Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0422/18.0BELLE-R1
Data do Acordão:02/06/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
LEGITIMIDADE ACTIVA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RECURSO JURISDICIONAL
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão quaestio juris em matéria do regime dos recursos jurisdicionais no âmbito da tutela cautelar e relativamente à qual se verifica capacidade de expansão da controvérsia, tanto mais que foi resolvida nas instâncias de modo divergente e a solução firmada no acórdão recorrido mostra-se controvertida e não isenta de dúvidas.
Nº Convencional:JSTA000P25554
Nº do Documento:SA1202002060422/18
Data de Entrada:01/20/2020
Recorrente:A.......
Recorrido 1:B..... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. A………, invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 07.11.2019 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante «TCA/S»] [cfr. fls. 135/152 - paginação « SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], proferido nos presentes autos de reclamação apensos a providência cautelar e que manteve o despacho da Relatora de 25.09.2019 que, deferindo a reclamação apresentada pela «C……….., LD.ª», [doravante Contrainteressada], sobre o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé [doravante «TAF/L»] [datado de 04.06.2019 e que não havia admitido o recurso de apelação que fora interposto pela referida Contrainteressada (cfr. fls. 26/30) de anterior despacho do mesmo TAF, de 04.04.2019, que se pronunciou pela legitimidade processual ativa do aqui Recorrente (cfr. fls. 31/35)], veio a admitir o recurso de apelação interposto pela Contrainteressada e que, revogando o despacho ali reclamado, ordenou a imediata «subida dos autos após devida instrução».

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 165/205] na relevância social e jurídica objeto de litígio e, bem assim, a necessidade de «uma melhor aplicação do direito», fundada na errada interpretação e aplicação, mormente dos arts. 142.º, n.º 5, 147.º, ambos do CPTA, 644.º, n.ºs 1 e 2, als. b) e h), do CPC, estando em alegada contradição com a posição firmada por este Supremo Tribunal no seu acórdão de 16.06.2011 [Ac. n.º 2/2011, de uniformização de jurisprudência - Proc. n.º 0225/11].

3. A Contrainteressada, aqui recorrida, produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 213/242] nas quais pugna, desde logo, pela não admissão do mesmo.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O «TAF/L» não admitiu o recurso de apelação interposto pela Contrainteressada através do qual a mesma pretendia impugnar a decisão que havia julgado improcedente a arguida exceção de ilegitimidade processual ativa do aqui ora Recorrente [cfr. fls. 26/35].

7. O «TCA/S» revogou tal despacho para o efeito entendendo que a decisão interlocutória que, conhecendo daquela exceção dilatória a havia julgado improcedente, era suscetível de recurso autónomo imediato ao abrigo do disposto na al. h), do n.º 2, do art. 644.º do CPC, aplicável, ex vi do art. 142.º, n.º 5, do CPTA.

8. O aqui Recorrente, para além da relevância social e jurídica do litígio, sustenta a necessidade de melhor aplicação do direito, insurgindo-se contra o que entende ser a errada interpretação e aplicação feita no acórdão recorrido do quadro normativo e jurisprudência uniformizadora supra enunciados.

9. É certo que o carácter excecional deste recurso tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência desta formação, com especial destaque para os processos cautelares em que se tem afirmado a exigência de um rigor acrescido.

10. Com efeito, a orientação jurisprudencial desta formação de admissão preliminar tem sido a de que não se justifica admitir revista de decisões de segunda instância, salvo quando se discutam aspetos do regime jurídico específicos ou que exclusivamente digam respeito ou se confinem à tutela cautelar, ou quando a decisão contenda com situações de relevância comunitária particularmente intensa ou de inobservância de princípios processuais fundamentais.

11. Está em causa quaestio juris relativa ao regime dos recursos jurisdicionais dirigidos quanto às decisões proferidas em sede de processo cautelar, mais especificamente de decisões interlocutórias, questão essa que, mostrando-se passível de repetição, terá, em concreto, sido alegadamente resolvida ao arrepio ou em contradição não só da jurisprudência uniformizada deste Supremo atrás aludida e que manteve o entendimento que havia sido firmado no ali «acórdão recorrido» de que a decisão tomada a «propósito das exceções ilegitimidade ativa e passiva e erro na forma do processo» em sede de processo urgente não era imediatamente recorrível dado apenas ser suscetível de ser impugnada «no recurso que vier a ser interposto da decisão final, nos termos dos arts. 142.º/5 do CPTA e 691.º/3 do CPCivil … - (atual art. 644.º)», mas também de jurisprudência «consolidada» dos próprios TCA’s e que se mostra convocada [vide, nomeadamente a jurisprudência inserta na conclusão 09.ª) das alegações], no sentido de que, nos termos do art. 142.º, n.º 5, e 147.º do CPTA, e 644.º do CPC, «o recurso da decisão que conhece da exceção dilatória de ilegitimidade ativa apenas pode ser interposto a final e não numa apelação autónoma» e de que «a apelação autónoma do despacho que determinou a improcedência da exceção dilatória, não se enquadra no conceito de “absolutamente inútil” do artigo 644.º, n.º 2, al. h), do CPC».

12. A quaestio juris foi resolvida nas instâncias de modo divergente e a solução firmada no acórdão recorrido mostra-se controvertida e não isenta de dúvidas, pois, para além de, primo conspectu, poder-se apresentar como em contradição com o que foi julgado pelo Supremo no referido acórdão, temos que o entendimento que logrou vencimento sobre a abrangência da al. h) do n.º 2 do art. 644.º do CPC [«absoluta inutilidade do recurso»] não é minimamente claro e inequívoco, para além de que parece fazer entrar pela alínea em questão situação que o legislador no n.º 1 e na al. b) do n.º 2 do mesmo preceito não terá querido incluir, dado que, ressalvadas as situações ali previstas ou incluídas, não seria passível de recurso de apelação autónoma a decisão que haja julgado improcedentes outras exceções dilatórias que hajam sido arguidas no processo, donde se segue a necessidade de recebimento do recurso, para reanálise do assunto com vista a uma esclarecida aplicação do direito.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas. D.N..

Lisboa, 6 de fevereiro de 2020. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – Madeira dos Santos.