Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0611/16
Data do Acordão:06/15/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:REEMBOLSO
PENHOR
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:*
Nº Convencional:JSTA00069755
Nº do Documento:SA2201606150611
Data de Entrada:05/16/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT ART50 ART77.
CPPT ART45 ART195 ART276.
CCIV66 ART666 ART675 ART685.
CPA ART100 ART101 ART102 ART103 ART120 ART124 ART125.
CRP ART268 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0584/16 DE 2016/05/24.
Referência a Doutrina:PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA - CÓDIGO CIVIL ANOTADO VOLI 2ED PAG609.
JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG390-391.
JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES E OUTROS - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 2015 PAG496-497.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 14 de Março de 2016, que julgou procedente a reclamação deduzida por A………….., LDA, contra o acto de constituição de penhor legal nº 20150000005456463, praticado no âmbito do processo de execução fiscal nº 3107201501159186.

Alegou, tendo concluído como se segue:
I - O presente recurso visa reagir contra a sentença que decidiu que o ato de penhor sindicado nos autos incorre em violação de lei por violação dos princípios da igualdade e de direito a uma tutela jurisdicional efetiva mormente por entender que não se encontravam esgotados todos os prazos contenciosos (em incumprimento do princípio pro actione).
II - Com efeito, na decisão recorrida o Tribunal a quo considera que quanto ao conhecimento do mérito da reclamação, o mesmo se encontra vertido na apreciação da ilegalidade do ato de penhor constituído no âmbito da reclamação. Entende-o por duas ordens de razões que confluem na declaração de ilegalidade do mesmo: quer seja por qualificar esse ato como um ato sujeito a fundamentação nos termos do art.° 195.° do CPPT sujeitando assim o mesmo às formalidades dos atos administrativos quer por supostamente ter ocorrido em data em que não decorrera ainda o prazo para que se produzissem os efeitos e função da citação (art.° 189.° do CPPT).
III - A este propósito conclui o tribunal a quo:
“Aliás, in casu, como decorre da matéria de facto assente, a reclamante manifestou a intenção de prestar garantia no PEF em causa, o que acentua ainda mais a exigência de a AT explanar a necessidade subjacente à constituição de penhor, o que, como já referimos, não foi minimamente explanado.
Como referido no já citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.10.2012 (processo: 01042/12):
“[E]mbora a lei tributária permita à Administração fiscal, por sua iniciativa e independentemente de consentimento do respetivo titular, a constituição de penhor ou hipoteca legal para garantia (especial) dos créditos tributários (...), e o n.° 1 do artigo 195.° do CPPT pareça permitir a constituição de penhor sempre que o interesse e a eficácia da cobrança o torne recomendável, a Lei Geral Tributária - que logica e naturalmente prevalece sobre o disposto no CPPT, (...)-, exige que a constituição de tais garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da divida-, necessidade essa que não se tem por verificada nos casos em que o próprio executado, voluntariamente, se oferece para prestar garantia e não se lhe dá, antes da constituição do penhor, oportunidade de o fazer”..
Entende por outro lado a decisão recorrida que:
“Refira-se que o nosso ordenamento jurídico prevê a possibilidade de a AT recorrer a medidas cautelares precisamente para fazer face a situações em que mesmo o estando ainda em curso o mencionado prazo, há razões fundadas para se concluir pela existência de risco de depauperamento do património do executado (cfr. art.214.°, do CPPT).
Não obstante, essas medidas cautelares têm pressupostos e tramitação própria, devendo desde logo, ser requeridas junto do tribunal tributário competente. Uma situação como a dos autos por transformar o penhor num ato de efeito equivalente às medidas cautelares legalmente previstas, mas sem as exigências a estas subjacentes, o que não pode ser admitido.”
IV - Com o devido respeito, não pode a douta sentença recorrida manter-se na ordem jurídica por erro de julgamento ou, de direito, de a mesma ser revogada pelos motivos já acima elencados. Refere a propósito o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa na sua obra, CPPT comentado e anotado:
“No art.° 51.º da LGT prevê-se a possibilidade de a administração tributária, nos termos da lei, tomar providências cautelares para garantia dos créditos tributários em caso de fundado receio de frustração da sua cobrança ou de destruição ou extravio de documentos ou outros elementos necessários ao apuramento da situação tributária dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários.
A competência para a adoção de medidas cautelares que se prevê neste art. 51º é atribuída à própria administração tributária, sem necessidade de recorrer aos tribunais.
Nesse sentido refere o nº 3 do artº 51º da LGT que “As providências cautelares consistem na apreensão de bens, direitos ou documentos ou na retenção, até à satisfação dos créditos tributários de prestações tributárias a que o contribuinte tenha direito”
Ou seja, contrariamente ao entendimento da decisão recorrida, existem providências cautelares que podem ser adotadas pela administração tributária, não se limitando as mesmas àquelas que são da competência dos tribunais como será o caso do arresto e arrolamento.
Como reafirma ainda nesse sentido na mesma obra o ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa “Porém, deverá admitir-se outra providência genericamente referida no n.° 3 do artº 51º da LGT, que é a retenção, até à satisfação dos créditos tributários, de prestações tributárias a que o contribuinte tenha direito.”
V - Ou seja, como é pacífico, a compensação não se confunde com o penhor sendo tal entendimento defendido pelo STA, discriminando a propósito esse douto Tribunal que na compensação estamos perante uma forma de extinção da obrigação diversa do cumprimento por pagamento e, no penhor perante a constituição de um direito real de garantia da qual o OEF (órgão de execução fiscal) lança mão para garantir a cobrança da dívida nos termos do artº 50º n.° 2 da LGT e art.° 195º n.° 1 do CPPT.
