Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:070/12.9BELLE 0680/16
Data do Acordão:12/17/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
TRIBUTAÇÃO
TRANSMISSÃO ONEROSA
IMÓVEL DESTINADO À HABITAÇÃO
HABITAÇÃO PRÓPRIA
HABITAÇÃO PERMANENTE
SUJEITO PASSIVO
AGREGADO FAMILIAR
Sumário:I - O artº 10º, nº 5 do CIRS exclui da tributação as mais valias obtidas aquando da alienação de habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se houver reinvestimento na aquisição, construção ou melhoramento de outro imóvel afecto à mesma finalidade.
II - Contudo, nos termos do nº 6 do artº 10º do CIRS, existem outros requisitos a cumprir, relativos à efectiva destinação do imóvel e elencados nas suas alíneas a) a c).
III - Assim, de acordo com o a al. c) do referido normativo, se se tratar de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, a lei exige que o adquirente inicie a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado e requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização, sob pena de perder o benefício da exclusão da incidência.
Nº Convencional:JSTA000P25345
Nº do Documento:SA220191217070/12
Data de Entrada:06/01/2016
Recorrente:A.... E OUTROS
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Recorrem A……… e B……… da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, exarada a fls. 84 e segs., a qual julgou improcedente a impugnação do indeferimento do recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa referente à liquidação adicional do IRS de 2006.

Terminam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«Face ao ficou exposto e considerando:
A) Que os ora recorrentes eram proprietários de um imóvel que destinavam e era sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar, e que o venderam em 08.02-2006;
B) Que reinvestiram o produto da venda na construção de um outro imóvel destinado a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar, cujas obras iniciaram em 06-07-2006;
C) Que afectaram o imóvel construído a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar em 31-07-2009;
O) Que participaram à matriz o imóvel construído apenas em 16-11-2009, depois, portanto dos 24 meses previstos na alínea c) do n° 6 do artigo 10° do CIRS e,
E) Considerando, ainda:
F) Que para haver a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar, no caso concretamente impugnado, só se verificaria se estivessem reunidas duas das três condições previstas na citada alínea c) do n° 6 do artigo 10°, ou seja,
G) Que bastava que o início da construção tivesse ocorrido nos seis meses seguintes ao da realização, o que efectivamente aconteceu,
Ou que, em alternativa, o imóvel construído tivesse sido participado à matriz nos 24 meses seguintes ao do início das obras, o que não aconteceu,
E que
Em qualquer caso o imóvel tivesse sido afectado à habitação própria e permanente dos recorrentes e do seu agregado o familiar, facto que efectivamente aconteceu.
Nesta medida, parece claro que bastará reflectir na terceira condição que refere: - “…devendo, em qualquer caso, afectar … " (fls. 6 da douta sentença, segmento 16), para se concluir:
- Que as duas primeiras não são cumulativas, como pretende a Meritíssima Juiz no tribunal “a quo" e,
- Que a decisão proferida decorrerá de uma má interpretação do que está plasmado na referida alínea c) do n° 6 do artigo 10º do (IRS, em resultado de ter unido as duas palavras “... efectuado e requeira" ... (fls. 6 da sentença, segmento 15, por "e", em vez do “ou” e de não ter tido em apreço a expressão “ ... em qualquer caso … " (ver segmento 16, de fls.· 6, da douta sentença) plasmada na citada norma, dando a ideia nítida e clara de que está a referir-se, a uma só e não a duas, das já referidas condições. Se o legislador quisesse abranger as duas condições, com o devido respeito e salvo melhor opinião, teria dito: - “ ... em qualquer dos casos … ". Ao dizer como disse, teria pretendido dizer que bastava uma delas para que ficasse garantido o benefício pretendido.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogada a Douta sentença recorrida e proferida nova decisão de mérito, favorável aos recorrentes, que declare nula a liquidação impugnada e sejam dela reembolsados, acrescida de juros indemnizatórios.»


