Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01422/17
Data do Acordão:05/17/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANO NÃO PATRIMONIAL
Sumário:I - Os danos não patrimoniais traduzem-se nas lesões que não implicam diretamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, abarcando as dores físicas, o sofrimento psicológico, um injusto turbamento de ânimo na vítima ou nas pessoas elencadas e segundo ordem inserta, mormente nos n.ºs 2 e 3 do art. 496.º do C. Civil.
II - A gravidade do dano não patrimonial mede-se, tendo em linha de conta as circunstâncias de cada caso, por um padrão objetivo, e não à luz de fatores subjetivos, de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada do lesado.
Nº Convencional:JSTA000P23301
Nº do Documento:SA12018051701422
Data de Entrada:02/09/2018
Recorrente:A........
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE SANTARÉM
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO

1. A………., devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria [doravante «TAF/L»] a presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, contra o “MUNICÍPIO DE SANTARÉM”, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial, a condenação deste a entregar-lhe as 40 obras de arte que havia confiado e que não devolveu ou, na impossibilidade, da entrega no pagamento ao A. da quantia de 68.000,00 € por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

2. O TAF/L, por sentença de 21.12.2016 [cfr. fls. 160/176 - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou o R. no pagamento, a título de danos não patrimoniais, de uma indemnização computada em 5.000,00 €.

3. O R., inconformado recorreu para o TCA Sul [doravante «TCA/S»], o qual através de acórdão de 21.09.2017 [cfr. fls. 208/216], decidiu «conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida» e julgou «improcedente a ação administrativa comum».

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o A., inconformado com o acórdão proferido pelo «TCA/S», interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 224/227], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«...
A - O presente recurso é legalmente admissível, nos termos do disposto no artigo 150.º do CPTA.
B - Com o douto acórdão ora recorrido, o Tribunal Central Administrativo Sul violou a lei substantiva - arts. 22.º da CRP e 7.º, 9.º e 10.º da Lei 67/2007, de 31/12.
C - A Ré foi condenada ao pagamento, ao A., de euros 5000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, por se verificar o preenchimento de todos os pressupostos de responsabilidade extracontratual do Estado.
D - Os danos não patrimoniais foram fixados em função da ilegalidade da atuação da Ré e pelo grau de sofrimento e angústia do A.
E - O Estado tem de dar o exemplo e ser punido pela sua conduta, quando esta não é conforme ao direito.
F - A. e Ré haviam combinado que os desenhos ficariam à guarda desta para apreciação e que seriam devolvidos caso a proposta por ele apresentada não fosse aceite pelo Sr. Presidente da Câmara.
G - A proposta não foi aceite e os desenhos nunca foram entregues ao A.
H - No caso sub judice, o Estado não foi diligente.
I - E com isso causou, culposamente, danos ao A. que tem o direito de ser ressarcido, e é somente isso que pretende e que vem peticionando.
J - Na impossibilidade de devolução do que o A. deixou à guarda da Ré, por factos que só a esta são imputáveis, é exigível uma recompensa monetária pela perda.
K - Pelo exposto, devem os Venerandos Conselheiros conceder provimento ao presente recurso, revogando o acórdão a quo e repristinando a sentença proferida pela Mm.ª Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria …».