VI - Ora apesar de o OEF ter procedido ao depósito do penhor à ordem do processo, a verdade é que apenas em 16 de Outubro de 2015, no mesmo processo de execução nº 3107201501159186 se procedeu à emissão de DUC e pagamento nesse processo, data em que o credor já podia exigir o cumprimento imediato da obrigação, por via do termo do prazo de oposição à execução, tendo até aí tido uma função meramente garantística.
VII - Até porque, há muito se esgotara o prazo de pagamento voluntário, momento a partir do qual a dívida tributária se toma exigível - precisamente por decurso do prazo voluntário de pagamento da dívida em causa (cfr. artigo 84º e 89º, n.° 1, do CPPT).
VIII - Mas a defesa da recorrida não deixou de ser viabilizada no decurso dos subsequentes trâmites processuais que, salvo melhor entendimento, seguiram o regime da penhora de créditos previsto no artigo 226° do CPPT que, face à alínea a) do n.° 1 do artigo 165º do CPPT, no regime da execução fiscal, se concretiza com a efetiva citação da/o executada/o.
IX - Argumentando por maioria de razão, diga-se ainda que “A maiori ad minus”, entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão nº 386/2005 que o n.° 1 deste artº 89º [do CPPT] não é materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e do acesso aos tribunais (art.°s 13.° e 20.°, n.° 1 da CRP), quando interpretado com o sentido de permitir a compensação logo que a dívida se torna exigível, findo o prazo de pagamento voluntário de 30 dias (aplicável, nos termos do art.° 85.°, nº 2, do CPPT, quando não for fixado prazo especial), mesmo antes de estar findo o prazo para o exercício do direito de impugnação, que é de 90 dias, nos termos do nº 1 do artº 102º deste Código, embora desta interpretação resulte que o contribuinte que vise obstar à compensação tenha de impugnar o ato de liquidação dentro daquele prazo de 30 dias, sob pena de perder o direito de ver suspensa a execução, pois a dívida, operada a compensação, fica cobrada»
X - Ora, nos termos da citação recebida pela oponente, foi a mesma alertada para o facto de que decorrido o prazo de trinta dias (para pagamento voluntário da dívida exequenda e acrescido, requerimento da dação em pagamento, ou dedução de oposição) sem que a dívida exequenda se mostrasse paga, ou fosse prestada garantia idónea que suspendesse a execução, nos termos do art.° 169º e 199º do CPP.T., o processo executivo prosseguiria com a penhora de bens ou, direitos existentes no seu património, no valor suficiente para a cobrança da dívida conforme o montante indicado.
XI - Como daí se pode concluir, estando em causa, no sistema fiscal, nomeadamente a avaliação em matéria de garantias, deverá também considerar-se que esta matéria se encontra abrangida pelo art.° 103º da CRP por estar em apreço os elementos essenciais do imposto. Nesta medida, a norma tributária abrangida na reserva de lei da Assembleia da República constante do artº 103º da CRP, normativo dedicado ao sistema fiscal, não pode sofrer uma interpretação analógica, o que teria como efeito o alargamento dos pressupostos meios, ou a da oportunidade das garantias relativas à inexigibilidade, com vista aos fins.
Não será pois de aplicar ao caso, através da analogia, as garantias que abrem a via da discussão da legalidade.
XII - Ora, de acordo com o disposto no n.° 1 do art.° 195º do CPPT (cfr. igualmente a al. b) do nº 2 do artº 50º da LGT), a AT pode constituir hipoteca legal ou penhor quando «o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável». Tal interesse é justificado ope legis. Subjudice, importa no entanto sublinhar que foi constituído penhor.
No âmbito de tal quadro legal prevê o artigo 215°, do CPPT (Código de Procedimento e de Processo Tributário), em sentido contrário à decisão recorrida o facto de que, findo o prazo posterior à citação e não tendo o executado efetuado o pagamento, se procede de imediato à penhora.
Ora, havendo limitações, tais são relativas à penhora de certos bens (arts. 822.°, 823.° e 824.° do CPC), sendo que são esses tais limiares que não podem ser afetados pela vontade da executada ou da do órgão da execução fiscal. Disso é paradigma o limite imposto quanto à extensão da penhora que deve limitar-se ao necessário para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido nos termos definidos pelo art.° 217.° do CPPT.
XIII - Por outro lado, a sentença recorrida, ao fazer referência a dois tipos de contencioso, associando-os indiscriminadamente à situação fática constante dos autos, sendo um dos meios dirigido ao tipo de contencioso diretamente relacionado com a aferição da legalidade da dívida e, o outro deles, direcionado à discussão da exigibilidade da dívida errou porque, em sede de execução fiscal, onde se encontra proibida a moratória e a suspensão da execução fora dos casos previstos em numerus clausus na lei, o meio por excelência previsto para atacar a execução é a oposição, por ser aquele onde se discute a exigibilidade da dívida.
Ora traçada já a antecedente diferenciação entre os dois meios de reação, refira-se ainda o facto de que em qualquer dos casos, para que se suspenda a cobrança executiva será necessária a associação de garantia após o termo do prazo de pagamento voluntário, ao meio processual adequado, para que então se produzam os efeitos suspensivos da cobrança, nos precisos moldes que constam no artigo 169º nº 2 do CPPT. Ou seja, a prestação de garantia após o términus do prazo de pagamento voluntário e até antes da apresentação do meio gracioso ou judicial, é imprescindível para suspender a mesma. Tal suspensão não aconteceu por falta de prestação de garantia até ao final do prazo de 30 dias após a citação (e ainda falta de apresentação de oposição).
