Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01309/14
Data do Acordão:04/29/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
VALOR PATRIMONIAL
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:Padece de erro de julgamento a sentença que ao fiscalizar o cumprimento do dever de fundamentação atende exclusivamente aos elementos do acto reclamado e não aos que constam do acto que decidiu a reclamação da actualização do valor patrimonial tributável de um prédio urbano, deduzida ao abrigo do artigo 102º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário e que constitui o objecto de impugnação judicial.
Nº Convencional:JSTA000P18933
Nº do Documento:SA22015042901309
Data de Entrada:11/07/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Fazenda Pública, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto) datada de 27 de Janeiro de 2014, que julgou procedente a impugnação deduzida por A…………, contra a liquidação de IMI relativo ao ano de 2005, no montante de € 1.262,58.

Alegou, tendo concluído como se segue:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial contra a liquidação de IMI do ano de 2005, relativamente ao prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia da ......... (Porto) sob o artigo 00313, no valor de € 1.262,58.
B. Está em causa saber se a nota de cobrança de IMI emitida para o ano de 2005 padece do vício de falta de fundamentação, talqualmente ficou decidido na sentença que ora se recorre.
C. O direito à fundamentação dos atos administrativos o tributários que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos é princípio constitucional com assento no art. 268° da CRP e, encontra-se concretizado pelo legislador ordinário no art. 77° da LGT.
D. Por força do nº 1 do art. 77° da LGT, a fundamentação deve consistir numa exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas,
E. Acrescentando o nº 2 do mesmo preceito legal que a fundamentação dos atos tributários de liquidação pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria coletável e do tributo.
F. Assim, a fundamentação há-de ser expressa, através de uma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do ato, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a atuar como atuou e; congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
G. Sendo que, a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de modo a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos.
H. Por sua vez o art.° 125°, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), acrescenta que equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
I. No caso concreto, foi dado como assente na matéria dada como provada, pontos B) e O) da sentença, que o Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação de IMI relativa ao ano de 2003, e que contra as liquidações de IMI referentes aos anos de 2003 e 2004, o lmpugnante deduziu impugnação judicial, que correu termos do TAF do Porto sob o n.º 232/05.5BEPRT.
J. Por outro lado, o ora Impugnante alega, na sua Douta PI, que a notificação feita ao Impugnante (...) não observa os requisitos imperativamente estabelecidos no art.° 77.°/2 da LGT relativamente ao dever de fundamentação (…)” — art.° 10.° da PI, e no art.° 11.° da PI, que tal fundamentação seria dispensável para o ano de 2005, se tal fundamentação houvesse sido feita no lançamento e liquidação referentes a 2003 e 2004.
K. Sobre a questão controvertida naquela impugnação judicial (portanto, as liquidações de IMI de 2003 e 2004, respeitante ao mesmo prédio objeto do presente recurso, que o Impugnante diz não ter tido acesso à respetiva fundamentação), ficou decidido no acórdão do STA de 09/11/2012, processo 01126/11, que “Da recensão de peças processuais atrás efectuada forçoso é concluir que não subsistem dúvidas de que o reclamante teve possibilidade de conhecer das razões de facto e de direito que estão na base pressupostos em que assentou a liquidação do IMI impugnado e bem assim de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo de quem tomou tal decisão”.
L. Mais concluindo que “Efectivamente, e como se constata da petição inicial o recorrido veio deduzir impugnação judicial da decisão do Sr. Chefe do Serviço de Finanças do Porto que recaiu sobre o procedimento de reclamação graciosa, fazendo-o ao abrigo do disposto no art° 102°, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (Tendo em conta a data em que a impugnação judicial foi introduzida em juízo, só o acto que decidiu a reclamação poderia ser objecto de fiscalização, pois nessa data já se havia esgotado o prazo de impugnação relativamente ao acto primário.), facto que a sentença parece ter olvidado.