2 – Não houve contra alegações.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer que, na parte relevante, se transcreve:
«(….) Em causa está a problemática relacionada com o reinvestimento da mais-valia gerada com a alienação dos imóveis identificados na alínea A) dos factos provados.
Em regra, as mais-valias resultantes da alienação de imóveis, enquanto acréscimos patrimoniais, estão sujeitos a tributação em IRS (art. 10.°, n.º 1, al. a) do CIRS).
Porém, o nº 5 do art. 10.º do CIRS, com o claro objectivo de favorecer a propriedade dos imóveis destinados a habitação permanente, exclui da tributação, nas condições descritas nas suas als. a), b) e c), os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
Esse benefício, no entanto, não terá lugar, designadamente, quando "tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o revestimento deva ser efectuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização" (art. 10.°, n.º 6, al. c) do CIRS).
Portanto, em casos como o dos autos, de reinvestimento na construção de imóvel para habitação própria e permanente [als. B) e E) do probatório], o benefício da exclusão da tributação previsto no n.º 5 do art. 10.º do CIRS não terá lugar, nos termos da norma acima transcrita, quando as obras não sejam iniciadas até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o revestimento deva ser efectuado (1ª situação) ou quando não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras (2.ª situação), sendo sempre exigível que o interessado afecte o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do 5.º ano seguinte ao da realização.
Sendo certo, face aos factos provados, que os ora Recorrentes afectaram o imóvel "de chegada" à habitação própria e permanente do seu agregado familiar no prazo previsto na norma e que o início das respectivas obras de construção também se verificou dentro do prazo previsto para o efeito, em termos de não obstar à exclusão da tributação contemplada no n.º 5 do art. 10.º do CIRS, o mesmo não se poderá dizer quanto à questão da inscrição na matriz do imóvel construído [als. C), D) e E) do probatório].
Com efeito, como resultou provado e os próprios Recorrentes o reconhecem, o pedido de inscrição na matriz do imóvel construído não ocorreu nos 24 meses seguintes ao do início das obras [ais. C) e D) do probatório e Conclusão G)].
Ora, nos termos da al. c), do n.º 6 do art. 10.º do CIRS, a não inscrição do imóvel na matriz no prazo referido é uma das situações que, a par do não início das obras no prazo referido na 1.a parte do preceito, obsta ao funcionamento da regra da exclusão da tributação vertida no n.º 5 do art. 10.º do CIRS.
Nesta conformidade, sem mais considerações, negando-se provimento ao presente recurso, deverá ser mantida a decisão recorrida.»


4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
«A) Em 2006, os Impugnantes alienaram três frações do prédio urbano 5519 da freguesia ……… - Tavira (por acordo);
B) Em 08/02/2006, os Impugnantes, celebraram escritura de compra e venda, pela qual os Impugnantes adquiriram o terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo 4606, sito na Foz, lote 83, freguesia ……….., concelho de Tavira, pelo preço de €70.000 (cfr. fls. 22 do processo de reclamação graciosa);
C) Em 06/07/2006 foi emitido alvará de obras de construção no terreno referido na alínea precedente (cfr. fls. 81 do processo de reclamação graciosa);
D) Em 16/11/2009 foi feito pelos Impugnantes, pedido de inscrição do imóvel construído, na matriz predial urbana, através da apresentação de Modelo 1 do IMI nº 22520 13 onde consta: "data de conclusão das obras: 21/07/2009"; "Data de ocupação: 31/07/2009"; (cfr. fls. 85 do processo e reclamação graciosa);
E) Os Impugnantes afetaram o imóvel construído no terreno adquirido e melhor identificado na alínea B) à habitação própria e permanente do seu agregado familiar, em 31/07/2009 (por acordo);
F) Foi emitida em 12/07/2010 a liquidação n° 20105004565932 no valor de €18.889,74 (cfr. fls. 106 do processo e reclamação graciosa);
G) Os Impugnantes pagaram a quantia de €18.834,89, a título de liquidação mais juros compensatórios (por acordo).»