XIV - Ora, em rigor, esses atos e meios de defesa impugnatórios (quer administrativos e procedimentais, quer processuais e jurisdicionais) não se confundem nem substancialmente nem formalmente, sendo que o que está em apreço é o benefício da execução prévia de que a AT goza, uma vez que os atos jurídico-fiscais depois de notificados aos sujeitos passivos são capazes de produzir os seus efeitos independentemente da legalidade ou discussão da ilegalidade dos mesmos, não sendo adequados para oposição à execução. Se assim não fosse, o interesse público seria posto em causa, tendo tal interesse sido consagrado pelo legislador na medida em que as concretizações dos atos legalmente notificados ao contribuinte podem produzir os seus efeitos, independentemente da discussão da sua legalidade.
Por isso, no âmbito da execução fiscal não será condição legal esgotar o prazo de impugnação administrativa e judicial do ato de liquidação, mas apenas o de oposição que a lei concede ao executado para discutir a inexigibilidade da dívida, assegurando de qualquer modo o seu pagamento, ainda que através de prestação de garantia.
XV - Atentemos pois a que, nesse contexto, a sentença recorrida se refere a um dos dois tipos de contencioso, associando-o indiscriminadamente à situação de pagamento, não distinguindo o pagamento voluntário do coercivo aqui em causa nos autos, apesar de um desses meios de defesa ser dirigido ao tipo de contencioso diretamente relacionado com a aferição da legalidade da dívida (impugnação) e, o outro deles, direcionado à discussão da exigibilidade da dívida (oposição).
Contudo, contrariamente a essa posição tomada, em sede de execução fiscal onde se encontra proibida a moratória e a suspensão da execução fora dos casos previstos em numerus clausus na lei, o único meio por excelência (entre os referidos) previsto para atacar a execução, por se encontrar já na fase de cobrança coerciva é unicamente a oposição por ser o meio onde se discute a exigibilidade da dívida.
XVI - Ora traçada a anterior diferenciação entre os dois possíveis meios de reação e, servindo a impugnação apenas para atacar a legalidade da liquidação, refira-se ainda o facto de que, para que se suspenda a cobrança executiva será necessária a associação de garantia ao meio processual adequado para que então se produzam os efeitos suspensivos da cobrança, nos precisos moldes do artigo 169.° n.° 2 do CPPT: ou seja, torna-se necessária a prestação de garantia após o términus do prazo de pagamento voluntário e, antes da apresentação de oposição ou, ocorrência da fase coerciva propriamente dita, decorridos os trinta dias após a citação. Tal será imprescindível para impedir o beneficio da execução prévia de que goza a A.T..
XVII - Como decorre dos factos (provados) a reclamante apesar de não ter apresentado contencioso de anulação nem prestado garantia até ser citada (nem até à data da penhora, nem depois) embora citada e advertida para no prazo de 30 dias efetuar o pagamento da dívida e acrescido até ao montante em falta, prazo findo o qual sem prestação de garantia ou verificação de pagamento seria acionado o prosseguimento de execução, nada fez, pelo que por via da execução não admitir moras ou paragens, teria que se dar cumprimento à previsão do artº 215.° do CPPT, procedendo à penhora.
XVIII - No fundo, estão em causa dois princípios até consagrados constitucionalmente: o princípio da legalidade tributária e o princípio da indisponibilidade do crédito tributário.
XIX - Ademais, sendo o procedimento consagrado através de um feixe de atos, deve ser declarada a legalidade da atuação da AT refletida no seu iter procedimental por obedecer à forma legal, sendo que ao coexistirem no ordenamento jurídico os dois tipos de atos praticados (penhor e posterior penhora), diferenciam-se na sua forma e substância entre si, não sendo redenominados porque acionados em tempo oportuno com finalidades diversas.
XX - Ora a decisão do Tribunal ad quo erradamente assenta na qualificação de que o ato de penhor é um ato que carece de fundamentação por via do art.° 195.° n.° 1 do CPPT.
Consequentemente, considerando por isso que a decisão de constituir penhor ou hipoteca legal está sujeita aos requisitos gerais dos atos em matéria tributária, inclusivamente no que concerne ao ónus de fundamentação (arts. 77.° da LGT e 124.° e 125.° do CPA), o Tribunal ad quo considerou a ilegalidade do penhor. Mas é precisamente por outra razão que, no nosso modo de ver, a decisão de constituição de hipoteca legal ou penhor está sujeita a notificação, seja porque, por via de tais atos sejam afetados os contribuintes (art. 268.°, n.° 3, da CRP) que os poderão impugnar contenciosamente (n.° 3 do mesmo artigo), sendo que neste caso, tratando-se de decisão tomada em processo de execução fiscal, será através da reclamação prevista no art. 276.° do CPPT.”, por ser esse o meio próprio.
XXI - Ou seja, não estamos perante atos praticados por órgãos da administração tributária com natureza inteiramente administrativa como sejam a instauração da execução, por exemplo, mas perante um ato em que se ordena a constituição de um direito de garantia real através do penhor, com natureza executiva e processual.
XXII - Para que estivéssemos perante atos administrativos procedimentais, necessário seria que estivéssemos perante uma decisão tomada no âmbito de poderes jurídico-administrativos, sendo que contrariamente, no caso dos autos, estamos antes perante atos típicos de execução fiscal, justificados opus legis e que, não terão de ser necessariamente praticados por um juiz, na medida em que o processo de execução fiscal se encontra jurisdicionalizado.
