Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0972/11.0BEBRG
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
DEVOLUÇÃO
FUNDOS COMUNITÁRIOS
PRESCRIÇÃO
INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS
Sumário:Não é de admitir revista se o que o Recorrente questiona nesta sede não é o decidido pelo acórdão recorrido quanto à contagem do prazo de prescrição de 4 anos, nos termos do §2º do nº 1 do art. 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, mas o que o próprio Recorrente afirmara quanto à existência de um facto que consubstanciaria uma interrupção da prescrição, e que o acórdão considerou não resultar provado, matéria não impugnada.
Nº Convencional:JSTA000P28722
Nº do Documento:SA1202112160972/11
Data de Entrada:11/25/2021
Recorrente:INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. (IFAP)
Recorrido 1:A...............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (IFAP), vem interpor recurso de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Norte, em 15.07.2021, que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAF de Braga que julgou a acção interposta por A………………., contra o aqui Recorrente, procedente, anulando o acto administrativo do Presidente do Conselho Directivo do IFAP que determinou a modificação unilateral de financiamento, referente ao projecto do Programa Agro Medida 1, e determinou a devolução da quantia de €46.411,87, acrescida de juros no montante de €9.231,51, recebido pela A. a título de subsídio ao investimento.
Alega que a revista é necessária por estar em causa questão de importância fundamental, pela sua relevância jurídica e para uma melhor aplicação do direito.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

O Recorrente imputa ao acórdão recorrido erro de julgamento na interpretação e aplicação da norma constante do §2º do nº 1 do art. 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, do Conselho, de 18.12 e dos arts. 8º e 9º do Código Civil (CC). E, ainda, nulidade por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC).

O TAF de Braga anulou o acto administrativo do Presidente do Conselho Directivo do IFAP que determinou a modificação unilateral do contrato de financiamento nº 02031325/0, referente ao projecto do Programa Agro Medida 1, e determinou a devolução da quantia de €46.411,87, acrescida de juros no montante de €9.231,51, recebido pela A. a título de subsídio ao investimento.
Tal anulação assentou no entendimento de que existiu “… a prescrição do direito da Entidade demandada para a recuperação das quantias objeto da decisão impugnada…”.

O TCA confirmou esta decisão, negando provimento ao recurso do aqui Recorrente.
O Recorrente invocara que não ocorreu a prescrição em causa, por ter sido interrompido o respectivo prazo, já que no ano de 2006, a A. foi notificada através de ofício refª 1133/UI-Braga/2006 para se pronunciar sobre a detecção de eventual irregularidade, tendo esta apresentado a sua resposta em 21.08.2008. Razão pela qual, teria existido um acto interruptivo em 2006, não ocorrendo a prescrição
A este propósito referiu o acórdão o seguinte: “Importa deixar exarado que a matéria de facto não foi objecto de impugnação.
Em todo o caso, percorrido o PA, não se mostra provado ter sido dado conhecimento à Autora ora Recorrida de acto que visasse instruir ou instaurar procedimento por irregularidade, mas apenas o que consta do facto 5 da matéria assente – Ofício refª 1320/DAI/UPRF/2009, data de 16-03-2009 -, relativamente ao qual veio aquela a exercer o direito de audiência prévia por escrito de 03-06-2009, com registo de entrada nos serviços do ora Recorrente sob o nº AO9013215Y, na data de 05-06-2009.
Quanto ao prazo de prescrição aplicável à devolução de fundos comunitários, a mesma mostra-se neste momento resolvida face à jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização do STA nº 1/2015, de 26-02-2015, sendo aplicável o praz de 4 anos fixado no Regulamento (CE EURATOM) nº 2988/95 de 18-12-1995. (…).
Afirmando que as irregularidades invocadas pelo Réu/Recorrente ocorreram no âmbito do mesmo contrato, no ano de 2004, datando o documento da última despesa de 09.02.2004, tendo, pois, natureza continuada, nos termos do art. 3º, nº 1, 2º§ do referido Regulamento, o acórdão concluiu o seguinte:
Assim, o prazo de prescrição de 4 anos, no presente caso, corre desde o dia em que cessou a irregularidade, sendo que a jurisprudência comunitária tem-se pronunciado sobre a questão da cessação da irregularidade a que se reporta o mencionado artigo 3º, nº 1, 2º§ como devendo reportar-se à própria data do pagamento e não à data da apresentação do pedido de pagamento (…).
Ora, da matéria provada resulta que o projeto em causa foi iniciado e concluído pela Autora ora Recorrida no ano de 2004, datando o documento de da última despesa de 09-02-2004, tendo o último pagamento efetuado pelo Réu à Autora ocorrido em 15-03-2004. (…)
Da matéria assente e não impugnada, retira-se que a Autora ora Recorrida foi notificada para a audiência prévia no dia 19-03-2009, data da recepção da respectiva carta de notificação, datada de 16-03-2009 – facto 5 dos factos provados.
Donde, decorreu o período de prescrição, de 4 anos, sem que tivesse ocorrido facto interruptivo da mesma.

Na sua revista o recorrente, reiterando o já invocado na apelação, vem alegar, nas conclusões G. e H. que o acórdão recorrido teve conhecimento de um acto administrativo que conduz à interrupção da prescrição, questão sobre a qual não se teria pronunciado, incorrendo em nulidade por omissão de pronúncia – art. 615º, nº 1, alínea d) do CPC.
No entanto, mesmo na apreciação sumária que a esta formação cabe fazer, vê-se que esta nulidade de decisão não se verifica, não se justificando admitir revista para a apreciar [cfr. os fundamentos do acórdão complementar do TCA Norte, de 19.11.2021, que julgou não verificada a nulidade imputada ao acórdão recorrido].
Com efeito, resulta, desde já com meridiana clareza, que o acórdão tomou em conta tal alegação. Aliás, identificou como a questão a dirimir no recurso se, no caso, ocorreu interrupção da prescrição, afirmando (nos termos acima transcritos) duas coisas: i) que a matéria de facto não fora impugnada em sede de recurso de apelação; e que, ii) não se mostrava provado ter sido dado conhecimento à aqui Recorrente de acto que visasse instruir ou instaurar procedimento por irregularidade, mas apenas o que consta do facto 5, comunicação ocorrida já em 2009 [portanto, insusceptível de interromper prescrição de 4 anos, respeitante a factos ocorridos em 2004].
Ora, o que o Recorrente questiona na revista não é o decidido pelo acórdão recorrido quanto à contagem do prazo de prescrição de 4 anos, nos termos do §2º do nº 1 do art. 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, mas o que o próprio Recorrente afirmara quanto à existência de um facto que consubstanciaria uma interrupção da prescrição, e que o acórdão considerou não resultar provado.
Como se vê as instâncias decidiram a questão da prescrição de modo semelhante e, tudo indica que o acórdão recorrido a decidiu com acerto, face ao acervo fáctico constante do probatório.
Assim, uma vez que a situação dos autos não tem especial relevância jurídica, tendo o acórdão decidido segundo a jurisprudência deste STA e do TJUE que indica, não se justifica a intervenção deste STA, com postergação da regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2021. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.