Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0353/07
Data do Acordão:06/27/2007
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL.
REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS
DESCRIÇÃO DOS FACTOS
Sumário:I – A decisão que aplica a coima deve conter a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, nos termos do art. 79º, 1, b) do RGIT.
II – Se da descrição dos factos é possível ao arguido perceber claramente que não entregou uma prestação tributária que era devida, qual o seu valor, e qual o período a que respeita, deve entender-se que está preenchido aquele requisito legal.
Nº Convencional:JSTA00064413
Nº do Documento:SA2200706270353
Data de Entrada:04/19/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOURES PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART79 N1 B.
CIRC88 ART98 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1045/06 DE 2006/12/12.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 2ED PAG468.
CASALTA NABAIS DIREITO FISCAL 2ED PAG564-565.
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, com sede na Praceta …, n…., …, …, …, interpôs recurso judicial, junto do TAF de Loures, da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Loures, que lhe aplicou uma coima de € 275,00, por infracção ao art. 98º, 1, do CIRC (falta de entrega do pagamento especial por conta).
O Mm. Juiz daquele Tribunal julgou o recurso improcedente.
Inconformada, a arguida interpôs recurso para este Supremo Tribunal. Formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso:
a) A notificação da AF que determinou a aplicação da coima enferma de um vício de forma que se traduz na falta de fundamentação;
b) A aplicação de uma coima deverá, sob pena de não produzir qualquer efeito, descrever, ainda que sumariamente, os factos praticados que constituem as restantes infracções;
c) Se assim não fosse, nem sequer a arguida tinha hipótese de se defender;
d) A lei nem sequer permite que se proceda a acusações através de meras remissões, o que, nem se sequer se verificou no presente, com se pode constatar;
e) Consequência da falta de fundamentação, a lei prevê a nulidade da decisão, neste caso notificação, que aqui se invoca;
f) Além do mais, o PEC é inconstitucional por violar designadamente: 1. O principio da proporcionalidade; 2. O principio da tributação; 3. O principio da capacidade contributiva; 4. O principio da igualdade tributária; 5. O principio da uniformidade na tributação; 6. O principio da capacidade contributiva; 7. O principio da legalidade, o que torna a norma em causa (“PEC”) ferida de inconstitucionalidade por violar frontalmente o artigo 103º e 104º da Constituição da República Portuguesa;
g) Pelo exposto, nunca poderá ser julgada procedente a coima objecto do presente recurso;
h) Nesse mesmo sentido existe diversa jurisprudência, aliás, conforme aqui junta.
Não houve contra-alegações.
Neste STA, o EPGA defende que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
2. É a seguinte a matéria de facto fixada na instância:
1. No dia 17/10/2005, no 3º Serviço de Finanças de Loures, quando se encontrava no exercício das suas funções, um funcionário da Administração Fiscal, verificou pessoal e directamente que a sociedade “A…”, com sede em …, Loures, e área de competência deste Tribunal, enquadrada em IRC, no regime geral de tributação, não efectuou o pagamento especial por conta, no montante de € 1.250,00, prestação esta que devia realizar-se até ao final do mês de Outubro de 2004, tributo cujo regime de pagamento se encontra previsto no art. 98º, n. 1, do C.I.R.C., tudo conforme auto de notícia de fls.2, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido;
2. O auto de notícia mencionado no n.1 deu origem ao presente processo de contra-ordenação fiscal, cuja parte administrativa correu seus termos no 3º Serviço de Finanças de Loures;
3. No âmbito do qual, em 20/1/2006, o arguido foi notificado nos termos e para os efeitos do art.70º, do RGIT, tendo produzido defesa a qual se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr. documentos juntos a fls.4 a 13 dos autos);
4. Em 2/8/2006, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, exarado a fls.30 e 31 dos autos e que se dá aqui por integralmente reproduzido, foi aplicada coima ao arguido no montante de € 275,00 (duzentos e setenta e cinco euros), devido à prática de contra-ordenação fiscal com características negligentes p. p. nos artºs. 98, n.1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (C.I.R.C.), e 114, nºs.2 e 5, al. f), e 26, n. 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.), aprovado pela Lei 15/2001, de 5/6, decisão que lhe foi comunicada em 10/8/2006;
5. Em 11/9/2006, deu entrada no 3º Serviço de Finanças de Loures o recurso da decisão de aplicação de coima interposto pelo arguido;
6. Da conduta do arguido resultou efectivo prejuízo para a Fazenda Nacional (expresso no montante de imposto liquidado e não entregue nos cofres do Estado no tempo e lugar devidos - € 1.250,00);
7. Consta dos autos que o arguido se encontra indiciado da prática de outras infracções ao disposto no regime legal de pagamento especial por conta;
8. Os representantes da sociedade arguida agiram animados de vontade livre e consciente, sabendo que a sua conduta (não entrega nos cofres do Estado do pagamento especial por conta previamente liquidado nos termos da lei), porque ilícita e punível, lhes estava legalmente vedada.
3. Importa apreciar desde já a invocada nulidade da decisão por falta de fundamentação.
Vejamos então.
O Mm. Juiz a quo aborda a decisão no ponto 4 do probatório, remetendo expressamente para a decisão administrativa recorrida.