XXIII - Em consequência, salvo melhor e erudito entendimento, deve revogar-se a sentença recorrida.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V Exas, deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

Contra-alegou a recorrida tendo concluído:
I - O recurso interposto pela RFP incide sobre sentença proferida, em 03.03.2016, pela 2ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual deu provimento à reclamação de decisões do órgão de execução fiscal aí deduzida em razão de considerar procedente a ilegalidade do penhor efectuado pelo Órgão de Execução Fiscal.
II - A argumentação da RFP, sendo confusa e extremamente repetitiva, acaba por tentar justificar a legalidade do procedimento adoptado pela AT com uma suposta falta de obrigatoriedade de fundamentar a constituição de penhores legais (não considerando o acto em causa como sendo um acto administrativo) e com a falta de prestação de garantia por parte da Recorrida, nos termos do artigo 169.º do CPPT.
III - Insiste no entanto a RFP em ignorar os mais básicos - e claros! - requisitos legais para a constituição de penhor legal por parte da AT, plasmados dos artigos 195.º do CPPT e 51.º da LGT.
IV - Não conseguindo, aparentemente, perceber o que terá levado a Recorrida a não prestar garantia voluntária por forma a suspender a execução - o que esta faz a questão de novamente esclarecer.
V - A compensação é um mecanismo de extinção de obrigações que se efectiva mediante declaração de uma parte à outra, conforme artigos 847º e 848.º do Código Civil. E, conforme apesar de o Tribunal a quo não o ter dado como provado, a Recorrida foi notificada em 10.10.2015 do acto de compensação n.º 2015 00021606847, datado de 05.10.2015, no qual a AT aplicou um crédito fiscal da Requerente no pagamento da dívida dada a execução, no valor global de €777.362,34 (setecentos e setenta e sete mil trezentos e sessenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos).
VI - Aliás, a segunda página do Doc. 40 dos autos, sob o nome “DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS”, refere expressamente a compensação n.º 2015 00021606847, bem como a data da mesma: 05.10.2015. No quadro de demonstração do mesmo documento pode ler-se “Aplicação do crédito em dívidas Ex. Fiscal” e o próprio teor da missiva deixa clara a realização da extinção de uma dívida tributária por compensação. Tendo-se a AT apropriado de um reembolso da Recorrida para compensar dívidas fiscais desta, não parece, pois, haver margem para dúvidas no que à realização de uma compensação nos termos do artigo 89.º do CPPT diz respeito.
VII - Ora, sendo certo que no momento em que a compensação foi realizada se encontrava a decorrer o prazo que assistia à Recorrida para interposição de impugnação judicial ou oposição à execução, a AT violou o disposto no n.º 1 do artigo 89º do CPPT. Conforme argumentado na reclamação, a doutrina e a jurisprudência são unânimes quanto à impossibilidade de realização de compensações de créditos fiscais nestas condições, o que levou a Recorrida a apresentar uma primeira Reclamação e tendo, naturalmente, o Tribunal Tributário de Lisboa validado este entendimento), e tendo a respectiva sentença sido confirmada em sede de recurso pelo Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. Acórdão de 31.03.2016, proferido nos autos que correm sob o n.º 09455/16, 2º Juízo – 2ª Secção [Contencioso Tributário])
VIII - A AT parece, todavia, desconhecer por completo a figura da compensação, querendo fazer querer que esta não passará de um “processo” que depende da realização de penhores e penhoras, misturando estes vários mecanismos sem qualquer coerência nos mesmos processos de execução — ou talvez conheça perfeitamente a dita figura mas prefira denomina-la de “constituição de penhor legal seguido de penhora” para obter o mesmo efeito à revelia dos prazos estipulados no artigo 89.º do CPPT.
IX - Na realidade, a Recorrida seria notificada apenas a 21.10.2015 da constituição de penhores legais a 06.10.2015, ou seja, no dia seguinte à data da compensação. Consistindo o penhor uma garantia de cumprimento de uma obrigação, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito (artigo 666.º e ss do Código Civil), a sua constituição em momento posterior a uma compensação é totalmente desprovida de sentido, uma vez que a segunda opera, no momento em que é declarada, a extinção da dívida exequenda. O objecto destes actos administrativos é, portanto, impossível, devendo os penhores ser considerados nulos nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável subsidariamente por força do disposto na alínea d) do artigo 2.º do CPPT.
X - Ao constituir penhores sobre um reembolso da Recorrida que já havia sido compensado, talvez procurasse a AT emendar a mão após verificar a ilegalidade da compensação por si realizada. Todavia, ainda que não fosse considerada como um acto impossível, o que se admite mas não se concede, a própria constituição dos penhores estaria sempre ferida de ilegalidade por extemporânea e violação de lei. De facto, ao contrário do que afirma a RFP, a constituição de penhor não é um acto normal de coerção mas um meio de garantia que extravasa o âmbito do processo executivo e que deve obedecer a um requisito de necessidade da sua constituição em ordem à efectividade da cobrança, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 50.º da LGT necessidade essa que a AT não logrou demonstrar.
XI - Por outro lado, a constituição de penhor legal configura um verdadeiro acto administrativo em matéria tributária e não um mero acto de trâmite, uma vez que não se confina nos estreitos limites da ordenação intraprocessual, antes projecta externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta
XII - Sendo certo que, de qualquer forma, em momento algum logrou a AT - nem aquando da notificação da constuição do penhor ora reclamado à Recorrida, nem ao longo dos presentes autos - demonstrar que o mesmo fosse necessário à cobrança da dívida exequenda.