5. Devidamente notificado o R., aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações, pugnando pela total improcedência do recurso e manutenção da decisão judicial recorrida [cfr. fls. 230/236 v.], culminando-as com o seguinte quadro conclusivo:
«
A - Quer no seu articulado, quer no decurso da audiência de discussão e julgamento, a posição do Recorrente foi sempre a de que os desenhos constituíam os originais.
B - Não obstante, ficou demonstrado o contrário, isto é, que se tratava de meras cópias e esse facto não foi objeto de impugnação.
C - Não ficou provado se o Recorrente terá entregue ao Recorrido todos (os supostos quarenta) desenhos ou apenas parte deles (cfr. alínea C) dos factos provados: “…em número não determinado, mas que se apurou ser superior a 10 desenhos”). Acrescente-se, ainda, que nenhuma das testemunhas foi capaz de assegurar que fossem mais do que 20 desenhos.
D - Estes factos - o facto de se tratar de originais ou de meras cópias e o facto de os desenhos extraviados corresponderem à totalidade ou apenas a parte da “obra” do Recorrente - constituem os quesitos fulcrais para a decisão dos presentes autos, concretamente para a apreciação e quantificação do dano e para a questão de saber se os danos morais merecem a tutela do Direito.
E - Ora, o Tribunal de primeira instância, pese embora tenha apreciado corretamente as referidas questões - respondendo negativamente ao facto de os desenhos em causa serem os originais e de os desenhos entregues ao R. terem sido 40 - não extraiu desses factos as consequências que se impunham, que era a improcedência total do pedido.
F - Com efeito, o pedido formulado nestes autos assenta nos seguintes pressupostos de facto:
• a perda ou o extravio de um conjunto de desenhos feitos pelo A.;
• que tais desenhos eram 40 (quarenta);
• que esses desenhos constituíam os originais;
• que essa perda representa uma violação do direito de propriedade do A. relativamente às suas obras de arte, bem como de eventuais direitos artísticos relativamente às mesmas (cfr. artigo 29.º da P.I.);
• que essa perda ou extravio - dos quarenta desenhos originais - é imputável ao Município de Santarém.
G - A decisão de não reconhecer ao Recorrente o direito a qualquer quantia a título de danos patrimoniais está correta e não merece qualquer reparo.
H - Contudo, a decisão de condenar o Recorrido a pagar 5.000,00 € ao Recorrente a título de danos morais, em face da matéria constante das alíneas A) e C) - devidamente conjugada com toda a matéria não provada, em particular com o ponto 4 - é absolutamente inconsistente e errónea, pelo que esteve bem o Tribunal Central Administrativo Sul, que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo ora Recorrido, determinou a sua revogação e a improcedência total do pedido formulado pelo ora Recorrente.
I - Os desenhos em causa não eram originais, e também não eram cópias, no sentido em que não eram réplicas dos originais ou parte de uma série de reproduções idênticas com algum valor de mercado, mas sim reduções (provavelmente através de fotocópia) para A4 dos desenhos originais, cujas dimensões eram quatro vezes superiores (cfr. 5.º § da motivação da matéria de facto, pág. 8 da sentença recorrida, por referência aos depoimentos das testemunhas B……. e C……..).
J - Assim sendo, e tendo presentes os critérios definidos no artigo 496.º do C.C., é injustificável a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais ao Recorrente pela perda de cópias (ou fotocópias) de desenhos.
K - Esse pedido foi formulado no pressuposto intencionalmente criado pelo A., ora Recorrente, de que se tratava de originais, tendo esse pressuposto sido categoricamente afastado pelo Tribunal de primeira instância, o que foi mantido no acórdão recorrido.
L - Tratando-se de fotocópias e considerando a dimensão da Câmara Municipal de Santarém e a quantidade de assuntos e de documentos que diariamente passam pelas mãos dos seus funcionários, não se pode considerar que o grau de culpa do R., ora Recorrido, tenha sido particularmente elevado.
M - Não se pode admitir que, pelo eventual extravio de cada conjunto de fotocópias, seja atribuída uma indemnização por danos morais ao autor dos desenhos.
N - Com o devido respeito, a perda dessas cópias (ou fotocópias), nos termos espelhados nestes autos, não é de molde a merecer a tutela do Direito.
O - Os danos não patrimoniais cujo ressarcimento é reclamado nestes autos pelo Recorrente são pela perda ou ao extravio dos originais dos seus desenhos (e não de cópias ou fotocópias), pelo que o Tribunal não podia passar por cima dessa contradição fundamental.
P - Não se verifica o nexo de causalidade entre a conduta do Recorrido - pela qual o próprio se penitencia - e os danos não patrimoniais reclamados pelo Recorrente, porquanto estes decorrem da perda ou extravio dos desenhos originais, que se desconhece se ocorreu ou não, mas que, em qualquer caso, não é imputável ao Município …».