Ora no caso, e como vimos, sendo a fundamentação um requisito formal da decisão, que não se confunde com o seu conteúdo, não pode deixar de se entender que o impugnante teve conhecimento, no âmbito do processo de reclamação graciosa, de forma acessível, clara, congruente e suficiente, do juízo que a administração tributária efectuou para decidir no sentido em que decidiu M. Assim, por tudo quanto se expôs, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogada a douta sentença e baixar o processo ao Tribunal a quo para apreciação dos demais vícios.
Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e ordenada a baixa do processo ao Tribunal de primeira instância para apreciação dos demais vícios.

Contra-alegou o recorrido tendo concluído:
1ª - Vem este recurso interposto, pela Fazenda Pública, da douta sentença de fls. 68/78 que julgou a presente impugnação procedente, anulando a liquidação impugnada, em IMI, ano de 2005.
2ª - A questão a decidir no presente recurso pode resumir-se nestes termos:
Os actos tributários de lançamento e liquidação que foram praticados em imposto municipal sobre imóveis (IMI), ano de 2005, reproduzido no documento através do qual é feita a sua notificação ao respectivo sujeito passivo, podem considerar-se devidamente fundamentados, nos termos exigidos, entre outros, pelos artigos 268.º/3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), e 77.° da Lei Geral Tributária (LGT), especialmente nos seus nºs 1 e 2, e 125° Código de Procedimento Administrativo (CPA), especialmente nos seus nºs 1 e 2?
3ª - Dos fundamentos invocados pelo ora Recorrido para obter a procedência do seu pedido de anulação da liquidação impugnada, a douta sentença sob recurso pronunciou-se apenas sobre o primeiro dos fundamentos invocados — VÍCIO DE FORMA, falta de fundamentação legalmente exigida.
4ª - É, aliás, sobre a decidida falta de fundamentação do acto tributário impugnado que vêm produzidas as alegações da Recorrente (fls. 89/100).
5ª - Nessas alegações, a Recorrente tenta o impossível — demonstrar que o documento de fls. 12 regista fundamentação suficiente do lançamento e liquidação impugnados.
6ª - Mas não regista: refere apenas o artigo matricial de inscrição do prédio; o ano a que respeita o imposto, o valor patrimonial tributário a taxa tributária aplicada; e a colecta apurada. Mais nada com interesse para a exigida fundamentação do acto.
7ª - No documento de fls. 12, não dá o autor do acto impugnado a menor explicação sobre o valor patrimonial tributário que considerou, designadamente como chegou a ele.
- Como não dá a menor explicação sobre a escolha (entre as cinco legalmente possíveis) da taxa tributária aplicada (0,80 %).
- E essa explicação teria sempre de, no mínimo, ser expressa e acessível, clara, congruente e suficiente, e contextual e contemporânea da prática do acto, como reconhece a Recorrente no n.° 10 das suas alegações (fls.91) e na conclusão F. (fls. 98).
10ª - Mas não o foi.
11ª - Não se levou em consideração que se tratava, no caso, de um imposto novo, que viera substituir a contribuição autárquica e que, em relação a esta, apresentava diferenças muito profundas, mormente no tocante à matéria de avaliação e fixação da realidade tributável.
12ª - Como não foi tido em consideração que as regras utilizadas até então, durante quarenta anos, foram as do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (de 1963), que nada tinham a ver com o regime instituído pelo Código do IMI - inovador, complexo e muito diversificado, o qual, ao longo de quase dez anos, continua a suscitar justificadas controvérsias.
13ª - E nunca foi tido em consideração que não se tratava da primeira liquidação (2003) de IMI, a que foi aplicável o artigo 20° Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, mas sim da liquidação do IMI do ano de 2005.
14ª - Do que se observa do documento de fls. 12 retira-se, inequívoca, a conclusão de que o acto tributário impugnado não foi objecto de fundamentação expressa, acessível, clara, congruente e suficiente, contextual e contemporânea da sua prática, isto é, não está ali fundamentado.