XIII - Desta forma, nunca poderiam estes penhores ter sido constituídos sem qualquer fundamentação, ainda por cima na pendência dos prazos de defesa que assistiam à Recorrida, tendo esta sido coartada nos meios de defesa que lhe são legalmente conferidos.
XIV - Ainda que a RFP se mostre apologista de uma estrita separação conceptual entre compensação, penhor legal e penhora, os próprios Tribunais Superiores têm verificado que esta actuação confusa por parte da AT que mistura termos e mecanismos legais parece ser recorrente, sendo certo que “(...) a verdade é que a jurisprudência firmada no sentido da inadmissibilidade da compensação de créditos por iniciativa da Administração tributária na pendência dos prazos de defesa e de pedido de suspensão da execução mediante oferecimento de garantia é igualmente transponível para o caso da constituição de penhor de créditos por iniciativa da Administração tributária que, ao que parece, surge agora utilizada pela administração tributária como sucedâneo da compensação (sendo operacionalizada através da mesma aplicação informática, que, aliás, parece identificar a constituição de penhor de créditos como sendo uma compensação (...)” (sublinhado nosso). A constituição destes cinco penhores legais está, também, portanto, irremediavelmente ferida de ilegalidade, por extemporânea e violação de Lei, tendo sido operada durante os prazos de defesa que assistiam à Recorrida e não cumprindo o requisito de necessidade à cobrança efectiva da dívida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 50.º da LGT.
XV - Cumpre ainda referir que sempre foi intenção da Recorrida sindicar a legalidade das liquidações adicionais de IVA de que foi alvo - o que viria efectivamente a fazer em sede de arbitragem a 28.10.2015. Sendo confrontada com a realização de uma compensação ilegal na pendência dos seus prazos de defesa, desde logo procedeu a Recorrida à preparação respectiva reclamação por forma a acautelar os seus direitos. Todavia, não tendo a AT procedido à extinção das respectivas dívidas no Portal do Contribuinte e procurando a Recorrida assegurar que a dívida exequenda permaneceria garantida uma vez demonstrada judicialmente a ilegalidade da compensação, decidiu esta requerer a suspensão de todos os cinco processos de execução.
XVI - Relativamente ao processo de execução n.º 3107201501148990, conseguiu a Recorrida providenciar uma garantia por meio de hipoteca de imóveis, que ofereceu juntamente com o requerimento de suspensão do processo dentro do prazo legal de que dispunha. Ainda assim, e ignorando deliberadamente o incidente de prestação de garantia em causa, a AT procedeu uma penhora no dia seguinte - 15.10.2015 - o que motivou a apresentação de reclamação por parte da Recorrida. A AT viria a anular o acto de penhora, naquele que seria o único reconhecimento de ilegalidades por esta cometidas ao longo de todo este processo, encontrando-se a Recorrida ainda a aguardar decisão quanto à idoneidade da garantida oferecida.
XVII - Relativamente aos processos de execução n.º 310720151159194, 310720151159186, 310720151159216 e 310720151159208, não conseguiu a Recorrida providenciar as garantias dentro do prazo tendo, no último dia de prazo de que dispunha para tal (15.10.2015), a suspensão dos referidos processos manifestando a sua intenção de sindicar a legalidade das liquidações adicionais de IVA. Solicitou, ainda, que a AT lhe efectuasse notificação com o valor que deveria garantir e o prazo de que dispunha para tal, uma vez que a garantia seria prestada para lá dos 30 dias durante os quais o respectivo valor se encontrava fixado na citação, nos termos do n.º 6 do artigo 169.º do CPPT. A AT viria a notificar a Recorrida a 20.10.2015 do valor que deveria garantir a fim de suspender a execução em causa através do ofício n.º 3967 criando, naturalmente, na Recorrida, a legítima expectativa de poder, nestes termos, suspender a execução mediante a prestação de garantia.
XVIII - Todavia, surpreendentemente, a Recorrida foi notificada a 21.10.2015 da constituição dos penhores legais a 06.10.2015. Ou seja, a AT num dia fixa os valores para que a Recorrida possa prestar voluntariamente garantia a fim de suspender a execução, quando na realidade já havia garantido a mesma por iniciativa própria a 06.10.2015, ainda que de forma ilegal, frustrando a legítima expectativa da Recorrida de poder prestar garantia numa clara violação do princípio da boa-fé que deve presidir à actividade administrativa (art. 6.º-A do CPA e art. 266.º da CRP).
XIX - Ora, entre a compensação ilegal e a constituição de penhores, ainda que também de forma ilegal ficou a dívida exequenda duplamente garantida, razão pela qual acabou a Recorrida por não prestar as garantias a que se propôs. No entanto, foi a Recorrida notificada a 03.11.2015 de que a AT havia procedido a 16.11.2015 a quatro penhoras no âmbito destes processos de execução. Isto significa que no dia seguinte àquele em que a Recorrida requereu a suspensão das execuções, pedindo que a AT fixasse o valor da garantia a prestar, já a AT havia, supostamente, procedido ilegalmente a penhoras!
XX - O procedimento da AT é, pois, absolutamente incompreensível: por um lado, criou a legítima expectativa na Recorrida de poder voluntariamente garantir a dívida exequenda para depois a notificar de penhores e avançar com penhoras. Por outro lado, sabendo a AT da intenção da Recorrida sindicar a legalidade das liquidações adicionais de IVA de que foi alvo e encontrando-se a dívida exequenda já garantida pela constituição, ainda que ilegal, de penhor legal, as execuções deveriam, no mínimo, ter sido suspensas nos termos do n.º 1 do artigo 169.º e do artigo 195.º do CPPT, não se justificando de forma alguma as conversões em penhora que se seguiram.