Transcreve-se então a descrição sumária dos factos, tal como vem expressa na decisão administrativa em causa:
“Ao arguido foi levantado auto de notícia pelos seguintes factos: 1. Valor da prestação tributária exigível: 1.250,00 €; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00 €; 3.Valor da prestação tributária em falta: 1.250,00 €; 4. Período a que respeita a infracção: 2004/10; 5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 29/10/2004; os quais se dão como provados”.
Vejamos agora a lei.
Dispõe o art. 79º, 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT):
“A decisão que aplica a coima contém:
“…
“b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas…”.
Será que a descrição dos factos constantes da decisão administrativa é bastante?
Será que a mesma preenche aquele requisito legal, atenta a sua ratio?
A descrição sumária dos factos tem, como finalidade, informar o arguido da conduta, por si praticada, que preenche o tipo contra-ordenacional. Pelo que, se tal informação for prestada, o requisito dá-se por preenchido (Acórdão do STA de 12/12/2006-rec.n. 1045/06).
Os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional tributário visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos
(
Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 2ª Edição, de Jorge de Sousa e Simas Santos, pág. 468).
Quid juris no caso concreto?
Pois bem.
Afigura-se-nos que há realmente uma descrição sumária dos factos.
Da descrição transcrita é possível ao arguido perceber claramente que não entregou uma prestação tributária que era devida, qual o seu valor, e qual o período a que respeita.
Descrição que é complementada pela indicação da norma infringida, que especifica do que se trata – (“art. 98º, n. 1, do CIRC – falta de entrega de pagamento especial por conta”).
Quer isto dizer que o arguido percebe perfeitamente que não entregou, no prazo devido, a prestação devida do pagamento especial por conta.
Ou seja, podemos dizer que há descrição sumária dos factos e indicação da norma violada.
Demais que não estamos perante um ilícito de natureza penal, mas sim perante um ilícito administrativo.
Por outro lado, nada há a censurar à medida da coima, fixada em quantia pouco superior ao valor mínimo (€ 250,00), justificada expressamente nos seguintes termos: “para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da contra-ordenação praticada, para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (art. 27º do RGIT…)”.
Mas será o PEC (pagamento especial por conta) inconstitucional?
A questão é controversa.
Veja-se a este propósito a posição expressa pelo Prof. Casalta Nabais (Direito Fiscal, 2ª Edição, págs. 564 e 565).
Escreve o conceituado Professor:
“Introduzido em 1998, o pagamento especial por conta foi objecto de profundas alterações na LOE/2003… O pagamento especial por conta, diferentemente do que acontece com os pagamentos por conta normais … será deduzido, nos termos do art. 87º, ao montante apurado na declaração periódica de rendimentos do próprio exercício a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto exercício seguinte.
“O que torna o pagamento especial por conta num empréstimo forçado ou mesmo num imposto (na medida em que não venha a ser deduzido nos quatro exercícios seguintes) de discutível constitucionalidade. Isto sobretudo se tivermos em conta o montante elevado que, na versão da LOE/2003, esse pagamento pode atingir”.
Ora, no caso concreto, nem se pode falar em “montante elevado”, nem se antolha que não possa ser deduzido até ao quarto exercício seguinte.
Significa isto, na nossa óptica, que, no caso, se não possa falar em inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais avançados pelo recorrente.
4. Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 27 de Junho de 2007. – Jorge Lino (relator por vencimento) – Baeta de Queiroz Lúcio Barbosa (vencido, nos termos do voto junto).
VOTO DE VENCIDO
Entendo que a decisão de aplicação da coima é nula, por força das disposições conjugadas dos artºs. 63º, 1, e 79º, 1, ambos do RGIT.
Na minha óptica, a decisão em causa não contém a descrição sumária dos factos praticados pelo arguido.
Sem mais (atendo-me apenas ao conteúdo decisório), não é possível apreender os factos ilícitos praticados pelo arguido e a sua implicação legal.
É certo que se poderá dizer que isso se pode depreender da norma declarada infringida, e que consta doutro passo da decisão (“art. 98º, n. 1, do CIRC – falta de entrega de pagamento especial por conta”).
Mas tal não é bastante, pois não há qualquer descrição dos factos, não bastando inferências indirectas, como sucede no caso dos autos.
Vale isto por dizer que se está perante a falta de requisitos legais da decisão de aplicação da coima, o que constitui nulidade insuprível – art. 63º, 1, d) do RGIT.
A decisão administrativa que aplicou a coima é pois, na minha óptica, nula.
Reconhecendo embora que estamos perante uma sanção administrativa e não penal, consequente a um ilícito de mera ordenação social, decorrente de uma política de descriminalização, não é menos verdade que estamos perante um facto típico, ilícito e culposo – art. 2º do RGIT – onde se faz apelo igualmente ao CPP, como direito subsidiário – art. 3º, b), do RGIT, com referência ao art. 41º do RGCO.
Afigura-se-me pois que a decisão que aplica a coima não pode esquecer o art. 58º, 1, b) do RGCO, aplicável subsidiariamente – art. 3º, b) do RGIT – pois não se compreenderia que uma infracção tributária, punida eventualmente com sanções (coimas) eventualmente bem mais severas que os ilícitos de mera ordenação social, no âmbito do RGCO (art. 1º), seja despojada dos requisitos que visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa. Que, no caso, e na minha óptica, foram postergados.
Neste entendimento, concederia provimento ao recurso, revogaria a sentença recorrida, e, em consequência, anularia a decisão administrativa que aplicou a coima.
Voto pois vencido.
Lúcio Barbosa.