Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01502/09.9BELRA
Data do Acordão:02/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P24239
Nº do Documento:SA22019022001502/09
Data de Entrada:11/12/2018
Recorrente:A.... E OUTRA
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO E AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

A……….. e B………, ambos com os sinais dos autos, vêm, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excecional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 5 de Julho de 2018, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgara procedente a impugnação judicial por eles deduzida do indeferimento da reclamação graciosa da liquidação de IRS do exercício de 2003, revogando a sentença e, em substituição, julgando improcedente a referida impugnação judicial.

Os recorrentes concluem a sua alegação nos seguintes termos:

A) Vem o presente recurso excecional de revista interposto do, aliás, douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Secção do Contencioso Tributário, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Digna Representante do Ministério Público da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou totalmente procedente a impugnação judicial que os então Autores, ora Recorrente, tinham deduzido na sequência do indeferimento da reclamação graciosa que apresentaram, em tempo e com legitimidade, contra a liquidação adicional de IRS, feita oficiosamente pela administração fiscal, com referência ao ano de 2003, no montante de €33.275,03.

B) É profunda convicção dos ora recorrentes que o decisivo fundamento jurídico invocado para sustentar o provimento do recurso interposto da decisão de 1.ª instância é insubsistente face aos factos dados como provados e que não contestam, em virtude da norma jurídica em que se escora não poder suportar a interpretação subjacente à luz de nenhum elemento de interpretação fixados na lei, designadamente no artigo 9.º do Código Civil.

C) Constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo a admissibilidade no contencioso tributário do recurso excecional de revista previsto no artigo 150.º do CPTA, sem que tal admissão implique violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (v.g., Acórdão do STA, Processo n.º 0825/15, de 29-06-2016).

D) Por outro lado, que se saiba, a questão que vai suscitar-se nunca foi apreciada nesta perspetiva da clara necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito, que é o fundamento que se invoca para sustentar a admissibilidade deste recurso excecional.

E) Acresce que a questão subjacente, estritamente em termos de direito, apresenta, podendo ainda não ter suscitado controvérsia na doutrina, que dela se não terá apercebido, já provocou decisões contraditórias na jurisprudência.

F) E, no caso concreto, salvo melhor opinião e devido respeito, que é muito, a apreciação feita pelo Venerando Tribunal recorrido enferma de erro grosseiro na interpretação normativa, que degenera numa decisão ostensivamente errada ou, pelo menos, juridicamente insustentável, impondo-se, consequentemente, a admissão da revista como claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Com efeito,

G) O que se pretende ver apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo é se na noção de “lucros” ou de “ adiantamento por conta de lucros” constante da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS podem compreender-se importâncias comprovadamente recebidas por um acionista de uma sociedade, de um terceiro com que aquela celebrou um contrato de compra e venda, a título de pagamento de parte do preço da coisa vendida, como o, aliás, douto Acórdão recorrido entendeu.

Vejamos.

H) Segundo o discurso fundamentador da decisão, o “artigo 5.º do Código do IRS insere-se na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real)”, o que é um erro grosseiro face à sistemática do Código e pode gerar conclusões erradas no domínio da qualificação.

I) Incrementos patrimoniais, tout court, são, como escreveu Paulo de Pitta e Cunha, a propósito da Reforma Fiscal de 2000 que criou a Categoria com essa denominação (Categoria G), “todos os rendimentos tributados em IRS” (Revista de Finanças Públicas e Direito Financeiro, n.º 1, Abril de 2008, Os Ajustamentos Fiscais do Ano 2000 e o Sistema de Rendimentos Presumidos) e ainda aqueles aumentos de capacidade contributiva que são tributados noutros impostos (v. G., no imposto do selo) ou que não são tributados, seja por delimitações negativas de incidência expressas, seja por isenções legalmente consagradas, seja por lacuna legislativa.

J) A atual categoria que, em sentido estrito, tributa “incrementos patrimoniais” e tem essa denominação (vide artigo 1.º do CIRS), é a categoria G.

K) A categoria E, ainda de acordo com o artigo 1.º, abrange os rendimentos de capitais.

L) Acrescenta-se, porém, no mesmo discurso, que, para que tal suceda, é necessário que se prove a existência de lucros e que estes foram colocados à disposição dos sócios ou titulares, sendo que não existe qualquer presunção de que no caso de haver lucros estes sejam recebidos pelos sócios ou titulares.