XXI - De uma forma geral, não se compreende de que forma pretende a AT retirar qualquer tipo de nexo ou lógica da utilização simultânea de um mecanismo de extinção da obrigação - a compensação, seguida de um mecanismo de garantia - o penhor, e de um novo mecanismo de apreensão de bens à ordem do processo para pagamento de uma dívida exequenda extinta. Ao longo destes processos, a confusa aplicação de todos estes mecanismos legais não faz qualquer sentido, caindo a AT no absurdo de realizar uma compensação a 05.10.2015 sem dar sequer como extinta a dívida exequenda, proceder a penhores legais no dia seguinte (06.10.2015) e nunca suspender a execução, procedendo ainda a cinco penhoras - ilegais - sobre o montante já compensado, a 15.10.2015 e 16.10.2015.
XXII - Sendo que a avidez com que a AT lança mão de todos os mecanismos que tem ao seu alcance para, ignorando por completo as suas singularidades e impossibilidade de conjugação dos mesmos, se apropriar do valor correspondente ao reembolso de IRC da Recorrida, demonstra, das duas uma: ou um desconhecimento assustador de cada figura e dos requisitos legais para a sua realização, ou simplesmente uma má-fé inqualificável.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, manter-se plenamente válida na ordem jurídica a sentença recorrida, assim fazendo V. Exas a costumada justiça.
O Ministério Público, notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso. Entende por um lado que, a constituição de penhor deve ser adequadamente fundamentada, o que no caso dos autos na sua opinião não ocorre.
Por outro lado, defende que estando ainda a decorrer o prazo previsto nos artºs 189º nºs 1 e 2 e 203º nº 1 al. a) do CPPT, bem como tendo a ora recorrida manifestado a intenção de obter a suspensão da execução, nos termos dos artºs 52º da LGT e 169º do CPPT (ponto 4 dos factos provados) a AT constituiu penhor de parte desse crédito, como se tratasse de compensação sem observar as limitações que estas comportam.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1) A reclamante foi objeto de ação inspetiva, relativa ao exercício de 2011, na sequência da qual foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IVA:
(cfr. fls. 22 a 92).
2) Foi instaurado contra a reclamante, a 10.09.2015, no SF de Lisboa 8, o PEF n.° 3107201501159186, correspondendo a dívida exequenda à liquidação de IVA relativa ao período 2011/11, no valor de 28.760,93 Eur. (cfr. fls. 1 a 4, do PEF apenso - Vol. I).
3) No âmbito do PEF mencionado em 2), foi remetido à reclamante, a 11.09.2015, oficio designado de “citação postal”, datado de 10.09.2015, tendo sido registado no sistema de gestão de comunicações da AT o acesso à caixa postal eletrónica a 15.09.2015, constando do mesmo designadamente o seguinte:

(cfr. fls. 93 e 94, dos autos, e fls. 13 e 14, do PEF apenso —Vol. I)
4) No âmbito do PEF mencionado em 2), a reclamante apresentou requerimento, que deu entrada no SF de Lisboa 8 a 16.10.2015, do qual consta designadamente o seguinte:
A……………., Lda., pessoa colectiva n.° …………, com sede no Edifício do Centro de Escritórios do …………., …………, n.° …., 1700-…… Lisboa, citada no processo de execução fiscal epigrafado, onde se busca o pagamento coercivo de dívidas tributárias de IVA referente ao ano de 2011, vem, com base no disposto nos artigos 52°, da Lei Geral Tributária (LGT), e 169.° e ss., do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), requerer a V. Exa. se digne suspender a supra referida execução em razão da sua pretensão de apresentação, no prazo legal, da impugnação judicial dos actos de liquidação da dívida dada à execução, instaurada nesse mesmo Serviço de Finanças.
Em conformidade com o que se vem de requerer, estando a executada a diligenciar no sentido de apresentar garantia e tendo em conta que a mesma será apresentada depois dos 30 dias posteriores à citação, requer também que lhe seja efectuada notificação dando-lhe conhecimento do valor que deverá garantir e do prazo se encontra à sua disposição para tal…” (cfr. fls. 126, dos autos, e fls. 21 a 23, do PEF apenso - Vol. I).
5) Foi constituído penhor, a 06.10.2015, no âmbito do PEF mencionado em 2) e no valor de 29.317,26 Eur. (cfr. fls. 130).
6) Foi remetido ofício, via correio postal registado, pelos serviços da AT, dirigido à reclamante, relativo à constituição do penhor mencionado em 5), constando do mesmo designadamente o seguinte:


(cfr. fls. 130).
7) Foi remetido ofício, pelos serviços da AT, dirigido à reclamante, relativo à demonstração de liquidação de IRC, respeitante ao exercício de 2014, constando do mesmo designadamente o seguinte:
…”

…” (cfr. fls. 131, dos autos, e fls. 10, do PEF apenso —Vol. I).
8) Foi remetido ofício, pelos serviços da AT, dirigido à reclamante, relativo à demonstração de aplicação do crédito respeitante ao valor de IRC a reembolsar mencionado em 7), constando do mesmo designadamente o seguinte:

…” (cfr. fls. 132, dos autos, e fls. 15 do PEF apenso - Vol. I).