15ª - A fundamentação legalmente exigida do lançamento e da liquidação do IMI, com referência ao prédio dos autos, foi pela primeira vez notificada ao aqui Recorrido em 2012, quando este seu prédio foi avaliado por iniciativa da AT.
16ª - Porque o aqui Recorrido percebeu, pelos termos dessa notificação, o resultado da avaliação, com a qual concordou, deixou de impugnar o IMI que lhe foi liquidado, contrariamente ao que invariavelmente fez de 2003 a 2011.
17ª - Julgando como julgou, a douta sentença de fls. 68/78 não violou qualquer norma jurídica, antes fez correcta interpretação e aplicação da lei e do Direito, garantiu os direitos protegidos do Impugnante/Recorrido, na linha, aliás, de orientação definida por jurisprudência dos Tribunais Superiores do Contencioso Tributário, pelo que não merece qualquer censura.
Nestes termos e nos mais, de Direito, aplicáveis, deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmada a douta sentença de fls. 68/78, para que assim se cumpra a LEI e se faça JUSTIÇA.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pela improcedência do recurso. Em síntese, entende que, o acto tributário notificado ao recorrido padece do vício de falta de fundamentação.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) O Impugnante foi notificado da nota de cobrança n.º 2005 140266703, para efectuar o pagamento da quantia de € 631,29, durante o mês de Abril de 2006, respeitante à 1ª prestação da liquidação de IMI do ano de 2005, dela constando, além do mais, o seguinte:

Descrição dos Prédios
Ano
Valor Patrimonial Tributário (€)
Valor Isento (€)
Taxa (€)
%
Maj/Min
%
Colecta
%
Juros Comp. (€)
Município/Freguesia/Artigo
1312 Município de PORTO
2005
1.262,58
0,00
131215 ………… – U – 00313
166.129,00
0,80
-5,00
1.262,58
U-Urbano R-Rústico

(...)
1ª PRESTAÇÃO
Este imposto é receita do(s) Município(s) identificado(s) neste(s) documento(s) e a taxa, bem como a majoração/minoração, aplicada a prédios urbanos foi fixada por deliberação da(s)respectiva(s) Assembleia(s) Municipal(is).
Foi observado, na presente liquidação, o disposto no art° 25° do DL 287/2003 de 12/11
(…)” Fls 12.

B) O Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação de IMI relativa ao ano de 2003. Fls 13.
C) Contra as liquidações de IMI referentes aos anos de 2003 e 2004 o Impugnante deduziu impugnação judicial. Fls 14 e 15.
D) Dos autos consta um documento denominado “Arrendamento” outorgado em 09/12/1986, do qual consta, além do mais, o seguinte:
Primeira: Dra B…………, (...) que intervém por si e ainda, como procuradora em nome e representação de:
a) A…………, e esposa Dª C…………, (...);e
b) D…………, (...), casado com E…………, (...), por esta autorizado para este acto, como consta da respectiva procuração;
no uso dos poderes que lhe foram conferidos nas duas procurações (…);
Segundos: — a) F…………, (...);
e - b) G…………, (...), - eles intervêm como gestores de negócios -, em nome e representação da sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, sob a firma “H…………, Limitada”, com sede na Rua ………, números ……/……, ……, nesta cidade;
(…)
A primeira outorgante declarou por si e na aludida qualidade:
Que, por esta escritura, dá de arrendamento à sociedade “H…………, Limitada” representada dos segundos outorgantes, o ……, com entrada pelos números, …… a …… do prédio urbano sito na Rua ………, números …… a ……, freguesia da ………, Porto, inscrito na respectiva matriz sob o artigo trezentos e treze, (...):
1° O prazo de duração é de um ano, considerando-se prorrogado por iguais e sucessivos períodos, e teve o seu início em um de Maio do corrente ano;
(…)
Declararam os segundos outorgantes que aceitam este contrato para a sociedade que representam.