M) Não podiam os recorrentes estar mais de acordo.

N) O que parece encerrar alguma obscuridade, excesso de pronúncia por nada ter a ver com o caso em apreço e degenerar em erro interpretativo grosseiro e todo o subsequente discurso fundamentador.

O) Dele, salvo melhor entendimento, tendo-se em conta a decisão final, parece querer dizer-se que, para o caso em apreço, a presunção consagrada no n.º 4 do artigo 6.º não tem qualquer utilidade.

P) É suficiente uma pretensa "presunção natural", isto é, uma presunção judicial ou de facto, fundada em regra prática da experiência e que permite que se estabeleçam factos desconhecidos a partir de outros conhecidos que com aqueles estão numa relação lógica necessária.
Q) Se assim é, daqui desponta a primeira questão de direito cuja clarificação, para melhor aplicação do direito, se impõe: trata-se da questão de saber se, estando para um determinado facto estabelecida uma presunção legal, é lícito ao julgador substituí-la por uma presunção natural.
R) E a segunda questão de direito a clarificar com o mesmo objetivo, intimamente conexa com a primeira, é a de saber se, por via de uma presunção natural, isto é, de ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, completando-a e esclarecendo-a, se podem, mediante a operação dita, em direito tributário, de "qualificação", preencher normas de incidência tributária.

É que,
S) Se é verdade que, perante a matéria de facto dada como provada, se pode sem dúvida afirmar que o beneficiário das importâncias auferidas teve na sua esfera patrimonial um "incremento", falta saber ou averiguar da legitimidade da AT ou mesmo do julgador de qualificar tal "incremento" como "adiantamento de lucros" (de modo a que caiba na previsão alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS).
T) Isto sem o apoio direto de qualquer norma que especificamente lhe permita a subsunção, já que se está perante matéria - a da incidência real ou objetiva - que só estritamente admite interpretação extensiva e nunca interpretação analógica.
U) E ainda que como “incremento patrimonial”, haveria de ter o elemento objetivo da incidência direta ou indiretamente (via métodos indiretos, por exemplo,) previsto no artigo 9.º - o que, ignora-se o motivo, também não sucede.
V) Ora, o discurso fundamentador não apenas invoca nenhuma norma suscetível de suportar a qualificação, como vai mais longe e afirma perentoriamente que a Inspeção não fez qualquer presunção ao considerar as importâncias recebidas pelo ora recorrente, marido, como "adiantamento por conta dos lucros" que enquadrou no artigo 5.º, n.0 2, alínea h) do CIRS é algo juridicamente inconcebível.
W) Como é que a AT não fez qualquer presunção ao considerar as importâncias recebidas pelo ora recorrente, marido, como "adiantamento por conta dos lucros'' para as poder enquadrar no artigo 5.º, , n.º 2, alínea h) do Código do IRS?

A verdade e o rigor mandam que se diga que:

X) Não se que o direito fiscal português, e em particular o Código do IRS (ou mesmo o Código do IRC) tenha construído uma noção própria de "lucros" ou de "adiantamento por conta de lucros".

Y) Termos em que, atento o disposto no artigo 11.º, n.º 2, da LGT, Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

Z) Temos, pois, em primeiro lugar, o conceito de lucros.

AA) Trata-se de um conceito com origem no Código das Sociedades Comerciais (CSC), cujo artigo 21.º o caracteriza juridicamente, sendo que, nos termos do artigo 980.º do Código Civil, o objectivo de qualquer sociedade é o de realizar lucros.

BB) De tal caracterização decorre que, nesta dimensão, o lucro é, exclusivamente, um elemento da relação jurídica estabelecida entre o sócio e a sociedade.

CC) Nunca por nunca, seja em que circunstância for, o lucro é suscetível de ser, juridicamente, um elemento de qualquer tipo de relações que se estabeleçam entre a sociedade, terceiros e o sócio, independentemente da sua natureza, tipo de relações subjacentes ou patologias implícitas.

DD) Além da sua dimensão jurídica, o lucro também se exprime tecnicamente, ou, por outras palavras, tem uma dimensão técnica.

EE) O lucro é frequentemente usado como uma medida de desempenho ou como uma base para outras mensurações, tais como o retomo do investimento ou os resultados por ação. Os elementos diretamente relacionados com a mensuração do lucro são rendimentos e gastos - cfr. Parágrafo 68.º da Estrutura Conceptual, Decreto-Lei n.º 158/ 2009, de 13 de julho, que aprovou o Sistema de Normalização Contabilística.

