Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01336/17
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:FACTO
PROCESSO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO
SENTENÇA
Sumário:I - Nada obsta e, ao invés, impõe-se a este Supremo Tribunal, ainda que em sede de recurso no qual careça de competência em matéria de facto, assegurar-se de que o circunstancialismo processual em que assenta a sentença recorrida corresponde ao que é revelado pelo processo.
II - Se a factualidade dada como assente pelo tribunal a quo não permite ao tribunal ad quem apreciar com a necessária segurança a questão submetida a recurso, designadamente por não estar devidamente estabelecida qual a decisão do órgão da execução fiscal que foi objecto da reclamação judicial cuja sentença é recorrida e qual a relação com decisão anterior do mesmo órgão sobre a mesma matéria, impõe-se a anulação oficiosa da sentença e a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de aí serem esclarecidas essas dúvidas e, depois, ser proferida nova decisão que tenha em conta a factualidade a estabelecer.
Nº Convencional:JSTA000P22690
Nº do Documento:SA22017121301336
Data de Entrada:11/23/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1620/17.0BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A……….. (adiante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação judicial por ele deduzida ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) contra o despacho por que o Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar - 1 indeferiu a arguição de nulidade da citação num processo de execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade, reverteu contra ele, na qualidade de responsável subsidiário.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e o Recorrente apresentou a motivação do recurso, com conclusões do seguinte teor:

«1. QUESTÃO PRÉVIA – DO EFEITO SUSPENSIVO DO PRESENTE RECURSO

A. Antes de tudo o mais, importa referir que tendo à reclamação judicial sido atribuído o regime de subida imediata, com efeito suspensivo, o presente recurso deve ser tramitado nos mesmos moldes, uma vez que mantêm plena acuidade os motivos que conduziram aplicação desse regime, os quais se dão por integralmente reproduzidos neste âmbito.

B. Em consequência, ao presente recurso deverá ser atribuída subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo, nos termos dos artigos 278.º, n.º 3, alínea d), e 286.º, n.º 2, “in fine”, do C.P.P.T., o que desde já se requer para os devidos efeitos legais, conforme supra melhor se expôs em sede de motivação e que aqui se considera como integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

A/ DA INCORRECTA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO PELO DIGN.º TRIBUNAL “A QUO” (Da preterição das formalidade[s] legais, por referência ao artigo 190.º, n.º 2 do CPPT)

C. Antes de tudo o mais importa referir que a “citação” em reversão operada, não respeita os requisitos legais obrigatórios e tipificados no nosso ordenamento jurídico-tributário, uma vez que a mesma, obrigatória e necessariamente, tem que respeitar as formalidades e requisitos enunciados pela conjugação dos artigos 190.º e 163.º, n.º 1, ambos do C.P.P.T.

D. Assim, se a “citação” realizada para os presentes autos respeita as formalidades previstas no artigo 190.º, n.º 1 e artigo 163.º, n.º 1, alíneas a), c), d) e e), ambos do CPPT, já no que se refere às formalidades previstas no artigo 190.º, n.º 2 do CPPT, verifica-se que, concreta e objectivamente, não mereceu o respeito pelo Dign. Serviço de Finanças de Gondomar - 1.

E. Ora, compulsada a “citação” dirigida ao ora Recorrente, cristalinamente constatamos que a mesma não respeita o imperativo legal de que de [n]uma qualquer citação deve constar a menção de que “a suspensão da execução e a regularização da situação tributária dependem da efectiva existência de garantia idónea, cujo valor deve constar da citação”, (artigo 190.º, n.º 2, parte final do CPPT).

F. Tão pouco que poderá o Executado “em alternativa prestar caução” por forma a suspender o processo de execução fiscal, podendo, inclusive, o respectivo destinatário, diligenciar pela “obtenção de autorização da sua dispensa” (artigo 190.º, n.º 2, parte final do CPPT).

G. Em momento algum é dado a conhecer ao receptor de tal citação, seja, o aqui Revertido/Executado, que poderá ser requerido junto do Serviço Tributário competente autorização para prestação de garantia idónea ou requerer a sua dispensa de prestação, por forma a suspender o processo de execução fiscal instaurado.

H. Pelo que, e perante tal, trata-se de uma verdadeira omissão da informação levada a cabo contra o agora Recorrente, aliás, mais se diga que tal citação, induz, inclusivamente em erro o correspondente destinatário, uma vez que da sua leitura conclui-se unicamente, e sem margem para qualquer dúvida, que caso o respectivo destinatário não proceda ao pagamento da quantia exequenda, sem necessidade de qualquer outra formalidade, determinará a penhora de bens de sua propriedade. O que não é verdade.