(…) Fls 16 a 23.
E) Dos autos consta documento com o seguinte teor:
RECIBO/RENDA Nr. :5/1989
A………… E OUTROS
(...)
Recebemos de: H………… LDA
quantia de: CENTO E TRINTA E TRES MIL E QUATROCENTOS E CINQUENTA E CINCO ESCUDOS
Para liquidação de: R. ……… …… …… 4000 PORTO — ……
CODIGO
MÊS
VALOR
1003
JANEIRO
133.455$00
(...)” Fls 24
F) Em 27/07/2006 deu entrada neste TAF a presente impugnação. Cfr. carimbo aposto no rosto de fls. 2 da PI dos autos.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer deste recurso.
A questão tratada nos presentes autos já não é nova e foi já decidida por este Supremo Tribunal relativamente a este mesmo prédio, sobre o qual foi liquidado o IMI, e relativamente à mesma liquidação do ano 2005, cfr. acórdão datado de 26/03/2014, recurso n.º 01912/13.
Também esse acórdão apreciou o recurso interposto de sentença do TAF do Porto, onde se entendeu que a liquidação do IMI, nos termos em que foi feita, estava ferida da ilegalidade de falta de fundamentação.

A propósito da referida ilegalidade de falta de fundamentação, escreveu-se na sentença recorrida nos presentes autos, na parte com interesse:
Alegou o Impugnante que "A notificação feita ao Impugnante pelo documento de cobrança n.º 2005 140266703 (...) não observe os requisitos imperativamente estabelecidos no art. 77.°/2 da Lei Geral Tributária (LGT) relativamente ao dever de fundamentação dos actos tributários imposto pelo art. 268.°/3 da Constituição da República Portuguesa (CRP)", porquanto "sem qualquer explicação relativa às operações efectuadas para o apuramento da matéria tributável, tanto mais indispensável quanto se tratava de um imposto novo, estrutural e profundamente diferente do que veio substituir".
Diversamente, entende a Fazenda Pública que "Os elementos necessários à presente liquidação dirão respeito à identificação do imóvel e ao cálculo do Imposto em causa" acrescentando que "Da análise da notificação ora em crise, conclui-se que todos os elementos se encontram devidamente identificados, não restando qualquer dúvida em relação ao montante do tributo e aos cálculos em causa. "
Vejamos a quem assiste razão.
(…)
Retornando ao caso sub judice, decorre do probatório (alínea A)) que consta da nota de cobrança impugnada: a localização do imóvel, o artigo matricial, o ano a que respeita a liquidação, o valor patrimonial tributário, a taxa e a colecta que lhe corresponde.
Contudo, constata o Tribunal, tal como alega o impetrante, que embora conste da liquidação a indicação do montante do valor patrimonial tributário (VPT) - € 166.129,00, não vem minimamente demonstrado como é que a A.T. chegou a esse valor, ou seja, quais as operações que conduziram à sua determinação.
O teor da nota de cobrança não permite, pois, a um destinatário normal apreender o iter cognoscitivo e valorativo que presidiu à actuação da A.T., descortinando as razões pelas quais decidiu atribuir ao prédio aquele VPT e não outro qualquer.
Por outro lado, relativamente à referência feita na nota de cobrança à aplicação do artigo 25.° do Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12/11, a mesma não possui qualquer relevância ao nível da fundamentação do VPT pois esta norma prevê apenas um regime de salvaguarda, ao fixar limites ao aumento do IMI.
Assim, desconhece o Tribunal se o VPT apurado pela A.T. o foi com base no artigo 16.°, n.ºs 1 a 4, n.º 5 ou no artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 287/2003 ou se foi alcançado pela aplicação dos artigos 36.° a 47.° do CIMI ou até com base em outros normativos.