FF) O Anexo 2 aos Modelos de Demonstrações Financeiras, legalmente aprovado, denominado “Demonstração dos Resultados por Naturezas”, designa tecnicamente o lucro como “Resultado Líquido do período”.

GG) É precisamente nesta expressão que o Código do IRC, no seu artigo 17.º, n.º 1, se ancora para ensaiar a densificação da noção de "determinação do lucro tributável": O lucro tributável ... é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

HH) Assim, o conceito de lucros constante da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS é um conceito com origem no Código das Sociedades, relaciona-se diretamente com a sua mensuração os rendimentos e os gastos. Tecnicamente assume a designação de resultado líquido do período e é deste resultado que se faz aos sócios a distribuição que a Assembleia geral deliberar.

II) Os “adiantamentos por conta de lucros”, que não são senão uma decorrência da suscetibilidade já estarem lucros numa sociedade, estão igualmente previstos no CSC, no seu artigo 297.º

JJ) Naturalmente que se enquadrarão nos “adiantamentos por conta de lucros” previstos na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IS os que forem feitos nos precisos termos do referido artigo 297.º do CSC.

KK) O caso que foi objecto de decisão não está notoriamente abrangido pelo disposto no artigo 297.º do CSC, pelo que não foi ao abrigo desta norma que a inspeção tributária qualificou as importâncias recebidas de terceiros pelo ora recorrente como “adiantamentos por conta de lucros”.

LL) A outra possibilidade legal para que as importâncias recebidas por sócios de sociedades que não se subsumam na previsão do disposto no artigo 297.º do CSC é preencherem os requisitos da presunção legal consagrada no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS.

MM) O que também não se deu como provado e, de resto, parece ter sido irrelevante para o juízo formulado.

NN) Donde pode, com segurança concluir-se que e se a Inspecção não fez nenhuma presunção sobre a sua natureza, ao abrigo de que norma legislativa, regulamentar ou administrativa qualificou como lucros, ou adiantamento por conta de lucros, as importâncias que o recorrente, marido recebeu de terceiros, mesmo que relacionados com negócios levados a cabo pela sociedade de que era sócio e presidente do conselho de administração?

OO) Em lado nenhum se encontra essa resposta.

PP) O discurso fundamentador citado por transcrição do Acórdão de 07-07-2016, Processo 00446/11.9BEBRG (citação corrigida), não constitui discurso fundamentador desse acórdão, mas discurso da nele Recorrente, Fazenda Pública. Basta ler o Sumário do acórdão para duvidar da transcrição, sob pena de contradição entre os fundamentos e a decisão.

QQ) O que a Recorrente, Fazenda Pública, aí fez foi, na verdade, alicerçar-se na posição que fez vencimento no acórdão de 27-01-2009, Processo n.º 02476/08 (citação corrigida), mas que o Acórdão citado não seguiu.

RR) Não se envereda aqui pela via do recurso por oposição de Acórdãos, porque a situação de facto tratada no acórdão de 07-07-2016, Processo 00446/11.9BEBRG não tem qualquer semelhança com a que está aqui em causa.

SS) Assim, a terceira e última questão jurídica a clarificar é a de saber se se pode considerar abrangida pela norma de incidência da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º, no segmento em que se refere a “adiantamentos por conta de lucros” qualquer situação que envolva o recebimento de valores por um sócio de uma sociedade, pagos por terceiros, a título de pagamentos que deveriam ter sido feitos à sociedade, se esses pagamentos se não subsumirem na previsão normativa do artigo 297.º do CSC ou, não se subsumindo, se não verificarem os requisitos da presunção legal que lhes confere idêntica natureza, estabelecida no n.º 4 do artigo 6,º do Código do IRS.

NESTES TERMOS e nos mais que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve a presente Revista ser admitida como claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, prolatando-se decisão sobre as três questões jurídicas suscitadas e, em consequência, anulando-se o, aliás, douto Acórdão recorrido, com todas as legais consequências e assim se fazendo JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal teve vista dos autos mas não emitiu parecer.