I. Por outro lado, cumpre ainda enaltecer, ao contrário do vertido na Sentença ora recorrida, nomeadamente quando manifesta que «afigura-se abusiva tal invocação pois efectivamente bastava ler o artigo expressamente mencionado no ofício remetido» (negrito e sublinhado nosso) – Cfr. 13 da douta Sentença recorrida – porquanto se assim fosse de entender, bastava nas citações/notificações dirigidas a qualquer destinatário (quer em processo tributário, como no processo civil, penal ou administrativo), o remetente de tal missiva enviar os artigos, para posteriormente o seu destinatário ir proceder à respectiva consulta.

J. Ora, sempre com todo o devido e merecido respeito, que aliás é muito, tal não colhe o mínimo de fundamento legal, sendo que, inclusivamente, nunca a sociedade mandatária, na pessoa dos seus advogados, se depararam com um entendimento do género e espécie do realizado pelo Dign. Tribunal “a quo”, sendo que por respeito aos princípios da legalidade e tipicidade tributária, qualquer “citação” apresenta um conjunto mínimo de requisitos que devem ser respeitados (entre os quais a parte final do artigo 190.º, n.º 2 do CPPT).

K. Motivo pelo qual, tendo em conta tudo o supra exposto, deve a douta sentença ora recorrida ser revogada, e, nessa medida deve a “citação” dirigida ao aqui Recorrente ser declarada nula, com todas as consequências que daí advêm, e que aqui expressamente se argui, por violação do disposto do artigo 199.º, n.º 2, 170.º e 35.º e seguintes, todos do CPPT, artigos 8.º e 52.º, n.º 4, ambos da Lei Geral Tributária e artigos 13.º, 266.º, n.º 2, e artigo 268.º, n.º 3, todos da Constituição da República Portuguesa.

L. Entendendo-se que também neste apartado foram claramente violados os mais elementares direitos, liberdades, garantias e salvaguarda de defesa do Executado, ora Recorrente, em prol de um processo justo e equitativo, violando os princípios constitucionais da certeza e da segurança jurídica, da igualdade, da razoabilidade, da igualdade de armas (entre Administração e Administrado) e da proporcionalidade, nomeadamente previstos nos artigos 13.º, 18.º, 202.º, 204.º, 266.º, 268.º da Constituição da República Portuguesa.

M. Não obstante e caso assim não se entenda, importa referir que – a inquestionável preterição de formalidades legais, como seja o não respeito pela parte final do disposto no artigo n.º 2 do CPPT e que é inclusivamente reconhecida pelo Dign.º Tribunal “a quo” nos 02 últimos parágrafos da página 13 da Sentença proferida –, bem ao contrário do vertido pelo Dign.º Tribunal “a quo”, mesmo que se considere como uma irregularidade, a mesma jamais e em momento algum se poderá considerar como sanada, uma vez que, tendo sido um tal vício suscitado dentro do prazo legal (seja dentro do prazo da oposição), sempre numa última hipótese teria que se repetir a citação, com respeito por todos os requisitos legais, nomeadamente do previsto no artigo 190.º, n.º 2 do CPPT, o que também se requer (neste sentido manifestou-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 16-10-2016, no âmbito do processo n.º 08007/14).

B/ SEM PRESCINDIR – DA NULIDADE DA CITAÇÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

N. Caso não se entenda nos termos supra expostos, o que não se concede, mas por mero dever legal de patrocínio se acautela, importa referir que tendo o ora Recorrente sido “citado” da reversão em causa, em que é devedora originária a identificada “B……….., Lda.”, a verdade é que, da referida citação não consegue percepcionar clara, devida e inequivocamente os fundamentos que estiveram subjacentes à reversão operada contra si,

O. Na “citação de reversão” ora sindicada e recebida pelo ora Recorrente, nos identificados processos de execução fiscal, tem como base a pura, banal e distante transcrição normativa dos preceitos legais contidos no artigo 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária.

P. Sucede que, e como tal, uma qualquer decisão de reversão como aquela que se refere ao ora Recorrente, no âmbito do processo de execução em referência, deverá naturalmente conter os pressupostos e a respectiva fundamentação, ainda que de forma resumida e/ou sucinta, por forma a poder então permitir ao respectivo visado, ora Recorrente, a clara identificação do tributo em questão, seu quantitativo e lapso temporal a que respeita, e, bem assim, do porquê de contra si haver sido “aplicado” um tal “instituto” de reversão fiscal de forma clara, objectiva e tendo em conta a sua própria pessoa (porque a reversão é pessoal).