Não obstante, o Impugnante refere, no artigo 11.° da PI, que na liquidação de 2005 a fundamentação até poderia ser dispensável se, das liquidações de IMI referentes aos anos anteriores - 2003 e 2004 - constasse tal fundamentação.
Todavia, no caso em apreço, não resulta provado que, em momento anterior, tenha sido dado a conhecer ao Impugnante os critérios essenciais que presidiram à fixação do VPT.
Atente-se que, pelo Impugnante foi alegado que "Nem na notificação feita pelo doct. de cobrança de 2003 e 2004, nem no cit. doct n.º 1 se faz qualquer referência, mesmo que de forma sumária, à razão por que o valor patrimonial tributário é o que vem indicado naquele documento, nenhuma referência se encontrando, também a esse respeito, no processo administrativo interno," (cfr. artigos 12.º e 13.º da PI).
Ora, o ónus probandi desse facto (rectius, que a AT deu a conhecer ao Impugnante as razões de facto e de direito pelas quais foi fixado o VPT do, prédio em causa) recai sobre a AT (de acordo com o disposto nos artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do CC).
Nesta conformidade, face a ausência de prova carreada pela AT do aludido facto (que nem sequer foi impugnado pela Fazenda Pública), impera considerar verificada a insuficiência da fundamentação da liquidação.
(…)
Refira-se ainda que os Acórdãos do STA de 19/04/2012, proferido no Processo n.º 036/12, de 19/09/2012 e de 17/10/2012, proferidos, respectivamente, nos Processos n.º 0659/12 e 0822/12, pronunciaram-se em situações em tudo idêntica à dos presentes autos, pelo que acolhemos na íntegra a jurisprudência ali firmada, louvando-nos da fundamentação neles integralmente inserta.
Atento o exposto, impera concluir que assiste razão ao Impugnante, verificando-se a violação do dever de fundamentação, uma vez que, por um lado, a liquidação não permite conhecer quais os critérios que presidiram à determinação do VPT e, por outro, não resulta dos autos que o Impugnante tenha tomado conhecimento dos mesmos em momento anterior à liquidação ora em crise.
Assim, estando o acto tributário insuficientemente fundamentado, padece o mesmo de vício de forma que o invalida.”.

Esta fundamentação da sentença recorrida é essencialmente idêntica à fundamentação da sentença objecto do recurso n.º 01912/13, sendo igualmente idêntica a matéria de facto levada ao probatório.
Assim, seguiremos de perto o que se decidiu naquele processo, uma vez que não se vislumbra razões que imponham decisão diferente.
No caso dos autos questiona-se se o acto de liquidação de IMI referente ao ano de 2005, do prédio urbano inscrito na matriz predial … sob o artigo nº 00313, de que a impugnante ora recorrida é proprietária…, deve considerar-se, ou não, fundamentado.
O Tribunal a quo entendeu, que o acto de liquidação não estava fundamentado porque nomeadamente, a nota de cobrança não permite determinar em que moldes foi determinado o valor patrimonial tributário do imóvel em questão.
Por outro lado a recorrente Fazenda Pública, entende que a notificação de liquidação contendo a identificação do imposto, do ano a que respeita, identificação e localização do imóvel, indicação da data da liquidação, indicação do valor patrimonial tributário, existência ou não de isenção, percentagem de majoração ou minoração, o montante da colecta, de acordo com o documento de fls. 12 dos autos, contém os elementos necessários para que se considere devidamente fundamentada.
Devemos tomar em consideração o acórdão proferido em 7 de Novembro de 2012, no processo nº 1126/11, em tudo semelhante ao dos presentes autos, no qual se refere: “(…) Da recensão de peças processuais atrás efectuada forçoso é concluir que não subsistem dúvidas de que o reclamante teve possibilidade de conhecer das razões de facto e de direito que estão na base pressupostos em que assentou a liquidação do IMI impugnado e bem assim de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo de quem tomou tal decisão.
