Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0167/10
Data do Acordão:04/14/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDE DE PACHECO
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
INTERRUPÇÃO
SUSPENSÃO
CITAÇÃO
Sumário:A citação do executado interrompe o decurso do prazo prescricional, revestindo, todavia, um efeito meramente suspensivo no caso de paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à autuação da execução, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT, antes da entrada em vigor da Lei n.º53-A/2006, de 29 de Dezembro que o revogou.
Nº Convencional:JSTA000P11686
Nº do Documento:SA2201004140167
Recorrente:A ...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1- A…, Lda., melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença da M.ma Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na parte em que julgou improcedente a reclamação deduzida do despacho proferido pelo Chefe de Serviço da Repartição de Finanças do Porto 2 que considerara não prescrita a Contribuição Autárquica relativa ao ano de 1999, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

A) O n.° 2 do art.° 49.° da LGT, na redacção vigente até à entrada em vigor da Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ao referir-se à “data da autuação” quando a acusa da suspensão seja a citação reporta-se à data da própria citação e não à data da autuação da execução, que não constitui causa de interrupção da prescrição
B) Relativamente à contribuição autárquica respeitante ao ano de 1999, tendo a citação sido efectuada em 11/06/2004, sem a prática de um qualquer acto na execução no ano subsequente, o tempo relevante para efeitos de prescrição é o que corresponde ao somatório do decorrido desde 31/12/1999 até à data da citação — 4 anos, 5 meses e 11 dias — com o decorrido desde 12/06/2005 (um ano e um dia depois da citação) até à data da douta sentença (06/07/2009) — 4 anos e 24 dias -, o que perfaz um total de 8 anos, 6 meses e 5 dias.
C) A douta sentença sob recurso, a julgar improcedente a reclamação no que respeita à invocada prescrição da obrigação tributária referente a Contribuição Autárquica do ano de 1999, interpretou e aplicou erradamente o disposto no n.° 2 do art.° 49.° da LGT, antes da sua revogação pela Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

2- A Fazenda Pública não contra-alegou.

3- O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:

“Recorrente: A…
Objecto: Saber se ocorreu a prescrição da dívida exequenda, respeitante a contribuição autárquica de 1999.
FUNDAMENTAÇÃO
O Recorrente defende que o n.° 2 do artigo 49.° da LGT, na redacção vigente até à entrada em vigor da Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro, quando se refere à “data da autuação”, sendo a citação a causa da interrupção da prescrição, deve ser interpretado no sentido de se reportar à data da própria citação e não à data da autuação da execução que, actualmente, não constitui causa de interrupção da prescrição.
Entendemos que a decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação da lei. De facto, nem a sua letra nem o seu espírito consentem a interpretação defendida nas alegações de recurso. Se o Legislador tivesse querido adoptar a solução propugnada pelo Recorrente tê-lo-ia dito de forma clara e não através de uma redacção inequívoca, claramente adversa à mesma.
A redacção do supracitado preceito legal apenas permite se interprete que “a citação interrompe o prazo de prescrição, cessando, porém esse efeito se o processo estiver parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, somando-se neste caso o tempo que decorrer após esse período ao que decorreu até à data de autuação do processo” (acórdão do STA de 19/03/2009, processo n.° 115/09).
CONCLUSÃO
Em nosso entender o recurso não merece provimento devendo ser confirmada a decisão recorrida.”

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

4- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

1° Em 21 de Dezembro de 2002 foi instaurada a execução fiscal n.° 3182200201533070, por dívidas de Contribuição Autárquica — respeitante aos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000 no valor actual de 59.500,56 €, contra A…, Ld.a (cf. fls. 360 a 363 dos autos - registo da tramitação do processo de execução e fls. 321 a 359 dos presentes autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas);
2.º A citação da executada/reclamante ocorreu em 11 de Junho de 2004 (cfr. fls. 360 e 364 dos autos);
3° Desde da data da citação 11.06.2004 até 03.01.2006 em que ocorreu a emissão de mandado de penhora, no âmbito do processo de execução fiscal em referência os únicos actos praticados foram a emissão de Documentos únicos de anulação na sequência de reclamação graciosa apresentada (cfr. fls. 338 a 357 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido);
4° Após a realização de várias vendas de bens penhorados à ordem do processo de execução a quantia exequenda cifra-se em 53.797,00€ (cf. tramitação do processo de fls. 360 a 363);
5° Em 21 de Janeiro de 2009 a executada/reclamante dirigiu requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças Porto 2, ao processo de execução fiscal n.° 3182200201518739 e Aps, sendo que o processo n.° 3182200201533070 constitui um dos apensos, requerendo nos termos de fls. 231 a 235 dos autos que aqui se dão como integralmente reproduzidas, para além do mais que se “... conheça e declare a prescrição da dívida exequenda respeitante aos anos de 1997, 1998, 1999 e a consequente extinção parcial da execução...”;
6° Na sequência daquele requerimento foi emitida a seguinte informação “No que diz respeito a dívidas do processo 3182200201533070 respeitante aos anos de 1997, 1998 e 1999 estas não estão prescritas em virtude de se verificar que desde da data da instauração do processo houve sempre tramitações e este nunca esteve parado pelo período superior a 1 ano, como o processo é de Contribuição Autárquica também não se põe o caso de estas terem de ser levadas ao conhecimento da executada.” (cfr. fls. 258 dos autos);
7° Em 06.03.2009 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças que em conformidade com a informação prestada a fls.261, considerou “Não verificada a alegada prescrição de dívidas.”(cfr. fls. 272 dos autos que aqui se dá por reproduzida);
8° O mandatário do reclamante foi notificado do teor do despacho que lhe indeferiu o pedido de declaração da prescrição nos termos peticionados em 18.03.2009 (cfr. fls. 280 e 281 dos autos)
9° A presente reclamação foi apresentada em 30 de Março de 2009.