Q. Pelo que, naturalmente, será de concluir que a citação que foi dirigida ao Revertido/Executado, não se afigura minimamente viável exercer devidamente os seus direitos, uma vez que desconhece por completo os fundamentos que serviram de base “operância” da Reversão Fiscal que se tenta operar por parte do Dign.º Serviço de Finanças de Gondomar - 1,

R. Sendo certo que, até os próprios fundamentos da dita reversão são os mesmos, daqueles que se verificam em milhares de “Citações de Reversão” operadas no quotidiano administrativo tributário, ocorrendo no caso em concreto, ao invés do que deveria suceder, apenas e só, a transcrição legal dos casos em que é possível a efectivação de tal reversão,

S. Por outro lado, desconhece inclusive o Recorrente se a AT apresenta tais alegados pressupostos de forma cumulativa ou de forma alternativa, não podendo, também quanto a isto, dar “resposta cabal” quanto às “verificadas” reversões, limitando-se a AT, em bom abono da verdade e conforme supra já se referiu, a realizar uma “transcrição” dos artigos 23.º e 24.º, ambos da LGT (neste sentido veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito do Proc. n.º 00027/10.4BEMDL, de 14-03-2012, disponível em www.dgsi.pt).

T. De modo que, atento tudo o exposto, é manifesto que padece a “citação” ora sindicada e dirigida ao Executado, ora Recorrente, ferida e fulminada de nulidade, por falta de fundamentação, o que aqui expressamente se invoca, com todas as consequências legais daí advenientes.

U. Sendo inclusivamente inconstitucional a interpretação dos artigos 23.º e 24.º da LGT, por violação do disposto no artigo 268.º n.º 3 da CRP, o entendimento do qual a transcrição normativa dos pressupostos legais para efeitos de reversão de tributos é suficiente e bastante para se considerar como fundamentado um tal despacho/decisão de reversão.

C/ POR FIM, SEM PRESCINDIR – DA NULIDADE DA CITAÇÃO POR FALTA DE REQUISITOS ESSENCIAIS

V. Uma vez mais, caso não se entenda nos termos supra expostos, importa referir que a “citação” operada contra o agora Recorrente também se encontra ferida de nulidade por falta e insuficiências dos requisitos essenciais que devem acompanhar e instruir uma qualquer citação do género e espécie da supra mencionada.

W. Deste modo, as “informações” relativas, nomeadamente, à demonstração das liquidações, era de todo importante, fundamental e essencial, para que o aqui Recorrente sinta a verdadeira consciência do acto que contra o mesmo é dirigida, bem assim, tenha ao seu alcance todas a informações essenciais e imprescindíveis ao conhecimento da situação que lhe é imputada,

X. Devendo também ser notificado de todos os mecanismos de reacção que se encontram ao seu dispor, de todas as garantias e tutelas que lhes são conferidas, bem como, de todos os deveres que sobre si impendem enquanto alegado “obrigado tributário”, aliás, atente-se na nuclear importância de notificação de tais “informações que inclusive acolhe tutela junto da nossa LGT, bem como, na nossa Lei Fundamental, seja, na Constituição da República Portuguesa.

Y. Pelo exposto, encontrando-se também por aqui o Recorrente na mais absoluta ignorância, o que, com todo o devido e merecido respeito, sempre se entende não deveria suceder, pelo que, a conclusão lógica de tudo o exposto, é que a citação dirigida ao ora Requerente encontra-se viciada por falta de requisitos essenciais enfermando também a mesma em manifesta falta de fundamentação.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V.as Ex.as, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a douta decisão ora recorrida e substituída por outra que julgue a Reclamação Judicial totalmente procedente, por provada, com o que V.as Exas. julgarão, como sempre, com inteira e sã JUSTIÇA!».