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 18.01.2018, veio a ser admitido o recurso de revista consignando-se na sua fundamentação de que «… nos termos do art. 496.º, 1, do CC, os danos não patrimoniais são indemnizáveis quando, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. Ora, o acórdão deu como assente que o autor se "sente angustiado e triste", pelo que é bastante problemática a afirmação de que o autor não tenha alegado a "gravidade e consequências" emergentes desse estado psíquico. (…) Justifica-se, ainda, que este STA clarifique qual o limiar mínimo da ressarcibilidade dos danos morais, ou seja, em que termos se deve entender a expressão "que pela sua gravidade mereçam tutela do direito", designadamente em situações como a presente em que essa gravidade não é claramente evidente. Este aspeto da questão ultrapassa os estritos limites do caso concreto e a sua apreciação pelo STA servirá de padrão jurisprudencial para casos futuros. (…) Por outro lado, existem duas decisões divergentes. (…) Assim e apesar dos valores envolvidos (€ 5.000,00) e da "perda" do autor (cópia de desenhos da sua autoria) não sejam muito significativos justifica-se a admissão da revista, com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito …».

7. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu pronúncia no sentido da procedência do recurso [cfr. fls. 251/255], pronúncia essa que, objeto de contraditório, não mereceu qualquer resposta [cfr. fls. 256 e segs.].

8. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.



DAS QUESTÕES A DECIDIR

9. Constitui objeto de apreciação nesta sede o assacado erro de julgamento acometido pelo A./Recorrente ao acórdão recorrido quanto ao juízo no mesmo efetuado face à negação da pretensão indemnizatória deduzida por não preenchimento do requisito do dano, visto entender haver violação, nomeadamente, dos arts. 22.º da CRP, 07.º, 09.º e 10.º da Lei n.º 67/2007, 496.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil [CC] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].



FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO

10. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) Em 1989 o A., A………., desenhou as janelas de casas de Santarém, fazendo uma compilação de 40 desenhos - cfr. doc. n.º 02, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas D……… e C……….
II) Em dezembro de 2008 o A. remeteu a carta junta como doc. n.º 03, com a p.i., cujo teor se dá aqui por reproduzido, dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Santarém, a solicitar uma reunião - cfr. doc. n.º 03, junto com a p.i..
III) Na sequência da carta referida em II), em 23.03.2009 o A. reuniu na Câmara Municipal de Santarém, com a Dr.ª B……….., que lhe solicitou um orçamento considerando a aquisição de 20 ou 40 desenhos, tendo-lhe entregue cópias de desenhos das janelas de casas de Santarém, em número não determinado, mas que se apurou ser superior a 10 desenhos - cfr. docs. n.ºs 03 e 05, juntos com a p.i. e depoimento das testemunhas C………. e B………..
IV) Em 24 de março de 2009 o A. enviou uma carta, junta como doc. n.º 05, com a p.i., cujo teor se dá aqui por reproduzido, dirigida à Dr.ª B………, com «o orçamento pretendido, relacionado com as 40 “janelas de Marvila”» - cfr. doc. n.º 05, junto com a p.i..
V) Pelo R. foi comunicado ao A. não haver disponibilidade financeira para a aquisição dos desenhos - cfr. depoimento da testemunha B……….
VI) O R. perdeu os desenhos que o A. lhe entregou na reunião referida em III) - cfr. doc. n.ºs 06, 07, 08, 10, 11 e 12, juntos com a p.i. e depoimento das testemunhas C…….e B……….
VII) O A. sente-se angustiado e triste por não reaver os desenhos e perdeu a esperança em reavê-los - cfr. depoimento da testemunha C……..

*

DE DIREITO
11. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação do objeto do presente recurso de revista.