9) Foi remetido ofício, pelos serviços da AT, dirigido à reclamante, relativo à demonstração de acerto de contas, constando do mesmo designadamente o seguinte:


(cfr. fls. 133, dos autos, e fls. 11, do PEF apenso - Vol. I).
Dos FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão, considera-se não provado o seguinte facto:
A) No âmbito do PEF mencionado em 2) foi efetuada compensação de créditos no valor de 29.317,26 Eur.
Nada mais se levou ao probatório.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Apresentando-se as conclusões das alegações de recurso muito confusas e complexas, repetitivas e desordenadas, temos primeiramente que saber o que se decidiu no TAF de Lisboa, a propósito do pedido formulado pela recorrida em discordância com o acto de constituição de penhor que vem aqui impugnado.
Vindo assacadas várias ilegalidades a tal acto, na sentença decidiu-se que o pedido teria que ser procedente com suporte em dois fundamentos distintos, o primeiro, porque na prática de tal acto (de constituição de penhor) não [estão] demonstrados os pressupostos de que depende a constituição do penhor, o que consubstancia uma insuficiente fundamentação substancial, o segundo, porque a constituição do penhor em causa teria sempre de ser depois de expirado o mencionado prazo (o prazo constante da citação, de 30 dias, para pagamento da dívida exequenda e acrescido, requerer dação em pagamento ou deduzir oposição).
E conclui-se nessa mesma sentença que, tendo o penhor sido constituído ainda no decurso do prazo para a reclamante usar dos seus direitos decorrentes da citação…e verificando-se uma ausência de fundamentos que motivem a necessidade da sua constituição naquele momento, também por esta via padece o acto reclamado de vício.

Daqui podemos concluir que a recorrente Fazenda Pública discorda do assim decidido, ou seja, o acto está devidamente fundamentado, ou não seria necessária essa fundamentação (conclusões xx a xxii), e a constituição do penhor não teria que aguardar que se completasse aquele prazo de 30 dias a que se faz referência na sentença recorrida, não sendo posta em algum momento a matéria de facto levada ao probatório.

Esta questão já foi recentemente decidida por este Supremo Tribunal, acórdão datado de 24.05.2016, recurso n.º 0584/16, em sentido diametralmente oposto ao defendido pela recorrente, antes se tendo concluído pelo acerto da solução propugnada na sentença recorrida.
Com interesse, escreveu-se nesse acórdão:
“…Sob a epígrafe «Garantia dos créditos tributários», dispõe-se na al. b) do nº 2 art. 50º da LGT:
«2 - Para garantia dos créditos tributários, a administração tributária dispõe ainda:
a) (...)
b) Do direito de constituição, nos termos da lei, de penhor ou hipoteca legal, quando essas garantias se revelem necessárias à cobrança efectiva da dívida ou quando o imposto incida sobre a propriedade dos bens;
(...)»
Visando dar execução a este comando legal, também o nº 1 do art. 195º do CPPT dispõe (sob a epígrafe «Constituição de hipoteca legal ou penhor») que «Quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável, o órgão da execução fiscal pode constituir hipoteca legal ou penhor.»
…Aquela al. b) do nº 2 do art. 50º da LGT, conferindo à AT o direito de constituir penhor “nos termos da lei”, remete, portanto, para o regime constante do código civil.
Ora, das disposições legais constantes dos arts. 666º e ss. deste compêndio (CCivil), resulta que o penhor «constitui uma garantia real completa, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores (neste aspecto se revelando o seu carácter real), pelo valor da coisa ou do direito empenhado. Para o exercício deste direito, tem o credor pignoratício a possibilidade de fazer vender judicialmente o objecto do penhor)». (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª ed. revista e actualizada, 1979, Vol. I, anotações ao art. 666º, p. 609.).
E mais resulta que, vencida que esteja a obrigação, sem que se tenha verificado o cumprimento, o credor pignoratício adquire o direito de executar a coisa empenhada, pagando-se à custa do seu valor, com preferência sobre os demais credores (nº 1 do art. 675º do CCivil), sendo que, quando um direito de crédito tenha sido objecto de penhor, também o credor pignoratício adquire o direito de cobrar esse crédito logo que este se torne exigível, passando o penhor a incidir sobre a coisa prestada em satisfação desse crédito (nº 1 do art. 685º do CCivil).
No caso, tratando-se de penhor de crédito de reembolso de IVA, a situação reconduz-se à afectação da respectiva quantia ao pagamento da dívida por que a reclamante está a ser executada (daí resultando que a quantia correspondente ao reembolso e que a AT está obrigada a restituir dentro de um prazo legal, acaba por não ser colocada na disponibilidade do contribuinte, ficando antes afecta ao processo de execução fiscal por força do penhor).
Ora, ao invés do entendimento preconizado pela recorrente Fazenda Pública, temos para nós que o acto da AT através do qual se decida a constituição do penhor é um verdadeiro acto de natureza administrativa, estando, pois, sujeito aos requisitos dos actos administrativos em matéria tributária.
Na verdade, como pondera Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário - anotado e comentado, 6ª ed., Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 195°, pp. 390/391.) “Os actos da administração tributária através dos quais se decida a constituição de penhor ou hipoteca legal, são actos de natureza administrativa uma vez que se inserem na definição dada pelo art. 120° do CPA em que se estabelece que «consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta» ((1) Embora esta definição seja dada para efeitos do CPA, tem-se entendido que é de aplicação generalizada, directamente ou por analogia).
Por isso, a decisão de constituir penhor ou hipoteca legal está sujeita aos requisitos gerais dos actos administrativos em matéria tributária, inclusivamente no que concerne ao direito de audição e sua dispensa (arts. 100° a 103º do CPA e 45º do CPPT) e de fundamentação (arts. 77º da LGT e 124º e 125º do CPA).