1.3 A Fazenda Pública não contra alegou o recurso.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«[…] 3. Conforme já assinalámos supra, a questão fulcral que se discute, no âmbito do presente recurso jurisdicional, prende-se com a validade ou, ao invés, a nulidade da citação do Recorrente A………...
Insurgiu-se este contra a falta de menção, no ofício de citação, da possibilidade de suspensão da execução, mediante a prestação de garantia idónea – cujo valor lhe deveria ser indicado, o que não aconteceu – ou, em alternativa, a obtenção de autorização da sua dispensa.
Não sofre dúvidas que a citação deve ser efectuada de acordo com as formalidades previstas no artigo 190.º do CPPT, mormente, as constantes do seu n.º 2, alegadamente infringido.
Todavia, se é certo que a menção à prestação e ao valor da garantia e, outrossim, à sua dispensa, não consta, expressamente, da citação que foi efectuada ao ora Recorrente, seguro é igualmente que o Ministério Público, na esteira da decisão recorrida, não divisa que essa omissão tivesse comportado qualquer prejuízo para a posição processual do Reclamante.
Acresce que, nos termos das disposições conjugadas do n.º 6 do citado artigo 190.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 165.º, ambos do CPPT, só ocorre falta de citação, fulminada com a nulidade, quando o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que lhe não foi imputável.
Em adição, da mencionada alínea a), emerge que a nulidade derivada da falta de citação só se verifica se, e quando, possa prejudicar a defesa do interessado.
Ora, no caso dos autos, como enfatizou, argutamente, o tribunal a quo, nem o Reclamante alegou que só por esse facto não lançou mão a esses meios processuais de prestação ou de isenção de garantia, nem, do mesmo modo, se provou que essa omissão tivesse causado qualquer prejuízo na respectiva esfera jurídica.
Destarte, com essa omissão no acto de citação, arguido de nulidade, não ficaram minimamente coarctados, ou sequer beliscados, os legítimos direitos da Recorrente a uma eficaz e cabal defesa.
Assim, como se refere no acórdão deste Colendo STA, tirado em 10/04/2002, no Recurso n.º 026503, à face do n.º 4 do art. 198.º do anterior CPC, correspondente ao artigo 191.º do CPC de 2013, “(...) o que releva para efeito de saber se deve ser atendida a arguição de nulidade é a possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a existência de um prejuízo efectivo, como se depreende da utilização daquela expressão e não de outra como «quando tenha prejudicado a defesa do citado» ou, simplesmente «prejudicar a defesa do citado» ou outra semelhante.
Sendo assim, para existir nulidade não é exigível ao citado que alegue e prove a existência de um concreto prejuízo para a sua defesa, bastando que se apure que, no caso, não é de afastar a possibilidade de ter ocorrido tal prejuízo.
No entanto, em face das razões de economia e de aproveitamento dos actos processuais que estão subjacentes ao regime de relevância de irregularidades de citação previsto naquele n.º 4 do art. 198.º do C.P.C., o que relevará não será uma mera possibilidade abstracta de prejuízo, a apreciar em face do tipo de falta praticada na efectivação da citação, mas sim a possibilidade de a falta ter prejudicado o citado no exercício dos seus direitos processuais.(...)” (disponível in www.dgsi.pt, tal como os demais a citar, de futuro).
E, no mesmo sentido trilharam os doutos Acórdãos deste Colendo STA, maxime, de 12/09/2012, no Processo n.º 0884/12, de 03/11/2016, no Processo n.º 01049/16 e de 08/11/2017, no Processo n.º 01117/17, estes últimos versando sobre um caso similar ao dos presentes autos.
De resto, em prol do tratamento, como mera irregularidade, desta falta de menção, na citação, do valor da garantia, chamamos à colação o douto aresto do TCA Sul, de 16/10/2014, no âmbito do Processo n.º 08007/14, onde se enfatizou que “a omissão de indicação do valor da garantia a prestar com vista à suspensão da execução constitui preterição de formalidade da citação que não afecta directamente as garantias de defesa do executado”.
A ser assim, como de facto é, o Ministério Público propende no sentido de que a douta sentença em crise não merece censura, pelo menos, quanto a esta parte.

4. No que tange à alegada interpretação contra legem dos artigos 23.º e 24.º da LGT, efectuada pelo M.mo Juiz de Direito [do Tribunal] a quo, ao corroborar o entendimento da suficiência da fundamentação vertida no ofício de citação, o Ministério Público não perfilha esse entendimento.
Com efeito, examinados, quer o despacho de reversão, quer o mandado de citação (vide os pontos 4. e 5. do probatório, constantes de fls. 173 a 175 do p. f.), constata-se que observam o regime legal aplicável, permitindo ao Reclamante apreender o percurso cognoscitivo que esteve na base da tomada de decisão, a qual se revela congruente, suficiente, clara e expressa em todas as vertentes.
Destarte, os elementos disponibilizados tornaram possível ao seu destinatário compreender o raciocínio que presidiu à decisão de reversão da Autoridade Tributária, consubstanciada no exercício da gerência por parte do Reclamante e na insuficiência do património da sociedade devedora originária.
De resto, mostra-se espelhado na reclamação em presença que o Reclamante revelou conhecer os factos e fundamentos jurídicos que motivaram a reversão, assim demonstrando que ficou na posse dos elementos essenciais para assegurar os seus direitos de defesa.
Nesta conformidade, na sequência, aliás, da posição já assumida pelo Ministério Público junto do tribunal a quo, no seu parecer de fls. 157 a 164 do processo físico, rejeita-se a tese da nulidade da citação.
Assim sendo, forçoso é concluir que não merece qualquer censura a sentença recorrida, também quanto a esta parte.