4 – É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:

A. Em 21/07/2003, o Eng. C……….. emitiu o cheque n.º ............. do Atlântico – BCP, no valor de 100.000,00€, a favor do Impugnante – cfr. fls. 50 dos Autos;

B. Em 26/04/2004, os Impugnantes apresentaram junto do SF de Alcanena a Declaração Modelo 3, relativa ao IRS de 2003, com o Anexo A, F, E e H – cfr. fls. 27 a 32 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

C. Em 16/10/2017, foi instaurado no Serviço de Investigação Criminal Fiscal da DF de Santarém o Processo de Inquérito em que são arguidos a sociedade D……….., S.A. e o Impugnante, que corre termos sobre o n.º 44/07.1IDSTR por factos alegadamente cometidos em sede de IVA/SISA/IMT, e eventualmente puníveis pelo art. 103.º do RGIT – cfr. fls. 194 dos Autos;

D. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.ºOI200701603, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Fianças de Santarém desencadearam ao Impugnante a acção de inspecção relativamente ao exercício de 2003, no âmbito da qual procederam a correcções à matéria tributável no montante de 80.000,00€, em sede de IRS, com recurso a correcções meramente aritméticas – cfr. fls. 36 dos Autos;

E. Em 22/11/2007, foi subscrito pelo Impugnante o instrumento constante a fls. 113 dos Autos, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, denominado de “Procedimento de Inspecção Externa – Ordem de Serviço (Art. 46.º do RCPIT) n.º OI200701603”;

F. Em 24/04/2008, foi remetido pela Direcção de Finanças de Santarém para o Impugnante, por correio registado, o instrumento constante de fls. 117 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, através do qual o Impugnante foi informado que a acção inspectiva iniciada em 22 de Novembro de 2007 foi prorrogada por mais 3 meses;

G. Em 08/07/2008, foi subscrito pelo Impugnante o instrumento constante de fls. 115 dos Autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, denominado de “Nota de Diligências (art. 61.º do RCPIT)”;

H. Em 6/08/2008, foi elaborado o Relatório de Fiscalização apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta fundamentação para as referidas correcções ao ano de 2003, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, no qual consta o seguinte: «(…)

II – Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva

A. Credencial e período em que decorreu a acção O presente procedimento está credenciado pela ordem de serviço externo nº 01200701603 datada de 01 de outubro de 2007.

A acção inspectiva efectuada ao abrigo da presente ordem de serviço, dirigia-se à verificação da situação tributária do contribuinte referente ao exercício de 2003 em sede de IRS e teve início no dia 22 de Novembro de 2007 e términos no dia 2008/07708.

É de referir que a caducidade do imposto referente ao exercício de 2003 se encontra suspensa uma vez que o direito à liquidação respeita a factos aos quais foi instaurado inquérito criminal. O direito a liquidar o tributo está assim alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano (n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária LGT – “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.”)

B. Motivo, âmbito e incidência temporal

. O âmbito da presente acção é abrangido pelo PNAIT 32138 – Diversos (determinados por despacho do DF), relativamente ao exercício de 2003. Trata-se de uma acção parcial de IRS. Conforme alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPIT.

III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

O sujeito passivo A………. foi acionista e Presidente do Conselho de Administração da sociedade “D……….., SA”, NIPC: …………. No decurso das diligências efectuadas, apurou-se o seguinte:

No exercício de 2003, a empresa “D…………., SA” procedeu à venda de diversas fracções, de um prédio urbano, sito em ……….., Concelho de Quarteira. A sociedade “D………….., SA” em conluio com alguns dos adquirentes das fracções, declarou para efeitos de celebração das escrituras de compra e venda, valores de transacção inferiores aos reais.

Relativamente a algumas das fracções alienadas pela sociedade D…………., SA”, para as quais o valor de venda constante da escritura de compra e venda celebrada, foi inferior ao valor real da transacção, os respectivos adquirentes emitiram cheques à ordem do Administrador e acionista da sociedade, Sr. A………., ou procederam à emissão de ordens de transferência bancária para contas particulares do mesmo. Discriminam-se nos quadros seguintes, as situações apuradas.

(…)

O valor de €100.000,00 referente à fracção P, foi recebido pelo administrador através do cheque n.º ........... sobre o Atlântico – Banco Comercial Português, emitido em 21.07-2003 à ordem de A………., do qual se junta cópia em anexo (anexo 1).

O valor de €60.000,00, referente à fracção H, foi recebido pelo administrador através de transferência bancária efectuada através da caixa geral de depósitos em 09-10-2003 para uma conta do Sr. A………, segundo o auto de declarações do adquirente Sr. ……………., do qual se junta cópia em anexo (anexo 1).