Pela mesma razão, a decisão de constituição de hipoteca legal ou penhor está sujeita a notificação aos que por tais actos sejam afectados (art. 268°, nº 3, da CRP) e pode ser impugnada contenciosamente (nº 3 do mesmo artigo), no caso, tratando-se de decisão tomada em processo de execução fiscal, através da reclamação prevista no art. 276º do CPPT.
Assente que a constituição de hipoteca legal ou penhor apenas poderá ser efectuada quando tal seja necessário para garantia da cobrança da dívida, é com esse pressuposto que devem ser lidas as indicações de situações em que tais actos podem ser praticados feita no nº 1 deste art. 195º, na redacção inicial e na introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ao referirem que tal constituição pode ser efectuada «quando o risco financeiro envolvido o torne recomendável» (redacção inicial) ou «quando o interesse da eficácia da cobrança o torne recomendável» (nova redacção).”
Por outras palavras, como observa o MP, o poder de constituição de penhor deve ser analisado do ponto de vista da sua necessidade sendo que «nos casos em que a dívida não resulte de imposto sobre os bens respectivos, a decisão de constituição do penhor e da hipoteca legal deve estar fundamentada nessa necessidade da sua constituição em ordem à efectividade da cobrança. A lei não exige que se trate de uma indispensabilidade, nem que ocorram circunstâncias excepcionais, mas exige a demonstração do pressuposto de que a sua constituição aumentará significativamente e de forma relevante a eficácia da cobrança. E assim sendo, não se justificará a constituição de penhor e da hipoteca legal nos casos em que dele não resulta um incremento visível e relevante na eficácia da cobrança e a dívida não resulte de imposto que incida sobre os bens.». (José Maria Fernandes Pires (Coordenador), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária, anotado e comentada, 2015, Almedina, anotação 13 ao art. 50º, pp. 496/497.)
…Em face do exposto, atendendo ao apontado regime legal e porque, como se disse, consideramos que o acto aqui em causa (constituição de penhor legal) reveste natureza administrativa (e, como tal, sujeito aos requisitos dos actos administrativos em matéria tributária, incluindo, portanto, a respectiva fundamentação), fica sem suporte legal a alegação da recorrente, no sentido de que se trata de acto com «natureza executiva e processual» típico de execução fiscal e justificado ope legis.
Ora, impondo-se a fundamentação desse acto, nomeadamente com indicação das razões determinantes da necessidade da constituição do penhor legal em ordem à efectividade da cobrança, o que se constata no caso dos autos é que o PEF..[nestes autos com o nº 3107201501159186] no âmbito do qual o penhor foi constituído, visa a cobrança coerciva de IVA e juros compensatórios de [11.2011], no valor de [28.760,93] Euros, sendo certo que em … terminou o prazo de pagamento voluntário, em [15/9/2015] foi citada a recorrida/executada, em 6/10/2015 foi empenhada no PEF a quantia de … do reembolso de IRC de [2015], e em [16/10/2015] a mesma executada requereu a suspensão do PEF, com fundamento na pretensão de, no prazo legal, impugnar judicialmente as liquidações exequendas e, bem assim, tendo naquela mesma data requerido a aceitação, a título de garantia, de hipotecas de imóveis cujas escrituras anexou. Daqui resultando, desde logo que, como a sentença recorrida concluiu, o penhor foi constituído quando decorria ainda o prazo (de 30 dias) de que a recorrida dispunha para proceder ao pagamento da quantia exequenda, ou se opor à respectiva execução ou requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento, bem como para deduzir reclamação graciosa ou impugnação judicial da liquidação (não se descortinando, aliás, as diferenças que, nesta matéria e com referência à data da constituição do penhor, a recorrente Fazenda Pública pretende extrair da circunstância de se dever distinguir entre o pagamento voluntário e o coercivo, por na impugnação judicial se sindicar a legalidade da liquidação (da dívida, diz a Fazenda Pública) e na oposição se discutir a exigibilidade da mesma dívida.
Por outro lado, como também salienta o MP e se constata da demais factualidade assente, nomeadamente da especificada nas alíneas [5) a 9)], dos factos provados, a fundamentação aduzida para a prática desse acto não aponta as razões demonstradoras de que o penhor era necessário à cobrança da dívida (aliás, os elementos documentais remetidos aquando da notificação da constituição do penhor apenas indicam que ele foi constituído e não que se mostrava necessário à efectividade e eficácia da cobrança) pelo que só pode concluir-se que a AT não justifica a necessidade de constituição do mesmo para cobrança da dívida exequenda (tanto mais que a executada requereu a aceitação, a título de garantia, de hipotecas de imóveis cujas escrituras anexou - sobre a matéria cfr. o ac. do STA, de 24/10/2012, proc. nº 01042/12).
Em suma, não se verificam os pressupostos legais para a constituição, por parte da AT, do questionado penhor, pelo que o respectivo acto de constituição sofre de vício de violação de lei, como bem decidiu a decisão recorrida.”.

Não se vendo agora razão para discordar do ali decidido, tanto mais que, como anteriormente apontado em parêntesis recto, a matéria de facto relevante é essencialmente a mesma e contemporânea daquela que subjaz à decisão reproduzida, também agora temos que concluir que se decidiu acertadamente na decisão recorrida, o que determina a total improcedência do recurso.

Nestes termos, acorda-se em, negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 15 de Junho de 2016. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.