Na verdade o reclamante insurgiu-se contra o facto do IMI ter sido actualizado com base na norma do nº 5 do artigo 16º do DL nº 287/2003 e não com base na norma do nº 4 do mesmo artigo.”.
Ora, no caso dos autos, verifica-se situação equiparável pois na petição inicial a ora recorrida, no artigo 30º, a fls. 10 dos autos, refere:
“(…) b) – o lançamento e a liquidação do imposto foram feitos com base numa norma jurídica (artº 16.º/5 do Decreto-Lei nº 287/2003) que era inaplicável ao caso;
c) – o lançamento e a liquidação do imposto deviam ter sido feitos com base no disposto nos nºs 1, 2, 3 e 4 do artº 16º do Decreto-Lei nº 287/2003; (…)”.
A ora recorrida compreendeu, portanto, que a Administração Tributária efectuou a liquidação do IMI relativo a 2005, de acordo com uma actualização do valor patrimonial tributário nos termos do artº 16.º/5 do Decreto-Lei nº 287/2003.
O que acontece é que a ora recorrida discorda da aplicação dessa norma para actualização do valor patrimonial do imóvel.
Já com a notificação da liquidação do IMI referente ao mesmo imóvel e referente ao ano de 2003, a ora recorrida não se conformou e impugnou aquela liquidação tendo obtido vencimento na 1ª instância, seguindo-se recurso interposto pela Fazenda Pública para este Supremo Tribunal, que determinou a prolação de acórdão em 10 de Outubro de 2012, tirado no processo nº 277/12.
Conforme refere o EMMP neste Supremo Tribunal, “A fundamentação jurídica do aresto pronunciou-se no sentido da inexistência do vício imputado à decisão de indeferimento de reclamação graciosa, no entendimento de que o sujeito passivo reclamante teve perfeito conhecimento do itinerário cognoscitivo percorrido pelo autor do acto reclamado (Director de Finanças), expresso em fundamentação acessível, clara, suficiente e congruente, conducente à fixação do valor patrimonial tributário do prédio (VPT) de € 165 631,61 em 2003, o qual se mantinha inalterado em 2005 (doc.fls.12)”.
Em consequência do que ficou dito, não pode pois considerar-se que o acto de liquidação do IMI referente a 2005, não estava suficientemente fundamentado. O que acontece é que, a recorrida discorda da norma de que a Administração Tributária se socorreu para avaliar o imóvel e atribuir o valor patrimonial tributário em questão. Por outro lado, o valor patrimonial tributário manteve-se inalterado desde 2003, que, como acima foi referido foi alvo de impugnação que terminou com o processo nº 277/12 do STA que se pronunciou negativamente em relação à falta de fundamentação da liquidação de 2003, cujo valor patrimonial tributário se manteve inalterado em 2005.
O recurso merece, pois, provimento.”.

Concluindo-se, assim, pela procedência do recurso, há agora que conhecer da ilegalidade do “erro no lançamento e liquidação do imposto”, também invocada pelo recorrido e que não foi conhecida pelo Tribunal a quo, por se considerar prejudicado o seu conhecimento pela solução dada à questão da falta de fundamentação.

E porque a decisão desta questão implica a apreciação da matéria de facto levada ao probatório, e eventualmente de outra que entretanto se entenda ser necessária, implicando, por isso, que da mesma se extraiam ilações de facto subsumíveis às normas jurídicas aplicáveis, descerão os autos ao Tribunal recorrido para esse efeito.

Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, e determinando a baixa dos autos ao Tribunal a quo para conhecimento das demais questões suscitadas pela impugnante, e se necessário para ampliação da matéria de facto, se a tal nada mais obstar.
Custas neste STA a cargo do recorrido por ter contra-alegado e decaído.
D.n.
Lisboa, 29 de Abril de 2015. – Aragão Seia (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.