12. Insurge-se o A., aqui recorrente, quanto ao juízo firmado pelo acórdão recorrido que, concedendo provimento ao recurso, julgou a pretensão indemnizatória que pelo mesmo havia sido formulada como totalmente improcedente dada a ausência de verificação do pressuposto do dano [no segmento do «dano não patrimonial» peticionado e que havia sido arbitrado pela sentença do «TAF/L»].

13. Presente o que se mostra julgado pelo «TAF/L» quanto à pretensão deduzida na ação administrativa sub specie sem qualquer impugnação e, assim, firmado definitivamente na ordem jurídica, mormente, em matéria de verificação ou preenchimento dos demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, está assim em questão, tão-só, apreciar da verificação in casu do pressuposto do dano na vertente «não patrimonial», aferindo se a realidade factual lograda provar revela e permite fundar um diverso juízo, mercê da existência de dano daquela natureza merecedor de tutela ao abrigo do art. 496.º do CC, na sua concatenação e articulação com o disposto nos arts. 22.º da CRP, 562.º, 564.º e 566.º, do CC, e 07.º da Lei n.º 67/2007, irrelevando, neste contexto, uma pretensa infração aos arts. 09.º e 10.º deste último diploma visto não constituir objeto de discussão nesta sede o preenchimento dos pressupostos da ilicitude e da culpa.

Analisemos.


14. Para que exista obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito e culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) [cfr. arts. 562.º, 563.º e 566.º do CC].

15. Não existe dúvida de espécie alguma de que é ao lesante e não ao lesado que a lei impõe a obrigação de reparar ou mandar reparar os danos causados a este

16. Decorre do art. 496.º do CC que na fixação da indemnização deve atender-se aos «danos não patrimoniais» que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito [n.º 1], sendo que o seu montante é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [n.º 3].

17. Na caracterização deste tipo de danos poderá partir-se do axioma que estabelece que o prejuízo é o sofrimento psicossomático experimentado pelo lesado ou pelas pessoas que tenham direito a indemnização por este tipo de dano à luz dos normativos próprios.

18. Ora os «danos não patrimoniais» traduzem-se nas lesões que não implicam diretamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, lesões essas que abarcam as dores físicas, o sofrimento psicológico, um injusto turbamento de ânimo na vítima ou nas pessoas supra aludidas.

19. A lei não enuncia ou enumera quais os «danos não patrimoniais» indemnizáveis antes confiando aos tribunais o encargo ou tal tarefa à luz do que se disciplina no n.º 1 do citado art. 496.º do CC, constituindo entendimento comum ao nível doutrinal e jurisprudencial o de que a gravidade do dano há-de medir-se, tendo em linha de conta as circunstâncias de cada caso, por um padrão objetivo, e não à luz de fatores subjetivos, de uma sensibilidade particularmente «embotada», «aguçada» ou especialmente requintada do lesado(s) [cfr. ao nível jurisprudencial, entre outros, Acs. deste Supremo de 31.05.2005 - Proc. n.º 0127/03, de 16.05.2006 - Proc. n.º 01188/05, de 08.11.2007 - Proc. n.º 0643/07, de 14.07.2008 - Proc. n.º 0572/07, de 01.10.2008 - Proc. n.º 063/08, de 12.11.2008 - Proc. n.º 0682/07, de 28.01.2009 - Proc. n.º 0884/08, de 28.01.2010 - Proc. n.º 0266/08, de 22.04.2015 - Proc. n.º 0197/15, de 12.07.2017 - Proc. n.º 0865/15, de 15.03.2018 - Proc. n.º 01089/16 in: «www.dgsi.pt/sta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário].

20. Note-se que, se a gravidade dos danos não patrimoniais se deve medir por um padrão objetivo, temos, todavia, que na sua apreciação deverão ser tidas em linha de conta as circunstâncias de cada caso.

21. Resulta, assim, que o julgador, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos «danos não patrimoniais», em cumprimento do normativo legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada, tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos que a esse título sofreu.