5. Por último, são meramente retóricas as considerações tecidas, na motivação do recurso, sobre a invocada inconstitucionalidade da interpretação efectuada pelo tribunal a quo, por alegado atropelo aos princípios fundamentais proclamados na Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, essas alegações revelam-se destituídas de qualquer substrato fáctico, o que dispensa este Colendo Tribunal ad quem de proceder a um exame mais aturado, conforme elaborações teóricas vertidas em inúmeros doutos arestos que se debruçaram sobre esta temática, uniformemente decidida nos tribunais desta jurisdição (v., por todos, os doutos Acórdãos do STA, de 29/04/2003, no Processo n.º 01500/02 e do TCAS, de 19/02/2004, no Processo n.º 02758/99).
Nesta conformidade, a total ausência de consubstanciação da alegada afronta à Lei Fundamental compromete, inapelavelmente, o êxito deste ataque à sentença aqui em crise.
Destarte, o presente recurso deverá soçobrar também, no que concerne a este específico segmento recursivo».

1.5 Com dispensa de vistos dos Conselheiros adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. A Fazenda Pública, em 18/9/2003, instaurou o Processo de Execução Fiscal n.º 1783200301016482 contra a sociedade comercial “B……….., Lda.” Contribuinte Fiscal n.º ……….., com vista à cobrança de créditos de IRC, referentes a 2001, liquidados em 2003, no montante global de € 105.085,82.

2. No Processo de Execução Fiscal n.º 1783200301016482, em 17/11/2016, foi lavrado o “Despacho para Audição (Reversão)” que se encontra a fls. 4 do anexo (cópia do PEF) e se dá por reproduzido, documento do qual se extracta”(...)
PROJECTO DA REVERSÃO
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo (art. 24.º/n.º 1/b) LGT).
1) Insuficiência de bens do devedor originário (artigos 23.º/1 a 3 da LGT e 153.º/1/2/b do CPPT), decorrente do resultado de penhoras efectuadas por este órgão de execução fiscal, sobre os potenciais bens conhecidos ao devedor originário, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou o reconhecimento e entrega de valores insuficientes para pagar integralmente a dívida em questão, não sendo conhecidos mais bens penhoráveis

3. A Autoridade Tributária remeteu ao Reclamante, sob registo postal (RF 2227 95997 PT), para “A……… ………. 10 2.º 4420-….. Gondomar”, o ofício n.º 20165000204548, datado de 17/11/2016, que se encontra a fls. 14/15 do anexo (cópia do PEF) e se dá por reproduzido, documento do qual se extracta”(...)
PROJECTO DA REVERSÃO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23.º/n.º 2 da LGT):
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo (art. 24.º/n.º 1/b) LGT).
1) Insuficiência de bens do devedor originário (artigos 23.º/1 a 3 da LGT e 153.º/1/2/b do CPPT), decorrente do resultado de penhoras efectuadas por este órgão de execução fiscal, sobre os potenciais bens conhecidos ao devedor originário, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou o reconhecimento e entrega de valores insuficientes para pagar integralmente a dívida em questão, não sendo conhecidos mais bens penhoráveis”.

4. No Processo de Execução Fiscal n.º 1783200301016482, em 12/1/2017, foi lavrado o “Despacho (Reversão)” que se encontra a fls. 25 do anexo (cópia do PEF) e se dá por reproduzido, documento do qual se extracta”(...)
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo (art. 24.º/1/b) LGT).
1) Insuficiência de bens do devedor originário (artigos 23.º/1 a 3 da LGT e 153º/1/2/b do CPPT), decorrente do resultado de penhoras efectuadas por este órgão de execução fiscal, sobre os potenciais bens conhecidos ao devedor originário, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou o reconhecimento e entrega de valores insuficientes para pagar integralmente a dívida em questão, não sendo conhecidos mais bens penhoráveis”.

5. A Autoridade Tributária remeteu ao Reclamante, sob registo postal com aviso de recepção, para “A………. ……… 10 2.º 4420-….. Gondomar”, o oficio n.º 20175000374724 37434, datado de 6/2/2017, que se encontra a fls. 31/32 do anexo (cópia do PEF) e se dá por reproduzido, documento do qual se extracta
“(...) OBJECTO E FUNÇÃO DO MANDATO DE CITAÇÃO
Pelo presente fica citado(a) de que é EXECUTADO(A) POR REVERSÃO, nos termos do artigo 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, PAGAR a quantia exequenda de 105.085,82 EUR de que era devedor(a) o executado(a) infra indicado(a), ficando ciente de que nos termos do n.º 5 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária (LGT), se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.
Mais fica CITADO de que, no mesmo prazo poderá requerer o PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES, nos termos do artigo 196.º do CPPT, e ou a DAÇÃO EM PAGAMENTO, nos termos do artigo 201.º do mesmo código, ou então deduzir OPOSIÇÃO JUDICIAL com base nos fundamentos prescritos no artigo 204.º do CPPT.
Informa-se ainda que, nos termos do n.º 5 do artigo 22.º da LGT, a contar da data da citação, poderá apresentar RECLAMAÇÃO GRACIOSA ou deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, com base nos fundamentos previstos no artigo 99.º do CPPT, e nos prazos estabelecidos nos artigos 70.º e 102.º do CPPT.
IDENTIFICAÇÃO DO EXECUTADO
B……….. LDA
(...)
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23.º/n.º 2 da LGT):
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo (art. 24.º/n.º 1/b) LGT).
1) Insuficiência de bens do devedor originário (artigos 23.º/1 a 3 da LGT e 153.º/1/2/b do CPPT), decorrente do resultado de penhoras efectuadas por este órgão de execução fiscal sobre os potenciais bens conhecidos ao devedor originário, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou o reconhecimento e entrega de valores insuficientes para pagar integralmente a dívida em questão, não sendo conhecidos mais bens penhoráveis”.