Em face do exposto, conclui-se que os valores indicados no quadro acima, provenientes de omissões praticadas na venda de fracções, efectuadas pela sociedade “D……….., SA”, consubstanciaram importâncias auferidas pelo Administrador e acionista da sociedade, Sr. A……….., que levaram ao incremento do seu património, pelo que se encontram sujeitas a tributação em IRS a título de adiantamento por conta de lucros.

Estabelece o Código do IRS, o seu artigo 5.º, o seguinte:

“Artigo 5.º - Rendimentos da categoria E

1. Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza…

2. Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:

h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, …”

De acordo com a norma transcrita, os montantes recebidos pelo acionista da sociedade, Sr. A………., constituem rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS, a título de adiantamento por conta de lucros.

Os rendimentos em causa, considerados rendimentos de capitais nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas singulares (CIRS) ficam sujeitos a tributação desde o momento em que são colocados à disposição dos titulares de capital nos termos do disposto pelos n.º 1 e n.º 2 do alínea a) do n.º 3, ambos do artigo 7.º do Código do IRS.

Da consulta efectuada ao sistema informático da DGCI verificamos que o sujeito passivo entregou o anexo E referente à declaração de rendimentos do exercício de 2003. Optou pelo não englobamento relativamente aos rendimentos da categoria E que permitem essa opção e englobou o valor de €1.879.80. Ao analisar os rendimentos verificámos que este valor era referente a 50% do valor recebido da sociedade “………………. Lda. Sucessores” NIPC: ……….., conforme disposto pelo art. 40-A do CIRS, pelo que foi correctamente englobado 50% do valor recebido.

Constando apenas do anexo E da declaração de rendimentos do exercício de 2003, o valor recebido pela sociedade “………. Lda. Sucessores”, encontra-se em falta o englobamento dos valores recebidos no exercício de 2003 da sociedade “D……….., SA” e que atrás se encontram descriminados:

Rendimentos 2003

Rendimentos da categoria E omitidos (1) €160.000,00

Rendimentos da categoria E tributáveis

(art. 40.º do CIRS) = 50% X (1) €80.000,00

(…)»;

I. Em 28/11/2008, foi emitida a liquidação de IRS, em nome dos Impugnantes, referente a 2003, no valor de 4.833,38€ - cfr. fls. 42 do PA apenso aos Autos;

J. Em 28/11/2008, foi emitida pela AF em nome dos Impugnantes a demonstração de acerto de contas n.º 200800001498206, referente ao IRS de 2003, no valor de 33.275,03€ - cfr. fls. 54 dos autos;

K. Em 1/10/2008, o Impugnante subscreveu o instrumento a fls. 34 do PA apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, denominado de “Notificação da Demonstração da liquidação de IRS”;

L. Em 23/03/2009, os impugnantes apresentaram junto do SF de Alcanena a Reclamação Graciosa da liquidação de IRS de 2003, a qual correu termos sob o n.º 1937200904000080 e que foi indeferida por Despacho do Director de Finanças de Santarém de 6/08/2009 – cfr. fls. 56 dos Autos e fls. 125 do PA apenso aos Autos;

M. Em 18/09/2009, deu entrada no TAF de Leiria a presente impugnação – cfr. fls. 2 dos Autos.

N. O processo de Inquérito n.º 44/07.1IDSTR a que alude a al. C) do Probatório encontra-se suspenso «por força da estatuição do art. 47.º, n.º 1 do RGIT, atenta a interposição desta impugnação judicial (…)» (doc. n.º 193 dos autos)

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –


5 – Apreciando.

5.1 Da admissibilidade do recurso de revista

O presente recurso foi interposto e admitido como Recurso de Revista excepcional, nos termos do artigo 150.º do CPTA, havendo, pois, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de Abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA-Sul do qual se solicita revista excepcional concedeu provimento ao recurso interposto pela AT de sentença do TAF de Leiria que julgara procedente a impugnação judicial deduzida pelos ora recorrentes do indeferimento de reclamação graciosa tendo por objecto liquidação adicional de IRS do ano de 2003, revogando a decisão de 1.ª instância e julgando em substituição improcedente a impugnação.