22. Assim, e como afirmado por este Supremo no seu acórdão de 31.05.2005 [Proc. n.º 0127/03 supra referido] a «… personalidade física e moral dos indivíduos é protegida por lei contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa ilícita - artigo 70.º do CC» e que «em princípio, a dor moral causada por facto ilícito é abrangida pelo n.º 1 do artigo 496.º», mas isso pode não acontecer, mormente em situações de «dor insignificante, uma simples maçada ou incómodo, que um cidadão comum retém como inerente às vicissitudes normais da vida em sociedade» visto não atingirem «a gravidade merecedora da tutela do direito, em sede de atribuição de indemnização por danos não patrimoniais».

23. Centrando-nos na análise no caso vertente da existência de danos desta natureza na esfera jurídica do A., aqui recorrente, temos para nós que, ponderada a factualidade lograda apurar com relevância neste segmento [cfr. n.ºs III), VI) e VII)] no seu confronto com o que constituía a alegação feita no articulado inicial e que não logrou ser provada [vide, nomeadamente, que os desenhos perdidos fossem os originais], não resultam provados in casu «danos não patrimoniais» dotados da magnitude de «gravidade» tutelada pelo art. 496.º, n.º 1, do CC.

24. Desde logo, temos que o A. não logrou provar, na amplitude e por referência à realidade alegada, os danos não patrimoniais invocados [perda pelo R. dos 40 desenhos originais que eram da sua autoria e pertença, geradores da sua angústia e tristeza e de desesperança quanto à possibilidade de os poder vir a reaver].

25. Por outro lado, daí deriva que a angústia e tristeza apuradas o são por referência não à totalidade dos desenhos [o seu número concreto não foi determinado, sendo apenas superior a 10 mas sempre inferior aos 40] e, mais relevante, respeitam não aos desenhos originais, mas antes, de meras cópias desses desenhos, cópias essas cujo valor, tipo e importância não resultou, também, minimamente apurado, desconhecendo-se ou não podendo em absoluto aquilatar-se, nessa medida, a sua relevância e, assim, fundar um legítimo juízo quanto à magnitude e gravidade dos danos logrados provar.

26. Assim, à luz e no contexto da factualidade apurada a angústia e a tristeza pelo não reaver dos desenhos [meras cópias] e a perda de esperança quanto a uma sua recuperação não assumiram, nem assumem, no caso, uma dimensão capaz de suportar a exigência de gravidade imposta pelo art. 496.º do CC.

27. Nada há nos autos a provar ou a indiciar que, segundo juízos de probabilidade assentes na experiência comum das coisas e através dum processo causal isento de desvios, a sensibilidade do A. se mostre conforme, em termos objetivos, com aquele padrão de normalidade, antes radicando as repercussões de ordem psicológica e afetiva que vêm descritas como provadas marcadamente na sua personalidade, numa sensibilidade particular e subjetivamente «embotada» do lesado.

28. Se não é agradável o confronto com uma situação como a que o A. se viu envolvido entende-se, contudo, à luz dum juízo normalidade, estribado e realizado por referência a um padrão objetivo considerando uma situação de perda de objeto que não assume a natureza e características que haviam sido alegadas, de que a reação pelo mesmo evidenciada e suas decorrências se mostram marcadas por fatores subjetivos, ligados a uma sensibilidade particularmente «aguçada» do A., não assumindo, em concreto, da gravidade merecedora da tutela do direito exigida e reclamada pelo n.º 1 do normativo em referência.

29. Assim, importa concluir no sentido de que não assiste razão à argumentação expendida pelo A., aqui recorrente, improcedendo, por conseguinte e sem necessidade de mais desenvolvimentos, o presente recurso.



DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento ao recurso jurisdicional sub specie, e, em consequência, manter o acórdão recorrido.
Custas a cargo do A., tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. D.N..



Lisboa, 17 de maio de 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.