6. No aviso de recepção mencionado em 5 consta a data “10/2/2017 às 11.30” e assinalada a menção “Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ele referente”.

7. O Reclamante, em 14/3/2017, apresentou o requerimento que consta a fls. 60/68 do anexo (cópia do PEF) e se dá por reproduzido, no qual, além do mais, invocou a nulidade da citação e violação do direito de audição.

8. Por despacho e informação de 3/4/2017, que constam a fls. 85/86 e se dão por reproduzidos, foi liminarmente rejeitada a pretensão de reconhecimento dos vícios mencionados em 7, por se considerar que o requerimento foi apresentado depois de esgotado o prazo legal.

9. A Autoridade Tributária remeteu ao mandatário do Reclamante, sob registo postal com aviso de recepção, o ofício n.º 20175000125880, datado de 18/5/2017, que se encontra a fls. 87/88 do anexo (cópia do PEF) e se dá por reproduzido, com vista à notificação do despacho identificado em 8.

10. O aviso de recepção relativo ao ofício aludido em 9 foi assinado em 28/5/2017.

11. A presente reclamação foi apresentada em 31/5/2017».

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, cumpre ainda ter presente o seguinte circunstancialismo processual (Embora o Supremo Tribunal Administrativo não tenha competência em matéria de facto nos recursos que lhe são submetidos das decisões dos tribunais de 1.ª instância [cfr. art. 26.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais], não está impedido e, pelo contrário, está obrigado a considerar as ocorrências processuais reveladas pelos autos, apreensíveis por mera percepção e que são do conhecimento oficioso.):

12. O despacho dito em 8 é do seguinte teor: «Visto a informação e parecer e com os seus fundamentos rejeito liminarmente o pedido. Prossigam os autos para reversão contra A………..» (cfr. fls. 118);

13. A informação a que se refere aquele despacho é do seguinte teor:
«PEF: 1783200301016482
EXECUTADO: A………., revertido de B………. LDA
NIF: ……..
INFORMAÇÃO
Em 14/03/2017 foi apresentado um requerimento a arguir a nulidade das citações com os seguintes fundamentos:
- Alega nunca lhe ter sido proporcionada a possibilidade de exercer o seu direito de audição, e que o exercício a tal direito era absolutamente necessário e essencial;
- As citações têm, obrigatória e necessariamente que respeitar as formalidades e requisitos enunciados pela conjugação dos artigos 190.º e 163.º n.º 1 do CPPT, nomeadamente em momento algum é dado a conhecer ao aqui revertido que “em alternativa à prestação de caução”, por forma a suspender o processo de execução fiscal, pode, o respectivo destinatário, diligenciar pela “obtenção de autorização da sua dispensa”;
- Das citações não consegue percepcionar clara e inequivocamente os fundamentos que estiveram subjacentes às reversões operadas contra o agora requerente;
- Do porquê se considerar que o Executado teve, por qualquer forma, directa ou indirectamente, contribuído e/ou actuado, por facto que lhe seja imputável a falta de pagamento dos tributos subjacentes a tais citações;
- Deve também ser notificado de todos os mecanismos de reacção que se encontram ao seu dispor, de todas as garantias e tutelas que lhe são conferidas, bem como de todos os deveres que sobre si impendem enquanto alegado “obrigado tributário”.
Face ao alegado cumpre-me informar:
O executado/revertido foi citado em 10/02/2017, nos termos do artigo 192.º, n.ºs 2 e 3 do CPPT, tendo o prazo de 30 dias para deduzir oposição com os fundamentos do artigo 204.º do CPPT, conforme se pode verificar da própria citação.
Tendo o processo executivo natureza judicial conforme artigo 103.º, n.º 1, é aplicável subsidiariamente o CPC de conformidade com o artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
Constando do artigo 191.º, n.º 1, que é nula a citação, quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei, no caso em apreço, o artigo 190.º do CPPT obriga o n.º 2 do referido artigo 191.º do CPC que a arguição da nulidade é apresentada dentro do prazo de contestação, que em execução fiscal será o de oposição.
Ora, esse prazo não foi cumprido.
CONCLUSÃO:
Não tendo sido cumprido o prazo para a arguição da nulidade, e sendo este um prazo peremptório nos termos do art. 193.º, n.º 3, do CPC, [com] o decurso do mesmo extingue-se o direito de praticar o acto, pelo que o pedido deve ser liminarmente rejeitado» (cfr. fls. 118 v.º e 119);