Entendera a 1.ª instância na sentença recorrida que os valores recebidos pelo impugnante marido de dois clientes da sociedade de que era administrador não podiam ser qualificados para efeitos de sujeição a IRS como “adiantamentos por conta de lucros”, no entendimento de que os indícios recolhidos pela Administração Fiscal são insuficientes para suportar, objectivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de proceder à liquidação e por isso seria de concluir que o Impugnante conseguiu ilidir a presunção do n.º 4 do art. 6.º do CIRS, de que a importância recebida da parte do sr. Eng. C………., ou até mesmo da ordem de transferência bancária se tratava de um adiantamento por lucros - cfr. sentença, a fls. 205, verso e 206 dos autos. Ao invés, o acórdão de que se solicita revista, entendeu que conforme resulta da fundamentação externada (cfr. al. H) do probatório), enquanto suporte da correcção que originou o acto de liquidação sindicado, verifica-se que a Administração Tributária não fez qualquer presunção de rendimentos, tendo considerado que «os valores indicados no quadro acima, provenientes de omissões praticadas na venda de fracções, efectuadas pela sociedade “D………, SA”, consubstanciaram importâncias auferidas pelo Administrador e acionista da sociedade, Sr. A……….., que levaram ao incremento do seu património» a título de adiantamento por conta dos lucros, que enquadrou no artigo 5.º, n.º 2, alínea H) do CIRS - cfr. acórdão, a fls. 251 dos autos -, e que pertencendo os mencionados montantes à sociedade, como proveitos, e dele se tendo apropriado o recorrido – em termos fiscais não pode deixar tal montante de lhe ser imputado como um seu rendimento, obtido naquele exercício, subsumível na alínea h) do artigo 5.º do CIRS, como rendimento da categoria E, como adiantamento por conta de lucros -, já que também não se prova que tal montante proviesse de mútuo, prestação de trabalho ou de exercício de cargo social (cfr. artigo 6.º n.º 4 do mesmo CIRS). (…) E que tendo a Administração Tributária demonstrado a legalidade do seu agir, incumbia ao recorrido o ónus de demonstrar que os montantes em causa, indiscutivelmente depositados na sua conta e por si recebidos, o foram a qualquer outro título, ou por outrem, ou que os mesmos foram transferidos para a sociedade ónus que não cumpriu, de todo em todo - cfr. acórdão, a fls. 253 dos autos.

Os recorrentes alegam que a admissão do recurso que pretendem interpor é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pois a apreciação feita pelo Venerando Tribunal recorrido enferma de erro grosseiro na interpretação normativa, que degenera numa decisão ostensivamente errada ou, pelo menos, juridicamente insustentável, impondo-se, consequentemente, a admissão da revista como claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Contrariamente ao alegado, entendemos que se porventura a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, tal erro não deve ter-se como grosseiro ou manifesto, sobretudo tendo em vista o recorte legal dos rendimentos da categoria E (rendimentos de capitais) do IRS – cfr. o artigo 5.º n.º 1 e 2 do respectivo Código no qual é possível descortinar um certo carácter residual relativamente às demais categorias de rendimentos em que se tributam frutos e vantagens económicas procedentes, directa ou indirectamente, de bens, direitos ou situações jurídicas de natureza mobiliária e atendendo igualmente a que, no Relatório de Inspecção que está na base da liquidação, não foi invocada como fundamento da correcção, a presunção do artigo 6.º n.º 4 do Código do IRS, apenas e só a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS (“adiantamentos por conta de lucros”).

Os recorrentes alegam ainda que, embora a questão subjacente, estritamente em termos de direito, (…) ainda nãotenha suscitado controvérsia na doutrina, que dela se não terá apercebido, já provocou decisões contraditórias na jurisprudência.

Mas a ser como dizem, deveriam ter interposto recurso por oposição de julgados, da competência do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, com competência uniformizadora de jurisprudência.

Optaram, porém, por não lançar mão de tal recurso - cfr. a conclusão RR) das respectivas alegações de recurso -, interpondo, ao invés recurso excepcional de revista, abstendo-se igualmente - ou que poderia possibilitar a “convolação” -, de nele indicar o(s) acórdão(s) que decidiram de modo diverso a mesma questão fundamental de direito. Sucede, porém, que em relação ao único acórdão que invocam como se– o Acórdão de 7 de Julho de 2016, processo n.º 00446/11.9BEBRG -, não deixam de dizer que a situação de facto nele tratada não tem qualquer semelhança com a que está aqui em causa, o que levaria a que a “convolação” redundasse num acto inútil, e como tal proibido por lei.

Entendemos, pois, pelo exposto, não se justificar a admissão da revista, não sendo, igualmente, de convolar o presente recurso em recurso por oposição de acórdãos.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2019. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.