5- A sentença sob recurso a propósito da invocada eventual prescrição da Contribuição Autárquica do ano de 1999 ponderou nos seguintes termos: “E, aplicando o mesmo raciocínio, quanto à dívida relativa ao ano de 1999, somado o tempo decorrido desde 31.12.1999 até à da autuação do processo de execução em 21.12.2002 — decorreram 2 anos, 11 meses e 20 dias, com o que, entretanto já decorreu após a paragem do processo executivo por mais de um ano por facto não imputável ao mesmo, ou seja, desde 12.06.2005 até hoje — 4 anos e 24 dias, ter-se-á que concluir que o prazo de prescrição ainda não se completou pois temos um total de 7 anos e treze dias. Razão por que se não mostra prescritas a dívidas referente ao ano de 1999.”
Como se alcança das conclusões da sua alegação de recurso, a recorrente vem defender o que apelida de uma interpretação correctiva da previsão normativa constante do n.º 2 do artigo 49.º da LGT (aplicável antes da entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro), para tanto propugnando o entendimento segundo o qual a referência aí feita à “data da autuação” deve ser interpretada como se reportando à data da própria citação do executado, uma vez que a data da instauração da execução com a entrada em vigor da LGT deixara de constituir causa interruptiva da prescrição.
A sem razão da recorrente é por demais manifesta.
Vejamos.

Sob a epígrafe “ Interrupção e Suspensão da Prescrição “ os n,ºs 1 e 2 do artigo 49.º da LGT dispunham do seguinte modo antes da entrada em vigor da já citada Lei n.º 53-A/2006:
1-A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2- A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à autuação.

Decorre da transcrição feita que o legislador de uma forma expressa e inequívoca, na sua liberdade de conformação legislativa, definiu que no caso de paragem do processo por período superior a um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, o facto com potencialidade interruptiva, qualquer que ele seja, passa a ter um efeito meramente suspensivo, contando-se o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à autuação.
Foi essa a opção do legislador claramente assumida sem equívocos na letra da norma, sendo certo que nada permite suportar que outra tenha sido a sua intenção, ou seja, que no caso do facto interruptivo ser a citação do executado “ a data da autuação “ se deve entender referida à “ data da citação”-cfr. o acórdão de 19/03/09, recurso n.º 115/09, já citado no parecer do Ministério Público, bem como Jorge Lopes de Sousa, in “ Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas”, a fls. 58.
Como assim, sendo ainda certo que se encontra vedado ao intérprete “ o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso” (artigo 9.º n.º 2 do CC), nenhuma censura suscita a sentença recorrida ao contabilizar para efeitos de computo de prazo de prescrição apenas aquele que decorreu a partir do termo do ano seguinte em que se verificou o facto tributário (31/12/99) até à data da autuação da execução (21/12/2002- cfr, 1.º do probatório), o que perfaz 2 anos, 11 meses e 20 dias.
A este tempo acrescerá, nos termos do já citado n.º 2 do artigo 49.ºda LGT, o decorrido desde 12//06/05 até à presente data (4 anos, 10 meses e 2 dias), o que perfaz o decurso de 7 anos, 9 meses e 22 dias dos 8 necessários para que se concretize a prescrição da falada CA de 1999 ( artigo 48.º n.º 3 da LGT).
Importa, portanto, concluir que a CA de 1999 não se encontra prescrita, como bem se decidiu na sentença recorrida.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.

Lisboa, 14 de Abril de 2010. Miranda de Pacheco (relator) – Pimenta do Vale – Jorge Lino.