6- Do objecto do recurso
A questão objecto do recurso reconduz-se a saber se padece de erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé na aplicação e interpretação ao caso subjudice do artº 10º, nº 6, al. c) do CIRS.
Entendeu-se na sentença recorrida que o referido normativo exige que o adquirente inicie a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado e requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.
Mais se considerou que aqueles requisitos não são alternativos mas sim cumulativos, e que se referem a factos que se complementam - início de obras; inscrição de prédio novo na matriz; ocupação do imóvel pelo contribuinte o seu agregado familiar.

Não conformados com o assim decidido alegam os recorrentes que os prazos previstos neste normativo, são pressupostos alternativos e não cumulativos, ou seja, bastará o cumprimento de um deles, no caso, o início das obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado.

Esta argumentação dos recorrentes não deve, no entanto, obter provimento Vejamos.

6.1
A questão a decidir prende-se com a verificação dos requisitos do regime de exclusão da tributação como mais valias imobiliárias dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel, regulado nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.
O artº 10º, nº 5 do CIRS exclui da tributação as mais valias obtidas aquando da alienação de habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se houver reinvestimento na aquisição, construção ou melhoramento de outro imóvel afecto à mesma finalidade.

Contudo, nos termos do referido nº 6, existem outros requisitos a cumprir, relativos à efectiva destinação do imóvel e elencados nas sua alíneas a) a c).
Assim, se se tratar de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, a lei exige que o adquirente inicie a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado e requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de inicio das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização, sob pena de perder o benefício da exclusão da incidência.
Ou seja não se verificará o benefício da exclusão de tributação se qualquer uma daquelas exigências não for cumprida.
A norma define, pela negativa, as circunstâncias em que o benefício da exclusão não se verificará.
É o que se infere claramente do texto do preceito quando prevê que “Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando… não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras (…)”.
Assim, contrariamente ao alegado pelos recorrentes não basta o cumprimento de um daqueles requisitos legais para se alcançar a exclusão da tributação.

E, sendo certo que a letra da lei constitui o ponto de partida na interpretação de qualquer norma tributária, importa sublinhar que constitui também um limite de interpretação, pois não podemos atribuir à lei um sentido que não tenha na sua letra “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, como dispõe o artº 9º do Código Civil (Cf. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2ª edição, Almedina, pág. 364.).
Trata-se, pois, como bem decidido na decisão recorrida, de requisitos que, cumulativamente se hão-de verificar.
Como sublinha José Guilherme Xavier de Basto (Cf. Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, pág. 415 e, também neste sentido, André Salgado de Matos, CIRS anotado, ed. do Instituto Superior de Gestão, pág. 168.), se qualquer um deles não for cumprido a resposta é que o benefício da exclusão não se verificará.

No caso vertente, como bem nota o Ministério Público no seu parecer, estando comprovado que os ora Recorrentes afectaram o imóvel "de chegada" à habitação própria e permanente do seu agregado familiar no prazo previsto na norma e que o início das respectivas obras de construção também se verificou dentro do prazo previsto para o efeito, em termos de não obstar à exclusão da tributação contemplada no n.º 5 do art. 10.º do CIRS, o mesmo não se poderá dizer quanto à questão da inscrição na matriz do imóvel construído [als. C), D e E) do probatório].
Com efeito, como resultou provado e os próprios Recorrentes o reconhecem, o pedido de inscrição na matriz do imóvel construído não ocorreu nos 24 meses seguintes ao do início das obras [als. C) e D) do probatório e Conclusão G)].
Ora, nos termos da al. c), do n.º 6 do art. 10.º do CIRS, a não inscrição do imóvel na matriz no prazo referido é uma das situações que, a par do não início das obras no prazo referido na 1.a parte do preceito, obsta ao funcionamento da regra da exclusão da tributação vertida no n.º 5 do art. 10.º do CIRS.
E assim sendo, como é, não se encontra preenchido um dos requisitos a que alude o predito artº 10º, nº 6 do CIRS para que fique excluída a incidência da tributação,
A sentença recorrida, que decidiu neste pendor, não merece censura e deve ser confirmada.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.


Lisboa, 17 de Dezembro de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Francisco Rothes.