigo 150º do CPTA, que, como a melhor jurisprudência vem reconhecendo, é, por definição, excepcional e só deve ser admitido nos seus estritos e precisos termos.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em considerar não verificados os pressupostos legais de admissibilidade do presente recurso (artigo 150º do CPTA) e, em consequência, acordam em não admitir a revista.

Custas pela Requerente.

Lisboa, 19 de Setembro de 2012. – Alfredo Madureira (relator) – Dulce Neto – Valente Torrão.