14. Para notificação do despacho dito em 8. foi remetido ao Requerente pelo Serviço de Finanças de Gondomar - 1 o ofício n.º 20175000092212, datado de 4 de Abril de 2017 (cfr. fls. 117);

15. O ofício dito em 9. refere-se a uma decisão proferida pela Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar - 1 em 16 de Maio de 2017 e, de acordo com os respectivos termos, reporta-se a um requerimento formulado por A……… e entrado naquele serviço em 7 de Março de 2017 (cfr. fls. 120 e 121);

16. Não encontramos nos autos cópia do requerimento a que se refere a decisão dita em 15.


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O processo de execução fiscal n.º 1783200301016482, que foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Gondomar - 1 contra uma sociedade, reverteu contra A………., ora Recorrente, para citação do qual foi remetida carta registada com aviso de recepção, devolvido assinado com data de 10 de Fevereiro de 2017 (cfr. factos provados sob os n.ºs 1, 4, 5 e 6).
Em 14 de Março de 2017 deu entrada no Serviço de Finanças de Gondomar - 1 um requerimento apresentado pelo Executado por reversão (cfr. n.º 7 dos factos dados como provados), pedindo que essa nulidade fosse reconhecida «com todas as consequências legais daí advenientes».
Esse requerimento foi rejeitado liminarmente por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar - 1, com fundamento em intempestividade (cfr. n.º 8 dos factos dados como provados). Considerou a Chefe daquele serviço de finanças, com base na informação prestada pelo Técnico responsável e no parecer emitido pelo Adjunto, que a arguição da nulidade deveria ter sido formulada dentro do prazo da oposição e, porque não o foi, «o pedido deve ser liminarmente rejeitado».
Apesar de ser esta a única decisão do Serviço de Finanças de Gondomar - 1 referida pela sentença no probatório e a que aí é identificada como objecto da reclamação judicial, o estudo do processo leva a crer que não terá sido essa decisão do órgão da execução fiscal que o Executado por reversão pretendeu sujeitar ao escrutínio judicial e, inclusive, que não terá sido essa a decisão cuja legalidade o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sindicou no presente processo.
Na verdade, por um lado, na petição inicial não encontramos qualquer referência à rejeição liminar por intempestividade do requerimento por que o Executado por reversão arguiu a nulidade da citação; por outro lado, na parte da sentença que o Juiz sujeitou à epígrafe “O DIREITO” também não encontramos qualquer referência a essa decisão do órgão da execução fiscal, designadamente, como seria expectável – atendendo a que a reclamação judicial tem como objecto a decisão do órgão da execução fiscal e visa a sindicância judicial da legalidade da mesma (Assim, em sede de reclamação judicial devem respeitar-se os limites decorrentes da decisão reclamada.) –, não encontramos qualquer referência à questão da intempestividade do requerimento por que o Executado por reversão arguiu a nulidade junto do órgão da execução fiscal e que, nos termos da matéria de facto dada como assente, foi o fundamento da rejeição liminar do requerimento. Ao invés, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nessa parte da sentença, aprecia um por um os fundamentos em que o Executado por reversão alicerçou o pedido de que fosse reconhecida a nulidade da citação e que na decisão do órgão da execução fiscal proferida em 3 de Abril de 2017 não chegaram a ser apreciados, em razão do indeferimento liminar do requerimento por intempestividade.
Afigura-se-nos, pois, que a decisão objecto da reclamação judicial não será a referida sob o n.º 8 dos factos provados, mas antes uma outra, que será aquela a que se reporta o ofício 20175000125880, ofício que é o referido na petição inicial de reclamação judicial.
Tentando explicar melhor:
A decisão de rejeição liminar por intempestividade do requerimento, proferida pela Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar - 1 em 3 de Abril de 2017, foi notificada ao Executado por reversão, não através do ofício n.º 20175000125880, de 18 de Maio de 2017, como afirma a sentença no facto dado como assente sob o n.º 9, mas através do ofício n.º 20175000092212, de 4 de Abril de 2017. É o que resulta da consulta dos autos, designadamente da cópia dos ofícios n.ºs 20175000092212 e 20175000125880, respectivamente, a fls. 117 a 119 e a fls. 120/121.
Pelo ofício n.º 20175000125880, de 18 de Maio de 2017, foi notificada ao Executado por reversão uma outra decisão: a decisão proferida pela Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar - 1 em 16 de Maio de 2017, que, conhecendo do mérito do pedido de reconhecimento da nulidade da citação, o indeferiu.
Ou seja, a sentença recorrida, na factualidade que deu como provada, terá identificado incorrectamente a decisão do órgão da execução fiscal que foi objecto da presente reclamação: não foi a decisão de rejeição liminar por intempestividade do requerimento, proferida em 3 de Abril de 2017 (decisão notificada pelo ofício n.º 20175000092212, de 4 de Abril de 2017), mas antes a decisão de indeferimento do pedido de reconhecimento da nulidade da citação, proferida em 16 de Maio de 2017 (decisão notificada pelo ofício n.º 20175000125880, de 18 de Maio de 2017).
Assim, antes do mais, cumpre averiguar das consequências dessa incorrecta identificação do acto reclamado efectuada no probatório da sentença recorrida.

2.2.2 DA INSUFICIÊNCIA DA FACTUALIDADE DADA COMO ASSENTE

Prima facie, diríamos que se trata de um mero lapso da sentença na identificação dos factos (circunstancialismo processual) relevantes para a decisão a proferir e que deu como provados sob os n.ºs 7 e 8. Não se questionando que tais factos estão correctos (Ver nota 2.), como resulta do seu confronto com os elementos do processo de execução fiscal juntos aos autos, os mesmos não se referem à decisão do órgão da execução fiscal de que o Executado por reversão reclamou judicialmente no presente processo.
Poderá argumentar-se que basta que se considere a decisão do órgão da execução fiscal efectivamente reclamada – ou seja, basta que se considere que a decisão reclamada é, não a que foi referida em 7 dos factos provados, mas a que consta das cópias juntas a fls. 120/121 dos autos – e que se considere também que é a essa decisão que se referem a petição inicial da reclamação judicial e a sentença recorrida, para que se possa ultrapassar esse lapso da sentença.
No entanto, a nosso ver, a questão não pode resolver-se de modo tão expedito, uma vez que, por um lado, nos autos não constam alguns elementos que temos por imprescindíveis à boa decisão da causa e, por outro lado, subsistem algumas dúvidas que só poderão ser sanadas mediante a aquisição desses elementos, a saber:
1) dos autos não consta o requerimento do Executado por reversão que foi decidido pelo órgão da execução fiscal em 16 de Maio de 2017 (requerimento que, a fazer fé nessa decisão, terá dado entrada no Serviço de Finanças de Gondomar - 1 em 7 de Março de 2017 e cuja decisão constituirá o objecto da presente reclamação judicial);
2) dos autos não consta como o órgão da execução fiscal “concatenou” as decisões proferidas em 3 de Abril de 2017 e em 7 de Março de 2017, que parecem recair sobre requerimentos em que o pedido formulado e os fundamentos que o suportam são os mesmos, cumprindo esclarecer, designadamente, se a primeira decisão foi “dada sem efeito” pelo órgão da execução fiscal e em que termos e/ou se eventualmente foi objecto de reclamação judicial.
Em face do exposto, concluímos que a sentença não estabeleceu toda a factualidade pertinente à segura decisão da reclamação judicial. Impõe-se, pois, a sua anulação oficiosa e a devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí, depois de junta ao processo cópia do requerimento que o ora Recorrente terá feito entrar no Serviço de Finanças de Gondomar - 1 em 7 de Março de 2017 e de esclarecidas as dúvidas acima expostas (com junção aos autos dos pertinentes elementos do processo de execução fiscal), bem assim como de quaisquer outras que eventualmente resultem da indagação a efectuar, seja proferida nova decisão.
É nesse sentido, e ao abrigo do disposto nos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 2, do CPC, que decidiremos.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nada obsta e, ao invés, impõe-se a este Supremo Tribunal, ainda que em sede de recurso no qual careça de competência em matéria de facto, assegurar-se de que o circunstancialismo processual em que assenta a sentença recorrida corresponde ao que é revelado pelo processo.
II - Se a factualidade dada como assente pelo tribunal a quo não permite ao tribunal ad quem apreciar com a necessária segurança a questão submetida a recurso, designadamente por não estar devidamente estabelecida qual a decisão do órgão da execução fiscal que foi objecto da reclamação judicial cuja sentença é recorrida e qual a relação com decisão anterior do mesmo órgão sobre a mesma matéria, impõe-se a anulação oficiosa da sentença e a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de aí serem esclarecidas essas dúvidas e, depois, ser proferida nova decisão que tenha em conta a factualidade a estabelecer.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, após esclarecimento das questões factuais supra referidas mediante a fixação da matéria de facto pertinente.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do decidido quanto ao apoio judiciário (fls. 152/153).

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Lisboa, 13 de Dezembro de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Casimiro Gonçalves.